GESTÃO DEMOCRÁTICA NO SÉCULO XXI: SABERES E COMPETÊNCIAS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO AMBIENTE ESCOLAR.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7261933


Henrique Pontes Ferreira Monteiro1


RESUMO: O presente trabalho faz um paralelo entre a gestão democrática da escola e o processo de globalização e interdependência entre as economias globais, evidenciando que o mundo está cada vez mais distante da centralização e isolacionismos. A delimitação do tema se dá em meio da necessidade de a escola se modernizar não só pedagogicamente, mas também no que diz respeito à gestão escolar, devendo acompanhar as mudanças presentes na sociedade para, assim, não se tornar obsoleta e ineficaz diante das novas demandas da comunidade escolar. O objetivo do presente estudo foi apontar, com linguagem simples e acessível, os caminhos necessários para a modernização da gestão escolar, obedecendo não somente a Lei vigente, mas também os interesses da comunidade escolar. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, através de livros e artigos que abordam o tema direta ou indiretamente, permitindo que novas conclusões sejam alcançadas através de diferentes enfoques. O papel do gestor escolar do século XXI, deste modo, transcende a ideia da administração científica, exigindo do profissional saberes e competências que possibilitem a construção de um ambiente democrático. Torna-se necessário, para tanto, que velhos paradigmas sejam rompidos, a fim de permitir que novos olhares e conceitos sejam direcionados a gestão escolar. 

Palavras-chave: Gestão democrática. Globalização. Gestão pedagógica.

1. Introdução

Vivemos a Era da Globalização. A Terceira Revolução Industrial, chamada de Revolução Técnico-Científico-Informacional, é vivida plenamente nos países desenvolvidos, também chamados de Países do Norte. Enquanto isso, países emergentes como o Brasil vivem o que costuma ser apontado como o início dessa revolução.  O que não se pode negar aqui, todavia, é a presença marcante dessa nova Era, que se impõe através da evolução dos meios de transporte e das telecomunicações – os smartphones, por exemplo, são amplamente difundidos atualmente. 

A escolha do tema se dá devido ao fato de que toda essa inovação parece ser pouco ou nada experimentada quando o assunto é educação. Ainda hoje, o ambiente escolar é marcado por estruturas arcaicas, com métodos pedagógicos e de gestão que há muito não contemplam as reais necessidades da comunidade escolar. Segundo o especialista em educação Mozart Neves Ramos, “temos uma Escola do século XIX, um Professor do século XX e um Aluno do século XXI” (RAMOS, 2015). 

Tal realidade pode ser explicada por diversos caminhos. Um deles é o sucateamento da educação pública e gratuita, vivido ano após ano, desde que a educação se tornou mero instrumento formador de mão-de-obra, aderindo ao modelo de educação tecnicista2 que Saviani (2005) avalia como antidemocrático, já que o elemento principal passa a ser

[…] a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais (SAVIANI, 2005, p. 13).

 Os baixos salários, infraestrutura precária, violência na escola, falta de formação adequada e/ou de formação continuada, falta de vontade política, tudo isso contribuiu para o massacre da educação em nosso país. E a gestão escolar não poderia ficar imune a tudo isso. Historicamente, a Administração Escolar Brasileira vem apresentando características de organização empresarial baseadas na Teoria Geral da Administração, conforme aponta Araújo (2009, p. 15), tornando a escola burocrática e tecnicista, na qual o objetivo maior são os resultados. Era preciso ser eficiente e eficaz. Tal tipo de escola, portanto, mostrava-se com forte tendência à hierarquização e ao autoritarismo em detrimento da participação coletiva na gestão escolar. 

Na década de 1990, ainda segundo Araújo, surge outro modelo de escola, de caráter técnico-científico – a chamada “escola empresa”. O objetivo desse modelo também era atingir a máxima eficiência. A diferença básica entre este e o modelo anterior é a utilização de “métodos e técnicas da gestão da administração empresarial” (ARAÚJO, 2009, p. 16). Esta escola, de caráter estritamente racional, parece não condizer com a atual realidade escolar, uma vez que apresenta “respostas prontas” para qualquer situação, desde que esta esteja de acordo com os interesses do mercado de trabalho. Esse tipo de proposta pedagógica se aproxima daquilo que Paulo Freire (1987, p. 58) define como “educação bancária”, onde a educação se torna um mero ato de depositar o conhecimento nos estudantes, que assumem o papel de depositários, recebendo os comunicados emitidos pelo professor, a fim de memoriza-los e repeti-los quando solicitados. 

Uma terceira via, porém, chamada sociocrítica, aparece com um novo caráter de organização escolar. Ainda segundo Araújo (2009, p. 17), a tomada de decisões passa a assumir um caráter democrático, a fim de se atingir objetivos que atendam as demandas coletivas, onde as relações de poder se tornam menos evidentes, apesar de continuarem a existir na figura do gestor escolar.  

Nessa perspectiva, a escola passa a desempenhar um papel mais parecido com a noção de educação democrática e transformadora. E essa concepção sociocrítica vai aparecer como uma possibilidade de um espaço escolar mais justo, onde as necessidades da comunidade escolar são compreendidas, contribuindo para um processo pedagógico que possibilite o cumprimento de seu grande objetivo, o de transformação social. Em um mundo cada vez mais conectado, interligado e interdependente, a escola não pode ficar omissa diante da Globalização. Se a escola prepara para o mundo, que sentido faria manter-se estagnada, arcaica, enquanto tudo a seu redor de transforma, se reinventa?  

A metodologia utilizada para a realização do presente trabalho foi a revisão bibliográfica acerca do tema, através de livros impressos, artigos científicos e sites especializados em educação. A partir dessa estrutura bibliográfica, o presente trabalho traz como objetivo geral a explanação das dificuldades impostas pela utilização de modelos de gestão escolar arcaicos e buscando, através de objetivos específicos, a sensibilização dos profissionais da educação para a necessidade de adequar a gestão escolar as novas exigências do mundo globalizado, uma vez que o estudante do século XXI está totalmente inserido no universo das mídias digitais e em novas formas de interação com o meio.  

2. Globalização e gestão democrática

A Globalização é o fenômeno descrito por Magnoli (1997,p.76) como “o processo pelo qual o espaço mundial adquire unidade”. Tal processo, portanto, teve seu início muito antes da popularização do termo, tendo em vista que as Grandes Navegações proporcionaram essa “unidade” ainda no século XV, quando europeus se lançaram ao mar em busca de matérias-primas e novos mercados, conforme aponta Sene (2013, p. 36):

Quando se iniciou o processo de mundialização capitalista, com as Grandes Navegações, o planeta Terra era composto de vários “mundos” – europeu ocidental, russo, chinês, árabe, asteca, tupi, zulu, aborígine, etc. –, e, muitas vezes, os habitantes de um “mundo” não sabiam da existência dos de outros. Nessa época começou o processo de integração e interdependência planetária.

Porém, é na década de 1990 que o termo se populariza e passa a fazer parte das relações comerciais ao redor do mundo, de acordo com Sene (2013, p. 35). De fato, essas interdependência e interligação existentes entre diferentes nações acabam por extrapolar os limites da economia, transformando o mundo no que é definido comumente como “aldeia global”, referindo-se à uniformidade de hábitos e costumes espalhados principalmente pelo mundo ocidental.

A globalização, como é sabido, não se limita ao campo econômico, ampliando-se também para o âmbito social, cultural e político. Cada vez mais, diferentes lugares se encontram conectados através das diferentes redes de comunicação, que possibilitam um intercâmbio informacional e cria padrões cada vez mais difundidos em diferentes escalas, seja ela global, nacional, regional ou local. 

Esse novo e inquestionável modelo, portanto, também está inserido na educação, seja através da gestão, seja na sala de aula. Nossos alunos, novamente citando Ramos (2005), encontram-se inseridos no século XXI e a escola não pode, de maneira nenhuma, negar essa evolução. De acordo com Siécola (2016, p. 48), não há como o professor esperar que o aluno que se encontra inserido nesse contexto tecnológico vá se adequar a uma estrutura em que o professor fala e o aluno ouve, sem que haja interação ou participação direta do estudante no processo de construção do conhecimento.  Daí a necessidade de uma gestão democrática “globalizante”, ou seja, essencialmente democrática, em um modelo defino por Araújo como “forma de possibilitar que todos os seres envolvidos na instituição possam exercer com maior assertividade sua cidadania, se relacionar melhor e alcançar a liberdade de expressão” (ARAÚJO, 2009, p. 20).

A essa troca globalizante, Paulo Freire (1987, p.67) também acrescenta que o aluno é um sujeito ativo do conhecimento, portanto, parte essencial de todo o processo que envolve a educação escolar. 

A aprendizagem é uma experiência profunda de natureza social. Cabe à escola resgatar o conhecimento histórico e socialmente produzido, como base do conhecimento escolar. Os processos historicamente percorridos precisam ser trazidos como parte integrante dos desafios das novas descobertas, em sintonia com a realidade vivida, pois as atividades educativas necessitam ser significativas para o aluno. De um lado se coloca o professor como provedor do conhecimento organizado. De outro lado, há o aluno como sujeito ativo do conhecimento. Trata-se de um sujeito submetido a condicionantes sociais que acrescentam ao conhecimento uma visão da realidade socialmente transmitida. 

Ademais, a concepção de gestão democrática da escola está prevista em Lei, conforme a Constituição de 1988, que diz que “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. 

A necessidade de mudança de paradigma, portanto, aparece tanto na forma da Lei quanto nas próprias demandas da sociedade. O novo mundo exige da escola um novo formato, mais dinâmico e mais participativo. E esse é o espaço mais adequado para a construção de uma sociedade preparada para tais mudanças que o mundo apresenta. Essa nova escola, segundo Libâneo (2011, p.27), 

Ao contrário, pois, do que alguns pensam, existe lugar para a escola na sociedade tecnológica e da informação, porque ela tem um papel que nenhuma outra instância cumpre. É verdade que essa escola precisa ser repensada. E um dos aspectos mais importantes a considerar é o de que a escola não detém sozinha o monopólio do saber. Há hoje um reconhecimento de que a educação acontece em muitos lugares, por meio de várias agências. Além da família, a educação ocorre nos meios de comunicação, nas empresas, nos clubes, nas academias de ginástica, nos sindicatos, na rua. As próprias cidades vão se transformando em agências educativas por meio de iniciativas de participação da população na gestão de programas culturais, de organização dos espaços e equipamentos públicos.

Tal asseveração deixa claro que não só a escola, mas a própria cidade vem passando por um rearranjo no que diz respeito à gestão, tornando numerosos espaços mais democráticos e, por conseguinte, mais justos. Tais transformações, portanto, não podem ser vistas apenas no campo macro, mas também no micro. Falar em “mundo” pode dar a falsa sensação de uma realidade distante quando, na verdade, deve estar inserida e enraizar-se também nos pequenos ambientes promotores da educação, sejam eles clubes, casas de cultura ou escola. A democratização da gestão é, portanto, uma realidade em diferentes ambientes.

2.1. O novo gestor escolar

O novo papel do gestor escolar é decorrente dessas intensas transformações impostas pelo mundo globalizado, inclusive ao processo de gestão escolar. E essa mudança não está restrita à escola, como é sabido. Empresas do mundo inteiro buscam gestores capazes de dialogar e transitar com facilidade pelas mudanças e inovações constantes do mundo atual. Para isso, cabe ao profissional estar atento e sempre em busca do conhecimento e das inovações que o cercam. É através dele que a modernização chega às escolas. 

Antes chamado de “administrador escolar”, observa-se que a mudança no perfil e papel do gestor escolar não se restringiu a nomenclatura, se tratando também de uma reestruturação funcional. Araújo (2009, p. 32) destaca que “a gestão se trata de um processo de constante mudança, onde a figura do gestor se torna naturalmente articuladora de relações e participações, através da formação de uma equipe compromissada em todos os níveis, desde a administração financeira até os projetos de cunho pedagógico.” 

Esse novo gestor, portanto, carrega consigo uma grande responsabilidade: a de transformar o cenário de toda uma comunidade escolar – o que não é uma tarefa simples. Sabemos, inclusive, que mudanças costumam ser vistas com maus olhos por aqueles comumente chamados de conservadores – ou até mesmo reacionários, mas que, na verdade, são ultrapassados. A esses educadores e gestores escolares, Celso Antunes (2007, p. 16) define como “professauros”, ao apontar que há 30 anos não havia celular, os computadores e viagens eram muito mais lentos e, no entanto, apresentaram significativa e inquestionável evolução, enquanto ainda existem professores que se veem como o centro do processo de aprendizagem.

De fato, muito ainda se carrega da escola antiga nos dias de hoje. Mas não se pode negar que muito já se avançou. E esse é o caminho. Todavia, olhar para o futuro não significa ignorar o passado. É preciso sempre conhecer o antigo para que o novo encontre terreno fértil. A gestão democrática, prevista em lei, na prática é muito recente e ainda muito distante de muitas instituições escolares. Paulo Freire (1967) usa o termo “inexperiência democrática” para se referir à própria sociedade brasileira com seus choques “entre algo que se esvaziava e pretendia preservar-se e algo que emergia e buscava plenificar-se”. O mesmo acontece nas instituições de ensino. Enquanto parte da comunidade escolar preza por inovação e modernização, outra segue resistente, como se sentisse ameaçada pelos novos recursos e formas de trabalho. Siécola (2006,p.150) destaca, porém, 

[…] que a Gestão Democrática é o processo político por meio do qual todas as pessoas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem discutem, deliberam, planejam, solucionam problemas, bem como o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola. Esse processo tem como sustentáculo a participação efetiva de todos os setores da comunidade escolar: alunos, professores, funcionários, pais e demais segmentos, tais como, moradores do bairro no qual a escola se insere. As ações são definidas por meio de planejamento que considera o respeito às normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola. A gestão democrática, portanto, é entendida como uma ação que prevê a descentralização pedagógica e administrativa, como um meio para alcançar a autonomia escolar.

Nesse aspecto, contudo, gestores também não estão livres de pensamentos obsoletos e antiquados. Ainda hoje, é possível encontrar diversos diretores escolares centralizadores, autoritários e, consequentemente, antidemocráticos. Essa postura, entretanto, não se adequa às novas necessidades da comunidade escolar. Tradicional é algo antigo que pode ser bom. É aquilo que, apesar da idade elevada, continua sendo útil e valoroso. O arcaico, no sentido de ultrapassado, precisa ser superado, renovado, reinventado. Araújo (2009,p.34) argumenta que

Sabemos que é preciso mudar, mas não agimos racional e cientificamente para que isso realmente aconteça, haja vista a estrutura e a organização escolar arraigada de termos e procedimentos antiquados oriundos da Revolução Industrial. Diversos sinais apontam na escola a cópia de instrumentos já ultrapassados nas indústrias, não mais por elas utilizados, e a escola, no discurso, ressalta uma gestão democrática e uma liderança condizente, entretanto basta perceber as relações interpessoais e rapidamente visualizar: organogramas, fluxogramas, normas rígidas e inflexíveis.

Cabe ao gestor, deste modo, saber adequar o tradicional e o moderno de acordo com as necessidades e contextos da comunidade escolar. E isso só é possível através do diálogo e da construção coletiva do Projeto Político Pedagógico, que irá nortear as ações da escola, assim como a formação do currículo. 

Como é sabido, esse novo gestor tem um papel fundamental, mas não “absolutista”3. Ele precisa saber ouvir, assim como saber delegar. Incentivar a equipe, estimular a criatividade e, acima de tudo, não centralizar todas as decisões para si. Valorizar seus recursos, sejam eles físicos ou humanos, é essencial para o sucesso da gestão democrática. O gestor que não tem habilidade para lidar com tais processos acaba caindo em velhos problemas e conflitos que, segundo Oliveira (2009, p. 166), se originam a partir “da imposição de novas identidades para os protagonistas da cena educativa, sejam eles professores, alunos, supervisores etc.”. E acrescenta: “Não importa a função ou o papel que cada um exerce dentro da escola, o que precisamos atentar é para a questão do reconhecimento e respeito às diferenças entre as pessoas”.

Não obstante, é preciso se fazer entender e, principalmente, cativar. O convencimento da relevância de uma ação transforma o olhar dos envolvidos, que passam a se sentir parte. Essa prática, portanto, é uma etapa essencial para o sucesso de qualquer prática pedagógica.

2.2 O Projeto Político Pedagógico

O Projeto Político Pedagógico (PPP) é uma espécie de “Constituição” da escola. Nele, todas as informações acerca da proposta pedagógica estão presentes, servindo de base para a criação do próprio currículo escolar. Segundo Siécola (2016, p. 20), “esse projeto é o referencial de qualquer instituição de ensino e é regido pela normativa legal de 1996, que detalha aspectos pedagógicos da organização escolar, o que mostra o valor atribuído a essa questão pela atual legislação educacional”. Oliveira (s/d,p.22) define o Projeto Político-Pedagógico como um “mecanismo eficiente e capaz de proporcionar a escola condições de se planejar, buscar meios, e reunir pessoas e recursos para a efetivação desse projeto. Por isso é necessário o envolvimento das pessoas na sua construção e execução” (OLIVEIRA, s/d,p.22).

De acordo com o site da instituição Escola da Inteligência, do psicólogo Augusto Cury, um PPP deve conter, necessariamente, a identificação da escola, sua missão, o contexto familiar dos alunos, dados do ensino-aprendizagem, assim como os recursos disponíveis na instituição. Tal documento, portanto, deve ser composto por toda a comunidade escolar, de maneira justa e democrática – uma vez que esse perfil precisa se tornar cada vez mais presente em nossa sociedade. Araújo (2009, p.50) destaca, inclusive, que 

A realidade de uma escola da contemporaneidade, na atual sociedade do conhecimento, é de uma escola progressista, inovadora, que tem seu trabalho norteado por um paradigma transcultural e democrático, garantindo uma mutação fundamental e significativa na educação, pois se trata de uma ruptura do esquema tradicional de ensino receptor e autoritário e desenvolve, de fato, o potencial cognitivo, ético, criativo e lúdico do aluno, sua liberdade e responsabilidade, sua capacidade social e democrática, buscando, enfim, concretizar os fins da educação, preconizados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9.394/96.

O PPP deve, ainda, expressar que tipo de escola se quer construir, indo além dos simples planos de ensino e conjunto de regras. Nele, a preocupação na formação de cidadãos críticos e protagonistas sociais deve aparecer como finalidade da escola. É um documento dinâmico, que deve estar acessível à comunidade escolar e sempre ser alvo de reflexão. 

Lopes (2010) faz uma análise da definição de Projeto Político Pedagógico através de uma análise das palavras que compõem o termo. Segundo ela, o PPP reúne as propostas a serem executadas em um determinado período de tempo, sendo ele político por considerar a escola como formadora de cidadãos críticos e cientes de seu papel na sociedade e pedagógico por definir por nortear as atividades e projetos necessários para formalizar o ensino e a aprendizagem.

Ainda hoje, porém, esse documento é uma espécie de “mito” dentro das escolas. Pouco ou nada se ouve falar e raramente se conhece alguém que já teve acesso ou participou de sua elaboração. De maneira geral, cabe à equipe administrativa e pedagógica elaborar o documento, ignorando uma premissa básica do PPP: sua construção democrática. Quanto a isso, Lopes (2010) acrescenta que muitos gestores ainda enxergam tal documento como mera formalidade exigida por Lei, o que acarreta em documentos feitos às pressas, muitas vezes copiados de maneira grosseira e não respeitando a necessidade de se fazer uma profunda pesquisa da realidade escolar antes da elaboração do documento para que este, de fato, represente a realidade da escola como um todo. 

Por se tratar de um documento que deve ser estruturado pela comunidade escolar e ser revisado sempre que necessário, seu caráter democrático só é cumprido quando sua essência é respeitada, ou seja, quando o documento é tratado como algo coletivo, globalizado. É através dele que as respectivas responsabilidades são estabelecidas e cada ator do processo consegue se enxergar no todo, com direitos e deveres claros e definidos democraticamente. 

Porém, é preciso salientar a importância e a responsabilidade que envolve a elaboração de um projeto de tal magnitude. A simples vontade de ajudar não é o bastante, uma vez que a construção desse documento exige muito trabalho e dedicação de toda a equipe envolvida. Ademais, o comprometimento em colocar em prática aquilo que foi desenvolvido na teoria exige um envolvimento ainda maior dos envolvidos. Vasquez (1977, p. 207) afirma que 

A teoria em si […] não transforma o mundo. Pode contribuir para sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação: tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais, efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação.

Isso indica a grande missão por trás da elaboração de um Projeto Político Pedagógico. Como já dito, não se trata de um simples documento burocrático exigido pelas secretarias de educação, mas um norteador, uma bússola que aponta os rumos a serem tomados pela escola. Manter-se fiel ao PPP significa manter a integridade da instituição escolar, sem que suas raízes e seus reais objetivos sejam deixados de lado em nome das vontades do mercado – no caso das escolas particulares – ou de vontades políticas que transformam a educação em um mero instrumento de poder. 

3. Considerações finais

É sabido que nosso país vive uma democracia ainda muito recente e incompleta. Os traços de regimes autoritários ainda se fazem presentes em vários setores da sociedade, e a escola não fica de fora dessa realidade. O modelo de gestão escolar praticado em inúmeras instituições ainda é pautado em uma estrutura autoritária e centralizadora, que concentra nas mãos do diretor todos os poderes e decisões relativas à escola. Isso, de fato, é um modelo arcaico, ultrapassado, que precisa ser deixado para trás. 

A escola, entre outras funções, tem o papel de formar cidadãos críticos e cientes de seus direitos e deveres. Em outras palavras, a escola tem grande papel na construção e manutenção da cidadania. Porém, tal função acaba sendo ofuscada por estruturas autoritárias e a ausência de diálogo entre equipe pedagógica e comunidade. A ideia de democracia precisa ser nutrida desde cedo na escola, a fim de gerar em seus alunos o sentimento de pertencimento e consciência do seu poder de voz. 

Vivemos um momento de elevada integração entre diferentes nações. Tal integração, inicialmente restrita ao âmbito econômico, tornou-se muito mais uniforme com o estímulo da indústria cultural. Salvo as mazelas geradas por esse processo, podemos perceber uma certa uniformização de hábitos e costumes. É como se nenhuma nação globalizada tivesse condições de viver sozinha nos dias atuais. Em contrapartida, inúmeras nações pobres da América Latina, África e Ásia continuam às margens desse processo, excluídas por não atenderem aos interesses econômicos do mundo globalizado. 

Quando vemos uma escola presa a valores antigos e arcaicos, que se fecha para as inevitáveis inovações presentes no mundo, encontramos, por consequência, um isolamento político pedagógico, onde não há espaço para o diálogo e para a construção de um espaço democrático e justo. A democracia, porém, não deve ser vista como ameaça, muito pelo contrário! Ameaçadoras são as estruturas conservadoras e autoritárias, que enxergam no outro apenas o seu suposto dever à obediência inquestionável e submissão ao seu poder. 

Desta forma, a democracia aparece como o único caminho para a construção de uma educação mais justa e igualitária, que atenda não somente a interesses políticos transmitidos através de gestores mal preparados. Em vez disso, atenda aos interesses da comunidade escolar, construindo um espaço democraticamente pleno, onde todos os atores tenham liberdade para exercer seus direitos e deveres não de maneira mecânica e repetitiva, mas de forma consciente e crítica, a fim de formar cidadãos socialmente protagonistas e não meros receptores de verdades prontas impostas seja pela autoridade escolar, seja através de meios de comunicação social.

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2Menezes (2001) define a educação tecnicista como “uma linha de ensino, adotada por volta de 1970, que privilegiava excessivamente a tecnologia educacional e transformava professores e alunos em meros executores e receptores de projetos elaborados de forma autoritária e sem qualquer vínculo com o contexto social a que se destinavam”.

3Em referência ao papel dos monarcas, líderes absolutos de seus reinos.


1Graduado em Licenciatura em Geografia pelo Instituto Federal Fluminense. Graduado em Licenciatura em Pedagogia pelo Claretiano – Centro Universitário de Batatais. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Universidade Estácio de Sá. Especialista em Ensino de Geografia pela Faculdade de Educação São Luís. Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade de Educação São Luís. Especialista em Ensino de Sociologia pela Faculdade de Educação São Luís. Especialista em Educação a Distância 4.0 pela Faculdade Educacional da Lapa