REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch102025091843
Stela Maris de Almeida Oliveira
RESUMO
A decisão que levou à escolha do tema em estudo neste artigo cientifico, que versa sobre o aprofundamento do conhecimento sobre as excludentes de ilicitude nos tribunais do júri brasileiro, previstas na parte geral do Código Penal Brasileiro, fundou-se em alguns motivos. Primeiro, o tema embora constantemente relacionado com a prática forense é pouco explorado em pesquisas acadêmicas. Segundo, trata-se de direito reconhecido e assegurado pelo ordenamento jurídico pátrio, pois o Código Penal prevê que ao agir em uma das hipóteses elencadas no artigo 23, o sujeito não comete crime, fixando os limites da ação. Sendo que a atenção é especificamente voltada às quatro causas legais previstas na parte geral do CP. A metodologia de compilação bibliográfica utilizada na execução desta pesquisa, visa esclarecer todos os requisitos objetivos e o subjetivo comum à todas, prevendo os excessos e exclusão dessas. Desta forma o objetivo central a ser atingido aqui é o de estudar acerca das excludentes de ilicitude no contexto do Tribunal do Júri. Elemento jurídico válido e que se devidamente comprovado que o ato ilícito foi efetivado sem que outra possibilidade houvesse, torna-se prova inconteste de inocência de seu agente. Ao final, este trabalho, apenas pretende ser uma contribuição, ainda que ínfima sobre o assunto em tela.
Palavras-Chaves: Excludente; Ilicitude; Agente; Tribunal do Júri
ABSTRACT
The decision that led to the choice of the topic under study in this scientific article, which deals with the deepening of knowledge about the exclusions of illegality in the Brazilian jury courts, provided for in the general part of the Brazilian Penal Code, was based on some reasons. First, the theme, although constantly related to forensic practice, is little explored in academic research. Second, it is a right recognized and guaranteed by the national legal system, since the Penal Code provides that by acting in one of the cases listed in article 23, the subject does not commit a crime, setting the limits of action. The attention is specifically focused on the four legal causes provided for in the general part of the CP. The methodology of bibliographic compilation used in the execution of this research, aims to clarify all the objective requirements and the subjective common to all, foreseeing the excesses and exclusion of these. In this way, the main objective to be achieved here is to study about the exclusions of illegality in the context of the Jury Court. A valid legal element that, if duly proven that the illicit act was carried out without any other possibility, becomes undisputed proof of the innocence of its agent. In the end, this work only intends to be a contribution, albeit tiny, on the subject at hand.
Keywords: Excluding; illegality; Agent; Jury court
1. INTRODUÇÃO
Este artigo científico tem por escopo estudar e contribuir para a apresentação dos fatos que podem levar a absolvição de indivíduos que por motivos próprios tenha cometido ato considerado criminoso. Ademais, o presente escrito objetiva delinear e apresentar um apanhado geral da legislação que rege atualmente esses casos particulares no Brasil.
Assim, são os casos em que o processo demonstrou que, apesar de haver ocorrido o fato típico, não é este antijurídico, por ter praticado: em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de um dever legal ou no exercício regular de direito. Causas que estão previstas no artigo 23 do Código Penal, e estas constituem causa excludentes da ilicitude ou justificativas.
Ao tratar acerca da exclusão da ilicitude do fato típico, a lição doutrinária tem sido no sentido de que, o agente é absolvido se for comprovado que o fato por ele praticado não é crime, ou seja, existe uma causa que exclui sua ilicitude ou a culpabilidade do réu.
Assim sendo, o que justifica a elaboração desta pesquisa se deve ao fato de que em várias situações, tal princípio não se aplica, dada as circunstâncias muito próprias a cada caso e que vem a exigir de todo o contexto que forma o ambiente do júri a máxima atenção e a adoção de critérios rigorosos para se separar o joio do trigo.
Outro fato que vem a justificar a pesquisa proposta é a de como se pode identificar que houve excesso no ato da legitima defesa, o que em tese pode vir a desqualificar tal princípio. Ou mesmo se em virtude da ação em nome do bem da sociedade, atos extremos não tenham sido cometidos, tais como excesso de força, desrespeito a direitos fundamentais constituídos ou mesmo o descumprimento de determinações legais e de direito.
Sendo que o objetivo principal aqui proposto é o de estudar acerca das excludentes de ilicitude no contexto do Tribunal do Júri.
O método utilizado na elaboração da pesquisa foi o de compilação ou o bibliográfico, que consiste na exposição do pensamento de vários autores que escreveram sobre o tema escolhido, o documental observando a legislação brasileira, através do Código Penal, Código de Processo Penal, Constituição Federal, dentre outros e também através de artigos veiculados a rede mundial de computadores, internet. Desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se como apoio e base contribuições de diversos autores sobre o assunto em questão, por meio de consulta a livros periódicos.
Espera-se, com o desenvolvimento do trabalho, deixar modesta contribuição, não só para o meio acadêmico, mas, para a sociedade, ao oferecer uma pesquisa de qualidade, compilada da lavra de renomados doutrinadores, sem prejuízo das jurisprudências consolidadas dos Tribunais pátrios.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 O tribunal do júri nos dias de hoje e sua soberania
Como todo ordenamento está submetido à Carta Magna, se torna necessário o melhor conhecimento da matéria através do que nela é ditado, para posteriormente verificar-se a legislação pertinente à atualização e formatação do Tribunal do Júri nos dias atuais. Assim sendo, se torna relevante relembrar o que determina na integra o que traz o artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal do Brasil de 1988:
É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (BRASIL, 1988, online).
Pode-se entender, portanto, naquilo que venha a caracterizar a competência do Tribunal do Júri que não existe em suas decisões o caráter do absolutismo. Exemplo tácito das infrações, ditas comuns, que no entender da jurisprudência pátria, seriam aquelas ações que causam dolo contra a vida.
Nobrega (2019) relembrou em seu artigo as palavras de Alexandre de Morais recordando que:
[…] a competência do Tribunal do Júri não é absoluta, afastando-a a própria Constituição Federal, no que prevê, em face da dignidade de certos cargos e da relevância destes para o Estado, a competência de Tribunais, conforme determinam os arts.29, inciso VIII; 96, inciso III; 108, inciso I, alínea ‘a’; 105, inciso I, alínea ‘a’ e 102, inciso I, alíneas ‘b’ e ‘c’. Também, nas hipóteses de conexão ou continência entre duas infrações penais, um crime doloso contra a vida e outro com foro por prerrogativa de função, inexistirá atração, prevalecendo à regra do juiz natural, havendo, necessariamente, a separação dos processos (NOBREGA, 2019, p. 23).
E a legislação pertinente à formação e amplitude de decisões do tribunal do júri, segue então esta determinação constitucional. Sua composição é de um presidente, representado por um Juiz de direito togado e inicialmente por vinte e um jurados. Destes jurados, antes de iniciada a seção ordinária, advogados e promotoria pública escolhem um total em número de sete que comporão o Conselho de Sentença. Forma-se, assim, um Órgão Especial da justiça comum, que ainda integra um representante do Ministério Público e um advogado de defesa (ARANTES; MOREIRA, 2019).
Ferrari (2019) reafirmando o caráter popular e democrático do tribunal do júri, composto em sua totalidade por cidadãos idôneos de todas as camadas sociais da nação, explica o porquê da escolha recair sobre seres humanos comuns:
A escolha dos jurados é feita na sociedade. Para tal, o poder judiciário se vale do auxílio, sobretudo das entidades de classe normalmente por meio de indicação das escolas das organizações profissionais como o COREM, CONFEM, OAB e ainda por meio de pesquisas que o próprio poder judiciário faz através de seus eventuais. Uma vez coletados, esses nomes são levados para a secretaria do Tribunal do Júri, onde cada nome de ser submetido a uma breve sindicância, pois pressupõe que a pessoa que integrará ao conselho de sentença seja uma pessoa de conduta ilibada, sem maus antecedentes na sociedade. A partir daí, dependendo do tamanho da comarca, tem-se uma lista, dentre os quais são chamados para a lista geral.(FERRARI, 2019, p. 17)..
Se entende, pois, que ao escolher entre homens ditos comuns, que não possuem conhecimento técnico apurado sobre o direito, suas decisões seriam pautadas pela realidade e ótica de sua vivência própria. Desta forma, seu julgamento será fruto da análise geral dos fatos que levaram ao acontecimento do crime.
Barros (2021) traz que o ponto crucial para se compreender melhor o porquê dos crimes intencionais contra a vida serem julgados pelo júri popular está na sensibilidade, no sentimento humano. As peculiaridades nesse contexto são de tal ordem que somente o homem comum do povo, com sua sabedoria, é que pode dimensioná-las com mais precisão e sensatez e, com isso, na perspectiva do certo ou do errado, do justo ou do injusto.
Quanto ao princípio da soberania dos veredictos, importa realçar, que o mérito da decisão dos jurados deve ser mantido, não podendo ser modificado em âmbito recursal. Seria incoerência por parte do legislador, após transferir aos cidadãos a incumbência de compor a administração da Justiça, apropriar-se do poderio decisório quanto ao desfecho definitivo da demanda, caso permita a alteração do conteúdo de suas decisões por meio de recursos. A vontade do povo, constitucionalmente legitimada, há de prevalecer em relação aos crimes dolosos contra a vida, e o mérito de suas decisões está protegido, pois é soberano (BARROS, 2021, p. 24).
Sendo que Flores e Turella (2021) ainda acrescentam sobre a soberania das decisões emanadas pelos jurados do Tribunal do Júri, que:
No Brasil, o Tribunal do Júri surgiu em 1822, em virtude da Lei de 16 de junho, sendo de sua competência o julgamento dos delitos de imprensa, tipificados pela legislação vigente à época. Já com a Constituição do Império de 25 de março de 1824, foi atribuído ao Tribunal do Júri a competência para julgar todas as infrações penais, como também para determinados casos da esfera civil, sendo assim, inserido na estrutura do Poder Judiciário. Já a Carta Magna de 24 de fevereiro de 1891, manteve o Júri, elevando-o em nível de garantia individual, bem como a Constituição de 1934, que dispôs em seu art. 72 “É mantida a instituição do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”. No entanto, a Constituição de 1937 omitiu-se sobre a matéria, o que deu margem ao Decreto-Lei n. 167, de 05 de janeiro de 1938, que aboliu a soberania dos vereditos do Júri. Entretanto, a Carta de 18 de setembro de 1946 restabeleceu a instituição entre as garantias individuais, bem como a soberania dos vereditos do Tribunal Popular (FLORES; TURELLA, 2021, p. 218).
Afirmando assim, que a decisão dos jurados não é inquestionável, devem acima de tudo se ater ao valor das provas apresentadas pelas partes litigantes. Seu julgamento deve ser direcionado só e exclusivamente sobre o objeto do processo.
E conforme os ensinamentos de Silva, Silva e Silva Filho (2021) soberania das decisões se trata de um termo técnico jurídico e acrescenta:
Se soberania do júri, no entender da communis opinio doctorum, significa a impossibilidade de outro órgão judiciário substituir o júri na decisão de uma causa por ele proferida, soberania dos veredictos traduz, mutatis mutandi, a impossibilidade de uma decisão calcada em veredicto dos jurados ser substituída por outra sentença sem esta base. Os veredictos são soberanos porque só os veredictos é que dizem se é procedente ou não a pretensão punitiva (SILVA; SILVA; SILVA FILHO, 2021, p. 18)..
Assim, verifica-se que a soberania do veredicto é considerada como legal, se a mesma vier a atender os preceitos constitucionais, normativos dos direitos fundamentais da pessoa. “E é neste cenário que se insere a soberania dos veredictos, onde o máximo respeito à participação popular é sacramentado com a imutabilidade das decisões oriundas do Conselho de Sentença” (FERNANDES, 2017, p. 16).
A maior das características a ser apresentada pelo corpo de jurados é sua imparcialidade. Assim sendo, o grupo de jurados deve ao observar o andamento dos ritos processuais no Tribunal do Júri, verificar os fatos, sem nenhum preconceito, desta forma ao se pronunciar sua decisão será pautada pela devida análise das provas apresentadas e poderá proferir-se de forma isenta (FERRARI, 2019).
2.2 Da Tipificação dos Elementos Excludentes Admissíveis no Brasil
É consenso geral da doutrina brasileira que as excludentes de ilicitude são elementos passiveis de acontecer dentro daquele que supostamente seria considerado um crime contra a pessoa humana. Partindo-se do pressuposto da devida análise das mesmas, acobertadas pelas provas cabíveis e pela inadmissibilidade do excesso, podem ser o motivo mor para inocentar-se um indivíduo restabelecendo-se desta forma a justiça.
Neste item são apresentadas as formas das excludentes admitidas na doutrina pátria, com seus pormenores, aplicabilidade e o rigor com que devem ser analisadas, para que não se corra o risco de conceder a alguém um indulto ao qual não fez jus.
Legítima defesa – O Código Penal apresenta os requisitos básicos para a admissibilidade da legítima defesa, quais sejam: agressão atual ou iminente; direito próprio ou alheio a ser preservado; moderação nos usos dos meios necessários a repulsa.
Em se tratando de fato agressor, entende-se aquele que lesa ou tem por intento ameaçar seriamente. Isto posto, se pode afirmar então que a agressão deve ser concretizada ou ser iminente. Não há como se colocar como legitima defesa aquele ato cometido baseado na suposição de uma mera futura agressão, no medo de ameaças ou no revidar desproporcional e vingativo (SILVA, 2021).
Para Dartora (2018, p. 20) “a legítima defesa é um dos institutos jurídicos melhor elaborados através dos tempos”. Muitos são os seus defensores e que enaltecem que ela representa uma verdade inerente à consciência jurídica universal, que paira acima dos códigos, uma das grandes conquistas da civilização.
O Código Penal em seu artigo 23 discrimina que não existe crime quando o agente que pratica o fato se encontra em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito. Trazendo sua definição e elucidação de Valença (2017, online) enfatiza que:
A legítima defesa exige a presença simultânea da agressão injusta; atual ou iminente; em função de direito próprio ou alheio; e o uso moderado dos meios necessários; e ainda, o elemento subjetivo: o animus defendi. Sendo este último requisito de caráter nitidamente subjetivo, enquanto sos demais são objetivos. A reação deve ser imediata à agressão, como afirmava Bettiol, a legítima defesa deve exteriorizar-se antes que a lesão do bem já tenha sido produzida.
Indo por outra vertente de pensamento, não menos importante, tem-se ainda os ensinamentos de Domingos (2019, p. 25) que classifica em três os tipos de legítima defesa, da seguinte forma:
a) Subjetiva: é o excesso por erro de tipo escusável, que exclui dolo e culpa. Simplificando, ocorre nos casos em que o agente, por erro quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modo da reação, plenamente justificado pelas circunstancias, supõe ainda encontrar-se em situação de defesa.
b) Sucessiva: é a repulsa quanto ao excesso
c) Putativa: ocorre quando o agente, por erro de tipo ou de proibição plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe encontrar-se em face se agressão injusta. Difere da legítima defesa subjetiva pelo fato de haver nesta o ataque inicial.
Pelo acima exposto, tem-se então como conclusão que agir em legitima defesa depende de circunstâncias muito explícitas, senão é entendimento doutrinário que tal instituto seria exaustivamente utilizado de maneira equivocada, no sentido de falsear uma situação totalmente inexistente.
Estado de necessidade – O elemento do estado de necessidade, em contrapartida ao do de legítima defesa, de maneira geral sempre existiu nas mais diversas doutrinas mundiais, desde os mais remotos tempos. Tal dispositivo tem suas limitações de aceitabilidade, sendo, pois: furto famélico, aborto com o intuito de salvaguardar a existência da gestante, o capitão quando ao vislumbrar perigo eminente ao seu barco e à tripulação desfaz-se de toda a carga, entre outros.
O estado de necessidade está tipificado na doutrina brasileira no artigo 24 do CP, com a seguinte redação:
Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços (BRASIL, 1940, online).
“Nossa legislação, como já observado, adota a teoria unitária sobre o estado de necessidade, uma vez que não existe comparação de valores entre os bens jurídicos postos em perigo”. Somente sendo exigido ao agente causador da ação que o mesmo consiga discernir sobre as consequências advindas de sua atitude (QUANDT, 2021, p. 472).
Estrito cumprimento do dever – Ao contrário do que foi devidamente analisado no Código Penal, em relação ao estado de necessidade e a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever não recebeu uma análise e caracterização que não pairasse sombra de dúvidas. O referido código apenas traz em seu art. 23 que “Não há crime quando o agente pratica o fato” e em seu inciso III discrimina que “em estrito cumprimento de dever legal”.
Souza e Gonzaga (2022, p. 16) conceituam o instituto aqui em tela, dizendo: “É a causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, nos exatos limites dessa obrigação”. Ou seja, aquele que cumpre um dever que a lei determina se torna inimputável.
Como nas anteriormente citadas ilicitudes excludentes, no estrito cumprimento do dever legal é necessário que o agente causador da ação esteja consciente de que age sob essa causa de justificação. Ou seja, existe a premência de que tal fato tenha ocorrido de maneira condizente com o que determina a lei aos seus agentes cumpridores.
No entender de Nogueira e Silva (2014, p. 4-5):
Há casos em que a lei expressa não ser ilícita uma conduta, embora típica. O estrito cumprimento do dever legal é uma causa lógica de exclusão contida no inciso III do artigo 23, 1ª parte. Por ser um dever imposto por lei, aquele que age em seu cumprimento, não pode estar praticando um fato contrário à lei, e sim segundo a lei. Porém para que não houvesse exageros, foi assinalado no código penal com o adjetivo estrito, restringindo aos casos em que o agente está realmente dentro do seu dever legal.
E segue ainda ensinando que “a excludente só ocorre quando há um dever imposto pelo direito objetivo e pode ser imposto por qualquer lei, não necessariamente lei penal”. Tal determinação legal pode se fazer presente de várias formas: regulamento, decreto ou qualquer ato emanado do poder público. Desde que o mesmo contenha a generalidade que o caso requer. É necessário acrescentar que o caráter religioso, moral ou social em hipótese nenhuma pode receber ou se fazer valer deste instrumento de excludente de ilicitude aqui analisado (NOGUEIRA; SILVA, 2014, p. 5).
Não se refere somente a funcionário público e a seu cargo ou função. O particular deve observar o caráter estrito da justificativa quando travestido numa função pública.
Exercício regular do direito – Em se tratando de exercício regular do direito, o mesmo pressupõe uma faculdade de agir atribuída pelo ordenamento jurídico (lato sensu) a alguma pessoa, pelo que a prática de uma ação típica não configuraria um ilícito.
Pinho (2017) elenca como alguns dos exemplos mais claros, a correção dos filhos por seus pais, a prisão em flagrante por particular, o penhor forçado (art. 779 do CP) e o expulsar, na defesa em esbulho possessório recente. Em nenhum caso, exemplificado os limites de direito da ação do agente não podem ser suplantados em nome da ordem jurídica e dos limites legais impostos ao agente em exercício de sua função.
São considerados como “Ofendículos”, ou seja:
Uma das formas de proteger não somente a propriedade, como também outros bens jurídicos, tais como a vida e a integridade física, é o uso de ofendículos, que nada mais são do que obstáculos que servem de impedimento para a entrada não autorizada em quaisquer propriedades, como, por exemplo, o uso de cercas elétricas, a colocação de cacos de vidro nos muros, a aquisição de cães para guarda e outros recursos. No entanto, para que sejam considerados legais, os ofendículos devem ser perceptíveis, notórios, dispostos de maneira visível de forma que o invasor, ao violar o domicílio, esteja assumindo o risco interposto pelos ofendículos. (MORAIS; BAVARESCO; HELENO, 2016, p. 104).
Também se consideram exercício regular de direito as lesões ocorridas na prática de esportes violentos, desde que toleráveis e dentro das regras do esporte. As intervenções médicas e cirúrgicas, havendo consentimento do paciente, seriam exercício de direito; inexistindo, poderia haver estado-de-necessidade (MORAIS; BAVARESCO; HELENO, 2016).
2.3 Procedimento: etapas, fases e espécies do julgamento
Em se tratando de matéria controversa, dada a sua necessidade de que os elementos apresentados estejam totalmente claros ao juiz encarregado do julgamento cabe ao mesmo, acima de tudo possuir grande perspicácia para conseguir ao final da ação prolatar sua decisão de maneira a acatar a tese de que o ato delituoso foi cometido como última possibilidade diante do ocorrido.
O Código Penal Brasileiro dispõe que não há crime se o sujeito age em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal, exercício regular de direito, são as causas excludentes de ilicitude ou antijuricidade , também entendidas por alguns doutrinadores pátrios como: “Tipos permissivos”, “Causas justificadoras”, “Cláusulas de garantia social e individual”. Estas estão elencadas nos artigos 23 a 25 daquele diploma (DOMINGOS, 2019).
A lei penal brasileira dispõe que não há crime quando o agente pratica o fato em alguma dessas situações elencadas no artigo 23 do Código Penal, ou seja; se presente uma dessas causas excludentes, está-se afastando um dos elementos do crime que é a contrariedade ao direito (QUANDT, 2021).
Agindo nessas hipóteses, o sujeito estará acobertado pela “exclusão de ilicitude”, onde o fato permanece típico, mas não há que se falar em crime, e logo não haverá pena, ou seja; o sujeito terá a proteção do Estado, se este estiver sendo processado, deverá ser absolvido, lembrando que à ele cabe o ônus da prova.
Sendo lembrado ainda por Capez (2022, p. 70) que:
Se constatado uma dessas causas excludentes de ilicitude ou antijuricidade na descrição de uma denúncia ou queixa, evidenciando desde logo a ausência de antijuricidade na conduta do denunciado ou querelado, deve a peça ser rejeitada, vez que estará faltando uma condição da ação penal, pois, se o fato, que deve ser narrado com todas as circunstâncias conforme dispõe o artigo 41 do CPP, não constitui crime, então o Ministério Público poderia pedir o arquivamento ou mesmo o juiz a rejeitá-la.
Vale ressaltar que essa hipótese ocorrerá se a existência de uma causa excludente for inquestionável, ou seja, estiver cabalmente demonstrada, já que na fase do oferecimento da denúncia vigora o “princípio in dubio pro societae“. Porém, se presentes os requisitos, não cabe ao juiz negar ao acusado a exclusão da ilicitude, tratando-se de direito público subjetivo do autor do fato (BARROS, 2021).
Quando previstos e preenchidos os requisitos do artigo 25 do Código Penal, por parte da defesa e perante provas incontestáveis, quais sejam: “o uso moderado dos meios necessários, para repelir injusta agressão, atual e iminente, a direito seu e de outrem”, a sentença será sempre a da absolvição incondicional do indiciado.
Em algumas situações, não restando dúvidas, e em que pese o pronunciamento ministerial, que o acusado tenha agido em legítima defesa, não persiste assim razão para submetê-lo a julgamento pelo juiz natural dos delitos dolosos contra a vida, o Tribunal do Júri (CAPEZ, 2022).
CONCLUSÃO
Do estudo das causas excludentes de ilicitude previstas na parte geral do Código Penal Brasileiro, pode-se concluir primeiramente que, agindo em qualquer das hipóteses elencadas no Artigo 23, agente terá a proteção do Estado vez que, está acobertado pela exclusão de ilicitude ou antijuricidade, e o fato embora permaneça típico, não constituirá crime e consequentemente não haverá pena, o sujeito deverá ser absolvido.
Foi visto aqui que as palavras ilicitude e antijuricidade são usadas como sinônimas pela doutrina brasileira, mesmo sabendo que o ilícito difere do injusto no seguinte aspecto: o ilícito consiste na contrariedade entre o fato e a lei e não comporta escalonamento, ou contraria a lei ou a ela se ajusta, já o injusto tem diferente graus que dependem da intensidade da repulsa provocada pela conduta, o que é injusto para um pode não ser para o outro.
Ainda nesta pesquisa foi levantado que além das causas excludentes previstas na parte geral do CP, os quais foi objeto de estudo deste artigo, existem as específicas assim chamadas, pois, se localizam na parte especial do código brasileiro pertinente ao assunto, e ainda as causas supralegais de ilicitude que são aplicadas por analogia, tendo em vista que o legislador não pôde prever todas as mudanças materiais e dos valores ético sociais que ocorrem na sociedade.
Ficou, da mesma forma, comprovado que para a invocação e o reconhecimento do estado de necessidade são necessários requisitos como: a existência de um perigo atual, a inevitabilidade da conduta lesiva, ameaça do direito próprio ou alheio, a situação não pode ser provocada pelo agente, razoabilidade do sacrifício, inexistência de dever legal de enfrentar o perigo, entre outros.
Mas para que se caracterize e se consubstancie os elementos necessários para a absolvição do réu quando comprovado que seu ato foi em legitima defesa própria ou de alguém (excludente de ilicitude), não pode ter havido por parte do agente uso de demasiada força ou repetição da ação por repetidas vezes contra seu agressor.
Esta pesquisa foi extremamente importante, vez que os acadêmicos e profissionais do Direito, podem se deparar com casos de excludentes de ilicitude em suas carreiras, quer sejam advogados, promotores de justiça ou juízes, e deve-se com seriedade aplicá-la na sociedade, tendo em vista que trata-se de direito reconhecido e assegurado pelo ordenamento jurídico, uma vez presente uma causa excludente de ilicitude, o sujeito deverá ser absolvido porque não há que se falar em crime. É preciso estar preparado quer para defender, denunciar e ainda julgar um caso concreto, fazendo valer a justiça que tanto se defende e almeja.
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