REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10056540
Sheila de Novais Oliveira
1. INTRODUÇÃO
O tema escolhido foi enfrentamento pelo Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraórdinário com Agravo n.º 791932, o julgamento foi ocorrido em 11 de outubro de 2018, no qual o Ministro Desembargador foi Alexandre de Moraes.
O recurso foi interposto pela Liq Corp S/A, nova denominação da Contax-Mobitel S/A, prestadora de serviços de call center para a Telemar Norte Leste S/A. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), seguindo sua jurisprudência (Súmula 331), considerou ilícita a terceirização por entender que os serviços de call center se inserem na atividade-fim das empresas de telefonia, afastando, assim, a incidência do inciso II do artigo 94 da Lei Geral das Telecomunicações (Lei 9.472/97). O dispositivo autoriza as concessionárias de telefonia a terceirizar “atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço
A pesquisa consiste em analisar cientifica e criticamente a referida decisão, no que se refere a cláusula de reserve de plenário (CF, art. 97 e SV 10), bem como a terceirização como atividade-fim.
Portanto, esta pesquisa se justificou-se diante da sua importância devido à influência e demanda que vêm crescendo nos setores empresariais e trabalhistas em todo o Brasil. Além disso, foi um dos temas que sofreu maior modificação em 2017, o que fomenta discussões no âmbito jurídico e acadêmico com repercussões na sociedade.
A terceirização ocupa uma posição bastante polarizada na sociedade brasileira, visto que existem doutrinadores que defendem a provação e manutenção de projetos de lei, pois o mercado necessita de modernização e dinâmica. Como também há os que acreditam que a terceirização em ampla escala é, na verdade, um retrocesso na garantia dos direitos trabalhistas, conquistados tão arduamente. Diante disso, formulou-se a seguinte problemática: Qual foi o entendimento do STF no RE com agravo de n.º 791932, sobre a terceirização como atividade-fim?
Para realização do presente estudo foi feito um levantamento bibliográfico baseando em artigos, sites de pesquisa como o google acadêmico, RE com agravo de n.º 791932 no STF, livros publicados neste particular, também foi analisada a Lei n.º 13.467/2017, Lei n.º 13.429/2017. CLT de 1943, Constituição Federal de 1988, a fim de construir um raciocínio lógico e crítico do tema explanado
2. DESENVOLVIMENTO
2.1Apresentação do caso
O julgado em análise, trata-se de agravo de decisão que inadmitiu Recurso Extraordinário interposto em uma reclamação trabalhista, que foi ajuizada por atendente contratada por empresa prestadora de serviços de call center, figurando como reclamadas essa pessoa jurídica (Contax S/A) e a empresa operadora dos serviços de telefonia (Telemar Norte Leste S/A).
Desta forma, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em síntese decidiu que: ) é ilegítima a terceirização dos serviços de call center, pois constituem atividade-fim das empresas de telecomunicações; a responsabilização da empresa operadora de telefonia foi amparada através da Súmula 331/TST, no qual veda expressamente a contratação de empregados por empresa interposta, exceto em situações de trabalho temporário; além de violar aos arts. 1º, IV, 5º, II, e 170, da Constituição Federal de 1988, pois, não autoriza a interposição do recurso de revista; além disso, não acorreu, no caso em tela, declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de lei, o que houve foi uma interpretação de modo sistemático das normas que fundamentam o caso em tela, desta forma, afasta a incidência da Súmula Vinculante 10 do STF.
No Recurso Extraordinário, a Contax S/A, empresa prestadora dos serviços de call center, apontou ofensa aos seguintes dispositivos constitucionais: arts. 5º, LIV, e 97, tendo em vista que através do reconhecimento do vínculo de emprego entre a reclamada e a tomadora de serviços, o TST, acabou deixando de aplicar o art. 94, II, da Lei 9.472/1997 sem declarar, em Plenário, sua inconstitucionalidade, o que desrespeitou a Súmula Vinculante 10; art. 170, III, pois, a terceirização de atividades referentes aos serviços de telecomunicações prestigia a busca do pleno emprego; art. 5º, II, tendo em vista que o acórdão recorrido pretende reconhecer vínculo empregatício com o tomador do serviço, o que viola diretamente ao dispositivo de lei ordinária no qual regula o serviço de telecomunicações; e o art. 175, pois, o acórdão estaria inviabilizando a prestação de modo adequado do serviço de telecomunicações através das concessionárias.
Além disso, ao terceirizar a atividade de call center, a tomadora de serviços o fez com respaldo na legislação vigente, desta forma, a atividade de call center é distinta dos serviços de telecomunicações, com regulamentação específica no Anexo II, da NR 17, não estando sujeita à fiscalização da ANATEL. Diante disso, foi requerido provimento do Recurso Extraordinário para que fosse julgado improcedente a demanda referente à empresa operadora de telefonia.
Ademais, não foram apresentadas contrarrazões. E neste caso , o TST acabou por inadmitir o extraordinário, pois, em situações parecidas, o STF, já vem proferindo decisões de que não há violação ao princípio da reserva de plenário; dissentir do acórdão recorrido demandaria a interpretação da legislação infraconstitucional e o reexame de fatos e provas; sendo incabível a interposição do Recurso Extraordinário em decorrência de violação ao art. 5º, II, da CF, a teor da Súmula 636 do STF. Sustentou-se ainda, que a referida Corte acabou por negar a repercussão geral do tema.
Foi interposto agravo em Recurso Extraordinário, no qual foi recebido pelo TST como agravo interno, em que foi negado por fim, o seu provimento. Os autos foram ao STF em função da procedência da Reclamação 16.636/MG (Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 4/11/2013).
Foi submetido ao crivo do Plenário Virtual, em que recebeu juízo positivo de repercussão geral no que concerne à tese de violação ao art. 97 da CF e à Súmula Vinculante 10, tendo sido classificado pelo módulo de repercussão geral disponibilizado no sítio eletrônico do Tribunal como Tema 739 – “possibilidade de recusa de aplicação do art. 94, II, da Lei 9.472/1997 em razão da invocação da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, sem observância da regra de reserva de plenário” (STF, 2018, p. 2).
Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República protocolou parecer pedindo desprovimento do Recurso Extraordinário, no qual chegou a conclusão de que o referido acórdão recorrido em nada ofende o art. 97 da CF nem a SV 10 do STF, tendo em vista não ser tarefa da jurisdição constitucional reexaminar a validade da atividade dos tribunais comuns na interpretação do direito ordinário.
As seguintes entidades foram habilitadas para ingressarem nos autos na posição de amicus curiae: Central Brasileira do Setor de Serviços – CEBRASE, Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores em Serviços de Telecomunicações – FITRATELP, Federação Brasileira de Telecomunicações – FEBRATEL, Associação Brasileira de Teles serviços – ABT, Centrais Elétricas Brasileiras S/A – ELETROBRÁS, Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação – BRASSCOM e Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE (STF, 2018, p. 3).
2.2 Identificação das normas que regulamentam a matéria
As normas que regulamentam a matéria em exame são de origem constitucional e trabalhista, tendo em vista que o acórdão recorrido supostamente desrespeito a cláusula de Reserva de plenário (cf, art. 97 e sv 10).
Outra norma, foi o art. 94 da lei 9.472/1997 (lei geral de telecomunicações) por órgão Fracionário com base na súmula 331 do TST, que trata da licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim baseada na ADPF 324 e RE 958.252, ambas julgadas pelo STF, no qual admitiu a ilicitude da terceirização por atividade-fim. O que é bem questionado na doutrina e será examinado de forma crítica neste trabalho.
2.3 Solução dada pelo Tribunal
O Ministro relator Alexandre de Moraes,através do seu voto no Recurso Extraordinário com Agravo n.º 791.932 de 11 de outubro de 2018, ressaltou inicialmente a parte recorrente entendia que o recorrido, ao decidir teria violado a Súmula Vinculante 10 do STF, tendo em vista não ter ocorrido declaração de inconstitucionalidade, pelo plenário do TST, dos arts. 25, § 1º, da Lei 8.987/1995 (Lei geral de concessões e permissões de serviços públicos) e 94, II, da Lei 9.472/1997 (Lei geral de telecomunicações), os quais autorizariam as concessionárias de telecomunicações a contratar, por meio de terceiros, uma gama de serviços, inclusive aqueles relacionados às atividades-fim.
O referido Ministro ainda trouxe um trecho do entendimento da 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, confirmando o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em que considerou ilícita a terceirização das atividades de serviços de telefonia, in verbis:
[…]
O recurso não merece processamento. De plano, esclareço que se mostra inservível a acenada ofensa à legislação infraconstitucional e o dissenso de teses, porque não se amoldam às hipóteses descritas no art. 896, § 6º, da CLT, para a admissibilidade do apelo revisional em rito sumaríssimo. Irrepreensível despacho agravado, consoante também se denota dos fundamentos da decisão de origem, ao assinalar que a reclamante, contratada pela primeira reclamada para atividades de call center, prestou serviços diretamente à tomadora dos serviços, em atividade-fim. Premissa fática suficiente para a manutenção do acórdão regional. A decisão regional está, portanto, em consonância com os itens I e III da Súmula 331/TST. Não há falar na indigitada afronta aos arts. 1º, IV, 5º, II, e 170, da Carta Magna, a qual, acaso houvesse, dar-se-ia de forma apenas reflexa, o que não autoriza o processamento da revista. De outra parte, incólumes os arts. 5º, XXXVI e 7º, XXVI, da Lei Maior, porquanto espelhado o entendimento de que o deferimento das vantagens constantes das normas coletivas dos empregados da tomadora dos serviços é mero consectário do reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a tomadora. Noutro giro, inaplicável a Súmula 374/TST, a qual trata de empregado integrante de categoria profissional diferenciada, caso diverso do ora examinado. Acresço, outrossim, que não se cogita, na hipótese, de declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de lei, e sim, de interpretação sistemática das normas pertinentes à matéria, a afastar a alegada contrariedade à Súmula Vinculante 10 do STF.” (STF, 2018, p. 5).
Como visto, o referido acórdão fundamentou sua decisão com base na Súmula 331, III, do TST, que veda a terceirização por atividade-fim, e ainda fundamentou com base no art. 94 da Lei 9.472/1997 (Lei geral de telecomunicações). Desta forma, ao considerar ilícita a terceirização dos serviços de call center, acabou afastando mesmo que parcialmente a vigência e eficácia do inciso II do art. 94 da Lei 9.472/1997. Assim, o fez em decorrência de entender que a Constituição Federal de 1988 veda a possibilidade de terceirização de atividade-fim, por ser mais prejudicial ao trabalhador do que ao empregador, ferindo princípios constitucionais.
Porém, segundo o Ministro Alexandre de Moraes:
A inconstitucionalidade total ou parcial de lei ou ato normativo estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial, sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (turma, câmara ou seção), em respeito à previsão do art. 97 da Constituição Federal (STF, 2018, p. 15).
Logo, a decisão proferida pelo acórdão recorrido, contrariou recente entendimento fixado pelo STF, mais precisamente em 30 de agosto de 2018, quando foi julgado a ADPF 324 (Rel. Min. Roberto Barroso) e o RE958.252 (Rel. Min. Luiz Fux), pois o acórdão recorrido fundamentou sua decisão com base na Súmula 331 do TST, que veda terceirização por atividade-fim, e as decisões elencadas acima foram contrárias, ou seja, o STF passou a entender que a terceirização por atividade- fim é lícita e possível, pois para a Suprema Corte, a Súmula 331 do TST, viola aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, através da seguinte Tese:
1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993 (STF, 2018, p. 16).
Não tem como confundir a terceirização de uma das etapas do fluxo de produção com a hipótese de ilícita intermediação de mão de obra, como o que ocorreu com o acórdão recorrido. Sobe os referidos fundamentos acima, o Min. Alexandre de Moraes, votou pelo conhecimento do agravo, bem como pelo provimento do Recurso Extraordinário a fim de declarar a nulidade da decisão do TST e restabelecer a sentença em que o juízo da 19ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG) havia afastado o reconhecimento de vínculo de emprego entre a operadora de telefonia e a atendente de call center. O voto do relator foi seguido pelos ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Marco Aurélio e Dias Toffoli.
Segue o voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes:
Eu encaminho voto no sentido agora trazido pelo Ministro Alexandre, inclusive no que concerne a essa previsão que já constava do antigo CPC – consta da Lei nº 9.868 a alteração do 481 do CPC – e agora devidamente incorporado ao Código, inclusive quanto à tese. Documento (STF, 2018, p. 21).
O Ministro Edson Fachin abriu divergência parcial para assentar que, no seu entendimento, não houve ofensa à cláusula de reserva de plenário. No entanto, acompanhou a conclusão do relator de aplicação imediata ao caso da tese sobre a licitude da terceirização. Seu voto foi seguido pela ministra Cármen Lúcia.
Para Fachin:
No caso concreto, sobre esse tema especificamente – e vou juntar a declaração de voto nesse sentido – eu tenho compreendido que, em circunstâncias como essa e outras similares, o que não há aqui é atividade que desborde da interpretação da legislação infraconstitucional. Portanto, não entendo ter havido ofensa à Súmula Vinculante 10. […] E, com a devida vênia do entendimento contrário, não depreendo ser cabível a esta Corte, sob a pretensão de identificar violação ao disposto no artigo 97 da Constituição, determinar o sentido constitucionalmente adequado à expressão “atividades inerentes”, como sinônima de atividade principal da empresa a terceirizar suas atividades (STF, 2018, p. 23).
Compreendeu inexistir violação ao artigo 97 da Constituição Federal quando o Tribunal Superior do Trabalho, ao promover interpretação dos artigos 94, II, da Lei nº 9.472/97, conjugada aos artigos 2º, 3º e 9º da CLT, para, juntamente com as circunstâncias fáticas do caso concreto, apontar a existência de terceirização ilícita com fraude contratual na hipótese concreta.
A Ministra Rosa Weber e o Ministro Ricardo Lewandowski ficaram vencidos integralmente ao votarem pelo não conhecimento do recurso. Para eles, para se chegar a conclusão diversa da do TST, seria necessária a análise da legislação infraconstitucional (Lei das Telecomunicações e CLT) e do conjunto fático-probatório.
Segue parte do voto do Ministro Ricardo Ricardo Lewandowski:
Aqui é investigada a possibilidade de recusa de aplicação do art. 94, II, da Lei 9.472/1997, em razão da invocação da Súmula 331/TST, sem observância da regra de reserva de plenário, constante do art. 97 da Constituição Federal (Tema 739). O art. 94, II, da Lei 9.472/1997, dispõe que a concessionária de serviços de telecomunicações poderá, observadas as condições e limites fixados pela agência setorial, “contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”. Ao que parece, e não nos caberia aqui interpretar a legislação infraconstitucional, o dispositivo mencionado autorizaria a contratação de terceiros para desenvolvimento das suas próprias atividades, desde que estejam de acordo com as condições e limites impostos pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. O TST entendeu que: (i) o acórdão de origem, reconhecendo a responsabilidade de empresa operadora de telefonia por obrigações trabalhistas, está em consonância com a Súmula 331/TST, que veda a contratação de empregados por empresa interposta; (ii) não é legítima a terceirização dos serviços de call center pelas empresas de telecomunicações; e (iii) não houve, no caso, declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de lei, apenas interpretação sistemática das normas pertinentes à matéria, o que afasta a incidência da Súmula Vinculante 10 (STF, 2018, p. 52-53).
Portanto, quanto à Súmula Vinculante 10, o referido Ministro entendeu que não há violação ao princípio da reserva de plenário (art. 97 da Constituição) porque o acórdão recorrido não declarou a inconstitucionalidade da Lei 9.472/1997, ou afastou a sua aplicação, apenas interpretou a legislação infraconstitucional aplicável à espécie, concluindo pela ilicitude na terceirização. Por isso, negou provimento ao agravo.
2.4 Discussão da solução dada pelo Tribunal com base na doutrina e em decisões divergentes e/ou convergentes
O processo que culminou com a liberação da terceirização da atividade-fim no Brasil tem início com os debates ocorridos no transcorrer da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, momento histórico cujo marco regulatório restringia-se ao Enunciado nº 256 do TST diante do vácuo legislativo existente (BARRETO, 2017).
Restringiu-se as hipóteses de contrato de prestação de serviços a terceiros, àqueles disciplinados nas Leis ns. 6.019/74 e 7.102/83, que tratam respectivamente do contrato temporário e dos serviços de vigilância, respectivamente, hipóteses de terceirização relacionadas a atividade-meio, permitindo à título de penalidade o reconhecimento do círculo de emprego diretamente com o tomador de serviço. O próprio Deputado Constituinte Augusto Carvalho, representante dos sindicatos dos bancários apresentou o Projeto de Lei n. 1.898/89 no sentido da proibição da terceirização (CORREIA; MIESSA, 2018).
Com pensamento neoliberalizantes, o Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) solicitou ao Ministério do trabalho e Emprego, que tinha a época como Secretário Executivo Antônio Anastasia, a apresentação do Projeto de Lei n. 4.302/98, propondo alterações na Lei do Contrato de Trabalho Temporário, durante as discussões nas Casas do Congresso Nacional, o Ministro Presidente do TST à época, Almir Pazzianotto, defendia a liberação da terceirização da atividade-fim, com a contrapartida da responsabilidade solidário do tomador do serviço (ALVARENGA, 2017).
Já em 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (LULA) solicitou a retirada da proposição em tramitação no Congresso por meio da mensagem presidencial n. 389/03, por tratar-se de um projeto de iniciativa do Poder Executivo, recusada pela Câmara Federal sob a justificativa de que àquela altura o projeto estaria incorporado à agenda parlamentar do país, possível inconstitucionalidade formada por vício de iniciativa, o objeto da ADI n. 5735 do Procurador Geral da República Rodrigo Janot, que discute outras questões de natureza substantiva diante do princípio da supremacia do texto Constitucional (BRAGHINI, 2017).
A esta altura, e diante da pressão exercida pelo movimento sindical, o Deputado Sandro Mabel apresentou novo projeto de lei a respeito da temática da terceirização, Projeto de Lei n. 4.330/04 (PLC n. 30/15 no Senado Federal), contudo, para Gaudêncio Torquato, a retomada e aprovação do Projeto anterior, que foi transformado na Lei n. 13.429/17, encontrou cenário econômico favorável a sua aprovação pela derrocada do “Petismo” e articulação das entidades patronais que intencionavam a modernização da legislação trabalhista a mais de 20 (vinte) anos, registrando o protagonismo da FIESP, FERBRABAN e CNJ (BRAGHINI, 2017).
No Brasil, diante da completa ausência de regulamentação e pelo fato da terceirização ser identificada como sinônimo de precarização das condições de trabalho, o TST por meio da Súmula n. 331 regulamentou a matéria de modo a tornar ilegal a contratação por empresa interposta, formando-se o vínculo de emprego diretamente com o tomador, exceto na:
Hipótese do trabalho temporário (item I) e na hipótese da “contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta” (item III), resguardando os direitos do trabalhador ao prever a responsabilidade subsidiária do tomador do serviço (item IV), com base no risco integral da atividade desenvolvida nos termos do art. 2º da CLT, ainda que no contexto do poder público, desde que nesta hipótese tenha sido evidenciada a culpa quanto no contexto do poder público, desde que nesta hipótese tenha sido evidenciada a culpa quanto à fiscalização ineficiente, independentemente do inadimplemento apresentado pela empresa de prestação dos serviços (CORREIA; MIESSA, 2018, p. 35).
A partir destes parâmetros, criou-se no Brasil o conceito de terceirização lícita e ilícita. E como regra geral, a Justiça do Trabalho sempre definiu e limitou a terceirização da seguinte forma: atividade-meio de apoio; atividade meio essencial; e atividade vocacional/atividade-fim.
A atividade-meio de apoio, já não agrega valor à produção ou ao negócio do tomador do serviço de forma direta, trata-se de um serviço necessário, mais não essencial (advocacia, refeitório, transporte de funcionário, limpeza e vigilância); já na atividade-meio essencial, o serviço é ligado operacionalmente ao negócio ou empreendimento, sem os quais a atividade não teria o produto final, fornecimento de insumos, ou alguma das etapas do processo produtivo, a empresa pode optar por produzir itens diretamente, contratar serviços e fornecer a matéria prima, ou adquiri-los no mercado, a exemplo dos componentes da montadora (chassi, pneu, volante etc. (GARCIA, 2017).
E por fim, a atividade vocacional/atividade-fim, está relacionada diretamente com o negócio, não deveria ser terceirizada, mas sim realizada diretamente pela empresa, consiste no know-how que lhe franqueia um diferencial competitivo, sua razão de existir, representados pela: tecnologia, desenvolvimento da marca e montagem (ALVARENGA, 2017).
A questão ideológica perfilhada pela discussão parlamentar está destacada na própria exposição de motivos do Projeto de Lei n. 4.330/04 que revela a necessidade premente da reformulação da legislação no Brasil, quanto a este procedimento de terceirização de parcela das atividades da empresa, de forma segmentada e específica, atendendo os anseios da empresa moderna em um ambiente empresarial de extrema competição, permitindo a reformulação da organização do trabalho.
Trata-se de requisito meramente formal, bastando que haja compatibilidade do serviço objeto do contrato de prestação e o objeto social da empresa, norma vazia de conteúdo, uma vez que a lei não explicita qualquer parâmetro para aferir a propalada especialização (CORREIA, 2018).
De qualquer forma, a comunidade jurídica foi surpreendida pela aprovação do Projeto de Lei n. 4.302/98, que tratava principalmente do Contrato Temporário, ao invés do novo marco regulatório da terceirização no Brasil convergindo e sintetizado por meio do Projeto de Lei n. 4.330/04, o qual restringia a terceirização às atividades de suporte e secundária, inviabilizada no âmbito do Poder Público, e, com responsabilidade solidária do serviço pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias
Como no Brasil, a doutrina a jurisprudência sempre debateram a respeito dos contornos da atividade-meio e atividade-fim, o que não é muito simples diante dos métodos avançados de organização empresarial, é necessária trazer alguns argumentos que possam identificar com uma mínima exatidão cada uma destas situações jurídicas, bem como indagar se a mesma foi efetivamente autorizada com a promulgação da Lei n. 13.429/17.
Diante da perspectiva, ou por meio da dinâmica do próprio processo produtivo a atividade-meio deve ser identificada como toda aquela que não seja indispensável à obtenção do resultado esperado, do produto ou serviço almejado, conceito ultrapassado diante da liberação da terceirização da atividade-fim no Brasil (DELGADO, 2017).
Deve-se destacar, até então, a inexistência de um marco legal que venha autorizar a terceirização da atividade-fim da empresa, ou ainda de delinear os limites objetivos da sua distinção com a atividade-meio, o que sempre foi considerado como fonte inesgotável de insegurança jurídica, considerando a possibilidade do tomador do serviço vir a ser condenado em danos morais coletivos.
Interessante o conceito de atividade-fim, analisada pela perspectiva, da atividade da agroindústria da cana-de-açúcar na ACP n. 0000994-89.2013.5.15.0079, pelo Juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, para quem:
Destarte, ainda que interessante o engenhoso método de dissociar atividade principal de atividades secundárias, empreendido pela ré em sua defesa, no caso concreto essa distinção não se aplica. É dizer, dadas as peculiaridades do processo produtivo de açúcar e álcool, não há como dissociar as atividades de plantio, colheita, carregamento e inclusive transporte da cana-de-açúcar, da atividade de fabricação dos produtos industrializados. Com efeito, a primeira noção conceitual de “empresa” provém da teoria econômica, sendo maciça a corrente doutrinaria de referida ciência que assevera trata-se da entidade responsável por organizar os fatores de produção (grosso modo, capital, trabalho ou mão de obra e tecnologia) com o desiderato de realizar uma atividade produtiva ou econômica. Não se concebe, portanto, a empresa como unidade gestora de um ou somente parte dos fatores de produção(em suma, capital, trabalho e tecnologia), pois o processo produtivo não se completa, não se alcançam os fins de produção, distribuição e consumo de bens e serviços se tão somente empregarmos somente um ou uma parte dos fatores de produção. Por conseguinte, empresa só pode ser como tal considerada se tiver atuação integra, unitária, ou seja, responsabilizar-se pela integralidade do processo produtivo, controlando de alguma forma todos os fatores de produção. […] Ninguém seria contra a terceirização ou a simples contratação de pessoa ou empresa interposta se a intenção da contratante fosse única e singelamente transferir parte de seu processo produtivo a terceiros mais especializados, como falaciosamente, data vênia, pregam os que defendem a terceirização (BRAGHINI, 2017, p. 194).
Como contraponto a todos os estratagemas empresariais no sentido de atenuar a distinção entre atividade-meio e atividade-fim, com intuito fraudulento de afastar a responsabilização trabalhista, subvertendo por meios abusivos, na acepção jurídica, a finalidade social presente na legislação protetiva, a doutrina e jurisprudência passaram a admitir a hipótese da subordinação estrutural.
No caso cogita-se se a subordinação estrutural perde força diante da liberalização da terceirização da atividade-fim, ou poderá ser revitalizadora nas hipóteses e situações de flagrante abusividade, atenuando o rigor normativo, ou sua desconexão com os fatos sociais envolvidos, e certamente, como fortalecimento do próprio princípio da primazia da realidade (SOUZA, 2017).
A responsabilidade estrutural permite o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a empresa responsável por todas as etapas da atividade econômica, vinculadas ou inseridas de forma permanente e integrativa a atividade principal do tomador do serviço, que gera a necessidade da contratação das demais empresas de prestação de serviço, o que perde força a autorização legal da terceirização da atividade-fim, a tese tem lastro na própria subordinação objetiva, em que a intensidade das ordens recebidas pelo empregado perde força diante da concepção da integração da sua prestação de serviço nos fins da empresa (BARRETO, 2017).
Delgado traça um paralelo entre a dimensão clássica da subordinação, que enaltece o aspecto meramente subjetivo, com a pretensa objetivação desta mesma subordinação:
A distinção estaria na “intensidade das ordens do tomador de serviços”, razão pela qual formula concepção da subordinação estrutural na hipótese de captar no campo da discricionariedade normativa a criação de uma realidade artificial com a única intenção de fraudar a proteção decorrente da aplicação do modelo de normatização justrabalhista (DELGADO, 2017, p. 305).
Para o referido autor, a inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento, em uma dimensão própria da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize ou não aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas da especificas chefias deste. O fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços.
No caso, o trabalhador pode realizar tanto atividade-meio como atividade-fim do tomador de serviços, será, porém, subordinado caso se ajuste, estruturalmente, ao sistema organizacional e operativo da entidade tomador de serviços, absorvendo sua cultura e sua lógica empresarial durante o ciclo de prestação de seu labor e, na medida dessa aculturação, seu poder direcionador e dirigente (GARCIA, 2017).
Deve-se observar que não é nova a ideia da divisão do trabalho proposta por Adam Smith à época da 1ª Revolução Industrial, ganhos de eficiência com a especialização decorrente da fragmentação do próprio processo produtivo, descentralização da unidade econômica empresarial.
Na própria petição inicial da ADI n. 5.735 de autoria da PGR, questionando a inconstitucionalidade material da Lei n. 13.429/17 que supostamente autoriza a terceirização da atividade-fim no Brasil, o Procurador Geral da República Rodrigo Janot questiona a própria interpretação sistemática dos arts. 4º-A e 5º-A, que apenas admite a contratação de “serviços determinados e específicos”, positivação que não permite a conclusão de que a nova legislação aboliu os limites à terceirização, permitindo a ampla subcontratação dos serviços empresariais, norma polissêmica decorrente da predileção a um termo vago, que no mínimo passa a exigir uma interpretação conforme a Constituição (BRAGHINI, 2017).
Mesmo porque, ao disciplinar o trabalho temporário de forma específica no art. 9º, § 3º, expressamente autoriza “desenvolvimento de atividade-meio e atividade-fim” da empresa tomadora do serviço, interpretação sistemática que sugere soluções distintas para cada uma das situações jurídicas com dinâmica própria.
Tanto que esta possibilidade já constava da construção jurisprudencial do item I da Súmula n. 331 do TST, distinção da locação de serviço submetida ao poder diretivo do tomador do serviço no trabalho temporário, com o objetivo da terceirização propriamente dito, revelado pela prestação de serviço a empresa interposta com a possibilidade de transposição do resultado útil, via objeto do contrato de prestação de serviço, ao tomador do serviço contratante (CASSAR, 2018).
Desta forma, há dúvidas reais de que a Lei n. 13.429/17 tenha efetivamente autorizado a terceirização da atividade-fim de forma deliberada, motivo pelo qual esta matéria foi retomada por meio do substitutivo apresentado pelo Deputado Rogério Marinho ao Projeto de Lei n. 6.787/16 que trata da Reforma Trabalhista.
A questão da liberalização da terceirização da atividade-fim não se encerra com a promulgação da Lei n. 13.429/17, ou mesmo, com a sanção Presidencial da Reforma Trabalhista, uma vez que os requisitos formais exigidos pela nova lei não foram observado nas situações jurídicas constituídas, ou seja, como fato gerador anterior a sua entrada em vigor, ficando em aberto a questão relativa irretroatividade dos efeitos da lei nova, diante da aplicação do art. 5º, XXXVI, da CF c/c art. 6º da LINDB, já que o texto da Súmula n. 331 do TST era claro quanto a sua vedação.
Deve-se registrar que a possibilidade da terceirização da atividade-fim, antes da vigência do novo marco regulatório, encontra-se sub judice no STF, por meio do ARE n. 713.211 de relatoria do Ministro Luiz Fux, e ADPF n. 324 de relatoria do Ministro Luiz Roberto Barroso, atacando a validade da Súmula n. 331 do TST (BRAGHINI, 2017).
Para o Ex-Ministro do TST Paulo Teixeira Manus há uma expectativa de decisão no STF que acabe com a restrição da terceirização apenas da atividade-meio, mesmo porque por meio de decisão cautelar do Ministro Dias Toffoli na Reclamação n. 11.275, foi suspensa decisão do TRT da 14ª Região que declarou a inconstitucionalidade do art. 25, § 1º, da Lei n. 8.987/95 que permite a terceirização de atividade inerente no âmbito da concessão de serviço público, devendo nas palavras do Regional, ser observadas as mesmas regras do regime de direito privado, violação da cláusula da reserva de plenário do art. 997 da CF (Súmula Vinculante n. 10 do STF) (BRAGHINI, 2017).
No entendimento do STF, através da ARE n. 713.211 – Relator Ministro Luiz Fux, de repercussão geral. Discute-se a legalidade da terceirização da atividade-fim, sob o fundamento da livre-iniciativa (art.170 da CF), princípio da legalidade segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo sem prestação de serviços poderá a abranger toda e qualquer atividade licita (art. 104, II, c/c art. 594 do CC), e com a promulgação do Projeto de Lei n. 4.302/98 em 2017, não haveria propriamente a perda do objeto da ação, diante da necessidade de ser esclarecidas as questões de direito intertemporal pela irretroatividade da lei nova, que autoriza a terceirização da atividade-fim (CASSAR, 2018).
Ao restringir as hipóteses de terceirização em relação à atividade-fim do tomador do serviço, estar-se-á por interferir no direito fundamental da livre-iniciativa, na liberação de contratar do art. 5º, II, da CF, uma vez que é capaz de esvaziar a liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entenda ser a mais eficiente.
Contudo, vale o alerta feito por Sarmento a respeito da construção da eficácia horizontal dos direitos fundamentais:
Não sendo correta a solução simplista de transplantar o particular para a posição de sujeito passivo dos direitos fundamentais, equiparando o seu regime jurídico ao dos Poderes Públicos, pois o indivíduo diversamente do Estado também é titular de direitos fundamentais, e está investido pela própria constituição em um poder de autodeterminação dos seus interesses privados (SARMENTO, apud BRAGHINI, 2017, p. 195).
Em princípio, não há qualquer ilegalidade na prática da terceirização, especialmente, diante do próprio conteúdo do princípio da legalidade previsto no art. 5º, II, da CF, segundo o qual na seara privada “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988).
O próprio princípio fundamental da livre-iniciativa assegura como direito igualmente fundamental autodeterminação dos agentes privado no mercado de bens e serviços (autonomia da vontade), e o art. 594 do CC admite a contratação de qualquer espécie de serviço ou trabalho lícito: “Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição” (BRASIL, 2002).
Para Figueiredo o princípio da livre-iniciativa:
Impede que o Estado venha a restringir o exercício da atividade econômica, salvo nos casos indispensáveis a proteção do consumidor e da própria sociedade. O mesmo deve ser considerado como corolário do liberalismo econômico de Adam Smith, devidamente mitigados pelos próprios textos constitucionais, haverá então a liberdade de ingresso e exclusão do mercado, sem quaisquer interferências externas, não havendo mais espaço à máxima do Laissez-faire, laissez-passer, o Estado passa a atuar como agente normativo e regulador de sua Ordem Econômica (política antitruste americana) (FIGUEIREDO, 2014, apud MARTINS, 2015, p. 73).
Pelo princípio da subsidiariedade, a intervenção Estatal somente se fará presente onde for necessária, havendo a autorregulação do mercado nos nichos da economia onde sua presença não se faça necessária. Nas constituições de cunho social, sejam estas de caráter intervencionista (social) ou neoliberal (reguladora), haverá a possiblidade de limitar o campo de atuação dos direitos e garantias individuais (aplicabilidade imediata) no plano infraconstitucional, quando evidenciado o interesse da coletividade (CORREIA, 2018).
Porém, não significa que o Estado não possa regular a atividade econômica, impondo requisitos para o seu exercício racional, interpretação sistemática do texto constitucional, de forma a garantir a efetividade das medidas tomadas no contexto do poder de polícia administrativa.
Diante das perspectivas contemporâneas no sentido da relativização do princípio da legalidade, seja pelo protagonismo do Poder Judiciário ao extrair normas de conduta do próprio texto constitucional por meio do ativismo judicial, seja pela oxigenação dos códigos por meio dos preceitos jurídicos indeterminados, com a inserção do elemento ético no plano da normatização, vale notar a necessidade da revalorização do valor segurança jurídica, que decorre da densidade normativa imposta pela legalidade, como forma de permitir a viabilidade das relações sociais.
Desta forma, segundo Calcini preserva-se:
Preservando, segundo Fábio os aspectos da cognoscibilidade, o conhecimento da regra pelo seu destinatário, um Estado que venha permitir a exata compreensão das mudanças a serem feitas e quais aqueles que não podem ser realizadas; e, calculabilidade, possibilidade de identificar como e quando as mudanças podem ser feitas, evitando o efeito surpresa (CALCINI, 2016, apud BRAGHINI, 2017, p. 195).
Neste contexto, haverá a necessidade de discutir os contornos da nova legalidade que permita e revitalização do princípio no sentido de estabelecer os limites da sua pretensa flexibilização.
Logo, a lei representa a garantia máxima de liberdade e independência do indivíduo perante a própria sociedade, e na esteira do pensamento pós-moderno não há uma exata preocupação com a garantia fundamental da legalidade, pois, segundo Barreto (2017) advoga-se ostensivamente a supremacia de valores abstratos, por engenhosas e enigmáticas formulas puramente verbais, que simplesmente anulam a importância do direito legislado, permitindo a predominância de tendenciosas posições ideológicas, sem preceitos claros e precisos que a demonstram genericamente.
A pluralidade da sociedade contemporânea admite uma pluralidade de concepções de mundo e valores, gerando uma enorme divergência quanto ao modo de sua realização, independentemente da justiça abstrata da decisão, necessidade de uma solução que ponha fim aos infindáveis conflitos de interesse.
O que permite reafirmação do contrato social de Rousseau como elemento de coesão do tecido social, reservando espaço ao Poder Legislativo no próprio texto constitucional à medida que nada poderá ser exigido senão em virtude de lei, independentemente de sua crise de legitimidade (CORREIA; MIESSA, 2018).
Por meio da nota técnica n. 3, de 23 de janeiro de 2017, o Ministério Público do Trabalho (MPT) manifestou-se no plano institucional, no sentido da inconstitucionalidade da terceirização da atividade finalística do tomador do serviço, uma vez que além da imoralidade da intermediação da mão de obra, a sua viabilidade econômica estaria intrinsecamente ligada a sonegação de direitos trabalhistas:
Uma vez que o valor final do contrato celebrado deve embutir o lucro da empresa de intermediação do serviço, um arranjo artificial que viola a regra do art. 7º, caput, da CF que veda o retrocesso social a partir da garantia de melhores condições sociais ao trabalhador, e que o trabalho não de ser visto como uma mercadoria, havendo a negação da função social do contrato e da propriedade. (BRAGHINI, 2017, p. 197).
Ainda de acordo com MPT, o projeto transforma o trabalho humano em mera mercadoria, ao permitir a quarteirização, uma cadeia infindável de subcontratações que subverte a lógica disseminada da especialização, e contratação de trabalhadores como pessoa jurídica, no caso empresa individual, representa a legalização do fenômeno conhecido como “prejotização”.
Não assegurando tratamento isonômico entre os empregados da empresa prestadora e tomadora dos serviços, o projeto de lei retrocede em relação ao posicionamento jurisprudencial já sedimentado por meio do texto da OJ n. 383 da SDI-1 do TST, isonomia das disposições legais e normativas asseguradas aos trabalhadores da empresa tomadora do serviço, desde que possa ser caracterizada no caso concreto a “igualdade de funções”, praticas que estimulam um regime concorrencial predatório, inibindo a formação de um mercado interno saudável (DELGADO; DELGADO, 2017).
Ademais, a responsabilidade solidária, extremamente limitada a um conjunto restrito de matérias, é regra que se infirma a partir da interpretação os art. 932, III, 933 e 942 do CC, em matéria relativa ao meio ambiente do trabalho decorre do art. 200, inciso VIII, da CF c/c art. 17 da Convenção n. 155 da OIT (ratificada pelo Decreto n. 1.254/94).
Com ajuizamento da ADIN n. 5.735 pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot, em 27 de junho de 2017, questionando a inconstitucionalidade material da Lei n. 13.429/17, ressalta que a relação de emprego no contexto da triangulação da terceirização imprime profunda fragilidade jurídica e social, diante da previsão no art. 7º, inciso I, da CF de uma relação de emprego protegida, fazendo um prognóstico da intenção deliberada da precarização dos direitos trabalhistas, regra constitucional que deve ser analisada conjuntamente com o caput que enuncia a existência de um rol mínimo de direitos fundamentais, sem exclusão de outros que visem a melhoria de sua condição social, permitindo a progressividade da proteção social (BRAGHINI, 2017).
O que a contrário sensu permite a conclusão a respeito da vedação do retrocesso social (princípio do não retrocesso social), tudo isso, sem negar a realidade histórico-cultural da construção da doutrina social ao longo do século XX. Logo, está-se diante de um regime constitucional de emprego socialmente protegido.
É possível citar a Recomendação n. 198 da OIT, relevante fonte material de direito do trabalho nas palavras de Correia que:
Perfilha entendimento no sentido do combate as relações de emprego dissimuladas no contexto empresarial moderno, utilizando-se de uma estruturação contratual complexa que promova a supressão do status legal revelado pelo conceito de ordem pública (item 4.3), com o fomento do conceito de trabalho que promova a efetiva integração do trabalhador na organização da empresa (13-A) (CORREIA, 2018, p. 344).
O princípio do não retrocesso social é igualmente direcionado ao intérprete e legislador, com densidade estruturada a partir da aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, da CF) das disposições constitucionais fundamentais e pela disposição de um catálogo de proteção progressiva (arts. 1º ao 3º as CF), a supressão de disposição trabalhista de caráter fundamental, leia-se revogação pelo legislador infraconstitucional, não deve ser feita sem qualquer forma de compreensão, não obstante as justificativas lançadas na exposição de motivos do substitutivo apresentado a Reforma Trabalhista na Câmara dos deputados.
Segundo Canotilho:
O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado por meio d medidas legislativas deve considerar-se esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado (CANOTILHO, 2002, apud ALVARENGA, 2017, p. 24).
Assim, deve-se aguardar qual será o posicionamento dos Tribunais em relação à inconstitucionalidade de alguns pontos da lei de terceirização, sem descuidar da atenção necessária à segurança jurídica e legalidade diante de uma intervenção tardia do Poder Judiciário, pela sua própria morosidade, diante dos impactos sociais da vivencia da terceirização da atividade-fim, o que seria resolvido de forma incompleta pelo instrumento da modulação dos efeitos decisórios.
A previsão de terceirização apenas nas atividades-meio ou secundárias da empresa constante na Súmula n.º 331 do TST, exercia importante função de preservar os empregos nas atividades principais das empresas, pois, era vedada a terceirização na atividade-fim, como já analisado nesta pesquisa.
Desta forma, com a Lei n.º 13.467/2017, permitiu-se expressamente a contratação de empregados terceirizados em todas as funções da empresa. Essas modificações poderão ocasionar a perda de empregos em empresas que desejarem contratar empresas terceirizadas ao invés da contratação direta, bilateral e clássica. Esse modelo ocasiona a precarização das relações de trabalho, pois, para se assegurar lucro as duas empresas (empresa de prestação de serviços a terceiro e contratante) será necessário reduzir os salários dos trabalhadores (CORREIA, 2018).
Por maioria de votos (7 a 4), o STF decidiu pela constitucionalidade da terceirização de todas as etapas do processo produtivo das empresas, inclusive, das atividades-fim. O julgamento de dois processos – ADPF 324 e RE 958.252 – sobre o tema foi finalizado nesta quinta-feira, 30, após cinco sessões.
Prevaleceu o entendimento dos relatores, ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Para o ministro Barroso, as restrições que vêm sendo impostas pela Justiça do Trabalho à terceirização violam os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica. Na mesma linha, o ministro Luiz Fux afirmou que a súmula 331 do TST, que veda a terceirização nas atividades-fim, é uma intervenção imotivada na liberdade jurídica de contratar sem restrição.
O tema que teve repercussão geral reconhecida no ARE 791932 foi a possibilidade de recusa de aplicação do dispositivo da Lei Geral das Telecomunicações em razão da invocação da Súmula 331 do TST sem observância da regra de reserva de plenário. A regra, prevista no artigo 97 da Constituição da República e reiterada na Súmula Vinculante 10 do STF, estabelece que a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial. No caso, a decisão objeto do recurso foi proferida pela Primeira Turma do TST, e não pelo Órgão Especial.
A consequência lógica do reconhecimento da violação da SV 10 seria a devolução do processo ao TST para que proferisse nova decisão por meio de seu Órgão Especial. No entanto, o ministro Alexandre de Moraes assinalou que, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, o STF considerou inconstitucional a Súmula 331 do TST e fixou a tese de que é lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, afastando a configuração de relação de emprego entre a tomadora de serviços e o empregado terceirizado. Dessa forma, não há como se confundir a terceirização de uma das etapas do fluxo de produção com a hipótese de ilícita intermediação de mão de obra, como fez o acórdão recorrido.
3 CONCLUSÃO
O instituto da terceirização é a forma de flexibilização dos direitos trabalhistas mais utilizada pelas empresas, objetivando a redução de custos e aumento da produção através da descentralização das atividades do empreendimento. A legislação acerca da terceirização se mostrava esparsa e insuficiente para regular a matéria, o que possibilitava às empresas se aproveitarem da situação de falta de parâmetros, para contratar trabalhadores em condições, por vezes, subumanas de labor.
A Lei nº 13.429/2017, trouxe ao Brasil um regramento sistematizador do instituto da terceirização. A referida norma promoveu alterações aos dispositivos da Lei nº 6.019/1974, que trata sobre o trabalho temporário, passando também a regulamentar, como novidade, as relações de trabalho praticadas no âmbito das empresas de prestação de serviços a terceiros.
A realidade no mundo do trabalho impôs novas formas de contratação, e a terceirização da mão de obra foi uma solução, ainda que em prejuízo ao trabalhador, escolhida pelo empresariado mundial em geral, e no Brasil em particular, agora sob o manto legal da recente lei aprovada, de legalidade duvidosa, mas que deve impor novo ritmo, nas contratações. O empresário mais cauteloso, certamente aguardará o desenrolar.
No Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 791932, com repercussão geral reconhecida, que trata da possibilidade de terceirização do serviço de call center de empresas de telefonia. Por maioria, os ministros decidiram aplicar ao caso a tese já firmada pela Corte sobre a matéria, que considera lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo.
Entende-se que a posição encontrada no estudo de caso não é a mais correta, isto porque a terceirização provoca a redução dos salários com aumento de jornada de trabalho e péssimas condições de trabalho, o que se traduz em uma afronta aos direitos trabalhistas conquistados historicamente e garantidos pela Constituição Federal de 1988. Não se poderia exigir que a Súmula 331 do TST cumprisse o papel normativo delegado às leis, sendo premente que o legislador se insurgisse de sua posição inerte e criasse uma lei que normatizasse a terceirização trabalhista no Brasil.
A precarização que se anunciava, continuará a existir, agora em larga escala. Caberá ao intérprete da lei, fazer valer os direitos dos trabalhadores, impedindo que a lei, votada sem nenhuma discussão nas últimas décadas, fruto de uma manobra política ardilosa, encontre um freio jurídico, inclusive por meio dos princípios que protegem o trabalhador e inspiraram a criação da Justiça do Trabalho.
A realidade no mundo do trabalho impôs novas formas de contratação, e a terceirização da mão de obra foi uma solução, ainda que em prejuízo ao trabalhador, escolhida pelo empresariado mundial em geral, e no Brasil em particular, agora sob o manto legal da recente lei aprovada, de legalidade duvidosa, mas que deve impor novo ritmo, nas contratações. O empresário mais cauteloso, certamente aguardará o desenrolar.
4 REFERÊNCIAS
ALVARENGA, Rúbia Zanotello. Terceirização e o Direito do Trabalho. 2017. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/wp-content/uploads/2017/03/terceirizacaodireito-trabalho.pdf. Acesso em: 10 mar. 2019.
BARRETO, Glaucia. Curso de Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2017.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Ltr, 2016.
BRAGHINI, Marcelo. Reforma Trabalhista: Flexibilização das Normas Sociais do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr; 2017.
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______. Código Civil brasileiro: Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 mar. 2019.
______. Lei 13.429 de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm> Acesso em: 10 mar. 2019.
______. Súmula 331 TST. Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. Disponível em:<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html.> Acesso em: 10 mar. 2019.
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