IMPORTÂNCIA DA CADEIA DE CUSTÓDIA PARA A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11375883


Lucimar Monteiro da Silva1
Maiara Alves Boritza2
Moisés de Almeida Góes3


RESUMO

A cadeia de custódia é um aspecto essencial da investigação forense e do sistema judicial. Este artigo destaca a importância desse processo na produção de provas periciais válidas e confiáveis. Dessa forma, este estudo investiga a influência da cadeia de custódia na qualidade das provas periciais. Utilizando uma abordagem exploratória e análise bibliográfica, examina-se como a cadeia de custódia afeta a validade e confiabilidade das evidências periciais, visando contribuir para um sistema de justiça mais robusto e confiável. Os resultados destacam a importância dos procedimentos e controles da cadeia de custódia na preservação da integridade das evidências, enfatizando a necessidade de documentação e segurança rigorosas ao longo do processo. Conclui-se que uma implementação adequada da cadeia de custódia é fundamental para assegurar integridade e a autenticidade das evidências periciais, promovendo decisões judiciais mais justas e confiáveis. Em suma, o estudo busca contribuir para o avanço das ciências forenses e a garantia de um sistema de justiça mais eficaz e equitativo.

Palavras-chave: cadeia de custódia; qualidade da perícia forense; investigação; perito forense.

ABSTRACT

The chain of custody is an essential aspect of forensic investigation and the judicial system. This article highlights the importance of this process in producing valid and reliable forensic evidence. Thus, this study investigates the influence of the chain of custody on the quality of forensic evidence. Using an exploratory approach and bibliographic analysis, we examine how the chain of custody affects the validity and reliability of forensic evidence, aiming to contribute to a more robust and reliable justice system. The results emphasize the importance of chain of custody procedures and controls in preserving the integrity of evidence, emphasizing the need for rigorous documentation and security throughout the process. It is concluded that proper implementation of the chain of custody is fundamental to ensuring the integrity and authenticity of forensic evidence, promoting fair and reliable judicial decisions. In summary, the study seeks to contribute to the advancement of forensic sciences and the guarantee of a more effective and equitable justice system.

Keywords: Chain of custody; forensic expertise quality; investigation; forensic expert.

1 INTRODUÇÃO

O princípio da eficiência da Administração Pública, instituído pela emenda constitucional nº 19/1998 e inserido no art. 37 da Constituição Federal de 1998, se distingue dos demais princípios por conferir à Administração Pública um caráter gerencial. Esse princípio impõe aos seus agentes a busca pela qualidade de forma imparcial, transparente, participativa, neutra, eficaz e com uma burocracia profissionalizada, visando alcançar resultados positivos para o serviço público e um atendimento satisfatório às necessidades da sociedade.

Nesse sentido, de acordo com Campos (1992, p. 2), “um produto ou serviço de qualidade é aquele que atende perfeitamente, de forma confiável, acessível, segura e no tempo adequado às necessidades do cliente”. Esse cliente é considerado o cidadão, o foco da Administração Pública moderna gerencial. Pode-se afirmar que a implementação e a observância do programa de cadeia de custódia proporcionam uma prova pericial de qualidade, contribuindo para a adoção de uma cultura de gestão gerencial na Administração Pública, com o aprimoramento e a melhoria da qualidade e eficiência dos serviços públicos.

O princípio da eficiência da Administração Pública assume maior relevância no contexto de cadeia de custódia. Ao garantir a busca pela qualidade de forma imparcial, transparente e eficaz, este princípio orienta a atuação dos agentes públicos, e se alinha com os ideais de integridade e confiabilidade fundamentais na cadeia de custódia. Este princípio contribui para o aprimoramento dos serviços oferecidos à sociedade, e fortalece a credibilidade do sistema jurídico como um todo, principalmente, quanto à produção e apresentação de provas periciais. A observância deste princípio torna-se um apoio para a implementação bem-sucedida da cadeia de custódia, promovendo uma administração pública mais responsável e capaz de garantir a qualidade e a admissibilidade das evidências periciais.

A cadeia representa o conjunto de procedimentos aplicados desde a coleta inicial de evidências até a sua apresentação em um tribunal, ou seja, trata-se da averiguação da fidedignidade de determinado elemento probatório (Edinger, 2016). Este tema emerge da realidade circundante dos profissionais da área jurídica, investigadores e peritos forenses, cuja missão é assegurar que as provas coletadas sejam íntegras, confiáveis e admissíveis perante a justiça.

O correto manejo da cadeia de custódia é fundamental para garantir a justiça e a integridade do processo legal e leva em consideração a crescente demanda por uma análise criteriosa das evidências em casos judiciais complexos, nos quais a produção de prova pericial desempenha um papel crucial. Conforme estabelecido no Art. 158-A do Código de Processo Penal, cadeia de custódia é um procedimento legal que assegura a inviolabilidade das provas, documentando a história cronológica dos vestígios coletados em locais de crimes. 

Neste cenário, cabe citar o princípio de Locard formulado por Edmond Locard, um renomado médico legista e pioneiro da criminalística, que viveu de 1877 a 1966, destaca a interação entre autor, vítima e o local de crime, enfatizando a importância de investigar todos os tipos de crimes, pois até mesmo as “testemunhas silenciosas” podem fornecer pistas cruciais. Este princípio estabelece que “todo contato deixa uma marca”, sugerindo que toda interação entre objetos, pessoas ou ambientes resulta em uma troca de vestígios. 

O doutrinador Rogério Sanches (2020, p. 174-175) afirma que a preservação dos vestígios desde o contato primário até o descarte dos elementos coletados, garante a sua qualidade através da documentação cronológica dos atos executados em observância às normas técnicas previstas nas etapas da cadeia de custódia.

A abordagem deste tema requer um olhar crítico sobre os aspectos técnicos e legais que envolvem a cadeia de custódia, bem como uma análise dos desafios contemporâneos que surgem na era digital, onde a manipulação de evidências eletrônicas requer procedimentos ainda mais meticulosos. 

A falha na preservação adequada da cadeia de custódia pode comprometer a admissibilidade das provas periciais em processos judiciais. A ausência de protocolos eficazes de cadeia de custódia pode resultar na degradação das evidências, afetando negativamente a qualidade das perícias e suas conclusões.

Assim, objetiva-se analisar o papel da cadeia de custódia no processo de produção de prova pericial no sistema judicial, destacando sua influência na validade, integridade e admissibilidade das evidências periciais apresentadas em tribunal. Nessa perspectiva, busca-se responder a seguinte pergunta de pesquisa: Como a garantia da cadeia de custódia influencia a validade e a confiabilidade das provas periciais no sistema judicial?

Para responder a esta pergunta de pesquisa, serão apontados os principais procedimentos envolvidos na cadeia de custódia de evidências periciais, destacando sua importância na preservação da integridade das provas; demonstrar como a aplicação rigorosa da cadeia de custódia contribui para a validade e admissibilidade das provas periciais em processos judiciais; avaliar o impacto das decisões judiciais relacionadas à cadeia de custódia na confiabilidade das provas periciais apresentadas em tribunal.

Este estudo mostra-se relevante, pois busca contribuir para o avanço do conhecimento científico na área forense, destacando a importância da preservação adequada das evidências para garantir processos judiciais justos e imparciais. Além disso, aborda a pertinência da cadeia de custódia em casos envolvendo evidências digitais, visando prevenir desafios associados a esse contexto.

Salienta-se que a cadeia de custódia é primordial na busca em aprimorar a integridade das provas em tribunal, promover a justiça no sistema legal e lidar com os desafios contemporâneos das evidências digitais. Desse modo, o restante do artigo está dividido da seguinte maneira: metodologia de pesquisa (seção 2), resultados (seção 3), a discussão dos resultados (seção 4) e, por fim, as considerações finais (seção 5).

2 MATERIAL E MÉTODOS

Para visualização do caminho metodológico adotado para o delineamento da pesquisa, construiu-se a figura 1 com o resumo metodológico desta pesquisa. Figura 1 – Metodologia da pesquisa

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados desta pesquisa.

A escassez de literatura que apresente informações sistematizadas e reflexões sobre o tema da cadeia de custódia da prova pericial faz com que a metodologia desta pesquisa seja categorizada como “exploratória” que visa proporcionar familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito, tendo como principal objetivo aprimorar de ideias e possibilitar a consideração de variados aspectos sobre o objeto de estudo, na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem levantamento bibliográfico (Gil, 2002).

A pesquisa bibliográfica consiste no levantamento de informações em materiais já publicados, especialmente em livros e artigos científicos. De acordo com Gil (2002):

A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço. Por exemplo, seria impossível a um pesquisador percorrer todo o território brasileiro em busca de dados sobre população ou renda per capita; todavia, se tem a sua disposição uma bibliografia adequada, não terá maiores obstáculos para contar com as informações requeridas.

O presente estudo se valerá da análise de documentos, que, sob o ponto de vista de Lüdke e André (1986, p. 38): “[…]a análise documental pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. 

3 RESULTADOS

Esta pesquisa substancia aspectos fundamentais da cadeia de custódia fundamental para garantir a autenticidade e integridade das amostras desde sua coleta até sua análise, constituída por procedimentos técnicos e científicos e, nesta seção, foi realizada um aparato teórico do tema em questão.

Primeiramente, a documentação na cena do crime, composta por anotações, fotografias, vídeos e outras mídias, representa o ponto de partida crucial para a cadeia de custódia, essencial para o rastreamento da evidência desde o local do crime até o tribunal. No entanto, surge a indagação: todos os fatos precisam estar envolvidos nessa cadeia? Existem fatos que independem de prova, como os axiomáticos, intuitivos, notórios e as presunções legais.

Sendo assim, a elaboração da prova pericial deve ser providenciada nos primeiros minutos da ocorrência do fato para evitar a perda de vestígios. No entanto, no processo penal brasileiro, a prova pericial geralmente precisa ser realizada na fase policial, devido ao princípio da imediatidade.

A interação entre a evidência criminal e as ciências naturais levanta questões sobre como garantir a confiabilidade das evidências periciais, visto que muitas vezes ultrapassam a compreensão dos juízes. O processo criminal é um “modo de convencer o juiz”, sendo a cadeia de custódia da prova pericial um elemento indispensável para garantir um julgamento justo.

A função da cadeia de custódia da prova, que consiste na documentação cronológica do vestígio (compreendido de forma ampla), é garantir que o elemento probatório recebido pelo juiz durante a fase de instrução seja confiável, tendo sido coletado, catalogado, manipulado, armazenado e transportado de maneira adequada até sua apresentação ao tribunal (Matida, 2020). Assim, pode servir como ponto de partida para inferências probatórias. 

Nesse âmbito, cabe relembrar o papel crucial que a cadeia de custódia desempenhou no caso de O. J. Simpson, um dos julgamentos mais notórios da história jurídica dos Estados Unidos. Este caso, amplamente conhecido como o julgamento de O. J. Simpson, envolveu o ex-jogador de futebol americano e ator sendo acusado do assassinato de sua ex-esposa, Nicole Brown Simpson, e do amigo dela, Ronald Goldman, em 1994. Onde a cadeia de custódia se tornou um ponto central de controvérsia durante o julgamento. 

A defesa de Simpson argumentou que a evidência coletada pela polícia, incluindo amostras de DNA, não podia ser confiável devido a supostas falhas na cadeia de custódia. Alegações de má conduta por parte da polícia foram levantadas, sugerindo que a evidência poderia ter sido contaminada ou manipulada, minando assim sua integridade e admissibilidade em tribunal.

Essas questões em torno da cadeia de custódia alimentaram dúvidas sobre a integridade da evidência, o que contribuiu para a confusão do júri e para a atmosfera polarizada que cercou todo o julgamento. Embora Simpson tenha sido absolvido das acusações criminais, o caso continua a ser objeto de intenso debate e análise, tanto no contexto legal quanto na mídia e na cultura popular, destacando a importância crítica da cadeia de custódia na justiça criminal (Luciano, 2020).

Na ausência de disposições legais específicas, argumento que a fase apropriada para examinar a cadeia de custódia é a fase de admissão da prova; e, em segundo lugar, que a consequência da quebra da cadeia de custódia deve ser a exclusão do vestígio, sem que este possa ser avaliado. A qualidade epistêmica da fase investigatória é uma condição necessária, embora não suficiente, para um processo penal comprometido seriamente com a redução do risco de condenação de inocentes (Matida, 2020).

Entende-se, então, que a cadeia de custódia envolve a coleta de evidências, essencial para garantir que os vestígios mantenham sua integridade e autenticidade ao longo do processo judicial. E o seu propósito é melhorar a qualidade das decisões judiciais, garantindo que o julgamento seja baseado em evidências confiáveis e rastreáveis, além de proteger o contraditório da prova, permitindo que ambas as partes tenham acesso às mesmas informações durante o processo.

4 DISCUSSÃO

No ordenamento jurídico brasileiro, a produção de provas é crucial para a resolução de litígios e a adequada aplicação da justiça. As provas constituem elementos primordiais para fundamentar os argumentos das partes envolvidas em um processo, possibilitando ao juiz proferir uma decisão justa e imparcial.

Existem três tipos principais de provas no sistema jurídico brasileiro: prova testemunhal, prova documental e prova pericial. Cada modalidade de prova possui características específicas e pode ser empregada em diversas circunstâncias, conforme as exigências do caso em questão.

1.    Prova Testemunhal: é obtida por meio dos depoimentos de pessoas que presenciaram os eventos relacionados ao processo. As testemunhas são convocadas a prestar depoimento perante o juiz ou outro órgão competente, sendo imprescindível que sejam idôneas e possuam conhecimento sobre os fatos alegados.

2.    Prova Documental: compreende a apresentação de documentos que atestem a existência de determinados fatos ou sejam relevantes para a resolução do caso. Esses documentos podem ser textuais, como contratos e correspondências, ou materiais, como fotografias e vídeos. É essencial frisar que os documentos utilizados como prova devem ser autênticos e devidamente registrados e validados.

3.    Prova Pericial: conduzida por um especialista ou perito técnico, que detém conhecimentos específicos em uma determinada área de expertise. Esta prova é solicitada quando há necessidade de análise e avaliação de fatos, objetos ou situações que demandam habilidade técnica ou científica. O perito encarregase de elaborar um laudo técnico contendo suas conclusões e opiniões embasadas, as quais serão consideradas pelo juiz na tomada de decisão.

É imperativo salientar que todas as provas devem ser obtidas de forma lícita, ou seja, em conformidade com as leis e normas vigentes. Além disso, as partes envolvidas têm o direito de impugnar as provas apresentadas e de produzir provas adicionais para fortalecer seus argumentos. Este estudo tem seu foco na prova do tipo pericial que será abordada, a seguir, no primeiro item deste capítulo.

4.1 A prova pericial

Na concepção de Lopes Jr. (2022) prova pericial desempenha um papel central no processo penal, envolvendo a reconstrução dos eventos. A qual engloba os meios usados para demonstrar os fatos, a atividade das partes na apresentação dessas evidências e o resultado do processo de prova que influencia a decisão do juiz.

Consoante a isso, a interação entre a prova criminal e as ciências naturais levanta questões complexas sobre como garantir a confiabilidade das evidências periciais e como os juízes podem lidar com conhecimentos especializados que muitas vezes estão além de sua compreensão.

Isto posto, entende-se que o processo penal é um “modo de construção do convencimento do juiz” de modo que as limitações contidas neste instituto afetem a construção e os próprios limites da decisão emanada pelo juízo (Lopes Jr., 2022).

Este cenário detém como principal desafio assegurar que as evidências periciais atendam aos requisitos mínimos de confiabilidade e rastreabilidade. A cadeia de custódia das provas periciais desempenha um papel fundamental nesse sistema de controle, garantindo a integridade das evidências desde sua coleta até sua apresentação no tribunal. Assim, se faz necessário a definição desta temática buscando entender sua finalidade.

4.2  Conceito, função e finalidade da cadeia de custódia

A cadeia de custódia é composta por uma série de elos relacionados a um vestígio que, eventualmente, será considerado como prova. Cada elo pode ser definido como qualquer indivíduo que tenha manipulado este vestígio. A identificação precisa e concreta de cada elo, desde o momento em que o vestígio é descoberto, é tanto um dever do Estado quanto um direito fundamental do acusado (Edinger, 2016).

Neste contexto, uma cadeia de custódia íntegra é aquela composta por uma sucessão de elos devidamente comprovados. Cada elo nesta cadeia proporciona a viabilidade para o desenvolvimento do próximo elo, garantindo a integridade do vestígio desde o local do crime até a sua apresentação como prova material, e até que haja uma decisão final (Edinger, 2016).

A cadeia de custódia da prova pericial é um elemento indispensável no devido processo penal, fundamental para a reconstrução histórica dos fatos e para a garantia de um julgamento justo. Ela envolve a coleta de evidências, que podem circular entre várias instâncias examinadoras, sendo essencial para assegurar que esses vestígios mantenham sua integridade e autenticidade ao longo do processo judicial. Nesse contexto, Nucci (2020) destaca como principal objetivo a realização de conjunto de procedimentos para a coleta e preservação da prova pericial.

É em razão dessa necessidade de proteção que a Lei 13.964/2019 trouxe, dentre as várias alterações no Código Penal e de Processo Penal, a inserção da cadeia de custódia da prova, onde em seu artigo 158-A traz o conceito deste instituto (Brasil, 2019):

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio.

§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação.

§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal.

Na definição de Prado (2014): 

A cadeia de custódia da prova nada mais é que um dispositivo dirigido a assegurar a fiabilidade do elemento probatório, ao colocá-lo sob proteção de interferências capazes de falsificar o resultado da atividade probatória.

Tem-se que a função principal da cadeia de custódia da prova pericial é garantir a autenticidade da evidência. Isso significa que o objeto de prova coletado deve ser o mesmo apresentado no tribunal, respeitando o princípio da lei da mesmidade e desconfiança. Nesse sentido, Prado (2014) explica que a prova também exige a aplicação da “acreditação”, pois nem toda prova contida no processo detém valor probatório, necessitando de sua valoração desde a coleta.

Outrossim, a cadeia de custódia tem como finalidade melhorar a qualidade da sentença judicial, garantindo que o julgamento seja baseado em evidências confiáveis e rastreáveis. Também desempenha um papel importante na proteção do contraditório da prova, assegurando que ambas as partes tenham acesso às mesmas informações durante o processo.

4.3  Fases da cadeia de custódia

O dispositivo do §1º do art. 158-A do CPP estabelece que o marco inaugural da cadeia de custódia ocorre de três maneiras, em conjunto ou individualmente:

I)      Preservação do local do crime: Em situações em que a evidência é evidente, como em casos de homicídio, o primeiro agente público presente no local deve isolar e preservar a cena do crime, antes de informar às autoridades policiais.

II)     Procedimentos policiais: Nesse cenário, o primeiro vestígio é obtido por meio de ações iniciadas por agentes policiais, militares ou outros.

III)    Procedimentos periciais: Aqui, a evidência da atividade criminosa é identificada por meio de trabalho técnico e pericial.

No tocante ao Código Penal, desenvolveu-se a figura 2 com o estabelecimento de suas fases, e seu respectivo rastreamento dos vestígios.

Figura 2 – Fases da cadeia de custódia

Fonte: Elaborado pelos autores a partir do Código Processual Penal, artigo 158.

No Artigo 158-B, são delineadas todas as fases da Cadeia de Custódia, conforme descrito a seguir:

I    – Reconhecimento: Etapa em que se verifica se o elemento constitui uma prova pericial.

II   – Isolamento: consiste em evitar qualquer alteração no estado das evidências, devendo-se isolar e preservar tanto o ambiente imediato quanto o mediato, bem como os vestígios e o local do crime.

III  – Fixação: envolve uma descrição minuciosa do vestígio da forma que foi encontrado no local do crime ou no corpo de delito, incluindo sua posição na área de exames, podendo ser complementada por registros fotográficos, filmagens ou croquis, sendo sua descrição essencial no laudo pericial elaborado pelo perito responsável.

IV  – Coleta: refere-se ao ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza.

V   – Acondicionamento: é o procedimento pelo qual cada vestígio coletado é embalado de maneira individualizada, levando em conta suas propriedades físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com registro da data, hora e identificação de quem realizou a coleta e o acondicionamento.

VI   – Transporte: consiste na transferência do vestígio de um local para outro, utilizando condições apropriadas para garantir a preservação de suas características originais e o controle de sua posse.

VII  – Recebimento: é o ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com informações mínimas, incluindo o número do procedimento e a unidade de polícia judiciária relacionada.

VIII  – Processamento: é o exame pericial propriamente dito, envolvendo a manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, com o objetivo de obter o resultado desejado, que será formalizado em laudo produzido pelo perito.

IX   – Armazenamento: consiste na guarda do material em condições adequadas, associada ao número do laudo correspondente, para eventual realização de contra perícias, descarte ou transporte.

X   – Descarte: é o procedimento de liberação do vestígio, realizado como expõe legislação em vigor e, quando necessário, mediante autorização judicial.

4.4 Documentação e segurança na cadeia de custódia

A documentação detalhada de todos os passos da cadeia de custódia é crucial para estabelecer um histórico completo e fiel da origem e trajetória da evidência. A rastreabilidade da prova é alcançada por meio dessa documentação, que serve como base para a confiabilidade do processo pericial. 

Porém, não se limita à documentação, envolve a segurança física das áreas e ambientes onde as evidências são armazenadas, guardadas, manuseadas e analisadas. Garantir a segurança física é essencial para preservar a integridade das evidências. Este procedimento tem como finalidade a garantia não só da legalidade na coleta e registro dos vestígios, como também busca a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e do contraditório, previstos na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5°, inciso LV:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Embora haja divergências na doutrina sobre a necessidade absoluta da documentação por escrito de todos os atos de custódia, a maioria concorda que a documentação é o meio mais seguro e objetivo de garantir a integridade e a rastreabilidade das evidências. Substituir essa objetividade por testemunhos subjetivos pode comprometer a confiabilidade do processo pericial.

Nesse sentido, o manual de orientações básicas da cadeia de custódia da Polícia Civil de Minas Gerais (2022), destaca que a não observância deste conjunto de procedimentos específicos acarretará na quebra desta, e consequentemente, na perda da credibilidade da prova.

Esta quebra acarreta a perda da rastreabilidade da evidência, o que, por sua vez, compromete a credibilidade desse elemento probatório. A falta de informação sobre a procedência da evidência, sua movimentação e possível manipulação, pode facilitar sua adulteração ou seleção tendenciosa por parte de agentes estatais ou mesmo de corréus com acusações mutuamente conflitantes. Ademais, sem a devida intervenção das autoridades judiciais e o controle das partes interessadas no processo, evidências descartadas ou alteradas indevidamente podem conter elementos probatórios essenciais para a defesa, potencialmente conduzindo à absolvição dos acusados (Edinger, 2016).

Em resumo, a cadeia de custódia da prova pericial desempenha um papel crucial no sistema de justiça, garantindo a autenticidade das evidências, melhorando a qualidade das sentenças judiciais e protegendo o contraditório da prova. Sua documentação rigorosa e a segurança física das evidências são componentes essenciais desse processo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou analisar o papel da cadeia de custódia no processo de produção de prova pericial no sistema judicial, destacando sua influência na validade, integridade e admissibilidade das evidências periciais apresentadas em tribunal. Inicialmente, foram abordados o conceito prova pericial, a função, a finalidade e as fases da cadeia de custódia, bem como a documentação e segurança desta cadeia. E para alcançar esse objetivo, recorreu-se à pesquisa bibliográfica para responder ao questionamento principal do estudo mediante o arcabouço teórico.  

Sabe-se, então, que a cadeia de custódia desempenha um papel fundamental na garantia da integridade das evidências ao longo de todo o processo, desde a coleta até a apresentação em tribunal. Ao manter um registro meticuloso e ininterrupto do controle e da manipulação das evidências, a cadeia de custódia ajuda a evitar a contaminação, adulteração ou perda das provas, garantindo assim sua autenticidade e admissibilidade no tribunal.

Levando em consideração que a justiça brasileira tem natureza probatória e a perícia oficial produz uma prova de caráter eminentemente científica e sendo um dos meios de se buscar a verdade de um fato pretérito. A garantia da cadeia de custódia é essencial para assegurar a credibilidade das provas periciais, pois demonstra aos juízes, advogados e júris que as evidências foram adequadamente protegidas e não foram comprometidas durante o processo investigativo. 

A falta de uma cadeia de custódia adequada pode resultar na rejeição das provas pelo tribunal, prejudicando assim a busca pela verdade e a justiça no sistema judicial. Portanto, é necessário que os profissionais forenses e as autoridades responsáveis pela investigação estejam plenamente conscientes da importância da cadeia de custódia e adotem medidas rigorosas para garantir sua integridade em todas as etapas do processo. A implementação eficaz da cadeia de custódia além de fortalecer a validade das provas periciais, promove a confiança pública no sistema judicial, contribuindo para a administração da justiça de forma justa e imparcial.

Durante a pesquisa, ficou evidente que a legislação, apesar de sua boa intenção, não leva em conta de maneira adequada a realidade das limitações de infraestrutura das instituições policiais, tanto em termos de recursos humanos quanto financeiros. Isso suscita preocupações sobre a viabilidade da implementação da cadeia de custódia na prática, considerando as dificuldades operacionais enfrentadas pelas autoridades encarregadas da aplicação da lei.

Ademais, é importante destacar a crescente complexidade da ciência forense digital, que pode tornar ainda mais desafiador o estabelecimento e a manutenção de uma cadeia de custódia confiável. Isso evidencia uma lacuna entre os critérios probatórios convencionais, baseados em procedimentos forenses tradicionais, e a perspectiva da comunidade científica sobre os requisitos e condições necessárias para considerar confiáveis as evidências digitais contemporâneas (Alruwaili, 2021).

As limitações deste artigo incluem a falta de análise empírica direta sobre a eficácia da cadeia de custódia em casos específicos, dependendo principalmente de uma revisão bibliográfica e da interpretação de estudos anteriores. Além disso, a abordagem exploratória pode não capturar todas as nuances do tema, exigindo estudos de caso específicos para uma compreensão mais abrangente.

 Sugere-se como pesquisas futuras estudos de caso com a realização de análises detalhadas de casos específicos para avaliar como a cadeia de custódia influencia diretamente a validade das evidências periciais e o resultado dos julgamentos. Ou ainda a realização de pesquisas empíricas para coletar dados sobre a implementação da cadeia de custódia em diferentes contextos jurídicos e sua eficácia na preservação da integridade das evidências.

Explorar esses cenários pode fornecer insights valiosos para aprimorar a compreensão e a prática da cadeia de custódia no contexto da investigação forense e do sistema judicial.

REFERÊNCIAS

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¹Acadêmica de Direito. E-mail: lucimar_monteiro@yahoo.com.br. Artigo apresentado a Unisapiens, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
²Acadêmica de Direito. E-mail: boritzamaiara@gmail.com. Artigo apresentado a Unisapiens, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
³Professor Orientador. Professor do curso de Direito. E-mail: moises.goes@gruposapiens.com.br