REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202505031729
Andréa Lúcia Batista Lopes Wanderley1; Gustavo Manoel Leles Martins2; Murilo Miranda Nunes3; Samir Fernandes Braga4; Stela Maris de Almeida Oliveira5
RESUMO
É incontestável que o impacto da morte provocada traz nos familiares e amigos um forte sentimento de busca por justiça. Este artigo busca demonstrar pontos legais, psicológicos de como o trabalho dos Auxiliares de Autopsia realizado no Instituto Médico Legal, juntamente com o perito seus conhecimentos científicos na confecção e elaborando um laudo preciso em conformidade com os ditames previsto pela legislação brasileira e que traz um recorte real da causa do óbito da vítima. Invariavelmente as cortes brasileiras têm se visto obrigadas a julgar as causas apresentadas por particulares buscando um alento a essa tão compreendida negação, inconformismo e dificuldade de lidar com a finitude humana, por vezes buscando ressarcimento, baseando-se em inquéritos policiais e nos laudos especializados. Este trabalho tem por método a revisão bibliográfica, visando o objetivo de demonstrar que em certos casos o laudo médico expedido pelo IML é usado como artificio em processos de indenização sem que se tenha o devido mérito da causa. Ao final conclui-se que cabe à justiça fazer surgir a verdade e imputar as sentenças aos culpados ou excluir inocentes de acusação, mas, também cabe a ressalva de que em dados casos fica clara a não caracterização de um crime contra a vida, tratando-se de múltiplos elementos que podem levar ao óbito.
PALAVRAS CHAVE: Inconformismo. Laudo. Justiça. Judicilialização. Óbito.
ABSTRACT
It is undeniable that the impact of a death provoked by a death causes a strong feeling of seeking justice in family members and friends. This article seeks to demonstrate the legal and psychological aspects of how the work of the Autopsy Assistants carried out at the Forensic Medical Institute, together with the expert’s scientific knowledge, in preparing and preparing an accurate report in accordance with the provisions of Brazilian law and which provides a real outline of the cause of the victim’s death. Brazilian courts have invariably been forced to judge cases filed by individuals seeking relief from this well-understood denial, nonconformity and difficulty in dealing with human finitude, sometimes seeking compensation, based on police investigations and specialized reports. This work uses a bibliographical review as its method, aiming to demonstrate that in certain cases the medical report issued by the IML is used as an artifice in compensation proceedings without due consideration of the merits of the case. In the end, it is concluded that it is up to the justice system to bring out the truth and to impose sentences on the guilty or to exclude the innocent from prosecution, but it is also worth noting that in certain cases it is clear that a crime against life is not characterized, since there are multiple elements that can lead to death.
KEYWORDS: Nonconformity. Report. Justice. Judicialization. Death.
1. INTRODUÇÃO
Realizar a elaboração de uma pesquisa com o tema aqui enfocado, requer uma visão multifacetada o que demanda a necessidade de uma visão abrangente e se torna um caminho difícil de ser percorrido pela interdisciplinaridade dessa ciência. É fato que todos os campos do conhecimento se alimentam de informação, mas poucos são aqueles que a têm como objetivo a determinação do que causou o fim da existência de um ser, e como o documento que friamente demonstra as causas da morte pode causar impacto profundo nos familiares e amigos daquele que se foi.
É incontestável que com o crescimento da população e o aumento do número de crimes, aumenta a demanda do laudo médico-legal, pois as pessoas estão também mais esclarecidas, reivindicam seus direitos, e maior agilidade no processo de elucidação de questões sociais e financeiras.
O laudo médico-legal é um documento sigiloso, mas, democrático, transparente, visando atender aos interesses da Justiça. Os especialistas — o Médico Legista, com o imprescindível apoio do Auxiliar de Autópsia — devem ter plena autonomia para a elaboração desse documento, cujo único compromisso é com a verdade. Dependendo da conclusão do descrito, as famílias recorrem às cortes judiciais em busca de reparação, seja ela criminal ou civil, por danos ou mesmo por buscarem justiça.
Diante de acontecimentos frequentes nos juizados nacionais, cabe ressaltar com certo cuidado que o laudo do IML é sim um documento probatório de um delito ou exclusão dele que aconteceu a alguém, invariavelmente quando pairam dúvidas os familiares se envolvem em processos indenizatórios, às vezes, com somente o intuito de subtrair quantias vultuosas dos supostos causadores da situação
É relevante ressaltar o distanciamento cada vez maior entre moral e direito. Tal afirmação se parte do princípio de que a moral é uma característica marcante da ética e conforme a filosofia apresenta, o conhecimento humano se divide em: estética, ética e lógica, sendo que o dinheiro pertence ao campo da Lógica.
Aquilo que concerne à ética, elemento do caráter humano aqui enfatizado se conceitua como “o estudo sobre quais as finalidades de uma ação que estamos deliberadamente preparados para adotar”. Então se o indivíduo adota uma atitude de tentar levar vantagem em todas as ocasiões, pode-se medir o seu grau de moral (PIERCE, 1990, p. 202).
Para o mesmo autor acima referendado, no caso da lógica, está se encontra em uma categoria mais elevada, se caracteriza pela superposição dos símbolos, das leis do pensamento que convergem para se encontrar a verdade. O que não é aceitável é que se passe de uma categoria a outra de maneira que venha a atender desejos pessoais em detrimento de uma ou outra categoria.
Eis, então o cerne da pesquisa que ora se apresenta e na qual se questiona até que ponto o trabalho científico realizado pelo IML na confecção de seus laudos tem causado o aumento dos processos indenizatórios ou mesmo de aceitação da realidade da perda de um ente querido, por exemplo, em leitos hospitalares ou por doenças em tratamento?
O objetivo deste trabalho é o de demonstrar que em certos casos o laudo médico expedido pelo IML é usado como artificio em processos de indenização sem que se tenha o devido mérito da causa.
Para a execução do artigo foi utilizada uma metodologia de compilação bibliográfica em artigos e obras literárias que tratam do assunto abordado.
Esperou-se ao final das pesquisas colaborar com os colegas de profissão e trazer ao publico leitor maiores informações sobre um assunto relevante e que levanta uma polêmica que trata sobre questões emocionais, ética, moral e direito.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 O impacto psicológico da noticia de morte nas famílias
Sempre se fala em como enfrentar os casos de morte, mas, na realidade, deveria se falar de como enfrentar essa problemática como um todo. Na verdade, enfrentar a morte da mesma forma em que se enfrenta as necessidades pelas as quais é preciso passar na vida. E essa forma, vai sempre estar ligada a muitos fatores, por exemplo: a idade, as tarefas que desempenha no grupo de convívio, seja a família, o trabalho ou outros (NUNES et al., 2004).
Outro fator importante é perceber-se, no momento em que é relatado o fato da perda, passa-se por uma situação de tristeza, da certeza do fim de um convívio, se enfrentados outros problemas ao mesmo tempo, se as pessoas com quem compartilhar a angústia e dividir o que aflige. Mas, principalmente, a forma de enfrentar essa situação estará sempre relacionada à personalidade, ou seja, o conjunto de fatores que determinam como atuar em tudo na vida (CONDE et al., 2006).
Acontece que, com o tipo de cultura que foi herdada, torna mais temerosos para enfrentar o desconhecido (CONDE et al., 2006). Infelizmente, buscar culpados é sempre uma tônica da sociedade e em nada ajuda, o mais indicado seria buscar assistência e acompanhamento ao longo de todo processo do luto. É preciso ir ao enfrentamento de cada etapa corajosamente e lembrar que é possível ter recaídas antes de obter a vitória, que neste caso é representado pela possibilidade de uma paz (GUIRRO, 2004).
A importância da união familiar e da rede de amigos é outro fator considerado importante no melhor aceitamento das causas da morte do ente querido. Muito ajuda partilhar com os familiares e amigos, todas as emoções e sentimentos que acontecem ao longo do processo. Medo, alegria, apreensão, tudo pode ser compartilhado, dividido (NUNES et al., 2004).
Aqui nesta pesquisa tem-se como foco de estudo buscar levantar uma visão humanitária na qual se vislumbre a explicação das pessoas diante da morte e da confirmação de qual foi a causa e das prováveis circunstâncias que levaram a finalização de uma vida. Tal preocupação faz parte do atendimento a preceitos constitucionais que visam preservar um dos direitos inalienáveis da sociedade que é aquele referente à humanização das ações do estado, que se passa a seguir a relatar de maneira breve.
2.2 Princípio da Humanidade
A constituição brasileira expressamente dispõe no seu art. 1º, que a dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado brasileiro.
O postulado maior da política criminal reside no respeito ao princípio da humanidade, que decorre do fato de ser o homem o fim de todas as considerações sociais. O respeito aos direitos fundamentais do homem resulta de lento processo de evolução que dependem da ideologia, dos valores e princípios que cada Constituição adota, de modo que cada Estado reconhece como fundamentais direitos humanos específicos.
Na América a reivindicação humanitária surgiu a partir de documentos declaratórios com tendência a reconhecer a universalidade para os direitos humanos fundamentais. A Declaração de Independência americana, de 1776, defendeu que todos os homens nascem igualmente dotados de direitos inalienáveis, como a vida, a liberdade e a busca da felicidade (TOLEDO, 1986).
Muitos foram os documentos que expressaram a preocupação das diversas nações com o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais; entretanto foi na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948 em Paris que as declarações viram reafirmadas de forma efetiva, a fé dos povos, os direitos fundamentais do homem, a dignidade e o valor da pessoa humana; a consideração de que a liberdade, a justiça e a paz no mundo têm por base o reconhecimento da dignidade intrínseca e os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana.
Ao diferenciarem-se os conceitos das definições, verifica-se que essas são as explicações dos elementos contidos num conceito.
Ao longo do tempo, e em sua evolução, o direito assumiu deveres e definições, tanto nominal, que se preocupam com a nomenclatura que e com a realidade (MACHADO NETO, 1987).
Não é possível definir em apenas uma frase, o conceito de direito, a palavra direito pode ser interpretada em vários aspectos, onde estão implícitas, normas, conceitos, leis e até o uso e costumes.
Paulo Bonavides (2001, p. 63) exprime que:
Para a efetiva proteção aos direitos humanos, necessário se faz, não só declarar os direitos do homem, mas estabelecer mecanismos eficientes de proteção aos direitos reconhecidos. Imprescindível se faz o estabelecimento de um sistema jurídico que assegure a concreta observância desses direitos. Entende-se, portanto, que a justiça não pode ser demasiadamente repressiva, suas bases de ação devem fundar-se em ações socialmente construtivas. A sociedade deve considerar sua responsabilidade para com o delinquente, estabelecendo a assistência necessária e suficiente para sua reinserção na sociedade.
“Muitos Juristas se se aprofundaram em estudos sobre o direito e chegaram a resultados que causam perplexidade que se torna análise conflitante”. Praticamente todo cidadão tem nação, do significado das leis que são aplicadas em seu país, muitas destas leis não são aplicadas em outros países (GOUVÊA, 2000).
Algumas vezes a diferença entre o caso padrão e a semelhança podem gerar conflitos, porque as leis não conseguem provar todos os detalhes. O conceito cita o exemplo de jogo de xadrez, ainda é um jogo, disputado sem a rainha?
Quando se analisa um sistema jurídico pode-se afirmar que em certos casos padrões, são aplicadas leis de várias espécies, porque isso é determinado pelo tribunal e pelo poder legislativo, porque são elas as criações do direito.
A pergunta o que é direito? Pode ser feita de outra forma. O que é a natureza ou a essência do direito? Para Gouvêa (2000, p. 318):
Isto pode ser explicado em certas condutas humanas em que elas não são facultativas e sim obrigatórias. Quando uma pessoa se encontra em situação privilegiada e der ordem a outro baseado em ameaças no sentido de obrigar a outros, tem-se a essência do direito.
No sistema jurídico, apresenta uma lei que declara certa conduta ao crime e estabelece punição ao infrator, a única diferença é que nos casos das leis as ordens são dirigidas a um grupo que em regra obedecem tais ordens. Quando examinada de perto, verifica-se distorção e fica difícil diferenciar o direito e as obrigações jurídicas baseadas em ameaças.
Outra questão a ser mencionada é a conduta obrigatória onde às regras morais impõem obrigações e que impedem o indivíduo de atuar da forma como gostaria de agir.
O sistema jurídico consiste em regras que são aplicadas pelos tribunais e todas as vezes que são questionadas surgem impotentes divergências.
Do que se pode entender dos dizeres de Michel Foucault (1998) no dia a dia depara-se com vários tipos de regras, convive-se com elas em todas as casas, no clube, nos esportes e quase todas impõem um sentido e exigem que as pessoas se comportem de acordo com o estabelecido. Por exemplo, o pagamento de impostos e não cometer violência. Outras regras ditam os procedimentos e a formalidade como no casamento, na assinatura de contratos, entre outros.
Existem regras que são seguidas por um grupo de pessoas que se comportam de modo similar em certos tipos de circunstâncias, como comportamento das pessoas no interior de uma igreja.
Ocorrem também os comportamentos da sociedade que tendem a praticar determinados atos sem que exista uma regra para seguir, por exemplo, visitar os pais todos os finais de semana.
A diferença entre a situação de mero comportamento e a existência de uma regra social mostra-se frequentemente na forma linguística do ‘dever’, ‘ter o dever de’. A diferença entre as regras é que elas são comportamentais, quando ocorrem alguns desvios, se tornam objeto de reações hostis, e no caso de regras jurídicas quando são modeladas, ocorre a punição (FOUCAULT, 1998, p. 91).
Isto posto fica-se centralizado nas três questões. Como difere o direito de ordens baseadas em ameaças e como se relaciona com estas? Como se difere a obrigação jurídica de obrigação moral e como se relacionada com estas? O que são regras e em que medida é o direito uma questão de regras? Afasta as dúvidas sobre estas perguntas, tem sido a maior atenção sobre a natureza do direito.
Existe a dificuldade para definir o significado direito, a palavra é usada no cotidiano, mas, quando é solicitado para manifestar-se sobre ela, não podem definir ou fazer alguma explicação razoável.
É comum, no dia a dia as pessoas exprimirem um desejo que outro faça, ou deixar de fazer algo, isso acontecer quando se chama por alguém, quando se pede para alguém parar. Quando isso ocorre e a pessoa interpelada acata o desejo expresso, chama-se este ato de modo imperativo. A forma imperativa se apresenta de várias formas, pode ser através de um pedido até mesmo os mais banais, na forma de imploração, quando uma pessoa está a merecer de outra uma súplica para não ser morta, na forma de aviso quando, solicitado a parar, por estar correndo algum tipo de perigo (DURKHEIM, 1999).
A distração entre as formas diferentes de imperativos é a maneira de se emitir um comando. Comandar é exercer autoridade sobre homens, não com os objetivos ligados as ameaças e ao medo, um comando é um apelo não ao medo, mas ao respeito pela autoridade.
A forma padrão, numa lei criminal se aproxima mais das ordens baseadas em ameaças e é aplicada em dois sentidos, indicando um tipo de conduta e aplica-se a uma categoria de pessoa.
Ainda em relação aos ensinamentos de Émile Durkheim (1999, p. 52):
As leis abrangem todas as pessoas dentro das fronteiras onde ela é aplicada, da mesma forma o direito canônico entende que todos os membros da igreja estão no ambiente de sua aplicação. Em todos os casos a aplicação de uma lei é uma questão de interpretação. A grande maioria dos juristas fala das leis como dirigidas a categorias de pessoas, mas isto é contestado, ao ordenar às pessoas que falem coisas é uma forma de comunicação e implica que nos dirigimos a elas, mas fazer leis não é implicar. Fazer leis difere de ordenar as pessoas a que tenham atitudes que possam prejudicar a outras pessoas.
O direito pode ser aplicado de várias formas mesmo quando não estão previstas por lei, ele pode ser de forma moral ou em sanções, ambos têm o mesmo interesse manter a ordem e fazer justiça. O direito sem sanção é um direito abstrato onde se corresponde a uma justiça superior (Deus) exemplo, bíblia.
O direito com sanção é um direito mais concreto e o que se está acostumado a conviver; ele tem punições que variam de acordo com a infração.
O direito também pode ser interpretado de duas formas: objetivo ou subjetivo, ambos são aspectos da mesma realidade. O direito objetivo compõe-se de normas impostas pelo estado de caráter geral onde os indivíduos são compelidos mediante coerção. O subjetivo é o meio de satisfazer interesses de determinadas pretensões e praticar os atos destinados alcançar tais objetivos (GOUVÊA, 2000).
Justiça é o termo que designa as ações do homem considerado pela sociedade com um bom ser humano e como tal merecedor das honras, já o injusto é aquele que comete em dados momentos de sua vida ações que visam infringir o direito de outros, seja no tocante a conquistar bens ou vantagens que pertencem a seus semelhantes (RODRIGUES, 1998).
O homem injusto tem como característica básica o total desprovimento de sentimentos humanitários, é aquele que para conseguir algo que muito tenha auspício não se remete a ditames morais impostos pela coletividade são ímprobos aos olhos da lei, mas somente aquele que visivelmente fere as normas legais pode ser considerado como injusto por esta.
Entende-se justiça àquela virtude que visa o bem do próximo, ou seja, se algum faz algo em seu benefício, mas, ao fazê-lo não prejudica a outro, este primeiro é conceituado como virtuoso.
Já aquele para ser considerado injusto ou desvirtuado, basta agir de maneira a aquinhoar algo para si, bastando então que prejudique o seu semelhante. Entende-se, portanto, justiça sendo o todo da virtude e a injustiça o todo do vício.
É enganoso ao jurisprudente registrar como injusto ou ímprobo todos aqueles que tenham cometido um mesmo delito, necessário se faz observar não só o ato em si, também é deveras importante o que levou ao ato e o fim a que se destinou a ação, haja visto que homens considerados probos procuram satisfazer-se como os ímprobos, mas o segundo sempre visa o próprio bem e acumulação de algo ilícito, em se tratando do primeiro não, exemplifica-se os adúlteros que nada querem daquela a qual cometem o ato, enquanto que outros ao fazerem esperam alguma paga pelo seu ato (FERREIRA, 1995, p. 26).
Pode-se então esquecer a justiça que corresponde à virtude total, sendo que uma delas é o exercício da virtude completa, e a outra, o do vício completo, ambas em relação ao próximo. Distinguindo-se assim, o justo do injusto, já que a lei prescreve a maioria dos atos ordenados pela lei naqueles que são alvo, tendo em vista a virtude considerada como um todo.
Todas as sociedades visam reger sua população no sentido de manter uma ordem social total e igualitária, para isso, as leis recorrem ao totalismo de uma ação, cabendo então ao legislador diferenciar qual comete ato ímprobo ou não (DURKHEIM, 1999).
2.3 Medicina Legal e a Importância do Laudo do IML
A Medicina Legal existe e se desenvolve em razão das necessidades de ordem pública e social que se fazem sentir através dos tempos. De acordo com Fávero (2008, p. 26):
[…] a Medicina Legal é ciência e arte. Ciência porque evidentemente coordena e sistematiza verdades gerais, num conjunto doutrinário, embora aplicando conhecimentos estranhos. E é arte por isso que, nas mãos do perito, aplica técnicas e preceitos em busca da missão prática requerida.
Para França (2003), a Medicina Legal não chega a ser propriamente uma especialidade, pois aplica o conhecimento dos diversos ramos da Medicina às solicitações do Direito.
Mas pode-se dizer que é ciência e arte ao mesmo tempo. É ciência porque sistematiza suas técnicas e seus métodos para um objetivo determinado, exclusivamente seu, sem com isso formar uma consciência restritiva nem uma tendência especializada, mas exigindo uma cultura maior e conhecimentos mais abrangentes do que em qualquer outro ramo da Medicina. E é arte também porque, mesmo aplicando técnicas e métodos muito exatos em busca de uma verdade reclamada, procura surpreender valores que a outros facultativos podem passar sem reparo e colocando sua interpretação numa sequência lógica ante o resultado dramático da lesão violenta. Tudo isso sujeitado à ciência – uma arte forçosamente científica. Aqui não se pode dizer que seja uma arte voltada para a produção de efeitos estéticos, nem a manifestação fantástica e ilusória que o virtuosismo espiritual aspira, mas uma arte estritamente objetiva e racional, capaz de colocar o analista diante de uma concepção precisa e coerente (FRANÇA, 2003, p. 58).
A Medicina Legal é muito mais do que uma especialidade da Medicina, é uma ciência social, pois se preocupa com o homem desde a fase intrauterina, quando é ainda um ovo, durante todas as fases de sua vida e depois desta, através do exame de seus restos mortais, conforme pensamento de França (2003):
Uma criança trocada na maternidade, um pai que nega a paternidade, um casamento malsucedido por doença grave e incurável, um acidente de trabalho ou uma doença profissional têm nesta ciência uma ajuda indispensável. Do mesmo modo, uma marca de dentada, um fio de cabelo, um dente cariado ou restaurado, uma impressão digital, uma mancha de sangue ou pequenos fragmentos de pele sob as unhas de um suspeito, que à primeira vista não mostram nenhuma importância, são subsídios por si só capazes de ajudar a desvendar o mais misterioso e indecifrável crime. Pelo visto, a Medicina Legal é uma disciplina eminentemente jurídica, mesmo que ela tenha seus subsídios trazidos da Medicina e das outras ciências biológicas. Ela subsiste em face da existência e das necessidades do Direito. E muito se realçará à medida que mais solicitem e mais exijam as ciências jurídico-sociais (FRANÇA, 2003, p. 63).
Em síntese, a Medicina Legal é um campo do conhecimento muito abrangente, apresentando relações com outras ciências e, nesse sentido, concordamos com França, quando considera que esta área poderia ser denominada Medicina Política e Social.
Já a perícia médico-legal pode ser definida, de acordo com França (2003, p. 68):
[…] como um conjunto de procedimentos médicos e técnicos que tem como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça. Ou como um ato pelo qual a autoridade procura conhecer, por meios técnicos e científicos, a existência ou não de certos acontecimentos, capazes de interferir na decisão de uma questão judiciária ligada à vida ou à saúde do homem.
Ainda sobre a definição de perícia médica, Sousa Lima, citado por Fávero (2008, p. 39), afirma que a perícia médica pode ser definida como “toda a sindicância promovida por autoridade policial ou judiciária, acompanhada de exame em que, pela natureza do mesmo, os peritos são ou devem ser médicos”.
A finalidade da perícia é produzir a prova: o elemento demonstrativo do fato. Essa prova vai possibilitar ao magistrado a percepção da verdade e a consequente formação de convicção para a deliberação de uma sentença justa.
As perícias são realizadas nas instituições médico-legais ou por médicos ou por profissionais liberais de nível superior da área de saúde nomeados pela autoridade que estiver à frente do inquérito. São efetuadas para qualquer domínio do Direito, sendo no foro criminal onde elas são mais constantes, podendo, no entanto, servir aos interesses civis, administrativos, trabalhistas, previdenciários, comerciais, entre outros (FRANÇA, 2003, p. 72).
O exame pericial pode ser realizado em vivo, cadáver, esqueleto, animal e objetos em geral, como: armas e projéteis, cabelos, pelos, impressões digitais, esperma, leite, colostro, sangue, líquido amniótico, fezes, urina, saliva e mucosa vaginal, entre outros (FRANÇA, 2003).
As perícias nos vivos objetivam: diagnosticar as lesões corporais; determinar a idade, sexo e grupo racial; diagnosticar gravidez, parto e puerpério; diagnosticar conjunção carnal ou atos libidinosos, em casos de crimes sexuais; verificar aborto; estudo de determinação da paternidade e da maternidade; comprovar doenças profissionais e acidentes do trabalho; encontrar evidências de contaminação de doenças venéreas ou de moléstias graves; confirmar doenças ou perturbações graves que interessem ao estudo do casamento e do divórcio; diagnosticar doenças mentais para validar ou invalidar testamentos, anular casamentos ou outras tantas situações (FRANÇA, 2003).
Nos cadáveres, os exames periciais são realizados com o objetivo de diagnosticar a causa da morte. Para Markus (2011, p. 55), a perícia também objetiva:
[…] a causa jurídica de morte e do tempo aproximado de morte, a identificação do morto, e diagnóstico da presença de veneno em suas vísceras, a retirada de um projétil, ou qualquer outro procedimento que seja necessário.
Quando realizada em esqueletos, a perícia objetiva identificar o morto e, quando possível, a causa que o levou à morte. Importante frisar que a equipe de trabalho neste campo da ciência é altamente especializada, assim, no cenário do laudo médico-legal, os peritos têm atuação proeminente, como atores destacados ou autores, uma vez que a eles compete a elaboração deste documento (FRANÇA, 2003).
Em Medicina Legal, portanto, o ideal será que um médico-legista seja o perito, entretanto, na falta deste pode ser designado um médico de qualquer especialidade ou outro profissional com certa experiência na matéria, com habilitação técnica e curso superior relacionado com a natureza da perícia (FRANÇA, 2003).
O Perito e o Auxiliar de Autópsia, atuando em estreita colaboração, não defendem nem acusam: cumprem, juntos, o dever de buscar e revelar a verdade. Eles devem verificar o fato, indicando a causa que o motivou. Para tal, necessário se faz que procedam a todas as investigações que julgarem necessárias e relatem com imparcialidade todas as circunstâncias, sejam ou não favoráveis ao acusado ou à vítima. Eles precisam de tranquilidade e ambiente livre de pessoas estranhas ao ato pericial (GOMES, 2007).
Expondo sua opinião científica, o perito age livremente, é senhor de sua vontade, das suas convicções, não podendo ser coagido por ninguém, nem pelo juiz, nem pela polícia, no sentido de chegar a conclusões preestabelecidas. Caso sinta-se pressionado e sem liberdade para realizar de modo adequado o exame, o perito deve recusar-se a fazê-lo, mesmo que sua recusa o exponha a possíveis e injustas sanções administrativas (GOMES, 2007, p. 31).
A incumbência da equipe especializada em perícia é, portanto, elaborar um documento, um relatório, um laudo, que virá a ser o instrumento de representação do conhecimento a respeito do fato investigado.
O laudo é o relatório realizado pelos peritos após suas investigações, então, o conceito de laudo médico-legal é o próprio conceito de relatório médico-legal de Fávero, anteriormente citado, ou de França (2003, p. 75) “é a descrição mais minuciosa de uma perícia médica a fim de responder à solicitação da autoridade policial ou judiciária frente ao inquérito (peritia percipiendi)”. Um laudo médico-legal, que deve ser bem metódico, constará das seguintes partes: preâmbulo, quesitos, histórico, descrição, discussão, conclusões e resposta aos quesitos.
O preâmbulo é uma espécie de introdução do laudo médico-legal, na qual constam a qualificação da autoridade solicitante, a dos peritos, a do examinando, o local onde é feito o exame, a data e a hora, bem como o tipo de perícia a ser feita (GOMES, 2007).
As perguntas formuladas pela autoridade judiciária ou policial, pela promotoria pública ou pelos advogados das partes são os quesitos, definidos por Carvalho e Segre (2013, p. 44), como: “[…] a expressão das dúvidas que a Justiça deseja sejam esclarecidas através de determinada perícia. Eles dão uma diretriz clara a ser seguida pelo perito durante o exame”.
O histórico corresponde à anamnese dos exames clínicos, consistindo no registro dos fatos mais significativos que motivam o pedido da perícia ou que possam esclarecer e orientar a ação do legisperito. Isso não quer dizer que a palavra do declarante venha a torcer a mão do examinador. Essa parte do laudo deve ser creditada ao periciando, não se devendo imputar ao perito nenhuma responsabilidade sobre seu conteúdo (FRANÇA, 2003).
Já a descrição esta é a parte mais importante do laudo: é o visum et repertum. 20 Descrever é relatar de maneira completa, minuciosa, metódica e objetiva. A descrição não deve ficar adstrita somente à lesão, devendo também ser registrada a distância entre ela e os pontos anatômicos mais próximos e, se possível, anexar-se esquemas ou fotografias das ofensas físicas, para evitar dúvidas futuras (FRANÇA, 2003).
A descrição deve ser a reprodução fiel e minuciosa de todos os exames praticados, contendo os dados colhidos no exame local, geral, complementar, das vestes, das armas, e de todos os objetos, que devem estar numerados e, quando possível, ilustrados (FAVERO, 2008).
O perito deve transformar em palavras as sensações que experimenta ao realizar o exame, tendo como meta a objetividade da descrição: percepção de formas, proporções, extensões. Ele deve anotar os elementos presentes e algumas ausências importantes como, por exemplo, a ausência de reação vital em um ferimento. O perito não deve diagnosticar durante a descrição, devendo sim detalhar seu relato, possibilitando análises posteriores (GOMES, 2007).
De acordo com Carvalho e Segre (2013, p. 56):
[…] no caso de perícia no ser humano vivo, a descrição começa, geralmente, com o registro de elementos que permitam determinar a identidade do examinando; os itens seguintes são, normalmente, o exame geral, o exame especial ou local e os exames complementares. Na descrição da perícia necroscópica devem constar: elementos de identificação, exame das vestes, sinais de morte, exames externo, interno e complementares (radiológicos, histopatológicos, toxicológicos etc…).
Resumidamente demonstra-se que o trabalho realizado pelo IML na confecção de seus laudos obedece criteriosamente aos preceitos legais e até mesmo os constitucionais, na busca pela elucidação de crimes e da causa quando acontecem a morte de pessoas. E este trabalho é fundamental para que as famílias e a sociedade como um todo tenham a consciência de que suas dúvidas serão sanadas e em alguns casos possam ser determinados rumos para a instauração de culpabilidade de outros e assim, incorrer em processo criminal ou cível de reparação de danos causados.
3. DISCUSSÃO
Há que se frisar que uma morte violenta deve ser discriminada como aquela que ocorre por algum tipo de lesão, homicídio, acidente ou suicídio. Sendo consideradas como não naturais, motivo esse em que o procedimento da necropsia é exigido pela legislação criminal vigente, visando determinar as causas que levaram ao óbito (SILVA, 2021).
Todos os dias nas cortes brasileiras, os magistrados se veem envoltos no estudo e analisando as provas documentais e testemunhais no sentido de trazer luz a questões tão difíceis como o inconformismo familiar e a real causa que levou à morte do ente querido.
Em que pese a dor da perda e a desconfiança em relação ao diagnóstico (nos casos de pacientes que vieram a óbito) levam familiares a judicializarem os laudos periciais, especialmente em casos de suicídio ou causas naturais inesperadas. Em muitas situações, há questionamento não apenas sobre o laudo, mas também, sobre a maneira como o óbito ocorreu.
Mello (2004) assevera que nestes casos, tem-se a necessidade de julgar tendo como pilar máximo que comprove a veracidade legal do laudo emitido a imperiosa necessidade de ser a prova absolutamente imparcial e verdadeira, figurando o perito como um “assistente técnico”, ou seja, no intuito de levar ao conhecimento do magistrado, aquilo que ele não domina de forma técnica.
Perito não é parte integrante no interesse finalista da causa. É um assistente, parte integrante do sistema processual, mas, jamais, parte. Seu interesse se reveste única e exclusivamente no compromisso com a VERDADE REAL e, nunca se interessando para A ou B, partes nos autos. Daí estar assegurado por preceitos legais, independentemente do tipo e gravidade do tema em estudo, para poder ter a independência necessária para atuar no seu mister, e, não vir a sofrer consequências ou mesmo ameaças à sua integridade ou honorabilidade pessoal ou profissional.
Salvaguardada a sua integridade, exige-se do perito uma firme disciplina metodológica levando-se em consideração 03 (três) requisitos básicos:
1. Técnicas médico-legais reconhecidas e aceitas com a segurança necessária capaz de executar um bom trabalho;
2. Utilização dos meios subsidiários adequados para chegar ao resultado pretendido e, principalmente, tenha se utilizado de contribuição irrecusável da tecnologia pertinente;
3. Utilização de um protocolo que inclua a objetividade de roteiros atualizados e tecnicamente garantidos pela prática e legislação pericial corrente.
Embora o eminente professor França (2003) entenda parar por aí a metodologia a ser empregada pela equipe técnica especializada em perícia médica, ousa-se aqui ampliar o seu entendimento. O resultado final de uma perícia é trazer ao conhecimento das partes e principalmente ao julgador, fatos de natureza técnico-científica capaz de definir como se deu a dinâmica, sua natureza e conclusões, NUNCA adentrando em questões, como por exemplo, emotivas.
A seriedade do laudo pericial é o conforto do magistrado para produzir o seu trabalho final. A questão da perícia é de tal importância, que o próprio Código de Processo Penal, impõe ser a perícia feita por 2 técnicos. O artigo 158 do Código de Processo Penal é taxativo: “Quando a infração deixar vestígios, será INDISPENSÁVEL o exame de corpo delito […]” (BRASIL, 1941).
O adjetivo colocado no texto tem por finalidade dizer: não se admite em Direito, ação penal sem o respectivo laudo pericial, quando a infração deixar vestígios, sob pena de não se considerar como existente a infração penal. Equivaleria dizer: uma lesão corporal sem auto de corpo de delito.
A questão é abordada de forma interessante por Tourinho Filho (2009, p. 325):
Se duas ou três pessoas viram, no Rio Amazonas, alguém decepar a cabeça de outrem, não há dúvida de que ocorreu um homicídio. Mas, como proceder ao exame se as águas levaram o corpo de delito? Neste caso, relatando as testemunhas o que viram, estará feito o exame indireto. Contudo, é preciso que elas tenham visto os vestígios. Se por acaso não se fizer o exame, direto ou indireto, a nulidade é tão grande que fulmina todo o processo, nos termos do art. 564, III, b, do Código de Processo Penal.
Analisando-se com atenção o Código de Processo Penal, em seu artigo 159, tem-se algumas questões tidas como importantes:
1. É INDISPENSÁVEL o exame de corpo delito quando a infração deixar vestígios;
2. O legislador dita: INFRAÇÃO. Assim, pouco importa a sua natureza ou gravidade;
3. Quando se refere à perícia, sempre no plural, impondo a necessidade de, no mínimo 2 peritos;
4. A CONFISSÃO DO ACUSADO, isoladamente, não supre aquele exame.
5. Sobre a perícia INDIRETA, como necessária TAMBÉM para a livre convicção do Julgador (BRASIL, 1941).
A preocupação é também de membros do Ministério Público, dos humanistas. Sob a ótica do julgador, a quem cabe a “palavra final”, o laudo pericial é de suma importância. Portanto, a necessidade de sua precisão técnica.
Em outra situação apresenta-se a questão patrimonial, com disputas pela liberação do seguro de vida, ou tema indenizatório que são restringidas em caso de suicídio por algumas companhias seguradoras, ou mesmo doenças preexistentes, o que leva a contestação pelos familiares.
Em um caso o laudo do IML constatou que a morte de um cidadão se deu por infarto agudo do miocárdio, mas que não se aponta no referido documento o momento exato do mal-estar súbito, como se segue literalmente.
Os relatórios médicos de f. 58 e 59 atestam que o segurado gozava de boa saúde e não tinha histórico de problemas cardíacos anteriores.
No registro de óbito, de f. 47, consta que a “causa mortis” foi infarto agudo do miocárdio, atestado por médico.
Na perícia de f. 268/274, afirma o i. perito que não era possível afirmar ter o infarto ocorrido antes ou depois do acidente que vitimou o segurado: Na discussão diagnóstica, afirmou o expert:
[…] O intervalo entre a inconsciência por baixo débito cardíaco e a parada cardiorrespiratória (morte) pode variar, desde alguns segundos até horas. Daí ser impossível, à luz da ciência médica, afirmar precisamente se o Infarto Agudo do Miocárdio que matou o Sr. Adão ocorreu antes (e provocou) ou depois (em decorrência) do acidente (f. 271).
E, ao responder os quesitos dos autores, assim consignou:
6. A tensão (susto, medo) provocada pela situação do acidente pode causar o infarto agudo do miocárdio? Em caso positivo, exemplificar. Resposta: Sim, pode causar. A descarga adrenérgica decorrente do acidente pode provocar aceleração da atividade cardíaca, que implica maior demanda de oxigênio pelo órgão, em caso de restrição à circulação, pode ocorrer infarto (f. 273).
A apelada alega que o sinistro decorreu de morte natural, infarto agudo do miocárdio, e não de acidente. Contudo, a ocorrência do acidente é inconteste, conforme boletim de ocorrência de f. 43/46.
A prova testemunhal de f. 320 comprova, ainda, que, no dia do acidente, o segurado estava são, conduzindo seu veículo, quando perdeu o controle da direção em uma curva acentuada, e veio a colidir com uma cerca de arame, sendo conduzido a um posto de atendimento médico, onde faleceu ao dar entrada. O atestado e o registro de óbito informam o infarto como causa da morte, e, como antes do acidente, a vítima gozava de boa saúde, conclusão lógica é a de que o infarto ocorreu após a colisão, muito provavelmente, em decorrência do estresse pós-traumático, ou seja, o acidente ocorreu primeiro.
Demais, não há prova de que o segurado possuía problema cardíaco e que tenha perdido o controle da direção do veículo por conta do infarto. Conforme asseverou o i. Procurador de Justiça às f. 404/408:
No que tange ao momento da morte, a dúvida diz respeito ao infarto do miocárdio ser a razão ou a consequência do acidente em questão. Conforme os atestados médicos de f. 58/59, o segurado não sofria de problemas cardíacos, e o laudo pericial, às f. 269/274, não foi capaz de determinar se a morte foi anterior ou posterior ao acidente e, conforme já mencionado, a dúvida deve favorecer o consumidor. Não há como afastar a causalidade da morte do segurado com o acidente de trânsito.
Assim, o ônus da prova de fato desconstitutivo era da apelada, a teor do art. 333, II, do CPC. Sobre esse tema, com muita propriedade, o professor Theodoro Júnior (2009, p. 388):
Quando, todavia, o réu se defende através de defesa indireta, invocando fato capaz de alterar ou eliminar as consequências jurídicas daquele outro fato invocado pelo autor, a regra inverte-se. É que, ao se basear em fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor, ou réu implicitamente admitiu como verídico o fato básico da petição inicial, ou seja, aquele que causou o aparecimento do direito, que, posteriormente, veio a sofrer as consequências do evento a que alude a contestação […].
Por fim, saliente-se que ao contrato celebrado entre a vítima e a requerida/apelada aplica-se o CDC, que prevê a interpretação mais favorável ao consumidor, conforme art. 47, in verbis: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
E termina o eminente juiz, prolatando a seguinte sentença:
Logo, em hipótese de dúvida quanto aos fatos constitutivos das condições para implemento do direito ao pecúlio, a interpretação desses fatos e das respectivas condições do contrato deve ser de forma mais favorável ao consumidor. Com tais considerações, dou provimento ao recurso, para julgar procedente o pedido inicial e condenar a requerida ao pagamento da indenização securitária no valor descrito na inicial, acrescida de juros de mora desde a citação e correção monetária desde a data do óbito do segurado. Condeno a requerida, ainda, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 15% do valor da condenação.
Relembra-se que todo o caso aqui levantado foi retirado in literis do meio eletrônico e tal texto é de total confecção do Relator Delmival de Almeida Campos, no processo de Apelação Cível nº 1.0702.05.227760-6/001, 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de minas Gerais em outubro de 2013.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A morte é a única certeza que o ser humano tem em toda sua existência, ao longo de suas vidas as pessoas, nascem, crescem, envelhecem e vão a óbito. Nesse caminhar da vida laços familiares, amizades, caminhos profissionais e tantos outros elementos que compõem a sociabilidade são construídos.
É fato que por mais concreta que seja, a morte, não é aceita por aqueles que convivem harmoniosamente com quem parte definitivamente. Como demonstrado nesta pesquisa, invariavelmente quando a causa é considerada como estranha, os parentes buscam a culpabilização ou a reparação da perda através da judicialização, como não raro é também, a utilização dos laudos emitidos pelo IML como prova comprobatória do motivo que as levou a contestar ou reclamar algo que lhes parece como direito inalienável.
A equipe técnico-científica do Instituto Médico-Legal reconhece, nos Peritos Médicos Legistas e Auxiliares de Autópsia, profissionais altamente qualificados e comprometidos com a missão institucional de produzir documentos periciais de elevada relevância. Seu trabalho não se limita à determinação da causa mortis, mas se estende à elaboração de informações técnicas essenciais para o esclarecimento das circunstâncias da morte, subsidiando com rigor científico as autoridades policiais e judiciárias. Dessa forma, contribuem de maneira decisiva para a efetivação da justiça e para o atendimento digno das famílias enlutadas, que encontram no resultado pericial um caminho para a verdade e para o encerramento dos ritos de despedida.
Ao se discorrer neste artigo sobre uma questão tão imperiosa e que traz à tona os mais intensos sentimentos, como: aceitação, incredulidade, dúvidas, a própria perda sem retorno de uma pessoa querida, tem-se como cumprido o objetivo proposto na inicial desta pesquisa.
Entende-se que o tema é relevante, carece de maiores estudos, por isso deve incitar aos colegas interessados no assunto o aprofundamento ainda maior nas discussões.
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CAMPOS, Delmival de Almeida. Apelação Cível nº 1.0702.05.227760-6/001, 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de minas Gerais em outubro de 2013. Disponível em: https://bd-login.tjmg.jus.br/jspui/handle/tjmg/7172. Acesso em: 04 nov. 2024.
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TOURINHO FILHO, Fernando. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo:Saraiva, 2009.
1Bacharel em Direito, Auxiliar de Autópsia da Polícia Cientifica de Goiás, Especializações em Ciência Forense e Perícia Criminal; Docência em Segurança Pública; Investigação Criminal e Psicologia Forense; Ciências Criminais; CSI. E-mail: andrea.wanderley11@gmail.com.
2Graduado em Medicina Veterinária. E-mail: gustavo_manoel@hotmail.com.br.
3Bacharel em Medicina Veterinária, Pós graduação em Direito Processual Penal. E-mail: murilomirandanunes@gmail.com.
4Bacharel em Educação Física, Especialista em Fisiologia do Exercício e Treinamento, Auxiliar de Autopsia e Histotécnico da Policia Cientifica de Goiás, Técnico em Anatomia do Hospital Das Forças Armadas. Samiresuzana@hotmail.com.
5Graduação em Gestão em Hotelaria, Especializações em Investigação Criminal e Psicologia Forense; Ciências Criminais; Docência em Segurança Pública; CSI. E-mail: stelamaris24@icloud.com.