INFLUÊNCIA DA ESPIRITUALIDADE PARA O BEM-ESTAR DO IDOSO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7117970


Autores:
Vívian Lacerda Wanderley de Albuquerque1
Ronaldo Bezerra de Queiroz2
Renata Moreira Montenegro3


RESUMO

Objetivo: Com o envelhecimento populacional, torna-se ainda mais relevante estudos que avaliem ferramentas que possam impactar o bem-estar dessa população tão vulnerável. Foi objetivo desse estudo é avaliar a influência da espiritualidade para o bem-estar da população idosa em períodos de crise, através de uma revisão integrativa realizada no segundo semestre de 2021. Métodos: A coleta de dados se deu em 6 etapas e as bases de dados utilizadas para a busca foram Scopus, PsycInfo, PubMed e Lilacs. Resultados: A busca resultou em 420 estudos, e, após exclusão dos que estavam em duplicidade, leitura e aplicação dos critérios de inclusão, restaram 6. Conclusão: A espiritualidade é uma ferramenta de enfrentamento de situações de crise, especialmente para os idosos.

Palavras-chave: Saúde; Idosos; COVID-19; Espiritualidade.

ABSTRACT

Objective: As the population ages, studies that evaluate tools that can impact the well-being of this vulnerable population have become even more relevant. The objective of this study is to evaluate the influence of spirituality on the well-being of the elderly population in periods of crisis, through an integrative review carried out in the second half of 2021. Methods: Data collection took place in six stages and the databases used for the search were Scopus, PsycInfo, PubMed, and Lilacs. Results: The search resulted in 420 studies, and, after excluding those that were duplicated, reading and applying the inclusion criteria, six remained. Conclusion: Spirituality is a tool for coping with crisis situations, especially for the elderly.

Keywords: Health; Elderly; COVID-19; Spirituality.

RESUMEN

Objetivo: Con el envejecimiento de la población, se hace aún más relevante que se avalúen herramientas que puedan impactar en el bienestar de esta población tan vulnerable. Fue objetivo de este estudio, evaluar la influencia de la espiritualidad en el bienestar de ancianos en períodos de crisis, a través de uma revisión integrativa realizada en el segundo semestre de 2021. Métodos: La colecta de datos se hizo en 6 etapas y las bases de datos utilizados para la búsqueda han sido Scopus, PsycInfo, PubMed y Lilacs. Resultados: La búsqueda ha resultado en 420, y tras exclusión de los que estaban en duplicidad, lectura y aplicación de los criterios e inclusión, restaron 6. Conclusión: La espiritualidad es una herramienta de enfretamento de situaciones de crisis, especialmente para ancianos.

Palabras claves: Salud; Ancianos; COVID-19; Espiritualidad.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é um fenômeno demográfico mundial do século XX, e esse processo tem promovido  o  progressivo  interesse  pela gestão  da  qualidade  de  vida, procurando  entender  as  prováveis consequências  situacionais  e  os possíveis ajustes que a sociedade terá que fazer para acompanhar as mudanças nas características populacionais  (1). Estima-se que em 2050 metade da população será de pessoas com 65 anos de idade ou mais (2), isto é, mais de 2,1 bilhões de pessoas (3). No Brasil, como aponta a projeção de população do IBGE, atualizada em 2018, a expectativa é de que o número de idosos chegue a ser ¼ da população em 2043; enquanto a proporção de jovens até 14 anos será de apenas 16,3% da população do Brasil (1).

Essa transição demográfica, ocasionada pela queda da fecundidade e mortalidade, pela melhoria no acesso aos serviços de saúde e das condições sanitárias, gera uma demanda expressiva e nunca antes vista, secundária a esse novo cenário onde as políticas de saúde devem atentar para as necessidades dessa população, que incluem maior utilização de serviços médicos e de medicamentos, maior utilização dos recursos da previdência e o manejo do tratamento de doenças crônicas e cuidados paliativos (4).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu saúde como um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença (5). No entanto, as políticas em saúde e a própria formação dos profissionais de saúde de modo geral sempre colocaram a prioridade no controle da morbidade e mortalidade (6). Em 1988, a OMS incluiu a dimensão espiritual no conceito multidimensional de saúde (7). Esse conceito não se limitava a algum tipo de crença ou prática religiosa, mas incluía questões de natureza imaterial, remetendo a questões como significado e sentido da vida, pois haveria “na vida mais do que pode ser percebido ou completamente entendido” (7,8).

Sabe-se, através de diversos estudos(9-11), que a religião e a espiritualidade têm importante contribuição no bem-estar do indivíduo, principalmente o mental, devendo assim ser alvo de análise por parte dos profissionais de saúde, tanto como ferramenta preventiva de algumas doenças psíquicas, como um meio de amenizá-las.

O surgimento de um novo vírus (SARS-CoV-2) na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China, em dezembro de 2019, surpreendeu o mundo. Isso porque o novo vírus foi capaz de se disseminar tão rapidamente que, após 3 meses, estava espalhado por 114 países, fazendo com que a OMS declarasse a pandemia (12). A infecção pelo novo coronavírus (COVID-19) ocasiona a síndrome respiratória viral mais severa desde a pandemia de influenza H1N1, em 1918 (13).

No contexto nacional, as medidas de enfrentamento à COVID-19 entraram em vigor em março de 2020, e dentre elas, foi o distanciamento social (14), sendo considerada a principal medida de prevenção e controle da doença, principalmente para pessoas consideradas dos grupos de risco, dentre eles, os idosos (15 ). Mesmo com essas medidas, milhões de brasileiros foram acometidos pelo SARSCOV-2 e milhares morreram em decorrência dele, a maior parte idosos (16).  Para Vasconcelos e colaboradores (17), “…a sensação de isolamento desperta angústia,  insegurança,  medo,  que  podem  se  prolongar  até  mesmo  após  o  controle  do vírus”, sendo, portanto, “necessário pensar na saúde mental e bem-estar dos indivíduos submetidos a esse período de isolamento”.

Tendo em vista a importância da preservação da saúde e bem-estar do idoso, e os poucos estudos relacionando espiritualidade/religiosidade à pandemia de COVID-19 direcionados à população idosa, despertou a necessidade de realizar uma pesquisa direcionada à contribuição da espiritualidade para o bem-estar do idoso durante essa pandemia. Diante dessa justificativa, questiona-se o que se tem na literatura recente sobre a influência na população idosa da espiritualidade/religiosidade em tempos de crise. Como permitir uma melhor compreensão desse impacto e minimizar os danos causados pela pandemia atual? Para a solução desses questionamentos elaborou-se como objetivo da pesquisa extrair da literatura evidências científicas acerca da influência da espiritualidade/religiosidade na população idosa durante a pandemia de COVID-19.

MÉTODOS

Trata-se de um artigo de revisão integrativa da literatura científica que intentou responder a seguinte questão: “Qual a influência da espiritualidade/religiosidade no bem-estar dos idosos durante a pandemia de COVID-19?”. A pergunta norteadora: foi desenvolvida a partir da estratégia PICo, onde P se refere a participantes idosos; I, à intervenção, espiritualidade; Co, ao contexto, a pandemia de COVID.

A fim de responder a tal questionamento, utilizaram-se as bases de dados Scopus, PubMed, PsycInfo e Lilacs, usando como descritores “saúde, COVID, idosos e espiritualidade”.

A pesquisa foi realizada em quatro meses, entre outubro de 2021 a fevereiro de 2022, e foram percorridas as seis etapas para a construção da revisão integrativa (18).

Os critérios de inclusão abrangeram: artigos originais e de revisão (bibliográfica e documental), completos, relacionados com a pergunta norteadora e de acesso livre. Os artigos publicados fora do período da pandemia de COVID-19 e/ou artigos cuja população em estudo não foram idosos, foram excluídos.

Desta forma, foram encontrados 420 artigos, sendo 41 da base de dados PsycInfo, 205 da Scopus, 06 da Lilacs e 168 do PubMed, que foram exportados para a plataforma EndNote, tendo sido identificados e excluídos os artigos em duplicidade (85 artigos) e, posteriormente exportados (335 estudos) para a plataforma Rayyan, onde foram excluídos por duplicidade mais 54 estudos, restando 281 estudos para análise de título e resumo a partir dos critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos. A partir desta análise foram incluídos 6 estudos e excluídos 275, sendo 183 por abordarem um outro conteúdo, 82 por incluírem uma outra amostra populacional, 7 por não tratarem do contexto COVID-19 e 3 por se tratarem de artigos de revisão (Figura 1).   

FIGURA 1 – DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE SELEÇÃO DOS ESTUDOS

Fonte: Elaborada pelos autores.

RESULTADOS

Após aplicação dos critérios de inclusão, a presente pesquisa abarcou 6 estudos, sendo estes: 2 transversais, 1 estudo de caso, 1 descritivo e 2 artigos de opinião, estes últimos, de autores com ampla pesquisa no tema há anos (Quadro I).

QUADRO I – RESULTADOS DA PESQUISA (AUTORIA, ANO DE PUBLICAÇÃO, TÍTULO, TIPO DE ESTUDO E LOCAL DE PUBLICAÇÃO, OBJETIVOS E PRINCIPAIS RESULTADOS)

A análise dos resultados permitiu observar que foram encontrados 6 estudos que se adequam aos critérios de inclusão. Desses, 5 (83,33%) relatam a influência da espiritualidade no bem-estar dos idosos durante a pandemia.

A respeito do período de publicação, observou-se que 2 dos artigos estudados foram publicados no ano de 2020 (33,33%); e 4 dos artigos foram publicados no ano de 2021 (66,66%).

Dentre os artigos estudados, todos (100%) trataram especificamente dos sintomas de estresse, ansiedade e depressão durante a pandemia de COVID-19, bem como a necessidade dos cuidados envolvendo espiritualidade e religiosidade.

Outra característica observada foi que, todos os artigos incluídos na pesquisa foram estudos realizados fora do Brasil, mas durante o período da pandemia.

DISCUSSÃO

Pandemia da COVID-19

Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na República Popular da China. Em 7 de janeiro de 2020, foi confirmado e identificado um novo tipo de coronavírus, que recebeu o nome de SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome-associated coronavirus 2). Esse novo vírus é o responsável por causar a COVID-19, e em menos de 2 meses de sua descoberta, foram confirmados no mundo 107.423.526 casos e 2.360.280 mortes (19).

A COVID- 19 apresentam sintomas que variam desde os mais comuns (febre, cansaço e tosse seca), até mesmo sintomas mais atípicos, como: congestão nasal, dor de cabeça, conjuntivite, dor de garganta, diarreia, perda de paladar e/ou olfato, erupção cutânea na pele ou descoloração dos dedos das mãos ou dos pés e até o óbito. No entanto, a maior parte dos casos em que ocorreu óbito por COVID-19 foi em pacientes com alguma comorbidade pré-existente e/ou idosos (16).

A transmissão deste vírus ocorre de pessoa para pessoa, através da autoinoculação do vírus em membranas mucosas (nariz, olhos ou boca) e do contato com superfícies inanimadas contaminadas, o que tem chamado cada vez mais atenção para a necessidade de adoção rápida e preventiva de medidas de proteção humana a fim de impedir a contaminação (20). Sua alta transmissibilidade tem ocasionado um maior número absoluto de mortes do que a combinação das epidemias produzidas pelos SARS-CoV e o MERS-CoV (21).

O distanciamento social está entre as prioridades das instituições para diminuir a transmissão do Sars-CoV-2, minimizando o contato entre indivíduos infectados e saudáveis, entre grupos com altas taxas de transmissão ou até mesmo diminuir o risco de pessoas assintomáticas permanecerem na comunidade, infectando outras, a fim de atrasar o pico da epidemia e diminuir a magnitude dos seus efeitos, para proteger a capacidade de assistência clínica(22) . A partir dessa premissa, a Figura 2 apresenta as principais medidas adotadas de forma precoce visando reduzir o impacto da pandemia.

FIGURA 2: FLUXOGRAMA DAS MEDIDAS DE CONTENÇÃO DA CIRCULAÇÃO DO NOVO CORONAVÍRUS VISANDO A REDUÇÃO DO IMPACTO DA PANDEMIA POR COVID-19.13 BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS, BRASIL, 2020

Fonte: Elaborada pelos autores.

Enfrentamento da pandemia pelos idosos

Apesar do envelhecimento populacional, a visibilidade e valorização dessa parcela da população ainda está aquém do adequado. Porém, os idosos são destaque na pandemia COVID-19, em grande parte por apresentar alterações decorrentes da senescência ou senilidade e ao potencial risco dessa população (16).

A vivência da pandemia COVID-19, principal evento demográfico do século XXI, ressignificou condutas, conhecimentos e aproximou a comunidade do meio científico, com destaque aos cuidados e atenção aos idosos (23).

Para diminuir os impactos da pandemia, uma das medidas adotadas foi o distanciamento social. A reação dos idosos diante desta vivência pandêmica, está relacionada com vulnerabilidade para os agravos de natureza psicológica como a ansiedade e a depressão (24).

Inúmeros estudos realizados durante a pandemia, mostraram que os principais impactos nos idosos foram: sintomas depressivos, aumento de ansiedade, medo e angústia, agravo de ordem psicológica, problemas de sono e agravamento do problema de sono que podem prejudicar a saúde mental, sentimento de solidão que pode levar à uma predisposição de desenvolver sintomas depressivos e depressão, grande impacto sobre o sexo feminino (24-27).

Uma das formas dos idosos encararem e superarem momentos negativos, é através da espiritualidade e religiosidade, onde estes encontram força e conforto nesses instrumentos (28). A  religiosidade  aborda  a  crença  e  a  prática  de  uma  religião (29); já a espiritualidade está relacionada a uma questão universal sobre o sagrado e divino, o que pode ou não levar a uma prática religiosa (30).

Um estudo realizado por Durmus e Durar (31) utilizou de escalas já validadas para aferir a fobia de COVID (Coronavirus phobia scale-C19P-S) e o bem-estar espiritual (Spiritual well-being scale – FACIT-Sp) de idosos turcos, durante a pandemia, a fim de avaliar a relação existente entre o bem-estar espiritual e o medo da COVID-19. Na ocasião, não havia tratamento efetivo, nem vacina para combater a doença causada pelo novo coronavírus. Foram incluídos os pacientes com mais de 65 anos, sem desordens físicas ou psicológicas e sem dificuldades de comunicação. Os achados encontrados pelo autor foram de uma correlação inversamente proporcional e estatisticamente significativa entre os níveis de bem-estar espiritual dos idosos participantes e o medo de coronavírus.

Além dos níveis de medo, os níveis de bem-estar espiritual encontrados com a aplicação da escala FACIT-Sp também foram maiores do que os encontrados na população em geral, o que o autor atribui ao maior uso de ferramentas espirituais por parte dos idosos. Além disso, os idosos que vivem com familiares também tem níveis mais elevados de bem-estar espiritual, sendo um fator protetor contra o medo durante o surto de COVID (32).

Assim, enquanto os autores observaram níveis mais elevados de bem-estar espiritual na população idosa, verificaram níveis semelhantes de medo do COVID quando comparado à população em geral. E, uma vez que quanto maior a espiritualidade menores os níveis de medo, encoraja a desenvolver intervenções, tais como organizar treinamentos, prover cuidado espiritual, criar meios utilizando a tecnologia, a fim de fortalecer a espiritualidade dos idosos (31).

Algo semelhante foi observado por Rababa (33) num estudo descritivo realizado com idosos entre 60 e 75 anos, onde a espiritualidade/religiosidade teve papel importante na redução de ansiedade de morte. Porém, neste estudo, diferente do observado por (31), Os níveis de bem-estar espiritual na população idosa, aqui aferidos pela versão árabe da Spiritual Well Being Scale (SWBS), foram baixos, assim como os níveis de enfrentamento religioso da amostra, este último podendo ser explicado pelo lockdown aplicado durante a pandemia. Aqui, diferente do encontrado por Ouanes (34), as mulheres faziam mais uso da religião como mecanismo de enfrentamento, o que contribuiu para que tivessem menos ansiedade de morte que os homens; e mulheres viúvas tiveram menores níveis de ansiedade de morte que os idosos casados.

Um outro estudo encontrou um nível elevado de medo do coronavírus nos idosos em relação à média da população, o que atribui não apenas ao fato do idoso ser mais susceptível a complicações pela doença (35), mas ao nível educacional da amostra, uma vez que alguns estudos revelaram que quanto maior o nível educacional, menor o nível de medo (36-38).

Quanto ao medo somático, relacionado a pensamentos negativos a respeito da saúde do corpo, também foi reduzido quando os níveis de bem-estar espirituais eram mais elevados, semelhante a estudos prévios (39). Assim, em concordância com outros estudos (40), os níveis de espiritualidade se mostraram ser um fator protetor contra o medo psicológico e somático, evidenciando a importância de fortalecer a espiritualidade. Houve ainda uma redução da sensação de paz a medida que o medo relacionado ao aspecto econômico, também muito afetado pela pandemia, aumentava.

A importância da espiritualidade para o bem-estar do idoso durante a pandemia

A espiritualidade e a religiosidade, apesar de estarem intimamente relacionadas, possuem significados e características específicas (41).

O uso da religião para enfrentar momentos de crise foi considerado como um importante fator de proteção contra ansiedade de morte e, quanto maior o bem-estar espiritual, menores os níveis de ansiedade de morte, fazendo com que o autor também recomendasse fortemente a manutenção das práticas religiosas/espirituais, através do uso de tecnologias, durante a pandemia de COVID-19 e o acompanhamento dos idosos internados com COVID em hospitais por parte dos capelães (31).

Outros autores, como Drummond e Carey (42), através da experiência em um centro de cuidado do idoso na Austrália, compartilham dessa opinião de que a espiritualidade deve ser cultivada nesse momento pandêmico, nesse caso, principalmente através de capelães, de maneira adaptada para essa nova realidade em que vivemos, pois ela poderia trazer uma nova perspectiva diante da situação de pandemia e possibilitar a sensação de bem-estar.

Nesse estudo em questão, muitos participantes apresentavam quadro de demência, mas, inclusive nesses casos, foi ressaltada a importância do cultivo da espiritualidade, expressada por esses através do afeto e emoção (42). A espiritualidade faz parte de um olhar holístico sobre a saúde. Nessa experiência relatada, os participantes dispunham de um espaço aberto para rituais e reflexão, onde se mantinha o distanciamento social, bem como a manutenção do cuidado pastoral através do uso de tecnologias, evitando a sensação de abandono, medidas vistas pelos autores e participantes como importantes e que permitiram manutenção de uma rotina e a não interrupção de atividades dessa natureza praticadas antes da pandemia.

Chirico (43), um estudioso do tema espiritualidade, tem a mesma percepção e evidencia as dificuldades que as restrições trazidas pela pandemia geraram para o uso da religiosidade como mecanismo de enfrentamento, e sugere que a equipe de saúde seja treinada para atender às demandas espirituais dos pacientes, o que poderia ser importante não só na pandemia, mas no pós-COVID, a curto e longo prazo, e em outras situações de crise que o mundo venha a enfrentar.  Para ele, o cuidado espiritual seria útil não apenas para os que crêem em Deus, mas também para aqueles que se consideram ateus, trazendo proteção para o bem-estar e a manutenção do significado da vida, menores níveis de medo, preocupação e tristeza (44) principalmente na população idosa, considerada vulnerável às alterações mentais.

Koenig (40), outro autor com vasta experiência no tema espiritualidade, entende que uma das maneiras de proteger os idosos religiosos das consequências mentais e até no campo da imunidade trazendo mais saúde e resistência a infecções (40,45,46), como as ocasionadas pela pandemia de COVID-19, seria gastar tempo desenvolvendo uma profunda fé religiosa, não só através de estratégias comunitárias, como as reuniões promovidas on line por comunidades religiosas onde é possível ouvir mensagens de esperança, mas também de atividades aplicadas de maneira individual, aprofundando o relacionamento com Deus através de práticas como leitura de livros sagrados e outras literaturas, assistir programas motivacionais, fazendo orações e meditação. Essas ações impactariam não apenas o idoso em questão, mas os que o cercam.

Um outro estudo, transversal, realizado no Qatar (34), avaliou a saúde mental, a resiliência, e a religiosidade nos idosos acima de 60 anos, comparando os que estiveram em quarentena, por pelo menos 7 dias, com os que não estiveram, e observou que o sexo feminino foi preditor de estresse, depressão e ansiedade, independente de estarem ou não em quarentena.

Embora a resiliência tenha sido maior no grupo que estava em quarentena, a religiosidade foi similar em ambos os grupos. Aqui o autor não encontrou correlação entre religiosidade e menores níveis de desordens mentais, tais como, depressão, ansiedade e estresse. Não foi vista diferença na prevalência dessas desordens mentais entre a população idosa que estava em quarentena e a que não estava, nem em relação à pandemia em geral.

Mota e colaboradores (47) realizaram um estudo durante a pandemia, para analisar a espiritualidade e religiosidade de idosos que participam de um Grupo de  Convivência (GC) na cidade de Goiás, mostrando que fé, religiosidade e espiritualidade  possuem  enorme  significância  para  os  idosos,  por  proporcionarem  conforto, sensação de acolhimento e fortaleza, além de serem mecanismos que propiciam o autocuidado e formas de enfrentar as dificuldades do cotidiano.

Então, apesar das consequências da pandemia, teoricamente, serem mais pronunciadas em idosos (48), e diferente dos outros estudos encontrados nessa pesquisa, o estudo não encontrou aumento significativo de estresse nessa população, e sugere que uma explicação seria o fato de serem poupados dos danos causados pela pandemia ao aspecto profissional (49), além dos efeitos protetivos de enfrentamento desenvolvido ao longo dos anos (50). Outra explicação encontrada para esse resultado, definido pelo próprio autor como inesperado, foi a coleta de dados a respeito da religiosidade ter sido realizada através da versão árabe do Belief into Action Scale (BIAC), que enfatiza práticas religiosas comunitárias, as quais estavam prejudicadas durante esse período, impedindo o desenvolvimento adequado da religiosidade como enfrentamento de situação de crise, além da pequena amostra populacional utilizada.

CONCLUSÃO

A análise das pesquisas elencadas nesta revisão permitiu realizar algumas reflexões acerca dos temas: espiritualidade e população idosa durante o enfrentamento da pandemia do COVID-19.

Foi relatado impacto positivo da espiritualidade/religiosidade na redução do estresse, da ansiedade de morte, do medo psicológico e somático ocasionado pelo coronavírus, na manutenção do significado da vida, redução da tristeza; e a manutenção das atividades religiosas capazes de evitar a sensação de abandono.  

Assim, em situações de crise como a pandemia de COVID-19, recomenda-se prover cuidado espiritual e religioso aos idosos, além de incentivar o desenvolvimento de atividades como oração, leitura de escrituras sagradas e outras literaturas de apoio, a fim de reduzir a possibilidade de doenças mentais como ansiedade, depressão, medo, e auxiliar a manutenção da significância da vida.

Com isso, espera-se que este estudo subsidie outras discussões acerca da temática proposta neste estudo, dado que o tema tende a assumir crescente notoriedade nos próximos anos.

CONFLITOS DE INTERESSES

Os autores declaram não possuir conflitos de interesses com a pesquisa.

CONTRIBUIÇÕES

Vívian Lacerda Wanderley de Albuquerque contribuiu com a elaboração e a redação do estudo e Ronaldo Bezerra de Queiroz e Renata Moreira Montenegro contribuíram com a revisão e delineamento do estudo. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada e são responsáveis por seu conteúdo, precisão e integridade.

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1Universidade Federal da Paraíba.
https://orcid.org/0000-0002-0664-1939
2Universidade Federal da Paraíba.
https://orcid.org/0000-0001-7983-9666
3Universidade Federal da Paraíba.
https://orcid.org/0000-0002-0962-6048