WARAO INDIGENOUS PEOPLE: THE CHALLENGES OF MIGRATION
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202308110505
Dora Lúcia Terras da Silva1
Sílvia Carla Bezerra Pereira2
Mílvio da Silva Ribeiro3
Resumo
A crise na pós-modernidade (ou seria a crise da pós-modernidade?) é o assunto principal deste artigo. Vários sinais são apresentados como característicos do período. Aqui, importa principalmente a noção de descentramento do sujeito. A partir da noção de sujeito descentrado, busca-se uma abordagem da problemática pós-moderna e do processo de globalização. Ao lado do conceito de descentramento subjetivo, aborda-se a crise das identidades singulares, de raça e de nação. Para fazer este percurso, procurou-se abordar o pensamento de alguns autores que escrevem sobre as cidades, o hibridismo cultural e a questão da subjetividade.
Palavras-chave: Descentramento, Crise, Pós-modernidade, Cultura.
Abstract
The crisis in postmodernity (or would be the crisis of postmodernity?) is this article principal subject. Several signs are presented as this time characteristic. The principal question is the subject uncentered. Through this notion, we are searching for approach of postmodernity problematics and globalization process. Besides the uncentered subject, we search for particular indentities crises – of race and nation. To do it, we are embased in auctor that wrote about the cities, the cultural hibridism and the subjectivity as a question.
Keywords: Uncentered, Crisis, Postmodernity, Culture.
1 INTRODUÇÃO
Escrever sobre um grupo indígena é um desafio, e mais ainda para a etnia Warao por adentrarem o nosso país recentemente como imigrantes refugiaram-se em busca de melhores condições socioeconômicas. Nesse sentido, o objetivo, deste texto, é trazer à tona os problemas causados pelo desenvolvimento moderno, que vêm afetando à vida indígena Warao, passando desde seus territórios ancestrais, por centros urbanos da atual Venezuela, até chegarem ao Brasil.
Os Warao remontam uma história de mais de oito mil anos, de uma região, Delta do Rio Orinoco, mais especificamente ao estado Delta Amacuro, que atualmente corresponde ao nordeste do território que a colonização chamou de Venezuela, constituindo a segunda maior população indígena provinda deste território. De acordo com o censo realizado em 2011, atualmente os Warao são aproximadamente 49 mil indígenas. Esta etnia tem sido tradicionalmente uma sociedade de pescadores e coletores sem a presença de elementos cerâmicos (CASTRO, 2000).
A região do Delta do Orinoco foi alvo de sucessivos empreendimentos governamentais, em meados do século XX, provocando impactos e alterações ambientais, prejudicando as dinâmicas socioculturais da vida indígena, obrigando os/as Warao a se deslocarem para regiões urbanas da Venezuela (CASTRO, 2006). Nesse sentido, é importante compreender que a atual crise da Venezuela não foi o principal fator que ocasionou o deslocamento forçado do povo Warao. Desde a década de 60, os impactos ambientais têm ocasionado esses deslocamentos com mais intensidade. Vamos encontrar gerações que nasceram diante deste contexto e mediante a atual crise econômica e política da Venezuela, a situação da população indígena se agravou, o que os levou a atravessarem as fronteiras de países vizinhos, dentre estes o Brasil.
Em Manaus, o trabalho de acolhimento e interiorização dos/as Warao foi intensificado, em 2016, quando o governo brasileiro tentou fazer uma deportação em massa de venezuelanos, entre eles estava um número significativo de indígenas Warao. A partir desta situação, o Ministério Público Federal (MPF), iniciou um diálogo institucional que formaram diversas redes de apoio como Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), Agência do Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Confederação de Organizações Católicas de Ação Humanitária (CÁRITAS), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); entre outras.
Segundo o relatório da Agência do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) de junho de 2020, temos 5.020,00 indígenas Warao no Brasil. Estão em pelo menos 38 municípios, de 15 estados. Na região Norte, cerca de 3.000,00; no Nordeste 1.000,00 e, uma pequena quantidade, no Centro-Oeste, Sudeste e Sul, porém, é importante frisar que já estiveram em pelo menos 72 municípios de 23 estados brasileiros e no Distrito Federal. Se tratando de Manaus, com 534 Warao.
É uma realidade que evidencia, a partir do intenso deslocamento, uma característica da população Warao, no qual, este trabalho, demonstrará as consequências que levaram a esta situação. Porém, também, no atual cenário político, presenciamos um desmonte dos direitos dos povos indígenas, previstos tanto na Constituição brasileira, como na Constituição venezuelana. Há muito o que ser enfrentado diante dessa colonização que se reinventa, atacando as comunidades indígenas, com abusos de poder, do imaginário colonial, principalmente à violação dos direitos humanos que leva à: deslocação forçada, condições de refúgio, xenofobia, negação das suas pautas culturais, etnocídio e genocídio.
2 CRISES E FORMAÇÕES CULTURAIS
2.1. Identidade cultural e nação
Um dos mecanismos de identificação do sujeito é o sentimento de nacionalidade – saber-se pertencente a uma nação. Ainda que ter uma nação não seja um atributo inerente à humanidade, ele passa a sê-lo na chamada modernidade tardia.
O sentimento de identidade e lealdade é gerado pela ideia de que a nação é uma comunidade simbólica e, portanto, compartilhada por um número suficientemente grande de indivíduos capazes de dar ao homem uma significação de pertencimento. Essa significação é um espelho. O processo de globalização aparece como um dos fatores responsáveis pelo processo de deslocamento dessa ideia de identidade nacional, uma vez que, diante de tal realidade, o nacional parece diluir-se. Todavia, o nacional não são apenas as fronteiras: “uma cultura nacional é um discurso” (Hall, 2003, p.50). A nação, portanto, faz sentido porque tem seu sentido narrado por memórias capazes de conectar presente, passado e futuro. A construção da nacionalidade brasileira passa também por um processo narrativo. Desde os princípios da ordem e do progresso, até a concepção da mítica convivência de todas as raças ou do em desenvolvimento, permite construir uma identidade em torno do que seja o Brasil. De um país do qual se envergonhar a uma nação da qual se orgulhar é um processo lento, no qual muitos significantes foram explorados, em detrimento de outros, de forma a construir um orgulho nacional.
Dentre os aspectos apresentados por Hall (2003) que demonstram a construção da nação, merece destaque aquele dito por Hobsbawn e Ranger, chamado de invenção da tradição. As tradições inventadas são mais eloquentes, pois se encaixam em períodos expressivos da vida da nação. A tradição inventada permite uma identificação com algo que não seria tão tradicional, mas que se faz passar por tal e consegue organizar uma ideia e um discurso em torno de si. Essa tradição inventada (ou retorno simbólico ao passado) mobiliza as pessoas para que purifiquem suas fileiras e expulsem os outros que ameaçam a identidade nacional. Cabe ressaltar, no entanto, que toda conquista de identidade nacional não pôde se construir senão numa forma violenta de subjugar o outro, o diferente, que poderia significar ameaça a uma identidade real ou imaginada. Diz-se imaginada porque tal identidade é também uma construção discursiva. As nações modernas são, na verdade, híbridos culturais, pois as nações não são puras, ainda que rejeitem os que se lhes apresentam diferentes.
O contexto de deslocamentos dos Warao apresenta diferentes etapas históricas. Não se pretende aqui apresentar todas elas, mas enfatizar que as intervenções governamentais, foram implementando sucessivos projetos de empreendimentos econômicos, na região do Delta do Orinoco, em meados do século XX. O que causou danos ambientais, acarretando sérios impactos nas dinâmicas socioculturais da vida indígena, muitos Warao morreram e outros começaram a desenvolver ciclos de deslocamentos forçados, passando a viverem em situações nada favoráveis à vida indígena em regiões urbanas, primeiramente da Venezuela e, atualmente, no Brasil e em outros países.
Segundo Quijano (2005), o projeto de globalização e modernidade em curso, em primeiro lugar, é a culminação de um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado, como um novo padrão de poder mundial. O autor vai considerar que atualmente as consequências desse projeto se dá pela colonialidade poder, do ser e do saber ocidental, que continua imperando como modelo padrão para “sociedades” que a civilização eurocentrada chama de “primitivas”, ou seja, a modernidade não superou a colonização, muito pelo contrário, com a realidade que estamos enfrentando na América Latina dá a sensação de que estamos voltando ao tempo, ao mesmo tempo que as organizações e movimentos indígenas aparecem com muito mais força e resistência neste cenário.
Segundo Pacheco de Oliveira (1997), o processo de territorialização não deve jamais ser entendido simplesmente como de mão única, dirigido externamente e homogeneizador, pois a sua atualização pelos indígenas conduz justamente ao contrário, isto é, à construção de uma identidade étnica individualizada daquela comunidade em face de todo o conjunto genérico de indígenas que pertencem a um determinado lugar, tomando o território como um fator regulador das relações entre seus membros.
O tema sobre territórios indígenas em contextos urbanos, apresenta distintas características que devem ser consideradas, se tratando dos/as Warao, o estabelecimento de relação com esse território é bem complicada, porque os lugares que estão sendo ocupados por eles/as são transitórios. Por exemplo, nesse contexto epidêmico de pós COVID 19, os núcleos familiares foram sendo divididos em ginásios de escolas e, atualmente, estão em um ambiente um tanto afastado do movimento central da cidade, o que prejudica o trabalho das mulheres e suas práticas econômicas dentro do contexto urbano.
O Povo Warao desde 2014, têm empreendido migrações para o Brasil, entrando no país pela fronteira de Roraima e seguindo para os estados do Amazonas e do Pará, neste último estado, o contingente de indígenas Warao, em dezembro de 2017, só na região metropolitana de Belém, eram torno de 200 pessoas, no mesmo mês de 2018, chegou a 400, porém, no mês de maio de 2019, pela contagem da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), a população Warao alcançou o número de 700, surpreendendo as expectativas para este fluxo migratório.
O processo migratório dos Warao não é exatamente uma saída definitiva de seus territórios, pois tem-se observado que há um fluxo migratório de ir e vir muito intenso, que exige do poder público um entendimento diferenciado para tratar da realidade cultural específica dos Warao. Eles costumam viajar acompanhados de sua família, inclusive, algumas vezes, trazendo consigo animais de estimação, como cachorros. A viagem da região do delta do rio Orinoco, partindo de Tucupita, até a cidade de Manaus costuma ser por via terrestre, podendo ser de ônibus, de carona em caminhões ou de carros particulares, e até mesmo a pé em alguns trechos, como nos relata o professor Jesus Paredes do povo Warao (em conversas informais – março de 2019). Eles completam a viagem para Belém por meio fluvial, via barco de passageiros, perfazendo uma distância aproximada de 3.500 quilômetros do Delta Amacuro até a capital paraense.
Passam meses viajando, pois a cada cidade em que param, procuram formas de subsistência ou ajuda para continuar a viagem, que pode ser retornando para o seu país, ou trazendo seus parentes para perto da família – para isso, costumam enviar ajuda financeira para que eles possam ingressar nesse ciclo migratório. As más condições de viagem também costumam deixá-los doentes, desnutridos e fragilizados, tanto os adultos quanto as crianças, sendo estas as que mais sofrem. Só em Belém, chegaram a óbito quatro crianças em consequência da viagem, seja por desnutrição ou pneumonias e infecções agravadas pela falta de higiene nos lugares que chegam e se instalam como praças públicas, logradouros, casas públicas de acolhimento (abrigos e casas de passagens) ou mesmo se submetendo a pagar para passar temporadas em locais insalubres como pousadas, onde eles possam garantir um lugar para dormir e guardarem seus pertences, mesmo se sentindo inseguros e vulneráveis.
A crise política e econômica da Venezuela trouxe, também, à luz da genealogia colonial dos países da Pan-Amazônia outras crises pré-existentes, como as desigualdades sociais, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, a xenofobia, o racismo racial e antiindígena. Tais aspectos da subjetividade do poder que tem orientado uma biopolítica (FOUCAULT, 2005) de controle social dos corpos humanos devem dificultar, mas não impedir a reconstrução de mecanismos de direitos que permitam, sobretudo, promover a autonomia política e a autodeterminação da territorialidade Warao para além de suas fronteiras físicas, ou seja, no sentido da transterritorialidade (COSTA LIMA, 2019). As crises são traduzidas, portanto, como momento de reflexão para exaltar mudanças em vários aspectos da vida cotidiana, responsáveis pela consolidação da colonialidade norte-eurocêntrica, ordenada pelo capitalismo, antropocentrismo, cristianismo e pelo patriarcado que imprimiram padrões excludentes de classe, de gênero, de raça, de etnia, de nações, de estética, de corpo, de saberes e de territórios, tal como nos alerta Catherine Walsh (2012, p. 24):
Los momentos políticos, sin duda, son cada vez más enredados y complejos; las palabras os términos de su caracterización en América del Sur son demostrativos. Mientras “crisis” —la crisis no sólo de capitalismo sino también civilizatoria occidental (Lander, 2005) y la crisis de la colonialidad del poder (Quijano, 2008) —, sugiere rajaduras y rupturas en el orden y patrones de poder, “transición” y “revolución” — los términos empleados por los gobiernos suramericanos autodenominados “progresistas”— apuntan movidas y cambios desde arriba, que aunque dicen distanciarse del neoliberalismo, encaminan hacia un nacionalismo donde el neoextractivismo y la criminalización de la protesta son los ejes más evidentes del cambio y de la progression.
A Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Organização Internacional para as Migrações (OIM) reconhece em suma que:
os direitos já reconhecidos aos povos indígenas pelo Estado brasileiro são aplicáveis à situação dos indígenas que migram da República Bolivariana da Venezuela ao Brasil, particularmente para proteger de violações individuais e coletivas os direitos indígenas. Como quaisquer outras pessoas, os indígenas são detentores de direitos, inclusive de ir e vir, de morar em contextos urbanos ou rurais, e devem estar livres de qualquer tipo de violência e discriminação. Por isso, ao pensar no acolhimento, atendimento e acompanhamento desse fluxo migratório, a proteção da identidade indígena e o direito à autonomia devem ser entendidos como direitos fundamentais, assim como o esforço para superar visões, ideários e práticas assimilacionista (OIM, 2018. p. 30).
Os Warao, portanto, têm direitos de serem tratados por igual sem negar as suas diferenças étnico-culturais, permitindo o registro de identidade pessoal e o acesso aos serviços públicos, assim como para todo migrante e refugiado no país. A eles também, como indígenas migrantes e refugiados, deve ser assegurados todos os direitos indígenas pelos órgãos oficiais das três esferas públicas. Pois são direitos consuetudinários reconhecidos em acordos assinados pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos dos Povos indígenas (assinado pela Assembleia geral da ONU, em 13 de setembro de 2007, que para os Warao pode-se dar destaque ao artigo 366 ), pelo Estatuto da Fundação Nacional do Índio (FUNAI – previsto em Decreto nº 7.778, de 27 de julho de 2012), pela Nova lei de Migração (nº 13.445, de 24 de maio de 2017) e o Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, que promulga a Convenção 169 da OIT, além da própria Constituição Federal, nos artigos 231 e 232, que garantem a proteção dos povos indígenas.
O Ministério Público Federal (MPF), na jurisdição da capital paraense, e diante de políticas indigenistas nacionais que amparam os reconhecidos direitos dos Warao, expediu, em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado (DPE) um conjunto de recomendações voltadas ao atendimento dos Warao. Recomenda-se às instituições governamentais o atendimento das demandas do povo Warao, tal como providenciar, emergencialmente, a documentação pessoal, abrigo para todos, atendimento médico, educação e empregabilidade ou assistência de sustentabilidade financeira. Com essas pressões judiciais deu-se início aos primeiros passos para a construção de uma política pública para os indígenas migrantes e refugiados, de modo a garantir dignidade de vida para o povo Warao que ainda buscam formas de sobrevivência na região metropolitana de Belém.
2.4. Globalização e identidades culturais
Hall (2003), apresenta três possíveis consequências para as identidades culturais advindas com o processo de globalização: a primeira estaria marcada pela desintegração das identidades nacionais, resultado de um crescimento da homogeneização cultural; a segunda seria o reforço das identidades locais, como resistência à globalização, e a terceira seria a formação de novas identidades, chamadas híbridas, que tomam o lugar das identidades nacionais.
A primeira e a segunda consequências poderiam se constituir em falso dilema: ou as identidades nacionais são homogeneizadas ou resistem ao processo globalizante. As pessoas pertencentes às culturas híbridas estão irrevogavelmente traduzidas, no sentido de que são obrigadas a habitar duas identidades diferentes. “As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidade distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia” (Hall, 2003, p.89). As culturas híbridas parecem indicar, no Ocidente, que o processo de globalização faz parte de um lento e gradual descentramento do próprio Ocidente. Ao hibridismo e à diversidade se opõem o fechamento e a tradição como tentativas de se reconstruírem identidades petrificadas. Como exemplo, Hall (2003) cita o nacionalismo que ressurge na Europa Ocidental e o crescimento do fundamentalismo. O que persiste é a ambição para criar estados-nação fortes, o que levaria a concretizar a noção de hibridismo, pela qual o imigrante como que é forçado a desempenhar funções menores nos países para onde foram e neles assumirem um lugar de “não estar de acordo. Não estar de acordo nunca com nada, com ninguém. […] Cansar-se disso, emparedar-se no seu desacordo desbotado, neutro, pois você não tem o direito de dizê-lo. Não mais saber exatamente o que se pensa […] (Kristeva, 1994, p.24).
A perda da raiz e a consequente perda da identidade parecem indicar um forte limite para o processo de globalização das culturas, segundo o qual o diferente é muito mais alguém a ser dissolvido do que a ter sua cultura compreendida e partilhada. O cosmopolitismo do outro, do inferior, não é mais do que sua própria inferiorização: marca de que sua cultura o faz habitar num lugar inexpugnável – o lugar do estrangeiro. Segundo Kristeva (1994, p.100):
Se voltarmos no tempo e nas estruturas sociais, o estrangeiro é o outro da família, do clã, da tribo. Inicialmente, ele se confunde com o inimigo. Exterior à minha religião também, ele pode ser o infiel, herético. Não tendo prestado fidelidade ao meu senhor, ele é nativo de uma outra terra, estranho ao reino e ao império.
A mesma estranheza com relação ao estrangeiro pode ser verificada também no exemplo de Burshatin (1999, p.117) “The image of Moor in spanish literature reveals a paradox […] between two extremes: on the “villifying” side, Moors are hateful dogs, miserly, treacherous, lazy and overreaching. On the “idealizing” side, the men are noble, loyal, heroic, courtly […]”.
Em princípio, os mouros já estão, no discurso, opostos aos homens, excluídos, pois, da própria humanidade. Os adjetivos demonstram a inferioridade de uns e a superioridade de outros. Essa é a figura do estrangeiro, cuja identidade se perde nas culturas híbridas e revela que a globalização deve ser melhor compreendida através da cultura ocidental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Parafraseando Ailton Krenak (2019), “é importante viver a experiência da nossa própria circulação pelo mundo, não como uma metáfora, mas como fricção, poder contar uns com os outros”, adiando o fim do mundo é possível contar sempre mais uma nova história. É o que Davi Kopenawa (2015), ponderou no livro a Queda do céu, dando visibilidade à resistência indígena na preservação de suas origens e territórios.
Segundo Ailton Krenak (2019), desde os tempos coloniais, a questão do que fazer com a parte da população que sobreviveu aos trágicos primeiros encontros entre os dominadores europeus e os povos que viviam onde chamamos, de maneira muito reduzida, de terras indígenas, levou uma relação muito equivocada entre o Estado e essas comunidades.
Então, há uma necessidade dos Warao serem ouvidos, de modo livre, e informados sobre a política de acolhimento, saúde, trabalho, educação e qualquer outra medida que os afete. Não há uma valorização do protagonismo Warao, como consulta pública dentro das próprias comunidades, de modo que participem dos encaminhamentos. Desta forma, pensando no processo educacional.
As medidas, até então, não foram eficientes, principalmente por não separar as causas da migração dos não indígenas, das causas dos deslocamentos forçados dos Warao. O máximo que fizeram foi separá-los dos não indígenas, nos abrigos de acolhimento, mas nos direitos específicos não houve avanço.
Então, esses problemas detectados, em relação ao acolhimento à população Warao, decorrem de um processo de deslocamento que deve ser compreendido para além de uma questão migratória e/ou refúgio, trata-se das especificidades de uma população indígena, e esse é um dos maiores desafios a serem enfrentados pelos próprios indígenas, pois, de todos os lados os direitos dos povos originários que estão nos territórios brasileiros são minimizados e desconsiderados por agentes governamentais e instituições que deveriam operacionalizar ações para amenizar alguns impactos sociais e econômicos a esta população indígena..
A deficiência nas políticas de abrigamento à população Warao, está também nos modelos tutelares, um modelo pouco dialógico, que atenda as especificidades das culturas indígenas, não há adoção de políticas diferenciadas de saúde, educação, assistência social que levem em consideração os fatores culturais.
REFERÊNCIAS
BURSHATIN, I. The Moor in the text: metaphor, emblem, and silence. In GATES JR., H.L. (ed.). “Race”, writing and difference. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1999.
CASTRO, Álvaro A. Garcia. Mendicidad indígena: Los Warao Urbanos. Los Andes: Boletín Antropológico Nº 48, 2000.
________, Migración de indígenas Warao para formar barrios marginales en la periferia de las ciudades de Guayana, Venezuela. Departamento de Antropologia: Caracas Gran Vía, 2006.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 7.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
KRISTEVA, J. Estrangeiros para nós mesmos. Trad. Maria Carlota Carvalho Gomes. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
OIM. I Ciclo de Webinars sobre indígenas Warao no Brasil. Tema: Enfrentamento à COVID 19 entre indígenas em deslocamento forçado no Brasil. Disponível em: https://www.facebook.com/watch/live/?v=732306287311376&ref=watch_permalink. Acesso em 28 de nov. 2022.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.) A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005, pp. 227-278.
1 Mestrando(as) pela Faculdade de Ciências Sociais Interamericana – FICS.
2 Mestrando(as) pela Faculdade de Ciências Sociais Interamericana – FICS. Graduada em Pedagogia( Faculdade Integradas Ipiranga) Pós graduada em Educação Especial e Inclusiva (FAVENI), e Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica(FAVENI)E-mail: dora_terras@hotmail.com e Graduada em pedagogia- Universidade do Estado do Pará (UEPA)-Pós-graduação em Psicopedagogia Universidade Católica de Petrópolis RJ (UCP); Mestranda em Ciências da Educação pela FICS.E-mail: carlabezerra2009@hotmail.com
3 Mílvio da Silva Ribeiro, Doutor em Geografia pelo programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará PPGEO /UFPA. Tucuruí-Pará. E-mail: milvio.geo@gmail.com