REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202505302357
Ueudison Alves Guimarães
Rafael Teixeira Nunes
Cleber dos Santos
Janivia Glaci Scholze Woehl
Rosângela Simone Penna Ribeiro Cuencas
Leidiane Aparecida dos Santos
RESUMO
A profissionalização docente não se edifica unicamente por meio de normativas institucionais ou exigências burocráticas, mas pela criação de condições formativas que reconheçam o educador como sujeito de saber, prática e reflexão. Neste sentido, a gestão pedagógica assume função estratégica na mediação entre projeto político, cultura escolar e desenvolvimento profissional. Mais do que coordenar ações técnicas, espera-se que ela se comprometa com a escuta sensível das demandas coletivas e com a construção de itinerários formativos enraizados na realidade da escola. O objetivo que orienta esta investigação é discutir como a gestão pedagógica pode contribuir efetivamente para a consolidação de processos formativos contínuos e éticos, articulados aos saberes docentes e ao compromisso com a prática. A metodologia adotada, de natureza bibliográfica, fundamenta-se em autores contemporâneos que pensam a formação continuada como experiência crítica, marcada por disputas simbólicas, narrativas institucionais e saberes da experiência. Ao longo da análise, abordam-se as tensões que permeiam a valorização do trabalho pedagógico, a função formadora da gestão e os limites de modelos uniformizantes. O que se busca, afinal, é afirmar a importância da escuta profissional, da memória pedagógica e da responsabilidade coletiva como caminhos possíveis para uma educação humanamente comprometida.
Palavras-chave: Formação. Gestão. Prática docente. Saberes. Valorização.
ABSTRACT
Teacher professionalization is not built solely through institutional regulations or bureaucratic requirements, but through the creation of training conditions that recognize the educator as a subject of knowledge, practice and reflection. In this sense, pedagogical management assumes a strategic role in mediating between political projects, school culture and professional development. More than coordinating technical actions, it is expected that it commits itself to listening sensitively to collective demands and to building training itineraries rooted in the reality of the school. The objective that guides this research is to discuss how pedagogical management can effectively contribute to the consolidation of continuous and ethical training processes, articulated with teaching knowledge and commitment to practice. The methodology adopted, of a bibliographic nature, is based on contemporary authors who view continuing education as a critical experience, marked by symbolic disputes, institutional narratives and knowledge from experience. Throughout the analysis, the tensions that permeate the valorization of pedagogical work, the formative function of management and the limits of standardizing models are addressed. Ultimately, the aim is to affirm the importance of professional listening, pedagogical memory and collective responsibility as possible paths towards a humanly committed education.
Keywords: Training. Management. Teaching practice. Knowledge. Valorization.
1. INTRODUÇÃO
A noção de desenvolvimento profissional docente não pode ser compreendida como uma progressão linear baseada em acúmulo de certificações ou em itinerários previamente formatados. Quando desvinculada das experiências concretas da prática pedagógica, a formação tende a se distanciar dos desafios reais que atravessam o cotidiano escolar, tornando-se uma formalidade burocrática que pouco transforma a qualidade da ação educativa.
A construção de percursos formativos mais comprometidos com a realidade dos sujeitos docentes exige que se abandonem os modelos padronizados que igualam trajetórias profundamente distintas. Cada escola é um território de complexidades, e os profissionais que nela atuam são marcados por histórias, linguagens, culturas e modos de ensinar que não podem ser enquadrados em parâmetros genéricos de competência. Valorizar essa diversidade é parte do trabalho de uma gestão comprometida com a formação.
Nesse sentido, a gestão pedagógica ocupa um lugar estratégico. Ao ser exercida como mera função técnica ou executora de metas, perde seu potencial de articulação entre as dimensões ético-políticas da formação e os projetos coletivos da escola. A presença do gestor pedagógico deve ampliar possibilidades de reflexão, escuta profissional e redes de aprendizagem compartilhada.
As políticas de formação continuada, embora estejam presentes em documentos oficiais e programas institucionais, nem sempre reconhecem a centralidade do saber docente como elemento formativo legítimo. Muitas vezes, prioriza-se a normatização de conteúdos, desconsiderando os modos como os professores elaboram sentidos sobre seu próprio fazer. Isso gera um descompasso entre o discurso formativo e a prática docente efetiva.
A institucionalização da formação, quando não respeita a singularidade das escolas e de seus profissionais, tende a ser capturada por lógicas avaliativas e por modelos homogeneizantes. Os sujeitos passam a ser avaliados a partir de critérios externos, e a reflexão crítica perde espaço para o cumprimento de tarefas. O desenvolvimento profissional, assim, é reduzido a uma política de controle.
O reconhecimento do saber da experiência, por outro lado, permite que os professores se compreendam como autores de seu percurso e como interlocutores legítimos no processo de formação. A valorização da prática não implica desprezo pela teoria, mas exige um reposicionamento das relações entre conhecimento, contexto e ação pedagógica. Nesse campo, a gestão escolar tem papel decisivo.
Ao mediar conflitos, escutar inquietações e sustentar processos de autoformação, o gestor pedagógico contribui para que a formação deixe de ser vista como algo imposto e passe a ser vivida como prática situada. A gestão, nesse sentido, não é apenas técnica ou administrativa, mas espaço de escuta e de invenção, onde o desenvolvimento profissional se articula à ética e à coletividade.
A escola, enquanto instituição social, não pode tratar o desenvolvimento profissional como apêndice de suas prioridades. Ao contrário, precisa assumir a formação como parte constitutiva do seu projeto pedagógico. É nesse entrelaçamento entre ação, memória e compromisso institucional que se configura uma gestão pedagógica capaz de sustentar percursos formativos autênticos e éticos.
O objetivo que orienta esta investigação é discutir como a gestão pedagógica pode contribuir efetivamente para a consolidação de processos formativos contínuos e éticos, articulados aos saberes docentes e ao compromisso com a prática. A metodologia adotada, de natureza bibliográfica, fundamenta-se em autores contemporâneos que pensam a formação continuada como experiência crítica, marcada por disputas simbólicas, narrativas institucionais e saberes da experiência.
A análise percorre os sentidos da mediação formativa no exercício da gestão, as dimensões ético-políticas da formação continuada e a valorização da experiência como território legítimo de construção de saberes. Ao longo do percurso, discute-se o lugar do gestor na articulação dos processos formativos, os limites da formação desconectada da prática e os desafios da valorização docente em contextos escolares marcados por demandas contraditórias.
2. METODOLOGIA
A condução desta pesquisa foi orientada pela compreensão de que as práticas formativas na escola não são estruturas neutras ou universais, mas produções históricas, simbólicas e discursivas que se constroem a partir de tensões institucionais, posicionamentos éticos e disputas sobre o sentido da docência. Investigar a relação entre gestão pedagógica e desenvolvimento profissional exige, portanto, um método que reconheça a complexidade desse campo.
Optou-se por uma abordagem bibliográfica de natureza qualitativa, com o intuito de construir uma reflexão teórica sustentada por autores contemporâneos que discutem a formação continuada como processo situado, e não como simples dispositivo técnico. Essa opção metodológica não implica recuo diante do real, mas sim uma abertura crítica à análise do que tem sido produzido sobre o tema, em diferentes contextos, tempos e posições teóricas.
A seleção dos materiais fundamentou-se na relevância das obras no debate atual sobre política educacional, valorização docente, saberes da experiência e função formadora da gestão. Livros, artigos científicos e produções acadêmicas indexadas compuseram o corpus investigativo, priorizando fontes com acesso público e consistência teórico-crítica reconhecida nos campos da educação e da formação de professores.
Ao compreender a metodologia como escolha epistemológica e não apenas como procedimento técnico, buscou-se integrar os caminhos da leitura, da análise e da escrita num processo de investigação que se propõe também formativo. A pesquisa bibliográfica não é aqui tomada como compilação de ideias alheias, mas como exercício de elaboração discursiva, de escuta intelectual e de formulação própria a partir de múltiplos diálogos teóricos.
A opção por uma abordagem qualitativa também supõe o reconhecimento da multiplicidade de sentidos e a recusa de soluções generalizantes. O que se pretende é construir um olhar comprometido com a historicidade das práticas e com a potência crítica da reflexão educacional. Nesse sentido, a análise não busca responder a um problema com objetividade aparente, mas movimentar criticamente os sentidos fixados pela tradição escolar e abrir caminhos para novas compreensões.
A filosofia da ciência sem a história da ciência é vazia; a história da ciência sem a filosofia da ciência é cega. […] A história da ciência sempre é mais rica que sua reconstrução racional. Entretanto, a reconstrução racional ou história interna é o principal; a história externa é secundária, posto que os problemas mais importantes da história externa são definidos pela história interna.” (LAKATOS, 1983, p. 107 e 154)
A inserção do pensamento de Lakatos (1983) permite afirmar que toda construção teórica carrega um projeto de racionalidade. Pensar a gestão pedagógica como instância formativa demanda, portanto, reconhecer os enunciados históricos que a constituem, mas também reconstruir criticamente suas justificações internas, seus critérios de legitimidade e os discursos que sustentam ou contestam sua função.
Nessa caminhada discursiva, a metodologia bibliográfica foi mobilizada não como ferramenta de comprovação, mas como campo de problematização. Os autores selecionados não foram convocados para validar proposições prévias, mas para desafiar pressupostos, ampliar horizontes e convocar novas formas de pensar a formação docente e sua articulação com os processos de gestão pedagógica em uma perspectiva crítica, situada e humanamente implicada.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 O gestor educacional e o E-learning: democratização do ensino
Considerar a importância dos avanços tecnológicos e da necessidade de ampliar os olhares sobre a educação representa estar diante da rapidez com que as mudanças em sociedade acontecem. Esse que seria um projeto de futuro é visto hoje como expectativa de um outro futuro, tão acelerados são os acontecimentos. Nesse ponto de vista, ao se falar de perspectivas, requer olhar no retrovisor da educação brasileira, pois ao revisitá-la corre-se o risco de encontrar resquícios daquilo que não se pretende para o futuro. Nesses resquícios pode-se encontrar estratégias adotadas no passado que os alunos de hoje não aceitam mais, tais como conteúdos estagnados e repetitivos.
Nesse sentido, a tecnologia vem demonstrando seu protagonismo enquanto inovadora de ferramentas e recursos presentes na educação em ambientes de aprendizagem, corroborando com as novas práticas e formas de ensinar. (Santos & Araujo, 2021). É a partir dessas perspectivas que ocorre o engajamento do gestor no ambiente de aprendizagem, sendo desse profissional, entre outros os papeis, o de apoiar e incentivar o aluno durante seu percurso de aprendizagem. Para isso, diz Kenski (2007), não basta apenas que a inovação voltada ao ensino bata à porta, é necessário que haja organização, planejamento bem estruturados intencionando que os alunos recebam as cargas de aprendizagem disponibilizadas no ambiente de aprendizagem. Esses princípios se revelam fundamentais para garantir que o espaço de ambiente se conduza de forma eficiente, posto que a organização institucional delibera-se e define-se objetivos claros, a manutenção da implementação de estratégias pedagógicas, e a avaliação dos resultados. Além disso, uma organização eficiente promove o bom funcionamento e a harmonia entre os alunos.
De acordo com Santos (2016, p. 28), “é fundamental perceber e acompanhar os grandes avanços do conhecimento, as mudanças da clientela escolar, o aumento quantitativo e qualitativo das exigências da nova sociedade globalizada”. O autor também afirma que a mudança deve ser baseada nas teorias de gestão que enfatizam a tomada de decisão, a estratégia, a flexibilidade e a autonomia. Na nova forma de gestão deve prevalecer a liderança, a participação, a criatividade, a iniciativa, a cooperação e a motivação e assim: “O novo modelo de gestão educacional e escolar enfatiza a liderança, não mais realizada como no passado, por gente talentosa, com características de personalidade que induzem as pessoas ao trabalho e à participação (Santos, 2016, p. 36).
Consequentemente, é benéfico para os gestores proporcionar as condições para que a comunidade da instituição possa escolher a melhor forma de trabalhar e o caminho para alcançar objetivos comuns visando a qualidade na educação. Esses objetivos comuns que são orientados não seriam possíveis sem a participação ativa de todos que fazem parte da educação, posto que “Assim, educação de qualidade passa a ser uma palavra de ordem que se refere à democratização e à igualdade. […] qualidade de educação denota-se que, além da alteração na ordem dos termos, há também uma mudança no seu conteúdo” (Barbosa & Moll, 2000, p.06).
Segundo Lück (2017), O objetivo da gestão é aprimorar a educação e desenvolver os alunos através de funções e processos educacionais, sendo que sem esses elementos, a gestão perde seu sentido. Portanto, é crucial que o gestor promova e facilite a participação efetiva da comunidade nas instâncias colegiadas de decisão, superando a mera integração ou interação. Isso envolve a definição dos fundamentos filosóficos, sociais e educacionais que sustentam a proposta pedagógica, considerando a análise dos paradigmas, a especificidade da organização e a busca pela qualidade educacional. Esse processo requer uma gestão democrática que garanta a participação de todos os envolvidos no processo educativo de forma eficaz.
Andam junto com as propostas apontadas acima, o desejo de se fazer uma educação que contemple formar para a cidadania, para os negócios, para a sociedade e para a vida. Diante disso, Cunha et al. (2019), reforça que o E-learning, enquanto ferramenta fundamental para o desenvolvimento educacional e profissional, são modalidades inovadoras, pois seu caráter acessível e veloz tem o poder de transformar o acesso ao conhecimento transcendendo a barreira do tempo de distância. Essa modalidade de ensino representa um salto educacional, que combina tecnologia digital e métodos de ensino.
A abordagem multifacetada da educação, não concebe seu desdobramento apenas pela inserção de alunos no espaço acadêmico, existe um processo que vai além, em que as discussões não se restringem à quantidade e sim à qualidade educacional que é oferecida aos estudantes. Os espaços de aprendizagem da atualidade deixaram de ser restritos às salas de aula presencial; esse é, segundo Cunha et al. (2019, p. 07) “Ao mesmo tempo em que possibilitam a concepção de caminhos personalizados e capazes de atender às demandas de cada aluno, particularmente”.
Assim como a tecnologia tem dado novos rumos aos campos mais diversos da sociedade, a educação, em especial, não deixou de seguir esse percurso, na qual tem na figura do gestor o profissional responsável por acompanhar os processos educacionais. No entanto, não se discute qual é a sua função, pois ela deriva de várias concepções e conceitos, mas sim, compreender como é a sua conexão nos ambientes E-learning. Desse modo, assim como os cursos presenciais necessitam de uma organização que atenda às necessidades dos alunos, quando envolvidos em estudos a distância, os estudantes têm a mesma necessidade, pois são dimensões que não deixam de medir a competência do gestor. Lück (2017) vai chamar essa competência de eficiência, responsabilidade e efetividade. Nesse sentido, pode-se dizer que algumas das principais incumbência do papel do gestor frente à modalidade a distância está refletida em considerar que
Este apoio vai além da simples alocação de recursos; é uma aceitação e incorporação cultural da EAD como uma modalidade de ensino válida e eficaz. A clareza na missão e visão da instituição proporciona um direcionamento unificado, e é imperativo que todos os envolvidos compartilhem uma compreensão desses valores (Pinheiro & Santos, 2023, p.08).
Recai sobre essa fala a ênfase sumária da colaboração institucional do gestor ao valorizar a relevância da tecnologia como meio organizacional e na garantia da qualidade de ensino oferecida nos ambientes E-learning. Tais reflexos são endereçados aos alunos que ao se inserirem em cursos nessa modalidade, precisam se sentir parte do processo educacional tanto quanto os alunos presenciais. Consequentemente, à gestão, compete ainda “programas, meios de transmissão, conteúdo, interatividade e ambiente de aprendizagem”, entrando em cena, portanto, o trabalho colaborativo e democrático e inclusivo do gestor (Pinheiro & Santos, 2023, p.09).
Na concepção de Paro (2002), liderar em um ambiente que demanda uma construção social compartilhada exige uma abordagem que se concentre no coletivo, nas vozes dos participantes. É por meio dessa coletiva criação de significados, visando a presença e a integração dos alunos, que se constitui o processo de aprendizado democrático.
Nessa trajetória a tecnologia proporciona uma variedade de caminhos em que a educação, em sua singularidade e anseio pela qualidade, coloca a todos à frente de novas oportunidades e autonomia, que os recursos digitais proporcionam alcançar. É um fator que se torna mais importante com o passar do tempo e, com isso, a intercomunicação e a interdependência de organizações que antigamente eram locais, agora podem estar geograficamente de lados opostos do mundo, como condição proporcionada pela tecnologia.
Esses são esforços internos e externo do ambiente de aprendizagem a distância em que se busca analisar a importância de identificar tanto as condições objetivas quanto as subjetivas da organização e gestão, bem como da avaliação e a qualidade da educação que reflete na necessidade de utilizar processos de gestão e dinâmica pedagógica para melhorar o rendimento dos estudantes.
3.2 A função da gestão pedagógica na mediação dos processos formativos
A compreensão da gestão pedagógica como um campo exclusivamente técnico tem contribuído para o esvaziamento de sua potência formativa e para a fragmentação dos processos educativos no interior da escola. Quando dissociada do projeto político-pedagógico e das práticas docentes cotidianas, a ação gestora tende a se reduzir à execução de tarefas burocráticas que pouco dialogam com os desafios enfrentados pelos professores em suas realidades concretas.
A escola, como espaço de disputas simbólicas, carece de um tipo de gestão que não apenas organize procedimentos, mas que produza sentidos compartilhados para a formação e o trabalho docente. Nesse horizonte, a função do gestor pedagógico se amplia para além do cumprimento de metas, sendo convocada a mediar conflitos, escutar trajetórias e construir coletivamente caminhos de formação enraizados na experiência dos sujeitos.
Accioly et al. (2020) apontam que os dilemas da formação docente na contemporaneidade não se explicam apenas por lacunas de conhecimento técnico, mas pela ausência de políticas institucionais que reconheçam a complexidade do ensinar. Segundo os autores, a gestão que se propõe formativa precisa assumir o caráter contraditório das práticas escolares e atuar como instância reflexiva capaz de reorganizar o cotidiano com base em valores democráticos e coletivos.
A mediação pedagógica, nesse sentido, não se resume à coordenação de rotinas, mas implica uma postura ético-política que reconhece as tensões da escola como lugar legítimo de formação. O gestor que compreende sua função como articuladora entre sujeitos, saberes e projetos potencializa a autonomia dos professores, promove vínculos formativos e contribui para uma cultura escolar mais dialógica e crítica.
A ruptura com o modelo verticalizado de gestão depende da construção de uma nova gramática institucional, onde a autoridade seja substituída por autoria e a centralidade da ação pedagógica se desloque para práticas colaborativas. Isso exige que o gestor atue como provocador de sentidos, instigando a reflexão dos professores sobre o que fazem, como fazem e por que fazem, em um movimento contínuo de ressignificação da prática.
A formação docente, quando atravessada pela escuta institucionalizada e pelo reconhecimento das práticas vividas, deixa de ser mero acúmulo de técnicas e passa a ser compreendida como elaboração simbólica de um saber situado. Nesse processo, a gestão tem o papel de garantir condições para que os professores elaborem suas experiências e as transformem em conhecimento pedagógico, fortalecendo sua identidade profissional.
Andrade et al. (2020) destacam que o trabalho do coordenador pedagógico precisa estar articulado com os processos de formação crítica e emancipatória. Para os autores, não se trata de oferecer respostas prontas, mas de sustentar espaços de problematização onde os professores possam interrogar suas práticas e construir alternativas possíveis dentro dos limites da realidade escolar.
O papel formador da gestão não se efetiva por meio de oficinas esporádicas ou de programas impostos verticalmente. Ele se concretiza no cotidiano da escola, nas reuniões pedagógicas, nos diálogos informais e nos momentos em que o gestor decide não calar diante das injustiças, mas provocar deslocamentos e reposicionamentos éticas nos modos de ensinar e aprender.
A mediação promovida pela gestão não é neutra. Ela carrega intencionalidades, interpretações e disputas que precisam ser assumidas como parte do processo formativo. O que está em jogo não é apenas a organização do trabalho, mas a produção de um ambiente escolar onde a reflexão, o afeto e o compromisso com a aprendizagem coletiva sejam os eixos que sustentam a prática docente.
Accioly et al. (2020) reforçam que uma gestão que reconhece a complexidade da prática docente é aquela que rompe com os modelos engessados de avaliação, planejamento e controle. Ela propõe a escuta da singularidade dos contextos e a valorização dos saberes que emergem do chão da escola, reconstruindo continuamente as referências que orientam a prática pedagógica.
A formação não ocorre apenas em cursos formais ou eventos certificados. Ela acontece no confronto com o real, no reconhecimento dos limites e na coragem de seguir inventando possibilidades. A gestão pedagógica, ao assumir a mediação como ato político, transforma a escola em território de aprendizagem mútua e de afirmação da dignidade profissional do educador.
Andrade et al. (2020) sugerem que a presença do coordenador pedagógico deve ser compreendida como uma construção coletiva, articulada à escuta dos professores, ao projeto pedagógico da escola e à formação integral dos sujeitos. O gestor deixa de ser um técnico de gabinete para se tornar um articulador de sentidos, de práticas e de políticas formativas.
O desenvolvimento profissional não pode ser imposto por normativas externas ou por pressões avaliativas. Ele precisa emergir do desejo de compreender melhor o fazer docente e de construir respostas mais sensíveis e éticas às realidades que interpelam o cotidiano escolar. A gestão, nesse processo, deve reconhecer os professores como sujeitos de saber, e não como destinatários de pacotes formativos pré-definidos.
A mediação exercida pela gestão pedagógica ganha potência quando se enraíza na história da escola, nas práticas já construídas e nos desejos coletivos que ali se manifestam. Não se trata de trazer modelos prontos de fora, mas de construir, com os sujeitos, caminhos de formação que respeitem as especificidades locais e fortaleçam os vínculos entre teoria, prática e compromisso social.
Accioly et al. (2020) concluem que a gestão pedagógica, quando pensada como prática formativa, exige envolvimento, escuta ativa e disposição para o conflito. O gestor torna-se, então, um articulador entre o presente e o possível, entre as demandas do sistema e os projetos dos sujeitos, entre a rotina escolar e os horizontes políticos da educação.
Ao final deste percurso, compreende-se que a gestão pedagógica não deve ser interpretada como instância de vigilância ou controle, mas como espaço de construção de pertencimento, de autoria e de transformação da prática docente. É nesse sentido que sua função mediadora se realiza: como gesto que escuta, reconhece, tensiona e reconfigura os modos de formar e de ser professor na escola pública.
3.3 A formação continuada como eixo da profissionalização docente
A discussão sobre a profissionalização docente só se sustenta quando incorpora o reconhecimento da formação como percurso contínuo, enraizado na experiência, atravessado por dúvidas legítimas e sustentado pela possibilidade de reflexão crítica. Reduzir a formação a momentos pontuais ou eventos desconectados do cotidiano equivale a fragmentar o processo educativo e a desconsiderar a complexidade do ser professor.
A escola, enquanto território de práticas e enunciações coletivas, precisa reconhecer que a formação docente não se realiza apenas nos espaços institucionais previamente formatados, mas sobretudo na escuta mútua entre pares, nos enfrentamentos cotidianos com a realidade e nos movimentos de reelaboração simbólica que os docentes produzem a partir da experiência.
Os estudos de Cunha et al. (2022) enfatizam que a eficácia da formação continuada não está ligada à quantidade de ações ofertadas, mas à sua capacidade de promover deslocamentos internos, de tensionar o fazer docente e de permitir que o professor se reconheça como sujeito epistêmico em constante reconstrução de si e de sua prática.
Tratar a formação como processo permanente exige romper com a lógica da prescrição e da homogeneização. Os percursos formativos que partem de pressupostos universalizantes desconsideram a pluralidade dos contextos e negligenciam o saber que brota do enfrentamento direto com os desafios da escola pública, em suas múltiplas realidades.
A formação profissional só ganha potência quando se articula aos dilemas éticos e políticos que habitam a sala de aula. Atualizar técnicas, dominar ferramentas ou cumprir protocolos não garante transformação se os sujeitos formadores e formados não forem mobilizados a interrogar as finalidades do próprio ensinar, bem como as condições simbólicas e materiais que o sustentam.
Rausch et al. (2024) afirmam que as práticas de formação que se distanciam da vivência docente tendem a se converter em formalidades vazias, frequentemente percebidas como imposições externas e não como processos de implicação coletiva. Quando a formação ignora os percursos já vividos pelos professores, ela rompe os vínculos com o tempo real da escola.
O fortalecimento do profissional docente exige mais do que incentivo à participação: demanda o reconhecimento da prática como espaço legítimo de produção de saber, e da formação como terreno de negociação, dúvida e invenção. O cotidiano escolar, muitas vezes tratado como obstáculo, é, na verdade, o espaço privilegiado da construção formativa.
Cunha et al. (2022) indicam que programas de formação mais potentes são aqueles que se desenham a partir de perguntas que emergem da prática — perguntas que não têm respostas prontas, mas que exigem partilha, escuta entre pares e disposição institucional para a reinvenção. Isso exige da gestão uma postura formadora e não meramente operativa.
Formar não é adestrar, nem apenas informar. Formar é convocar à palavra, à autoria, ao reconhecimento do outro como legítimo interlocutor no processo educativo. Por isso, a profissionalização docente precisa ser entendida como construção coletiva, vinculada à ética do cuidado com o ofício e à responsabilidade de quem habita o espaço da escola como lugar de sentido.
Rausch et al. (2024) sustentam que pensar a formação continuada como eixo da profissionalização implica deslocar o foco da certificação para a implicação. O que importa, nesse processo, não é a obtenção de um novo título, mas a possibilidade de ressignificar a prática e de ampliar o repertório ético e pedagógico do professor frente às realidades que o interpelam.
A valorização da experiência, nesse contexto, não pode ser confundida com repetição ou acomodação. A experiência que forma é a que se reinterpreta. A formação continuada, quando sustentada institucionalmente, torna-se um tempo de elaboração coletiva sobre o que se ensina, como se ensina e para quem se ensina, ampliando os sentidos do próprio trabalho docente.
A gestão pedagógica comprometida com a formação reconhece que o professor não é apenas receptor de políticas, mas agente de construção curricular, pesquisador de sua prática e criador de estratégias que desafiam a lógica da uniformização. É nesse terreno que a formação deixa de ser atividade complementar e passa a ser espinha dorsal do projeto pedagógico da escola.
Cunha et al. (2022) reforçam que os modelos formativos que desconsideram o contexto perdem a oportunidade de produzir transformações duradouras. Os autores indicam que a prática docente precisa ser compreendida como campo tensionado por disputas, por contradições e por gestos de resistência que, se reconhecidos, podem se transformar em matéria-prima para a formação continuada.
A formação como eixo da profissionalização exige o abandono da lógica da intervenção pontual e a construção de percursos orgânicos que nasçam das urgências e dos desejos pedagógicos da comunidade escolar. A continuidade da formação não está na frequência, mas na permanência da reflexão como eixo do fazer docente.
Ao situar a formação no centro da prática profissional, desloca-se o foco do que se ensina para quem ensina — e para como se sustentar, simbolicamente, esse gesto. A escola que compreende isso não apenas forma professores, mas torna-se, ela mesma, uma instituição que se forma constantemente, em diálogo com os sujeitos que a habitam.
3.4 Saberes da experiência e valorização do trabalho pedagógico
A valorização do trabalho docente não pode ser pensada dissociada daquilo que os professores elaboram a partir de suas próprias vivências. Os saberes da experiência, frequentemente desconsiderados pelas políticas de formação, constituem-se como territórios legítimos de produção de conhecimento, alimentados por enfrentamentos cotidianos, pela reinvenção da prática e pela resistência ética diante das contradições que atravessam o fazer pedagógico.
Compreender a experiência como campo epistêmico é deslocar o eixo da formação do lugar da transmissão técnica para o da construção partilhada de sentidos. O exercício da docência, nesse sentido, não se sustenta apenas por referências teóricas consolidadas, mas por decisões construídas em contextos concretos, nos quais cada gesto pedagógico carrega densidade simbólica, afetiva e política, ainda que nem sempre reconhecida institucionalmente.
Segundo Santos e Souza (2023), o professor que ensina não repete fórmulas. Ele traduz, interpreta, ajusta, reinventa. Isso ocorre não porque desconhece a teoria, mas porque precisa mediá-la com as realidades dissonantes que o cercam. É nesse espaço de intermediação, silencioso e constante, que se constitui o saber da experiência – um saber feito de escuta, memória e implicação com o outro.
A produção desse saber não é espontânea, nem automática. Ela exige tempo para elaboração, condições materiais para refletir sobre a prática e reconhecimento institucional de que a formação se constroi com o que se vive. A escola que ignora a historicidade das experiências docentes compromete a possibilidade de que o conhecimento escolar se torne significativo, pois desarticula o elo entre teoria e vida.
Marques (2023) observa que a formação docente precisa ser reconfigurada a partir das narrativas de quem ensina. As histórias de vida, quando escutadas sem julgamento, revelam os modos como os professores compreendem sua trajetória, as marcas que os constituem e os sentidos que atribuem ao próprio ofício. A memória pedagógica, nesse processo, emerge como dispositivo de reflexão e reconstrução de si.
Não há valorização do trabalho docente sem escuta institucionalizada. O professor precisa de espaços em que sua voz não seja apenas tolerada, mas considerada constitutiva do projeto educativo. A experiência que não encontra lugar para ser dita adoece, silencia e, muitas vezes, se dissolve. A gestão escolar comprometida com a formação precisa garantir que essa palavra encontre lugar e reverbere coletivamente.
Santos e Souza (2023) afirmam que reconhecer os saberes da prática é reconhecer, ao mesmo tempo, os limites dos modelos formativos hegemônicos. A formação verticalizada, centrada em prescrições descontextualizadas, fracassa porque não considera o sujeito que ensina. A experiência, nesse caso, não é uma variável externa, mas o próprio campo onde o conhecimento ganha sentido.
A profissionalização docente exige mais do que diplomas. Requer um processo permanente de legitimação da prática como fonte de saber. O que os professores constroem no embate com as situações concretas da escola, muitas vezes sem apoio ou mediação, constitui um repertório valioso que precisa ser coletivizado, narrado e compreendido como parte do acervo formativo da instituição.
Marques (2023) propõe que o gesto de narrar a própria trajetória é, ao mesmo tempo, ato de resistência e produção de conhecimento. Ao organizar suas vivências, o professor compreende sua prática com maior profundidade, identifica padrões de repetição, percebe deslocamentos e reconhece em si o direito de pensar sobre o que faz, superando o lugar da simples execução.
A valorização do trabalho pedagógico passa, portanto, por processos de autorreflexão mediados por escutas compartilhadas. É necessário que a formação docente promova encontros reais entre pares, onde não se trata apenas de transmitir técnicas, mas de partilhar vivências, construir confiança e atribuir sentido àquilo que, isoladamente, seria apenas fragmento ou improviso.
Segundo Santos e Souza (2023), o saber da experiência torna-se formativo na medida em que é acolhido, interpretado e reinscrito na cultura escolar. Quando os professores percebem que sua prática pode ser objeto legítimo de análise, deixam de buscar fora da escola soluções prontas e passam a construir, juntos, novos caminhos possíveis, baseados em suas próprias observações e saberes.
A ruptura com a lógica da formação padronizada não é um gesto isolado. Ela exige um projeto institucional que acolha a diversidade das práticas e promova a escuta das trajetórias, sem anular as diferenças nem exigir alinhamento automático. A experiência de cada professor não é obstáculo, mas solo fértil para a construção coletiva de novos referenciais pedagógicos.
Marques (2023) reforça que as narrativas docentes, quando legitimadas no espaço formativo, reconfiguram a identidade profissional. O professor que compreende sua história como parte do processo formativo passa a se implicar de maneira mais ética, crítica e criativa com o ensino. Ele não mais executa planos alheios, mas os ressignifica a partir de sua escuta ativa e presença reflexiva.
A escola que valoriza o trabalho docente é aquela que abre tempo para a reflexão e espaço para a palavra. Não se trata de reconhecer apenas os feitos excepcionais, mas de compreender a potência que habita o ordinário. O gesto cotidiano, muitas vezes invisível, é o que sustenta a educação pública, e é ele que precisa ser enunciado, analisado e valorizado.
Os saberes da experiência, portanto, não ocupam posição marginal no processo formativo. Eles são o centro de uma pedagogia que respeita a vida real, que nomeia os silêncios, que reconhece os limites e que constroi, com os sujeitos, os instrumentos para transformar a escola em território de criação, justiça e sentido. Valorizar o professor é, antes de tudo, valorizar sua experiência.
4. DISCUSSÕES
A análise teórica realizada ao longo desta investigação revelou que o campo da gestão pedagógica ainda é majoritariamente tratado sob uma perspectiva técnica, centrada na organização de tarefas e na execução de metas. Contudo, os estudos de Accioly et al. (2020) demonstram que é justamente nesse reducionismo que se esvazia o potencial formativo da gestão como prática articuladora de sentidos e sujeitos no espaço escolar.
Ao compreender a gestão como espaço de mediação e não como instância de comando, abre-se a possibilidade de repensar sua função diante dos processos de formação docente. Andrade et al. (2020) destacam que a mediação formativa só se efetiva quando há escuta institucionalizada e abertura para que as práticas pedagógicas sejam elaboradas coletivamente, a partir das vivências concretas que os professores carregam em sua trajetória profissional.
Esse deslocamento de foco revela a necessidade de construir uma gestão pedagógica comprometida com o reconhecimento da docência como prática complexa e não reduzível a padronizações. Cunha et al. (2022) enfatizam que os programas de formação continuada mais significativos são aqueles que partem das inquietações reais dos docentes e se enraízam no cotidiano escolar como espaço legítimo de produção de saberes.
A formação continuada, portanto, não pode ser pensada como algo exterior à prática docente, mas como dimensão intrínseca ao fazer pedagógico. Rausch et al. (2024) alertam que quando a formação se organiza de forma fragmentada e descolada da realidade escolar, tende a ser vivenciada como obrigação formal, enfraquecendo sua potência crítica e seu papel na construção de identidades profissionais autônomas.
A experiência profissional dos docentes, nesse cenário, ganha relevo como base para o desenvolvimento formativo. Santos e Souza (2023) argumentam que os saberes produzidos a partir da prática carregam densidade epistemológica, ainda que muitas vezes silenciados pelas estruturas escolares. Ao ignorá-los, corre-se o risco de institucionalizar uma formação que despreza o próprio lugar da docência como campo de saber.
Marques (2023) contribui com a perspectiva de que a história de vida dos professores precisa ser incorporada ao processo formativo como campo de elaboração e ressignificação. A partir da escuta das narrativas docentes, é possível compreender as práticas não como repetições mecânicas, mas como expressões de trajetórias marcadas por escolhas, resistências e compromissos éticos construídos na vivência escolar.
O entrelaçamento entre gestão, formação continuada e saberes da experiência só é possível quando se reconhece que todos esses elementos são constitutivos da prática docente. Accioly et al. (2020) reforçam que a profissionalização do professor exige o abandono de modelos prescritivos, substituídos por percursos formativos construídos coletivamente e alimentados por práticas reflexivas enraizadas na realidade.
Na perspectiva de Andrade et al. (2020), o coordenador pedagógico não deve ser visto como executor de políticas prontas, mas como articulador entre o projeto pedagógico da escola e as necessidades formativas dos docentes. Essa atuação demanda uma postura ética que privilegie o diálogo, a escuta dos saberes constituídos e a capacidade de sustentar percursos formativos não lineares.
O que se observa nos dados teóricos é a recorrente denúncia de que os programas de formação desconsideram o repertório já acumulado pelos professores. Cunha et al. (2022) indicam que reconhecer a experiência docente como ponto de partida da formação é essencial para romper com a lógica de atualização técnica e instaurar uma pedagogia da implicação.
Essa pedagogia da implicação não se constroi em manuais. Ela exige presença, vínculo, disposição institucional para sustentar a palavra do professor como elemento estruturante do projeto pedagógico. Rausch et al. (2024) reforçam que a escola que valoriza a experiência torna-se um lugar em que a formação é contínua porque está viva no cotidiano, e não aprisionada em agendas externas.
Santos e Souza (2023) mostram que a escola precisa abrir espaços legítimos de elaboração coletiva, onde os professores possam nomear suas práticas, confrontar suas dúvidas e construir sentidos partilhados. Não se trata de instituir fóruns de fala episódicos, mas de garantir que a palavra pedagógica não seja cooptada por discursos gerencialistas.
Na mesma linha, Marques (2023) sugere que a identidade docente é continuamente ressignificada a partir da possibilidade de narrar e refletir sobre a própria trajetória. A escola que reconhece isso não apenas valoriza o trabalho do professor, mas o compreende como central na construção de um currículo que respeite o tempo, o território e a vida de quem ensina.
É nessa tensão entre política, prática e experiência que se reconfigura o sentido da formação continuada. O que se evidenciou neste estudo é que a valorização docente não se dará por decretos, mas pela reinvenção dos modos de formar, pela escuta do vivido e pela mediação pedagógica sustentada por compromisso ético com a coletividade escolar.
Dessa forma, discutir formação continuada, gestão pedagógica e saberes da experiência não é simplesmente discutir ferramentas, mas modos de presença. Presença dos sujeitos em seus próprios processos, presença da escola como lugar de reflexão, e presença da palavra como mediadora de transformação. É nesse movimento que se reconhece a docência como ofício e como projeto.
5. CONCLUSÃO
O processo de reflexão acerca da gestão pedagógica e de sua implicação nos percursos formativos docentes revelou não apenas a complexidade que envolve o exercício do magistério, mas, sobretudo, a urgência de deslocar a formação do lugar periférico que ocupa nas instituições escolares. Quando tratada como apêndice, a formação continuada se esvazia; quando reconhecida como constitutiva da prática, ganha potência transformadora.
O objetivo que orienta esta investigação é discutir como a gestão pedagógica pode contribuir efetivamente para a consolidação de processos formativos contínuos e éticos, articulados aos saberes docentes e ao compromisso com a prática. A metodologia adotada, de natureza bibliográfica, fundamenta-se em autores contemporâneos que pensam a formação continuada como experiência crítica, marcada por disputas simbólicas, narrativas institucionais e saberes da experiência.
Ao longo da análise, evidenciou-se que a figura do coordenador pedagógico, muitas vezes submetida à lógica da operacionalização, guarda um potencial formativo pouco explorado. Quando esse papel é ressignificado como mediador de processos, articulador de sentidos e provocador de perguntas, a gestão deixa de ser uma instância de controle e passa a constituir-se como espaço de formação situado.
A formação continuada, quando desconectada da realidade e das vozes docentes, tende a reproduzir prescrições e normativas que não se sustentam no chão da escola. O que se revelou neste percurso teórico foi a importância de afirmar a experiência como campo legítimo de produção de saberes, e de reposicionar a prática como fonte de problematizações que requerem escuta, tempo e autoria.
Em uma instituição marcada por estruturas hierárquicas e por modelos de formação verticalizados, a gestão pedagógica precisa tensionar os sentidos cristalizados da docência. Sua função não é oferecer respostas padronizadas, mas construir dispositivos de escuta e análise coletiva. A formação profissional não se dá em cursos isolados, mas em tramas discursivas cotidianas, enraizadas na complexidade das práticas.
Pensar os saberes da experiência como base epistemológica exige, antes de tudo, a desconstrução da lógica que subordina o vivido à teoria. As narrativas docentes, quando legitimadas, não só iluminam os sentidos da prática, mas ampliam as possibilidades de construção de percursos formativos mais éticos, autônomos e coletivos. É nesse horizonte que a escola se reinventa como espaço formador.
A valorização do trabalho pedagógico, nesse sentido, não deve ser enunciada apenas como princípio, mas concretizada em políticas internas, em tempos escolares destinados à reflexão, em condições de escuta entre pares e na legitimação da palavra docente como dispositivo central da formação. Não se trata de premiar discursos prontos, mas de acolher vozes em processo.
A escola que sustenta a formação continuada como eixo da profissionalização docente precisa garantir que os professores não estejam apenas presentes fisicamente nas formações, mas implicados subjetivamente nos processos que delas derivam. Essa implicação só se produz quando os temas não são impostos, mas emergem das práticas vividas, das perguntas que permanecem e das narrativas que resistem.
A formação que respeita a história dos sujeitos que ensinam exige tempo de maturação e dispositivos que acolham a diversidade de trajetórias. As estratégias de formação precisam ser pensadas como processos abertos, ancorados na ética, no diálogo e na afirmação de uma docência construída cotidianamente entre tensões, escolhas e compromissos com a escola pública.
Reafirma-se, por fim, que não há gestão pedagógica formadora sem escuta, e não há formação crítica sem a legitimação da experiência como fonte de saber. A escola que deseja se constituir como território de formação precisa deixar de consumir modelos e passar a produzir percursos. E essa produção só é possível quando os professores são reconhecidos não como agentes de execução, mas como sujeitos de pensamento.
6. REFERÊNCIAS
ACCIOLY, Laurymar Garcez Freitas Santos; COELHO, Patrícia Margarida Farias; COSTA, Marcos Rogério Martins. Gestão e formação de professores: os dilemas contemporâneos da complexidade. Debates em Educação, v. 12, n. 28, p. 705–723, 2020. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/8719. Acesso em: 17 abr. 2025.
ANDRADE, Aparecida de Lourdes Pedroso de; MARIHAMA, Diego Kenji de Almeida; NEVES, Miranilde Oliveira; SALVADOR, Wanderlei (Orgs.). Gestão educacional e formação docente – Volume 1. São Paulo: Pembroke Collins, 2020. Disponível em: https://www.caedjus.com/wp-content/uploads/2020/08/LIVRO_Gestao_educacional_e_formacao_docente_vol_1.pdf.Acesso em: 17 abr. 2025.
BARBOSA, M. C.; & MOLL, J. Escola de Qualidade Total: a consolidação do projeto neoliberal em educação. Revista Educação e Realidade. 2000(1) p. 239-248. Disponível em: edsondeoliveira+Escola+de+Qualidade+Total.pdf. Acessado em: 10 de maio de 2025.
CUNHA, D. O.; OLIVEIRA, F. L.; BEZERRA, L. F.; SEVERIANO JUNIOR, E.; & GONÇALVES, C. P. O uso do E-learning como ferramenta de ensino e aprendizagem. Revista de tecnologia aplicada (RTA). (2019). v.8, n.3, set-dez 2019, p. 41-53. ISSN: 2237-3713. Disponível em: http://dx.doi.org/10.21714/2237-3713rta2019v8n3p4153. Acessado em: 03 de maio de 2025.
CUNHA, Fernando Ícaro Jorge; ROCHA, Erimar Pereira da; BRAZ, Rafael Francisco; ALMEIDA, Ricardo Santos de. Formação continuada de docentes na Educação Básica: uma revisão sistemática. ResearchGate, 2022. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/360616530_Formacao_continuada_de_docentes_na_Educacao_Basica_uma_revisao_sistematica. Acesso em: 17 abr. 2025.
KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP: Papirus, 2007.
LAKATOS, Imre. A metodologia dos programas de pesquisa científica. 2. ed. Lisboa: Edições 70, 1983.
LÜCK, H. A gestão participativa na escola. Cadernos de gestão (2017). Petrópolis Editora, Editora Vozes.
MARQUES, Lisiane das Neves. Narrativas da formação docente: os saberes da experiência contados a partir da história de vida. ResearchGate, 2023. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/368913823_NARRATIVAS_DA_FORMACAO_DOCENTE_OS_SABERES_DA_EXPERIENCIA_CONTADOS_A_PARTIR_DA_HISTORIA_DE_VIDA. Acesso em: 17 abr. 2025.
PARO, V. H. Gestão democrática da escola pública. (2002). 3ª ed. 4ª impr. São Paulo: Ática.
PINHEIRO, L. G.; & SANTOS, D. M. Gestão educacional em educação a distância (EAD) (2023). Volume 7 n° 12 Revista Análises do Discurso ISSN:2764-1104. P.1-17. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://www.researchgate.net/publication/374899452_GESTAO_EDUCACIONAL_EM_EDUCACAO_A_DISTANCIA_EAD&ved=2ahUKEwiPq6G97K6GAxWyrJUCHfkhCW8QFnoECBIQAQ&usg=AOvVaw2EVxbFvJuoWiFl-C8yLHSn. Acessado em: 02 de maio de 2025.
RAUSCH, Rita Buzzi; TOMELIN, Nilton Bruno; TERHORST, Ariane Maira; ALVES, Ana Clara Lucri. Formação continuada de professores do Ensino Médio: proposições a partir de uma revisão integrativa. Revista de Educação, 2024. Disponível em: https://mestradoedoutoradoestacio.periodicoscientificos.com.br/index.php/reeduc/article/view/11470. Acesso em: 17 abr. 2025.
SANTOS, R. A realidade do ensino por investigação na práxis dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental: possibilidades e desafios. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do ABC, 2016.
SANTOS, G & ARAUJO, G. C. “Práticas de letramento na sala multifuncional da Escola Estadual Indígena Tekator, Aldeia Mariazinha, Tocantinópolis (TO)”. (2021). Revista Eletrônica Pesquiseduca, 13(30), 585–603. Disponível em: https://periodicos.unisantos.br/pesquiseduca/article/view/1057
SANTOS, Claudeni Marques; SOUZA, Lucia Helena Pralon de. Saber ensinar: saberes da formação docente e da prática profissional dos professores de Biologia de um Instituto Federal do Espírito Santo. Alexandria: Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, 2023. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/9239387.pdf. Acesso em: 17 abr. 2025.