FINANCEIRIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: UMA REVISÃO DE LITERATURA NO PERÍODO DE 2011 A 2020.

FINANCIALIZATION OF UNIVERSITY EDUCATION: A LITERATURE REVIEW IN THE PERIOD 2011 A 2020.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8250091


Maria Caroline Cavalcante dos Santos1
Pania Pires dos Santos e Silva2
Ana Paula Batista da Silva Brito3
Samantha Castro Vieira de Souza4
Leila Maria Costa Sousa5
Nonato Sousa Gonçalves6


Resumo

A financeirização do ensino superior está relacionada ao sistema capitalista, no qual seus interesses são declaradamente o lucro nos mercados de capitais, e está interligado no nível superior no Brasil pelos investimentos de grupos educacionais na Bolsa de valores (BM&FBovespa). O artigo tem como objetivo analisar as produções acadêmicas por meio da revisão da literatura sobre a financeirização do ensino superior no período de 2011 a 2020. A metodologia adotada no estudo é com base na pesquisa bibliográfica com levantamento de teses e dissertações do banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Os resultados apontam que o conjunto das pesquisas elucidam fases distintas do processo de financeirização, sejam elas de produção, circulação ou repartição de lucros, o que permite observar um movimento holístico voltado a compreensão do dinamismo da financeirização do ensino superior no Brasil, no entanto, as pesquisas não apontaram os seguintes temas: a implementação da Educação à Distância (EaD) no FIES, emprego do marketing, expansão das marcas e dentre outros.

Palavras-chave: Revisão da literatura, financeirização, Ensino Superior. 

Abstract

The financialization of higher education is related to the capitalist system, in which its interests are declared to be profit in the capital markets, and is interconnected at the higher level in Brazil by the investments of educational groups in the Stock Exchange (BM&FBovespa). The article aims to analyze academic productions through a literature review on the financialization of higher education in the period from 2011 to 2020. The methodology adopted in the study is based on bibliographical research with a survey of theses and dissertations from the database of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES). The results indicate that the set of studies elucidate different phases of the financialization process, whether they are production, circulation or profit sharing, which allows us to observe a holistic movement aimed at understanding the dynamism of the financialization of higher education in Brazil, however, the surveys did not point out the following themes: the implementation of Distance Education (EaD) in FIES, use of marketing, expansion of brands and among others.

Keywords: literature review, Financialization, University education.

1. INTRODUÇÃO

O presente texto é fruto da revisão de literatura de uma dissertação7 de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED), da Universidade Federal do Pará (UFPA), vinculada à Linha de Pesquisa Políticas Públicas Educacionais. O estudo integra o projeto de pesquisa “Financeirização do Ensino Superior privado-mercantil no Brasil: novas estratégias de inserção do capital estrangeiro”8, que visa investigar as implicações da inserção de empresas estrangeiras com fundos de capital aberto na educação superior brasileira.

Nesse sentido, os estudos sobre o ensino superior no Brasil é um dos objetos de pesquisa do Grupo de Estudos sobre Educação Superior (GEPES/UFPA), que também está relacionado ao processo de financeirização do ensino superior no país. 

Para Seki (2020) a financeirização envolve um conjunto de movimentos na esfera financeira, começando pela produção, seguindo à circulação do valor e à sua repartição sob a forma de lucro, e chegou no nível de ensino superior pela forte presença de constelação de capitais, a exemplo de bancos, fundos de investimentos, seguradoras, entre outros investidores institucionais que estão no mercado educacional. A financeirização também faz parte,

[…] das estratégias corporativas e das políticas sociais e econômicas seria uma prática adotada por empresários ou governos pouco preocupados com o desenvolvimento do país […] passa a ser a possibilidade de escolha entre o tipo de capitalismo a ser implementado. (BRETTAS, 2020, p. 19).

Com isso, a financeirização está relacionada ao sistema capitalista, no qual seus interesses é declaradamente o lucro nos mercados de capitais, e está interligado ao ensino superior no Brasil pelo número de grupos educacionais/IES privado-mercantil9 que abriram seu capital na BM&FBovespa10 a partir do ano de 2007 (SANTOS, 2023). Dentre os grupos listados na bolsa, destacam-se os brasileiros: Cogna Educação (ex-Kroton), Yduqs (pertencente a Estácio Participações), Ânima, e Ser Educacional. Além disso, há os grupos estrangeiros que passaram a adquirir instituições de ensino superior privada no Brasil: a Laureate Education e a Wyden Educacional11.

Diante disso, a financeirização no ensino superior é um tema importante a se discutir, por envolver assuntos pertinentes da sociedade, como a educação (básica e superior), rentabilidade lucrativa, política neoliberal, privatização das instituições de ensino superior (IES), e dentre outros. Logo, faz-se necessário analisar as produções realizadas sobre a financeirização, uma vez que, ela está imbricada nos grupos educacionais de capital aberto, que tem por objetivo: “[…] produzir lucros, o que, no contexto da financeirização, significa comprimir os custos para remunerar os investidores, mesmo que isso comprometa a qualidade da atividade – fim da empresa […]” (BRETTAS, 2020, p. 28). Diante disso, tem-se a seguinte problemática: Quais produções acadêmicas apresentam o processo de financeirização no ensino superior, estando este relacionado ao sistema capitalista? 

Utilizar o instrumento da revisão da literatura é fundamental para os estudos desenvolvidos, pois analisa produções científicas sobre temas importantes, seja na educação, economia e dentre outros, bem como “[…] evidencia não somente a existência de um significativo número de estudos sobre a temática, mas também a importância de investigar o que tem sido pesquisado, as limitações e os aspectos que ainda precisam ser aprofundados”. (MAINARDES, 2006, p. 13).

É a partir disso, que o referido estudo busca analisar as produções acadêmicas sobre a financeirização do ensino superior no Brasil, caracterizada como revisão da literatura. O objetivo geral visa analisar as produções acadêmicas por meio da revisão da literatura sobre a financeirização do ensino superior no período de 2011 a 2020. Os anos de 2011 a 2020 justifica-se por ser o recorte temporal da dissertação mencionada anteriormente.

2. METODOLOGIA

A metodologia adotada no estudo é com base na pesquisa bibliográfica, no qual é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, e são pesquisas desenvolvidas a partir de fontes bibliográficas. (GIL, 2008). Para o autor, este método de pesquisa possui a vantagem de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente.

A revisão da literatura constitui-se base bibliográfica por ser produções científicas que foram desenvolvidas pelos Programas de Pós-graduação das universidades brasileiras e são disponibilizadas na plataforma de banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Dessa forma, realizamos a revisão da literatura com base no catálogo de teses e dissertações12, acerca da financeirização no ensino superior.

Ao pesquisarmos a categoria financeirização, encontramos 656 trabalhos. Realizamos uma primeira filtragem por grau acadêmico, tendo sido selecionadas apenas teses e dissertações acadêmicas, e chegamos ao resultado de 642 produções. No segundo filtro, consideramos somente trabalhos com o recorte temporal de 2011 a 2020, o que totalizou 489 estudos. A terceira filtragem foi feita diante da grande área do conhecimento, tendo sido selecionadas produções das Ciências Sociais Aplicadas e das Ciências Humanas, resultando em 438 textos. No quarto e último filtro, consideramos a área do conhecimento, centrando-nos nas áreas da Economia, do Direito, das Ciências Contábeis e da Educação, o que resultou na coleta de 145 produções.

Consideramos essas filtragens de: grande área do conhecimento, pelas produções das Ciências Sociais Aplicadas e das Ciências Humanas, bem como a área do conhecimento, da Economia, do Direito, das Ciências Contábeis e da Educação pelo fato da financeirização não ser campo de estudo específico da educação, tendo em vista que é uma categoria de estudo que surgiu na economia, direito, contabilidade etc. E chegou no setor educacional pelos investimentos em BM&FBovespa, e consequentemente nos grupos educacionais/IES privado-mercantil.

Após as quatro filtragens sobre a categoria financeirização, realizamos a leitura dos títulos, das palavras-chave e do resumo dos 145 estudos. Desses, identificamos 17 trabalhos relacionados à financeirização no ensino superior privado; 4 dedicados à financeirização na educação básica;13 115 pesquisas que não tratam da categoria; e 9 trabalhos que não estavam disponíveis devido a serem anteriores à plataforma Sucupira. A próxima seção ilustra o quadro que apresenta as 17 produções acerca da financeirização no ensino superior privado.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

É importante destacar que, nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2015, não foram encontrados estudos com esses descritores e o recorte temporal selecionado. Desses 17 trabalhos, 11 são dissertações de mestrado, sendo 8 na área de Educação, 1 em Desenvolvimento Econômico, 1 em Economia e 1 em História Social. De teses de doutorado, são 6, todas na área de Educação. (ver quadro 1)

Quadro 1 – Revisão de literatura das produções sobre Financeirização da Educação e do Ensino Superior Privado 2011-2020

ANOTÍTULOAUTOR/AUTORAPALAVRAS-CHAVEGRAU ACADÊMICOIES
2014A intensificação do trabalho docente no processo de financeirização da educação superior: o caso da Kroton no estado do Espírito SantosCharlini Contarato SebimTrabalho. Trabalho docente. Educação superior. Capital fictício. Governança corporativa.Doutorado em EducaçãoUFES
Os fundos de investimentos e o movimento do capital no ensino superior privado: mercantilização de novo tipo?Pedro Henrique de Sousa TavaresEnsino superior; instituições privadas; mercantilização; fundos de investimentos; ProUni; FIES.Mestrado em EducaçãoUFRJ
2016Financiamento da educação superior privado-mercantil: incentivos públicos e financeirização de grupos educacionais.João Ribeiro dos Santos FilhoFinanciamento. Fundo Público. Educação Superior Privada. Mercantilização. Financeirização.Doutorado em EducaçãoUFPA
Financeirização do capital no Ensino Superior Privado com fins lucrativos no Brasil (2007-2012).Fábio Luciano Oliveira CostaEducação; Ensino Superior Privado; Financeirização do Capital; Mercadoria; Lucro.Doutorado em EducaçãoUSP
2017O Processo de Mercantilização de novo tipo do Ensino Superior Brasileiro: Uma proposta de análise crítica sobre a expansão da Kroton Educacional.Rodrigo Medeiros da SilvaFinanceirização da Educação; Ensino Superior; Kroton; ProUni; FIES.Mestrado em EducaçãoUFRJ







2018
Financeirização da Educação Superior Privado-Mercantil e sua (Não) Legalidade’José Augusto Ewerton de SousaFinanceirização; Regulamentação; Mercantilização; Educação superior.Mestrado em EducaçãoUFPA
Financeirização da Educação Superior Brasileira: o caso do grupo Kroton.Carla Fernanda Zanata SoaresEducação Superior; Política educacional; Financeirização; Grupo Kroton.Mestrado em EducaçãoUFSC
Financeirização na Educação Superior Privada Brasileira: Permanência por Endividamento, Expansão por Benefício Público.Lucas Bressan de AndradeFinanceirização; política social; Brasil; educação superior; FIES; PROUNI.Mestrado em Desenvolvimento EconômicoUNICAMP
A hegemonia do capital na rede de governança do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)Aline Veiga dos SantosFies. Ensino Superior. Rede de Governança. Privatização e Financeirização. Kroton.Doutorado em EducaçãoUCB
2019Financeirização da Educação Superior Privado-Mercantil: Implicações Sobre o Financiamento Estudantil da Estácio Participações S.A’Leila Maria Costa SousaFinanciamento estudantil privado/próprio; Financeirização; Expansão privado-mercantil; Ensino superiorMestrado em Educação
UFPA
Movimento Estudantil (ME) na Universidade da Amazônia (UNAMA)/Ser EducacionalS.A: do auge ao declínioReinaldo Antônio do Amor Divino de SouzaMovimento Estudantil, Diretório Central dos Estudantes, Universidade da Amazônia, Grupo Ser Educacional, Financeirização e Mercantilização.Mestrado em EducaçãoUFPA
Financiamento Estudantil nas Instituições Privado-Mercantis de Ensino Superior no Brasil: o caso da Kroton Educacional’Tayanne de Fatima Almeida Tabosa dos ReisFinanciamento estudantil. Crédito universitário. Fies. Financeirização. Expansão privado-mercantilMestrado em EducaçãoUFPA
Financeirização no ensino superior: a educação como fronteira de valorização e acumulação de capital – o caso da Kroton EducacionalPedro Henrique de Sousa TavaresEnsino superior; instituições privadas; Kroton Educacional; mercantilização; fundos de investimentos; ProUni; FIES.Doutorado em EducaçãoUFRJ
A expansão do Ensino Superior Brasileiro e seus programas de financiamento: entre ademocratização e a mercantilização do ensinoJuliana ReksuaEducação Superior. Financiamento. Democratização. Mercantilização.Mestrado em EconomiaUNIFESP
2020Determinações do capital financeiro no ensino superior brasileiro: expansão privada e formação dos oligopólios de ensino (1990-2018)Allan Kenji SekiFinanceirização do Ensino Superior; Ensino Superior Privado; Privatizaçãoda Educação; Política EducacionalDoutorado em EducaçãoUFSC
Financeirização da Economia e Mercantilização do Ensino Superior no Brasil: O caso do grupo Kroton (2003-2018)Rosane de Oliveira e SilvaFinanceirização da economia; Mercantilização do ensino superior; FIES; PROUNI; Grupo Kroton Educacional.Mestrado em História SocialUERJ
Modelo de gestão da UNAMA com a sua aquisição pelo Grupo Ser Educacional S.A. (2014-2018).Tarcisio da Silva CordeiroGovernança Corporativa. Gestão. Institucional. Financeirização.Mestrado em EducaçãoUFPA

Fonte: CAPES. Elaboração própria (2023).

Das 17 produções, 1 é de universidade privada, a Universidade Católica de Brasília (UCB), e 16 são de instituições públicas, sendo 6 da UFPA, 3 da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); 2 da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e 1 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Do estado de São Paulo, temos pesquisas das instituições: Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Universidade de São Paulo (USP). E, ainda, a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 

Dessas pesquisas, 7 estudos tiveram como lócus de investigação o grupo Kroton Educacional e as suas implicações no processo de financeirização do capital no ensino superior. Essas implicações estão relacionadas às questões do trabalho docente, à criação do financiamento privado, aos fundos de investimentos e a compra e venda de ações na Bolsa de Valores por meio de Fusões e Aquisições (SEBIM, 2014; SILVA, 2017; SOARES, 2018; SANTOS, 2018; REIS, 2019; TAVARES, 2019; SILVA, 2020).

O processo de expansão do grupo Kroton por meio de Fusões e Aquisições permitiu a sua consolidação como a maior empresa educacional do país, que utiliza a educação como mercadoria de compra e venda de cursos sob a lógica financeira, mercantilizando o ensino superior brasileiro sob o controle do capital financeiro (SEBIM, 2014; SILVA, 2017; SOARES, 2018; SANTOS, 2018; REIS, 2019; TAVARES, 2019; SILVA, 2020). 

Devido às implicações advindas do processo de financeirização, Sebim (2014) investigou os impactos das mudanças sobre o trabalho docente no estado do Espírito Santo e apontou que houve a intensificação da exploração de trabalho desses profissionais, bem como a perda de autonomia dos professores em seu processo de trabalho e a baixa remuneração. E isso ocorreu devido à expansão do processo de financeirização, que adentrou o setor educacional e influenciou nas atividades docentes do grupo.

Nesse sentido, Santos (2018) buscou investigar: a rede de governança por meio do Fies, vinculada e incentivada pelos intelectuais orgânicos; e os diversos atores sociais que influenciaram no processo de transformação da educação superior. Através de documentos e relatórios da Kroton na composição do Conselho de Administração, a autora encontrou a presença de ex-ministro, ex-secretário de Educação, ex-deputado federal, ex-vice-governador, presidentes e diretores das principais associações representativas do setor educacional: Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES); Número Único de Protocolo (NUP); Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior (FERESP); e Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (SEMESP). 

A tese revelou que a participação desses atores sociais nas políticas educacionais subsidiou o Fies para fortalecer as IES privadas via financiamento público. O que, consequentemente, contribuiu para a expansão do setor privado-mercantil por meio da adoção de uma gestão corporativa empregada nos negócios dos grupos educacionais privados (SANTOS, 2018).

Para Brettas (2020, p. 33) o repasse de recurso público via programas assistencialistas para empresas privadas, revela que financeirização vem se desenvolvendo por meio da educação via setor privado, no qual “[…] os recursos públicos serão progressivamente destinados à defesa dos interesses privados, estimulando o seu crescimento e fortalecimento, ou seja, alimentando o capital financeiro financeirizado”.

Nesse sentido, o governo sendo influenciado por interesses privados, vem se beneficiando de políticas educacionais, em especial o financiamento público por meio do Fies, que incentivou a expansão dos grupos educacionais brasileiros e também influenciou no modelo de gestão. (SANTOS, 2023)

Em relação ao modelo de gestão corporativa, esta, por sua vez, está imbricada no processo de financeirização do ensino superior privado-mercantil, que visa persuadir todas as funções de uma instituição, como os grupos educacionais, em especial a Universidade da Amazônia (UNAMA). A IES, após ser listada na BM&FBovespa, modificou sua gestão (que deveria ser educacional), aderindo a um modelo estudantil conforme os parâmetros do mercado, com a adoção do modelo de governança corporativa (SOUZA, 2019; CORDEIRO, 2020).

Esse modelo estudantil tornou-se mais mercantil do que educacional, o que refletiu no declínio da participação de discentes nas deliberações democráticas sobre as formas de gestão empregadas na instituição de ensino (SOUZA, 2019). Enquanto isso, as mudanças impostas pela gestão corporativa na UNAMA aconteceram, principalmente, após a aquisição pelo Grupo Ser Educacional S.A., que se listou na Bolsa de Valores, fazendo parte de um cenário de mercantilização e financeirização do ensino superior privado (CORDEIRO, 2020).

Para Souza (2019) e Cordeiro (2020), a adoção da governança corporativa segue parâmetros do mercado e do processo de financeirização, que também influencia na forma de oferta de cursos superiores, mas os autores não discutiram a grande participação da modalidade de ensino. Além disso, essa forma de gestão “[…] está cada vez mais submetida aos interesses financeiros”. (BRETTAS, 2020, p. 162).

Retomando a rede de governança do Fies, temos a tese de Santos Filho (2016), que também analisou criticamente o Fies e o ProUni, investigando três grupos educacionais: Estácio Participações S.A., Educação S.A. (Ânima) e Ser Educacional S.A. O estudo identificou que o Fies e o ProUni contribuíram para a expansão da educação superior privado-mercantil no Brasil, promovida por meio de renúncia fiscal e pelo uso do fundo público para financiar esses grupos. 

O Fies e o ProUni tiveram grande destaque na atuação dos grupos educacionais, o que concedeu o seu crescimento no país, bem como serviu de objeto de investigação para as pesquisas (SANTOS FILHO, 2016; ANDRADE, 2018; REKSUA, 2020).

Com isso, Andrade (2018) teve um enfoque nos governos Lula e Dilma, que subsidiaram a política de financiamento estudantil por meio do Fies, e desvelou que esse programa possui contradições, uma vez que “possibilitou” o custeio de um curso superior, mas deixou o endividamento para o estudante, e implicou a redução da arrecadação do Estado por meio do ProUni pela isenção de impostos de IES privadas. Já Reksua (2019) identificou que esses programas, apesar de assegurar o acesso da população que, historicamente, foi desfavorecida do ensino superior, ao mesmo tempo contribuem de maneira significativa para o processo de mercantilização e financeirização desse nível de ensino.

Nesse sentido, o ProUni e o Fies são subsídios para a expansão dos grupos educacionais brasileiros que passam a se inserir conforme o mercado capitalista, buscando, constantemente, a valorização acionária no mercado de ações na Bolsa de Valores. (SANTOS FILHO, 2016; ANDRADE, 2018; SANTOS, 2018; REKSUA, 2019).

As políticas de financiamento público, em especial o Fies, influenciaram na criação do financiamento privado das instituições de caráter mercantil, sobretudo das listadas na Bolsa de Valores. Além disso, o financiamento privado se configurou como alternativa dos grupos educacionais quando as regras do Fies, a partir de 2015, tiveram mudanças nos contratos (SOARES, 2018; SOUSA, 2019; REIS, 2019).

Conforme Soares (2018), o financiamento estudantil privado utilizado pelo grupo Kroton possui contradições quanto ao fornecimento da formação de nível superior. Por um lado, tende a formar o aluno para ser capacitado para o mercado de trabalho e, por outro, comercializa seus cursos superiores, causando um forte endividamento de discentes pertencentes a famílias da classe trabalhadora. 

Nesse sentido, o financiamento estudantil privado utilizado pelos grupos educacionais, em especial, a Kroton Educacional e a Estácio Participações, possui forte relação com o processo de financeirização do ensino superior, que, por meio da venda de cursos superiores, influência na forma como o ensino vem sendo comercializado pelos detentores do capital, tornando a educação mercantilizada (SOUSA, 2019; REIS, 2019).

A mercantilização do ensino superior privado brasileiro advém de uma série de acontecimentos influenciados pelo sistema capitalista e, a partir de 2007, com a entrada dos grupos educacionais na Bolsa de Valores, assumiu a forma de financeirização do setor privado-mercantil. Com isso, houve uma intensa transformação da educação superior em mercadoria pelo número expressivo de instituições de ensino superior pelos fundos de investimentos (private equity), evidenciando que a educação de nível superior é um novo tipo, controlada pelo capital financeiro (TAVARES, 2014, 2019).

O processo de financeirização do capital se inseriu no ensino superior privado no Brasil pela abertura de capital dos grupos educacionais em 2007, o que subsidiou objetos de estudos (COSTA, 2016; SEKI, 2020).

Costa (2016) teve como lócus de investigação três grupos: Anhanguera Educacional Participações S.A., Estácio Participações S.A. e Kroton Educacional S.A. Já Seki (2020) analisou quatro grupos: Kroton, Estácio, Ser Educacional e Ânima. 

Destacamos o estudo de Seki (2020), que se constituiu numa pesquisa aprofundada acerca das receitas fiscais em relação à lucratividade dos grupos educacionais privados, destacando a formação de oligopólio no ensino superior, bem como as formas de financiamento utilizadas por esses grupos: o Fies, o uso da inserção fiscal pela adoção do ProUni e os financiamentos privados de cada grupo. 

Conforme os autores, a financeirização no ensino superior privado modifica as formas de atuação dos grupos na oferta de cursos por meio da gestão corporativa – que são inseridas pela lógica mercantil e financeira –, bem com revela que os programas Fies e ProUni tratam de uma política estruturada de transferências dos fundos públicos para a acumulação de capitais, que está atrelada à financeirização da participação dos grupos educacionais (COSTA, 2016; SEKI, 2020).

Em relação à atuação desses grupos na educação superior no Brasil, Sousa (2018) analisou a (des)regulamentação relacionada aos aspectos legais/normativos que subsidiam a atual etapa da financeirização no ensino superior privado-mercantil. O autor identificou que não há uma política de regulamentação/supervisão para essa expansão de grupos educacionais privados no país, bem como apontou a constante expansão de instituições estrangeiras, mercantilizando o ensino superior privado sob a égide do capital financeiro (SOUSA, 2018).

Todos os estudos apresentados evidenciam que a financeirização do capital no ensino superior privado tem ganhado força para tal atuação, e revelam a grande participação do Estado brasileiro no favorecimento da entrada dessas IES privado-mercantis devido à flexibilização da legislação educacional ao permitir que esses grupos listados na Bolsa de Valores possam ofertar cursos de formação na lógica mercantil e não propriamente na educacional. 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A financeirização que se manifesta sobre o ensino superior no Brasil é um processo dinâmico e complexo, exigindo por parte dos pesquisadores conhecimentos de aspectos que ultrapassam muitas vezes a fronteiras de certas áreas do conhecimento. A partir do entendimento que a financeirização encontra-se relacionada aos fluxos de produção, circulação e repartição de lucros, se observa que o conjunto de obras contempladas no âmbito da revisão de literatura elucidam alguma dessas etapas.

Assim, dada a temporalidade delimitada, nota-se que a precarização do trabalho docente bem como as mudanças no modelo de gestão, que passa a limitar a atuação estudantil, em detrimento da obtenção dos lucros referem-se a fase inicial do movimento de financeirização, no qual destaca-se a produção, que tende a ser intensificada e ao passo que são excluídos os mecanismos antigos que propiciavam mais autonomia e participação nos processos de gestão por parte de alunos e docentes. 

A fase posterior pode ser evidenciada por meio das pesquisas que se debruçam sobre os aspectos financeiros, envolvendo programas como FIES e PROUNI os quais são vetores de ampliação do processo de financeirização sustentados por um amplo aparato jurídico e institucional validado pelo Estado. Assim estes vetores auxiliam na circulação do capital dada a condicionante de difusão, proliferação e acessibilidade dos cursos vendidos pelas IES privadas.

O último conjunto de obras faz uma abordagem sobre os mecanismos de gestão relacionando-se a fase de repartição de lucros, onde emerge a figura do capital financeiro, envolvendo os grupos educacionais e suas atuações no mercado de ações da Bolsa de Valores.

Por fim, retomando o questionamento central deste estudo, e pode-se inferir após as devidas análises que todas as produções apresentadas no texto contemplam o processo de financeirização, todavia o que as distingue são as particularidades envolvendo a fase de tal processo. Logo, o conjunto das pesquisas elucidam fases distintas, sejam elas de produção, circulação ou repartição de lucros, o que permite em um movimento holístico voltado a compreensão do dinamismo da financeirização do ensino superior no Brasil.

Mas para efeitos de compreensão da complexidade deste processo, ocorre a necessidade de outras pesquisas relacionadas que não apontaram os seguintes temas: a implementação da Educação à Distância (EAD) no FIES, emprego do marketing, expansão das marcas e dentre outros, os quais são importantes para entender a consolidação da financeirização.  


7SANTOS, Maria Caroline Cavalcante. Financeirização e expansão do ensino a distância na Universidade Pitágoras Unopar. 177f. 2023. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2023
8Esse projeto é desenvolvido pelo Grupo de Estudos sobre Educação Superior (GEPES/UFPA).
9Privado-mercantil é um termo cunhado por Sguissardi (2008) para discernir as IES privadas particulares, (com fins lucrativos), das IES privadas (sem fins lucrativos), no qual foi possível pela regulamentação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN,1996), que possibilitou o ensino superior no mercado. Para mais detalhes, ver Sguissardi (2008).
10Constitui-se um mercado de ações em que grandes empresas compram e vendem ações. A Bolsa constitui um mercado de títulos que tem a função de dar liquidez a eles, por meio da criação de um mercado em que possam ser negociados (BRETTAS, 2020).
11A Wyden e a Laureat pertenciam ao grupo educacional estrangeiro Adtalem Global Education, no qual ambas instituições foram adquiridas pela YDUQS no final do ano de 2019. Para melhor entendimento, ver Souza (2022).
12Delimitamos a busca por dissertações e teses por serem pesquisas mais aprofundadas apresentando seus resultados, diferentes de artigos e resumos expandidos, que apresentam resultados parciais.
13Os trabalhos que tratam da financeirização na educação básica são: I) Financeirização da Educação Básica: tendências no período de 2010-2019, de Hellem Balbinoth (2020); II) Formação continuada na rede municipal de ensino de Florianópolis: financeirização da educação básica e a (con)formação docente, de Marcia Luzia dos Santos (2019); III) Privatização Mercantil da Educação Pública no Sistema Municipal de Ensino de Belo Horizonte: a parceria público-privada na Educação Infantil, de Fabio Jose Alves Garrido (2020); e IV) A atuação e expansão da empresa Kroton Educacional na Educação Básica, de Deysiane Farias Pontes (2020).

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Lucas Bressan de. Financeirização na educação superior privada brasileira: permanência por endividamento, expansão por benefício público. 2018. 152f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018.

ARRUDA, Jerillee Silva de. Fies e a oligopolização do ensino superior privado- mercantil no Brasil: nova forma de expropriação da classe trabalhadora? 2019. 242f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.

BRETTAS, Tatiana. Capitalismo dependente, neoliberalismo e financeirização das políticas sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.

CAPES. Catálogo de teses e dissertações. Disponível em: http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/. Acesso em 20 jul. 2021.

CHAVES, Vera Lúcia Jacob. O ensino superior privado – mercantil em tempos de economia financeira. In: CASSIO, Fernando (org.) Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. Boitempo, 2019. p. 69-72.

COSTA, Fábio Luciano Oliveira. Financeirização do capital no ensino superior privado com fins lucrativos no Brasil (2007-2012). 2016. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ed. São Paulo: Atlas, 2008

MAINARDES, Jefferson. Organização da escolaridade em ciclos no Brasil: revisão da literatura e perspectivas para a pesquisa. Educação e Pesquisa, v. 32, p. 11-30, 2006.

REIS, Tayanne de Fátima Almeida Tabosa dos Reis. Financiamento estudantil nas instituições privado-mercantis de ensino superior no Brasil: o caso da Kroton. 2019. 215f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Ciências da Educação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2019. 

REKSUA, Juliana. A expansão do ensino superior brasileiro e seus programas de financiamento: entre a democratização e a mercantilização do ensino. 2019. 73 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2019.

SANTOS, Maria Caroline Cavalcante d. Santos. Financeirização e expansão do ensino a distância na Universidade Pitágoras Unopar. 2023. 177f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Ciências da Educação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2023.

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1Mestra em Educação pela Universidade Federal do Pará, do Instituto de Ciências da Educação, (Campus Guamá- Belém); E-mail: carollcavalcante98@gmail.com
2Mestra em Educação pela Universidade Federal do Pará, do Instituto de Ciências da Educação, (Campus Guamá- Belém); E-mail: paniapires@gmail.com
3Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Pará, do Instituto de Ciências da Educação, (Campus Guamá- Belém); E-mail: anapaula.pbs@hotmail.com
4Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará, do Instituto de Ciências da Educação, (Campus Guamá- Belém); E-mail: samantha-sousa@hotmail.com
5Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Pará, do Instituto de Ciências da Educação, (Campus Guamá- Belém); E-mail: leilamariacsousa@gmail.com
6Mestre em Geografia pela Universidade do Estado do Pará, (Campus I – Belém); E-mail: nonato@uepa.br