REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11319787
Vanessa Pereira da Silva¹;
Rosyvânia Araújo Mendes².
Resumo
Frente a crescente utilização de ambientes virtuais, aumentou freneticamente o acúmulo de dados pessoais e bens digitais armazenado no mundo virtual. Tal situação, faz surgir novas demandas ao direito a exemplo, a herança digital. Assim, a presente pesquisa tem como problemática, a possibilidade da transmissão causa mortis dos bens digitais frente ao atual ordenamento jurídico brasileiro. O trabalho se detém a abordar os principais conceitos referente ao direito sucessório, bens digitais e herança digital. Em seguida, expor as condições impostas pelas plataformas digitais que, muitas vezes, inibem o acesso dos herdeiros ao acervo digital do de cujo resultando em perda do acervo digital e prejuízo aos sucessores. Em contrapartida, abordar os projetos de lei existentes no Brasil acerca do tema bem como as sugestões propostas recentemente a comissão especial de reforma do código civil e decisões judiciais que envolvem herança digital. A metodologia empregada foi a dedutiva, a partir da pesquisa exploratória, qualitativa e bibliográfica valendo-se da doutrina, legislação, jurisprudência, artigos científicos, monografias e teses acerca do tema. Constatou-se a ausência de legislação vigente específica acerca do tema, posições controvérsias da doutrina e jurisprudência que por vez ocasionam insegurança jurídica e prejuízo aos sucessores ao impedi-los de acessar os bens digitais. Deste modo, é urgente a tratativa do tema no ordenamento jurídico brasileiro regulamentando o destino da herança digital aos herdeiros do de cujos. Por fim, a pesquisa possui grande relevância e contribuição aos usuários das redes sociais conscientizando-os acerca da destinação de seus bens digitais no Brasil.
Palavras-chave: Direito digital. Bens digitais. Herança digital.
INTRODUÇÃO
A era digital traz consigo um enorme acervo de dados pessoais de seus usuários, como conta bancária, criptomoedas, músicas, filmes, jogos, avatares, e-books, documentos, fotos, vídeos e mensagens via e-mail ou das redes sociais como Facebook, Instagram, TikTok, Twitter, WhatsApp, conhecido como bens digitais.
Ademais, a crescente presença da tecnologia no modo de vida das pessoas, somadas ao aumento de atividade online, impulsionaram a importância da temática herança digital, sendo evidente a necessidade de tratar herança digital igualmente a herança material.
Porém, a maioria dos contratos que regulam a prestação de serviços online não permitem o acesso de terceiros as contas do proprietário falecido, nem mesmo a transferência dos bens armazenados ou criados por meio da plataforma dos provedores.
Imagina mensurar os danos aos sucessores de produtores de conteúdo que colecionam inúmeros seguidores e utilizam as redes sociais como fonte de renda, ou a propriedade intelectual relacionada a músicas, filmes, livros etc. diversos assuntos que necessitam de resposta por meio da doutrina e jurisprudência brasileira.
No direito das sucessões, todos os bens físicos devem ser repassados aos herdeiros, porém, em se tratando da herança digital armazenada nas plataformas virtuais não, assim, é emergente a necessidade do Poder Legislativo em cumprir seu dever para garantir que haja segurança jurídica aos direitos dos herdeiros bem como assegurar a preservação da intimidade e privacidade do de cujus.
Essa ausência de regulamentação da herança digital já tem movimentado diversas demandas no Judiciário em que os familiares buscam o acesso de dados digitais de ente querido, devido ao valor sentimental do conteúdo digital deixado e até mesmo como forma de manter viva sua recordação.
Visto isso, é evidente a necessidade de adotar medidas no intuito de regulamentar a herança digital, a fim de tornar o acesso justo e efetivo aos sucessores, estabelecendo práticas que impeçam a retenção dos bens digitais pelos provedores.
Assim, esta pesquisa contribuirá grandemente junto as inúmeras discussões que têm sido levantadas a respeito do tema entre os pesquisadores do direito.
Será estudado os principais conceitos referentes ao direito sucessório, bens digitais e herança digital, a importância de regulamentar a herança digital e os projetos de lei referente ao tema herança digital não aprovados no ordenamento jurídico brasileiro.
Para atingir os objetivos propostos, o método de abordagem empregado será o dedutivo, partindo de enunciados gerais até uma conclusão final, a partir da pesquisa exploratória e análise qualitativa.
A técnica de pesquisa empregada será a bibliográfica por meio de revisão da literatura disponível tais como doutrina, legislação, jurisprudência, artigos científicos, monografias, teses e palestras capaz de contribuir e embasar o estudo. O estudo do ordenamento jurídico terá como delimitação geográfica o Brasil.
1. DIREITO SUCESSÓRIO
Sucessão, em sentido lato, representa o ato de substituição ou transmissão da titularidade de um determinado direito de uma pessoa em benefício de outra, ocorre entre indivíduos vivos (inter vivos) a exemplo da cessão de crédito, transferência de bens, ou a partir da morte de alguém (causa mortis), ocorrendo a transferência dos direitos e obrigações do de cujus, aos herdeiros e legatários (Lima, 2016, p.13).
Quanto aos efeitos sucessórios, existem dois tipos. Inicialmente quando da ocorrência de morte, havendo a transferência patrimonial, ocorrendo a sucessão hereditária, personificada no instituto da herança, desconsiderando o número de herdeiros favorecidos. Na sucessão singular, feita por testamento, quando o testador, em ato de última vontade divide a uma pessoa com um bem certo e determinado de seu patrimônio, um legado (Lima, 2016, p.13).
Assim, o sucessor exerce a posição jurídica da pessoa falecida no mundo civil, garantindo a continuidade das relações jurídicas estabelecidas pelo de cujus em vida (Lima, 2016, p.21).
O Direito Sucessório, disciplinado no Livro V do Código Civil, tem a finalidade de regular a transferência dos bens de uma pessoa após a sua morte. Assim, o direito à herança possui previsão no art. 5º, XXX da CRFB/88 (Hernandez, 2022, p.9).
Existe distinção entre sucessão e herança, sendo que a sucessão é o ato de transmissão, já a herança está ligada aos direitos e obrigações transferidos por motivo da morte do de cujus, engloba seus débitos e créditos (Hernandez, 2022, p.9).
A autora conclui que o direito sucessório é o direito de suceder, ou seja, receber o acervo hereditário do falecido (Hernandez, 2022, p.9).
2. BENS DIGITAIS
Bens digitais são classificados como bens incorpóreos, inseridos na internet pelo usuário, são informações pessoais e úteis àquele, dotada ou não de conteúdo econômico (Gonçalves, 2021, p.32).
Cumpre ressaltar que o direito subjetivo traz em seu objeto um bem jurídico, dotado ou não de economicidade, existência material ou não. Pode ser considerado bens jurídicos um imóvel – compõe o direito subjetivo de propriedade, uma joia, a honra e a imagem – objeto do direito subjetivo da personalidade (Nery, 2022, p.11).
Visto isso, os bens digitais podem ser definidos como uma categoria de bens incorpóreos, inseridos progressivamente na internet pelo usuário, classificando-se como informação de caráter pessoal que traz alguma utilidade àquele, tendo ou não caráter econômico (Zampier, 2021, p.44).
Com entendimento diverso, os bens digitais podem ser definidos como qualquer coisa que esteja no meio digital que se divide em dois grupos: o primeiro de coisas que podem ser armazenadas localmente em um dispositivo eletrônico de uma pessoa e o segundo coisas que são armazenadas em outros locais (nuvem) sendo acessados por meio de contrato com o titular do dispositivo (Almeida, 2017, p.38).
Os bens digitais podem ser classificados como bens digitais patrimoniais, existenciais e híbridos, sendo os bens digitais patrimoniais os conteúdos com valor econômico, a exemplo das milhas aéreas, bibliotecas musicais virtuais, acessórios de vídeo game. Já os bens digitais personalíssimos são formados pelo acervo com valor existencial, podendo pertencer ao titular, a terceiros com os quais se envolveu, a exemplo correios eletrônicos, WhatsApp, Facebook. Por fim, os bens digitais híbridos, abrangido por conteúdo personalíssimo e patrimonial, como o canal do YouTube de pessoas famosas que são monetizadas pela elevada quantidade de acessos (Nery, 2022, p.12).
Não existe conceito legal delimitado acerca dos bens digitais nem mesmo O Marco Civil da Internet o definiu (Gonçalves, 2021, p.35).
A autora ainda lincou alguns dos principais serviços que lidam com bens digitais:
- Redes sociais: Facebook, YouTube, LinkedIn, Twitter, Instagram, TikTok, Pinterest e Snapchat
- Aplicativos de mensagens: WhatsApp, Telegram, Facebook Messenger
- Serviços de armazenamento em nuvem ou cloud computing: Dropbox, iCloud, OneDrive e Google Drive
- Serviços de e-mails: Yahoo, Gmail e Hotmail
- Plataformas de blogs: WordPress, Tumblr, Blogger, Weebly e Jimdo
- Plataformas de compras ou pagamento: eBay, PayPal
- Marketplace dentro de páginas de venda: Mercado Livre, Amazon, Magazine Luiza e Americanas
- Plataformas de compartilhamento e edição de fotos ou vídeos: Picasa
- Serviços de streaming para músicas digitais: iTunes, Spotify e Deezer
- Serviços de streaming para livros digitais: Scribd, Kindle Unlimited
- Serviços de streaming para conteúdo audiovisual: Netflix, Prime Vídeo, TeleCine Play, HBO Go, Disney Plus e GloboPlay
- Plataformas para games: Steam, Psn, Xbox Live e Apple Arcade
- Aplicativos de relacionamento: Tinder, Happn, Badoo, Bumble, Grindr e The Inner Circle
- Programas que lidam com negociação de criptomoedas: Mercado Bitcoin, Coinext, Foxbit e Bitcoin Trade
- Páginas de instituições financeiras: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Itaú, Santander, Bradesco, BNDS, HSBC, Nu Bank e Inter
- Programas de pontuações e cash bach: Méliuz, Dotz e Ame Digital
- Programas de milhagens aéreas: Tudo Azul, Livelo, Smiles, Multiplus e AAdvantage
Assim, pode-se mencionar os principais ativos digitais:
- Páginas e contas em redes sociais, com suas potencialidades, inclusive, de alcance;
- Informações armazenadas em publicações, conversas e arquivos privados, de redes sociais, aplicativos de mensagens e aplicativos de relacionamentos;
- Interações em redes sociais, por meio de likes, visualizações, comentários e compartilhamentos;
- Informações pessoais contidas em blogs, plataformas, provedores e páginas da internet em geral;
- Arquivos e dados armazenados em nuvem;
- Mensagens e correspondências privadas de contas de e-mail;
- Músicas, vídeos e livros baixados e adquiridos em serviços de streaming;
- Dados e avatares criados em jogos, além de posições, acessórios e ferramentas comercializados nos games;
- Informações bancárias em plataformas para compras e pagamentos;
- Históricos de acesso, de compras e de geolocalização;
- Senhas de contas em geral; 38
- Nomes de domínio;
- Símbolos;
- Criptomoedas;
- Pontuações e milhagens aéreas.
A vista disso, é inconteste que os bens digitais necessitam ser regulamentados para proteger os interesses das empresas e dos consumidores (Oliveira, 2023, p.5).
2.1 HERANÇA DIGITAL
A herança envolve transmissão das relações jurídicas do de cujus aos herdeiros. Refere-se ao conjunto de bem e posições jurídicas transmissíveis aos seus sucessores após o falecimento. Envolve implicações corpóreas e incorpóreas, patrimoniais e não-patrimoniais (Gonçalves, 2021, p.58).
A autora classifica herança digital como a transmissão de bens digitais a herdeiros, ou a inclusão dos dados deixados pelo falecido em sua vida digital na universalidade de bens e direitos que englobam o acervo digital.
Para Gonçalves, a herança no mundo digital abrange bens intangíveis de valor apropriável e transmissível (Gonçalves, 2021, p.65).
A herança digital é composta não somente por relações jurídico-patrimoniais, mas também por outros conteúdos digitais, sem qualquer valor econômico como e-mails e redes sociais (Fujita; Silva, 2023, p.6).
Dentre as disposições, o autor aponta a existência de duas correntes de pensamento doutrinário acerca da herança digital e sua transmissibilidade a herdeiros. De um lado, estudiosos entendem que não há diferença entre bens digitais patrimoniais e existências, assim, tudo que compõe ativos e acessos digitais devem ser transmitidos aos herdeiros após o falecimento de seu titular. Com entendimento diverso, juristas afirmam que apenas os bens digitais de conteúdo patrimonial atraem a proteção do direito de propriedade, já os de cunho existencial são intransmissíveis por fazer parte do direito da personalidade.
Assim, os adeptos da intransmissibilidade da herança digital defendem a necessidade de separar no acervo digital do falecido o que compõe conteúdos de caráter patrimonial, exemplo: contas bancárias, criptomoedas, aplicações financeiras, livros digitais, colunas de blogs em sites, dos existenciais exemplo: e-mails, contas no Facebook, Instagram, WhatsApp, arquivos em nuvens como Dropbox, iCloud, senhas de celulares, e somente após decidir quais os conteúdos poderão ser acessados pelos herdeiros (Fritz, 2022, p.2).
Nessa linha, os conteúdos patrimoniais seriam transferidos aos legítimos sucessores do falecido e os chamados conteúdos existenciais ficariam excluídos da herança por compor extensões da privacidade do de cujus, sendo, portanto, intransmissíveis, considerando a intransmissibilidade dos direitos da personalidade no direito brasileiro (Fritz, 2022, p.3).
Conforme classificação sugerida, autores defendem uma terceira corrente na qual o acesso ao conteúdo de bens digitais com caráter existencial não possui fundamento no direito das sucessões, mas sim na legitimidade dos herdeiros de tutelar direitos da personalidade após o falecimento do usuário (Shishido, 2022, p.14).
Pelo exposto, nota-se que a identificação de ativos digitais e a definição do que pode ser transmitido por via sucessória é um dos grandes desafios da herança digital (Gonçalves, 2021, p.59).
2.2. CONDIÇÕES DAS PLATAFORMAS DIGITAIS
Os termos de uso e política de privacidade são elaborados e disponibilizados para aceite do usuário pelo provedor de aplicação, desde o primeiro acesso. Nele é possível saber o destino dos dados inseridos pelos usuários, bem como garantir seu bom uso (Castrizana, 2022, p.15).
É mister destacar que alguns termos de uso de plataformas impede a identificação da transferência do patrimônio digital, possui cláusulas abusivas, devido à ausência de regulamentação privativa ou jurisprudência consolidada, impossibilitando a tutela de uma segurança jurídica referente ao destino desses bens (Mota, 2022, p.62).
As plataformas digitais priorizam seu interesse econômico frente aos dos usuários, prevê suas próprias regras quanto ao destino do conteúdo das contas dos usuários falecidos já que não há legislação específica sobre o tema (Rocha, 2019, p.22).
Conforme os termos de uso do Facebook é possível transformar automaticamente a conta do falecido em memorial, após a empresa tomar conhecimento do óbito, mesmo através de estranhos. É permitido que um contato herdeiro administre a conta memorial desde que seja indicado em vida pelo titular do perfil. Em casos de ausência de indicação, a conta do usuário falecido é congelada de modo que o conteúdo compartilhado com o público continua visível, é possível postagem das pessoas em seu perfil, todavia ninguém acessa o conteúdo da conta (Fritz; Mendes, 2019, p.5)
As autoras expõem que o Google dispõe do gerenciamento de contas inativas, permitindo aos usuários compartilharem partes dos dados de suas contas ou notificarem alguém caso de inatividade da conta por um certo período.
O google não informa senhas ou demais detalhes de login e, caso o falecido não tenha cadastrado um contato de confiança, é permitido aos familiares/representantes requererem o recebimento dos dados mediante o preenchimento de um formulário, outros documentos e certidão de óbito (Castriza, 2022, p.17).
Já a plataforma do YouTube não prevê a situação de morte dos titulares de contas. As regras aplicáveis constam nas disposições gerais da Google (Gonçalves, 2021, p.84).
A autora destaca que no Instagram é possível a transformação em memorial, porém, não é possível nomear um administrador. Ocorre congelamento ou estabilização das informações que constam na conta, sem acesso ao perfil memorial. Logo após informada, a plataforma converte a conta em memorial caso contrário, pode ocorrer a exclusão definitiva da conta a pedido de um familiar do falecido e preenchido o formulário exigido pela plataforma.
A política de privacidade e termos de serviços do WhatsApp não trata sobre a transmissão da conta após falecimento do titular (WhatsApp, 2024).
No LinkedIn, caso a pessoa tenha autoridade para agir em nome do usuário falecido, poderá solicitar o encerramento da conta. Caso contrário, pode informar o falecimento do usuário e o perfil será transformado em memorial (LinkedIn, 2024).
Antes, quando o proprietário da conta Apple falecia, caso o herdeiro não portasse a senha para login, seria impossível utilizar o dispositivo (Almeida, 2017, p.137).
A partir do iOS 15 em 2021, a Apple incluiu a previsão ao usuário para designar um contato herdeiro, chamado de contato legado, autorizado a acessar a conta do iCloud em caso de falecimento (Nery, 2022, p.51).
O acesso aos dados do iCloud do falecido por membros da família ou representantes legais, pode ocorrer mediante a comprovação do falecimento, a relação com o titular da conta e ordem judicial (Apple, 2024).
A Microsoft informa em seus termos de uso que a conta da Microsoft, indispensável para acesso a Outlook.com, Office, Skype, Windows, Xbox live, OneDrive, Bing, Msn Brasil e Stores, não pode ser transferida a outro usuário e nos casos de inatividade por período superior a 5 anos a conta será inativa, sendo encerrado o acesso ao conteúdo armazenado na conta (Almeida, 2022, p.138).
A autora conclui que a Microsoft não faz previsão acerca da transmissão causa mortis dos bens digitais presentes em sua plataforma.
Outra situação trazida pela autora refere-se aos Pontos de cartão de crédito e milhagens em companhias aéreas do banco Santander entende pela impossibilidade de transferir ou venda dos pontos, e nem são passíveis de sucessão por herança.
O contrato que regula o programa de fidelidade da Latam aponta que a pontuação obtida é pessoal e intransferível, mesmo na hipótese de sucessão ou herança. Caso ocorra a morte do usuário, se encerra a conta (Almeida, 2017, p.143).
Ao analisar os termos de uso de algumas redes sociais, constata-se a ausência de um padrão específico referente aos bens digitais deixado pelo indivíduo após seu falecimento (Castriza, 2022, p.17).
Além disso, nota-se que as plataformas não diferenciam os perfis tendo como base a presença ou não de economicidade, oferecendo igual tratamento e destino as contas (Nery, 2022, p.29).
2.3. REGULAMENTAÇÃO DA HERANÇA DIGITAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Os provedores de serviços de internet criam suas próprias políticas de uso e tratamento aos bens digitais por meio de contratos de adesão ou condições gerais de uso, assim, a única opção que resta ao usuário é aderir ou não a essa política de uso da plataforma do provedor, não há espaço apara discutir ou afastar cláusulas contratuais tidas como inadequadas nem qualquer possibilidade de alteração conjunta dos termos de uso, ou política de privacidade (Almeida, 2017, p.91).
Em vista disso, após o falecimento dos usuários, com base na sua política de uso, o provedor faz o que bem entender com esses ativos, deleta, impede o acesso, memorializa, entre outras possibilidades (Almeida, 2017, p.91).
Assim, é necessário a regulamentação específica para que os bens digitais sejam incluídos no sistema jurídico brasileiro pois são dotados de valor econômico ou sentimental e devem ter a mesma proteção que os bens materiais (Oliveira, 2023, p.4).
Pelo exposto, a autora confirma que a legislação brasileira trata da herança de maneira geral, mas não faz menção clara aos bens digitais. Essa ausência de regulamentação específica para tratar o assunto gera efeitos negativos para as famílias, como a dificuldade de acesso aos bens digitais e a insegurança jurídica
Os familiares acreditam que manter a rede social do falecido é uma forma de guardar recordação, fotos antigas, conversas, recordar momentos com familiares e amigos do ente querido já falecido (Lima, 2020, p.21).
A autora cita como exemplo o caso referente ao canto sertanejo Cristiano Araújo que faleceu no ano de 2015. Passados quatro anos da sua morte, o aplicativo de fotos e vídeos, Instagram desativou a conta @CristianoAraújo. O perfil retornou 24h depois em forma de memorial, de acordo com os termos de uso, somente com a solicitação de parentes diretos é possível excluir a conta ou transformá-la em memorial.
Vale lembrar que a ocorrência de conflitos envolvendo a família e/ou herdeiros do de cujus, versos as redes sociais e softwares os quais estão armazenados os dados de propriedade privada do usuário falecido, demonstra a necessidade de regulamentar a matéria (Castrizana, 2022, p.23).
No ano de 2017 uma mãe requereu acesso aos dados pessoais na internet da filha falecida, porém seu pedido foi julgado improcedente. O juiz da Vara Única da Comarca de Pompeu Minas Gerais entendeu que o pedido da mãe não era legítimo, pois violava o sigilo da correspondência previsto no art. 5º, XII, CRFB/88 (Farias, 2019, p.48).
Outro caso envolvendo sucessão de bens digitais ocorrido em 2020, o juiz da 10ª Vara de Guarulhos/SP, autorizou a viúva, inventariante do falecido, a ter acesso aos dados de e-mail da plataforma Yahoo! por um período, em razão de uma transação imobiliária realizada em vida (Sobrinho, 2023, p.19).
Em 2021 uma mãe ingressou na justiça com pedido de obrigação de fazer cumulado com indenização por danos morais em face do Facebook, devido a exclusão arbitrária do perfil da sua filha falecida pela plataforma. Com o usuário e senha da filha, ingressava no perfil com o intuito de recordar e interagir com amigos e familiares, contudo, inesperadamente o acesso foi impedido passados 1 ano e meio da morte da usuária. O juiz de 1º grau entendeu pela ausência de falha na prestação de serviços pela plataforma, e, mesmo após recorrer, o TJ SP, os votos foram unanimes para manter a decisão de primeiro grau (Burille, 2023, p.201).
Outro processo do ano de 2021 exposto pela autora é de uma filha menor, única herdeira, ingressou com ação de obrigação de fazer em face da Apple, visando obter acesso a conta do iCloud do genitor a fim de recuperar fotografias e outros dados a fim de ajudar na investigação criminal do pai vítima de latrocínio, na ocasião, teve o celular subtraído. A sentença foi julgada procedente, autorizando a autora obter as informações, dados, arquivos e registros da conta associada ao aparelho Apple iPhone. Após a parte ré apresentar recurso, a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou provimento ao recurso e manteve a decisão de 1º grau.
O último caso exposto pela autora refere-se a sucessores que ingressaram com obrigação de fazer em face do Facebook e Instagram para obter a restauração dos perfis da falecida ao estado anterior a uma invasão cometida por terceiros. Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes em primeiro grau e os perfis foram restaurados como conta memorial, seguindo a previsão dos termos de uso das plataformas. As partes recorreram e o Desembargador Ronnie Soares decidiu que não seria o caso de anular a sentença, apenas determinar a restauração dos perfis ao estado anterior ao das invasões reclamada, sendo a empresa requerida responsável pelas informações e condições exigidas para recuperar os perfis (Burrille, 2023, p.208).
Devido à ausência de regulamentação específica acerca da transmissibilidade dos bens digitais no ordenamento jurídico, os magistrados, visando solucionar os conflitos, tem utilizado os princípios para decidir disputa entre o direito à herança e os direitos da personalidade em especial o direito à privacidade (Shishido, 2022, p.14).
Os tribunais precisam estar preparados frente a nova realidade em que cresce a utilização da internet na vida das pessoas e a vida das pessoas na internet (Burille, 2023, p.211).
Frente aos casos analisados, é possível notar a insegurança jurídica a respeito do tratamento dos dados digitais após a morte dos titulares, vez que inexiste um entendimento consolidado da atuação do Poder Judiciário frente aos conflitos apontados, (Farias, 2019, p.33).
A autora cita um caso que movimentou o judiciário, envolvendo a cantora Marília Mendonça, após seu falecimento em um acidente aéreo, evidenciando a necessidade de regulamentação da herança digital. De acordo com a matéria divulgada pela UOL o perfil do Instagram estaria incluso no seu inventário juntamente com a sua conta no Youtube.
Frente a ausência de pacificação da matéria, é evidente o reflexo nos direitos de personalidade do de cujus e nos direitos fundamentais dos herdeiros, segundo a autora.
Uma solução viável para esse impasse seria a criação de legislação específica para regulamentar a transmissão sucessória do acervo digital, com diretrizes claras para a gestão dos arquivos digitais após o falecimento do titular da conta (Oliveira, 2023, p.10).
3. PROJETOS DE LEI ACERCA DA HERANÇA DIGITAL
A temática herança digital gera inúmeras controvérsias notadamente pela ausência de disposição legal específica no direito brasileiro, embora exista projetos de lei no Congresso Nacional, conforme será exposto (Gonçalves, 2021, p.132).
PROJETO DE LEI | SITUAÇÃO | EMENTA | COMENTÁRIOS |
4099/2012 | Arquivado desde 30/04/2019, tendo antes sido aprovada Redação Final pela Câmara dos Deputados, com remessa ao Senado Federal. | Altera o art. 1788 da Lei nº 10.406, de 10/01/2002, que “institui o Código Civil”. | Garante aos herdeiros a transmissão de todos os conteúdos de contas e arquivos digitais. Primeira proposta legislativa sobre transmissão sucessória de patrimônio digital no Brasil. |
487/2012 | Arquivado em 21/06/2019, tendo sido anteriormente apensado ao Projeto de Lei nº 4099/2012. | Acrescenta o Capítulo II-A e os arts. 1797-A a 1.797-C à Lei nº. 10.406, de 10/01/2002. | Estabelece normas sobre herança digital. Propõe os acréscimos de três novos artigos no Código Civil, do 1.797-A ao 1.797-C, inaugurando definição legal sobre herança digital e assegurando aos herdeiros o direito à transmissão, que envolve a escolha entre criação de memoriais e exclusão das contas. |
1331/2015 | Arquivado em 31/01/2019, pelo encerramento da legislatura, após tramitar na Câmara dos Deputados. | Altera a Lei nº 12.965, de 23/04/2014 – Marco Civil da Internet, dispondo sobre o armazenamento de dados de usuários inativos na rede mundial de computadores. | Propõe alteração no inciso X do artigo 7º do Marco Civil da Internet (Lei nº. 12.965 de 2014) para autorizar cônjuges, ascendentes e descendentes até o terceiro grau a requerer a remoção de dados pessoais de usuários falecidos. |
7742/2017 | Arquivado em 31/01/2019, pelo encerramento da legislatura, após tramitar na Câmara dos Deputados. | Acrescenta o art. 10-A ao Marco Civil da Internet, a fim de dispor sobre a destinação das contas de aplicações de internet após a morte de seu titular. | Almeja assegurar aos familiares a escolha entre a exclusão de contas virtuais de usuários falecidos e a criação de memoriais em plataformas digitais. |
8562/2017 | Arquivado em 31/01/2019, apesar de aprovado pela CCTCI da Câmara dos Deputados. | Acrescenta o Capítulo II-A e os arts. 1.797-A a 1.797-C à Lei n° 10.406, de 10/01/2002. | Trata da herança digital. Similar ao do Projeto de Lei nº 4.847/2012, com idêntica justificativa. |
5820/2019 | Em tramitação na CCJC da Câmara dos Deputados, com relatoria do Deputado Alê Silva, desde 12/05/2021. | Dá nova redação ao art. 1.881 da Lei nº. 10.406 de 2002, que institui o Código Civil. | O texto atrai a aplicação do instituto do codicilo para o âmbito digital, com a prudente adaptação de dispensa de testemunhas. Se aprovado, a respectiva futura lei autorizará que os usuários manifestem seus desejos para o destino de seus ativos digitais por meio de gravação de vídeos simples, sem maiores exigências. |
6468/2019 | Em tramitação no Senado Federal. Aguardando designação de relatoria desde 18/02/2021. | Altera o art. 1.788 da Lei nº 10.406 de 10/01/2002, que institui o Código Civil, para dispor sobre a sucessão dos bens e contas digitais do autor da herança. | Altera o Código Civil para determinar a transmissão aos herdeiros de todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança. |
3799/2019 | Em tramitação no Senado Federal. Encontra-se com relator Senado Antonio Anastasia desde 08/08/2019. | Altera o Livro V da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10/01/2002, e o Título III do Livro I da Parte Especial da Lei nº 13.105, de 16/03/2015, para dispor sobre a sucessão em geral, a sucessão legítima, a sucessão testamentária, o inventário e a partilha. | Pretende a reforma do Livro V do Código Civil – Do Direito das Sucessões. Não trata da herança digital. |
3050/2020 | Em tramitação na CCJC da Câmara dos Deputados. Aguardando parecer do Relator. | Altera o art. 1.788 da Lei nº 10.406 de 10/01/2002. | Bastante similar, senão idêntico, ao Projeto de Lei nº 6.468. |
3051/2020 | Em tramitação. Apensado ao Projeto de Lei nº 3050/2020. | Acrescenta o art. 10 A, ao Marco Civil da Internet, a fim de dispor sobre a destinação das contas de aplicações de internet após a morte de seu titular. | Idêntico ao Projeto de Lei nº 7.742/2017. |
1144/2021 | Em tramitação. Apensado ao Projeto de Lei nº 3050/2020. | Dispõe sobre os dados pessoais inseridos na internet após a morte do usuário. | Busca definir os legitimados para ações de danos contra a imagem de pessoas mortas, inclui ativos digitais na herança e estabelece prazo para a exclusão de conteúdos de usuários mortos. |
De modo geral as propostas de lei mostram-se focadas na ampla transmissão sucessória de bens digitais. Porém, falta clareza no tratamento do tema no que tange a preservação da autonomia dos usuários na autodeterminação do destino de seus bens digitais post mortem, além de modificar o poder unilateral das plataformas digitais (Gonçalves, 2021, p.145).
3.1. HERANÇA DIGITAL, SUGESTÕES À COMISSÃO ESPECIAL DE REFORMA DO CÓDIGO CIVIL
O Poder Judiciário enfrenta grande desafio quanto ao preenchimento das lacunas deixadas pelo Código Civil no que se refere a herança digital, já que não se antecipou a novas formas de constituir patrimônio e herança (Barbosa, 2017, p.35).
Nesse cenário, formou-se uma Comissão Temporária do Senado Federal formada para apresentar um anteprojeto de lei a ser incorporado ao Código Civil refletindo as mudanças e necessidades contemporâneas.
Dentro da programação, ocorreu um debate composto por renomados pesquisadores do tema herança digital, em 17/10/2023 transmitido pelo YouTube.
Na ocasião, foram propostas inúmeras sugestões pelos estudiosos, em resumo:
O prof. Bruno Zampier iniciou tratando sobre as transações realizadas na internet que podem ser considerados bens jurídicos e, como bem, é possível a transmissão causa morte. A venda de perfis (bens digitais), dar em garantia renda obtida pelo canal do YouTube. Sugeriu a criação de microssistema e não somente inclusão de artigos do Código Civil bem como a proteção da titularidade dos bens digitais.
Após, a Prof.ª. Ana Carolina Brochado Teixeira falou sobre os 3 pilares, pensar os bens jurídicos como patrimoniais, não patrimoniais(existenciais) e híbridas. Segundo ela, a lógica é contemplar a sucessão patrimonial e existencial por meio de testamento.
O Prof. Pablo Malheiros defende a transmissão dos aspectos patrimoniais dos direitos da personalidade. O aspecto existencial deve haver declaração de vontade feita em vida para manifestar quem irá cuidar dos bens digitais, caso contrário seria proibido o acesso e repasse. Mensagens privadas não deverão compor a transmissibilidade forçada aos herdeiros. Sua sugestão é regulação de acesso a bens existenciais. Ressignificar a ideia do legado para admitir bens determinados de natureza corpórea e incorpórea.
A Prof.ª Fernanda Scheafer sugeriu o uso de testamento eletrônico, manifestação de vontade por vídeo como formas de desburocratização do direito sucessório. Explanou sobre emulação da pessoa como instrumento de administração do luto, reconstrução da imagem para fins comerciais. A tutela do bem jurídico e aspectos da personalidade do falecido, preocupar-se com a preservação de memória, desejos, valores e formas de conduta. Definir se irá aplicar as regras do herdeiro necessário em caso de emulação e ausência de autorização do de cujus. Os sistemas de emulação devem representar realmente a pessoa falecida, qual o limite temporal de emulação? se pode ou não explorar patrimonialmente?
O Prof. João Aguirre levantou a definição do que é herança digital, expressou sua preocupação em relação ao uso de aplicativos para simular a pessoa falecida para conversar com seus familiares. O controle dos seus dados caso autorize deixe expresso ou negócios jurídicos ou termos de usos adequados. Tutelar os direitos da personalidade e privacidade do morto e o sigilo das comunicações com terceiros aplicando-se a qualquer plataforma que perpetue no tempo. Que seja necessário justificar a quebra de um sigilo de comunicação de natureza patrimonial ou híbrida.
A Prof.ª Karina Fritz entende que o que vale no mundo real, vale para o digital. Existe a regra de transmissão, regra nova para abarcar a herança digital. A herança se transmite de forma plena aos herdeiros tanto a digital como a analógica. A autoridade nacional de proteção de dados apontou que a LGPD não se aplica aos dados do falecido. No caso concreto é difícil dividir existencial, patrimonial e híbrido. A monetização dos dados pessoais por grandes empresas.
No mundo analógico todos os documentos são transmitidos aos herdeiros. Aplicar o testamento para regulamentar contas de e-mail, WhatsApp etc. para evitar que as empresas de plataforma tomem posse e monetize-os. A professora questiona a distinção do mundo real ao virtual.
Laura Porto sugere a elaboração do Glossário de direito digital para apontar os conceitos.
Mauro Apis sugere apontar o valor dos bens digitais para que a herança seja dividida por igual entre os herdeiros. Estimular a elaboração de testamentos de forma popular para que mais pessoas possam testar.
A Subcomissão de Direito Digital, das Sucessões e Parte Geral formadas pelo Senado elaboraram um relatório a ser apresentado a Comissão de Juristas apresentaram proposta acerca da herança digital a ser incorporado ao Código Civil:
Direito das Sucessões | Direito Digital | Parte geral |
Art. 1.791. A. Os bens digitais do falecido de valor economicamente apreciável integram a sua herança. §1º Compreende-se como bens digitais, o patrimônio intangível do falecido, abrangendo, dentre outros, senhas, dados financeiros, perfis de redes sociais, contas, arquivos, pontos em programas de recompensa, milhas aéreas e qualquer conteúdo de natureza econômica, armazenado ou acumulado em ambiente virtual, de titularidade do autor da herança. §2º Os direitos da personalidade que se projetam após a morte e não possuam conteúdo econômico, tais como privacidade, intimidade, imagem, nome, honra, dados pessoais, entre outros, observarão o disposto em lei especial e no Capítulo II do Título I do Livro I da Parte Geral. §3º São nulas quaisquer cláusulas contratuais voltadas a restringir os poderes da pessoa de dispor sobre os próprios dados, salvo aqueles que, por sua natureza, estrutura e função tiverem limites de uso, fruição ou disposição | Art. X – Considera-se patrimônio digital o conjunto de ativos intangíveis, com conteúdo de valor econômico, pessoal ou cultural pertencentes a um indivíduo ou entidade, existentes em formato digital. O que inclui, mas não se limita a dados financeiros, senhas, contas de mídia social, ativos de criptomoedas, tokens não fungíveis ou similares, milhagens aéreas, contas de games e jogos cibernéticos, conteúdos digitais como fotos, textos, ou quaisquer outros ativos digitais, armazenados em ambiente virtual. | Art. 83 Consideram-se móveis para os efeitos legais: I – as energias que tenham valor econômico; II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III- os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. IV – os conteúdos digitais dotados de valor econômico tornados disponíveis, independente do seu suporte material. |
Art. 1.791-B. Salvo expressa disposição de última vontade e preservado o sigilo das comunicações, as mensagens privadas do autor da herança difundidas ou armazenadas em ambiente virtual podem ser acessadas por seus herdeiros. §1º. O compartilhamento de senhas, ou de outras formas para acesso a contas pessoais, serão equiparados a disposições negociais ou de última vontade, para fins de acesso dos sucessores do autor da herança. §2º. Mediante autorização judicial, o herdeiro poderá ter acesso às mensagens privadas do autor da herança, quando comprovar seu conteúdo econômico. | Art. X Os direitos da personalidade que se projetam após a morte constantes de patrimônio essenciais e personalíssimos, tais como privacidade, intimidade, imagem, nome, honra, dados pessoais, entre outros, observarão o disposto em lei especial e no Capítulo II do Título I do Livro I da Parte Geral. | |
Art. 10-A. Morrendo a pessoa sem herdeiros legítimos ou testamentários, o provedor de aplicações de internet, deve excluir as contas públicas de usuários brasileiros mortos, mediante comprovação do óbito, exceto se houver previsão contratual ou declaração de vontade do titular da conta em sentido contrário. §1º As mensagens privadas constantes de quaisquer espécies de aplicações de Internet serão obrigatoriamente apagadas pelo provedor, no prazo de 1(um) ano após a abertura da sucessão, salvo se o titular delas houver disposto em testamento ou se necessárias à administração da Justiça. §2º Os sucessores legais poderão, se desejarem, pleitear a exclusão da conta ou a sua conversão em memorial, diante da ausência de declaração de vontade do titular. §3º Mesmo após a exclusão das contas, devem os provedores de aplicações manter armazenados os dados e registros dessas contas pelo prazo de 1(um) ano a partir da data do óbito. §4º São nulas as cláusulas negociais que restrinjam os poderes do autor da herança de conceder acesso aos seus bens digitais, salvo aqueles que, por sua natureza, estrutura e função tiverem limites de uso, fruição ou disposição. | Art. X A transmissão hereditária dos dados e informações contidas em qualquer aplicação de internet, bem como das senhas e códigos de acesso, pode ser regulada em testamento. § 1º O compartilhamento de senhas, ou de outras formas para cesso a contas pessoais, serão equiparados a disposições contratuais ou testamentárias expressas, para fins de acesso dos sucessores, desde que, devidamente comprovados. §2º Integram a herança o patrimônio digital de natureza econômica seja pura ou híbrida. § 3º Os sucessores legais poderão, se desejarem pleitear a exclusão da conta ou a sua conversão em memorial, diante da ausência de declaração de vontade do titular. | |
Art. 1.918-A. O legado de bens digitais pode abranger dados de acesso a qualquer aplicação da internet de natureza econômica, perfis de rede sociais, canais de transmissão de vídeos, bem como dados pessoais expressamente mencionados pelo testador no instrumento ou arquivo do testamento. §1º É possível a nomeação de curador especial aos bens digitais, sob a forma de administrador digital, por decisão judicial, negócio jurídico entre vivos, testamento ou codicilo. §2º Se houver administrador digital, nomeado pelo autor da herança ou por decisão judicial, ficam os bens digitais submetidos à sua administração imediata até que se ultime a partilha, com a obrigação de prestação de contas. | Art. X Salvo expressa disposição de última vontade e preservado o sigilo das comunicações, e a intimidade de terceiros, as mensagens privadas do autor da herança difundidas ou armazenadas em ambiente virtual não podem ser acessadas por seus herdeiros, em qualquer das categorias de bens patrimoniais digitais. § 1º Mediante autorização judicial e comprovada a necessidade de acesso, o herdeiro poderá ter acesso às mensagens privadas da conta, para fins exclusivo autorizados pela sentença e resguardado o direito à intimidade e privacidade de terceiros. § 2º O tempo de guarda destas mensagens privadas pelas das plataformas deve seguir legislação especial. § 3º Diante da ausência de declaração de vontade do titular, os sucessores ou representantes legais poderão, se desejarem, pleitear a exclusão da conta, sua conversão em memorial, ou a manutenção da mesma, garantida a transparência de que a gestão da conta é realizada por terceiro. § 4º Serão excluídas as contas públicas de usuários brasileiros mortos, quando não houver herdeiros ou representantes legais do falecido, contados 180 dias da comprovação do óbito. | |
Art. X São nulas quaisquer cláusulas contratuais voltadas a restringir os poderes da pessoa, titular da conta, de dispor sobre os próprio dados e informações. | ||
Art. X Os prestadores de serviços digitais devem garantir medidas adequadas de segurança para proteger o patrimônio digital dos usuários e fornecer meios eficazes para que os titulares gerenciem e transfiram esses ativos de acordo com a sua vontade, com segurança. |
Em resumo, a proposta apresentada prevê a conceituação dos bens digitais, restrição de acesso a mensagens privadas, inclusão dos bens digitais e inventário, tratamento da herança digital e os provedores, permissão da ocorrência de codicilo virtual e bens digitais, inclusão do legado dos bens digitais, sucessão dos bens digitais e inclusão dos bens digitais de conteúdo econômico como bens móveis (Paula; Santos, 2024, p.13).
CONCLUSÃO
Nesta pesquisa foi possível abordar os principais conceitos referente ao direito sucessório, bens digitais e herança digital, destacando a importância de regulamentar o tema.
Assim, o direito sucessório é o direito de suceder, receber o acervo hereditário do falecido. Já a herança compõe os direitos e obrigações adquiridos após o evento morte do de cujus.
Os bens digitais estão presentes no meio digital e são classificados em 3 frentes: bens patrimoniais, existenciais e híbridos. Compõe conteúdo de valor econômico os bens patrimoniais, os bens digitais personalíssimos detêm valor existencial e os bens digitais híbridos abrange a junção de conteúdo patrimonial e existencial.
Constatou-se a existência de duas correntes doutrinárias acerca da transmissibilidade da herança digital aos herdeiros. Uma corrente entende que tudo que compõe ativos e acessos digitais devem ser transmitidos aos herdeiros após o falecimento do titular. Em contrapartida, apenas o conteúdo patrimonial deve ser transmitido, os de caráter existencial não, por fazer parte da personalidade.
Outra corrente doutrinária defende que o acesso ao conteúdo de bens digitais existenciais deve seguir a legitimidade dos herdeiros de tutelar direitos de personalidade após o falecimento do usuário.
Atualmente, são as plataformas digitais que ditam em seus termos de uso a possibilidade de transmissão dos bens digitais. Após análise, concluiu-se que a previsão dada acerca da herança digital é distinta, enquanto algumas plataformas permitem a transmissão dos bens digitais, outras não ou nem sequer preveem tal possibilidade.
Cumpre notar que a previsão de tratamento e destino é igualitária as contas digitais, independentemente da presença de economicidade, o que prejudica aos herdeiros de bens digitais com conteúdo patrimoniais e híbridos.
Nesse contexto, a ausência de regulamentação da herança digital no ordenamento jurídico brasileiro somado a autonomia das plataformas digitais para decidir o destino dos bens digitais após o falecimento do seu titular, tem motivado os herdeiros a buscarem o judiciário para solucionar o conflito.
Ao se deparar com disputas que envolve o direito a herança digital, os magistrados têm utilizado os princípios para embasar sua decisão. Constatou-se a existência de decisões judiciais procedentes e improcedentes quanto ao pedido de acesso dos herdeiros aos bens digitais do de cujo após negativa de acesso por parte das plataformas digitais.
Portanto, a falha de entendimento consolidado da atuação do Poder Judiciário sobre o tratamento dos dados digitais após a morte dos titulares causa prejuízos e insegurança jurídica aos herdeiros, pois, nem sempre é possibilitado o seu acesso a herança digital.
Nesse sentido, é necessário a regulamentação dos bens digitais no ordenamento jurídico brasileiro para evitar a sua retenção pelos provedores e legalizar o acesso dos sucessores a herança digital em caso de falecimento do titular evitando assim disparidade nas decisões judiciais e garantindo uniformidade em casos idênticos.
Ao consultar o ordenamento jurídico brasileiro, verificou-se a existência de diversos projetos de lei na tentativa de regulamentar a temática herança digital, porém, sem sucesso. Além disso, os projetos não previam a preservação da autonomia dos usuários para autodeterminação do destino de seus bens digitais pós morte e nem modificavam a unilateralidade das plataformas digitais.
Merece destaque a formação da Comissão Temporário do Senado Federal no ano de 2023 para criação da lei que incorporará o Código Civil propondo conceituação dos bens digitais, restrição de acesso a mensagens privadas, inclusão dos bens digitais e inventário, tratamento da herança digital e os provedores, permissão da ocorrência de codicilo virtual e bens digitais, inclusão do legado dos bens digitais, sucessão dos bens digitais e inclusão dos bens digitais de conteúdo econômico como bens móveis. Deste modo, é possível que brevemente o Código Civil trate da herança digital e seus entraves.
Notou-se que a doutrina e jurisprudência nacional abordam a herança digital de modo diferente, o que evidencia a necessidade de uniformidade de tratamento, para garantir o acesso justo e efetivo aos sucessores.
No que tange a possibilidade de transmissão dos bens digitais do falecido aos herdeiros, notou-se a existência de diversos empecilhos, como a previsão unilateral e diferente das plataformas digitais, a falta de previsão legislativa ou até mesmo distinção das decisões judiciais.
Por fim, esse estudo contribuiu junto a inúmeras discussões a respeito do tema herança digital e aos usuários das redes sociais conscientizando-os acerca da destinação dada aos bens digitais no Brasil. Contudo, não se elimina a possibilidade de aprofundamento da matéria.
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¹Autora, Acadêmica de Direito na Faculdade de Imperatriz – Facimp; Graduada em Ciências Contábeis – UFMA; MBA em Gestão Empresarial – FGV.
²Orientadora, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional – UNITAU; Especialista em Docência do Ensino Superior e Direito Administrativo – FACIBRA; Professora do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – Facimp.