ENTRE O MEDO E A ESPERANÇA: SENTIMENTOS DE MULHERES GRÁVIDAS COM DIAGNÓSTICO DE COVID-19 DURANTE O PARTO EM UMA MATERNIDADE PÚBLICA DA AMAZÔNIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202508180939


Profa. Dra Valdelize Elvas Pinheiro1
Claudia Paulina da Silva Monteiro2


Resumo

A pandemia de Covid-19 impôs desafios inéditos à saúde pública mundial, afetando de forma significativa a experiência da gestação e do parto. No Brasil, onde o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta limitações históricas, mulheres grávidas diagnosticadas com Covid-19 vivenciaram o momento do parto em um cenário de incertezas, medo e sobrecarga emocional. Este artigo tem como objetivo investigar os sentimentos predominantes vivenciados por gestantes com diagnóstico positivo para Covid-19 durante o parto, em uma maternidade pública localizada no interior da Amazônia. A pesquisa parte da compreensão de que o parto é um evento singular, carregado de significados emocionais, e que, em tempos de crise sanitária, esses significados são atravessados por fatores como isolamento social, escassez de recursos hospitalares, ausência de acompanhantes e insegurança quanto à evolução clínica da doença. A metodologia adotada foi qualitativa, com entrevistas semiestruturadas realizadas com puérperas atendidas entre março e junho de 2020, período crítico da pandemia. Os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo, permitindo a identificação de categorias como medo, frustração, solidão, esperança e gratidão. A revisão bibliográfica contempla estudos publicados entre 2010 e 2025, com destaque para autores que abordam a saúde emocional da gestante, a atuação da enfermagem obstétrica e os impactos da pandemia sobre o cuidado materno. Os resultados apontam que o diagnóstico de Covid-19 intensificou sentimentos negativos já presentes na experiência do parto, mas também revelou estratégias de resiliência e acolhimento promovidas por profissionais de saúde. Conclui-se que a escuta qualificada, o suporte emocional e a humanização da assistência são elementos fundamentais para mitigar os efeitos psicoemocionais da pandemia sobre gestantes. O artigo propõe ainda direções para estudos futuros que aprofundem a relação entre saúde mental materna e contextos de crise, contribuindo para o aprimoramento das práticas obstétricas no SUS.

palavras-chave: covid-19, gestação, sentimentos maternos, parto humanizado

Abstract

The Covid-19 pandemic has posed unprecedented challenges to global public health, significantly affecting the experience of pregnancy and childbirth. In Brazil, where the Unified Health System (SUS) faces historical limitations, pregnant women diagnosed with Covid-19 experienced childbirth in a context marked by uncertainty, fear, and emotional overload. This article aims to investigate the predominant feelings experienced by pregnant women with a positive Covid-19 diagnosis during childbirth in a public maternity hospital located in the interior of the Amazon region. The research is based on the understanding that childbirth is a unique event, emotionally charged, and that in times of health crisis, these emotions are shaped by factors such as social isolation, lack of hospital resources, absence of companions, and insecurity regarding the clinical progression of the disease. The methodology adopted was qualitative, with semi-structured interviews conducted with postpartum women attended between March and June 2020, a critical period of the pandemic. Data were analyzed using content analysis, allowing the identification of categories such as fear, frustration, loneliness, hope, and gratitude. The literature review includes studies published between 2010 and 2025, highlighting authors who address maternal emotional health, obstetric nursing, and the impact of the pandemic on maternal care. The results indicate that the Covid-19 diagnosis intensified negative feelings already present in the childbirth experience, but also revealed resilience strategies and emotional support provided by health professionals. It is concluded that qualified listening, emotional support, and humanized care are essential elements to mitigate the psycho-emotional effects of the pandemic on pregnant women. The article also proposes directions for future studies that deepen the relationship between maternal mental health and crisis contexts, contributing to the improvement of obstetric practices within SUS.

keywords: covid-19, pregnancy, maternal feelings, humanized childbirth

Introdução

A gestação é, por excelência, um período de intensas transformações físicas, emocionais e sociais na vida da mulher, marcado por expectativas, medos, desejos e projeções sobre o futuro. Trata-se de uma experiência singular, que mobiliza não apenas o corpo, mas também a subjetividade da gestante, exigindo da rede de apoio e dos profissionais de saúde uma escuta sensível e uma assistência integral que contemple as dimensões biopsicossociais envolvidas. O momento do parto, por sua vez, representa o ápice desse processo, sendo vivenciado como um rito de passagem que pode ser permeado por sentimentos de empoderamento, vulnerabilidade, dor, alívio e amor. Em contextos de normalidade, esses sentimentos já se manifestam de forma complexa e multifacetada; em tempos de crise sanitária, como a pandemia de Covid-19, essa complexidade é amplificada por fatores externos que interferem diretamente na vivência da mulher.

A pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), declarada pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020, provocou uma reconfiguração abrupta dos sistemas de saúde em todo o mundo, expondo fragilidades estruturais, sobrecarregando serviços hospitalares e exigindo adaptações emergenciais nas práticas assistenciais. No Brasil, país marcado por profundas desigualdades sociais e por um sistema público de saúde historicamente subfinanciado, os impactos da pandemia foram particularmente severos, afetando de forma desproporcional populações vulneráveis, entre as quais se incluem as gestantes. A escassez de leitos, a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a suspensão de visitas e acompanhantes, e o medo do contágio transformaram o ambiente hospitalar em um espaço de tensão e insegurança, comprometendo a qualidade da assistência e intensificando os sentimentos de angústia e solidão entre as mulheres em trabalho de parto.

Em maternidades públicas do interior da Amazônia, como a unidade localizada no município de Itacoatiara/AM, esses desafios foram ainda mais acentuados pela limitação de recursos, pela distância dos grandes centros urbanos e pela dificuldade de acesso a informações atualizadas sobre protocolos de atendimento. Gestantes diagnosticadas com Covid-19, ao serem admitidas para o parto, enfrentaram não apenas os riscos clínicos associados à doença, mas também o peso emocional de vivenciar esse momento em um cenário marcado pela incerteza, pelo isolamento e pela ausência de garantias sobre a evolução de seu quadro de saúde e o bem-estar do recém-nascido. A experiência do parto, que em condições ideais deveria ser cercada de acolhimento, segurança e protagonismo feminino, passou a ser atravessada por sentimentos de medo, frustração, impotência e, em alguns casos, esperança e gratidão pela sobrevivência.

A literatura científica aponta que o diagnóstico de Covid-19 durante a gestação pode intensificar sintomas de ansiedade, depressão e estresse, especialmente quando não há suporte emocional adequado ou quando a mulher se encontra em situação de vulnerabilidade social. Estudos realizados em diferentes países indicam que a pandemia afetou negativamente a saúde mental das gestantes, aumentando os índices de sofrimento psíquico e comprometendo a qualidade da experiência materna. No Brasil, embora existam diretrizes do Ministério da Saúde que orientam o cuidado obstétrico em tempos de pandemia, a implementação dessas recomendações enfrenta obstáculos práticos, como a falta de capacitação das equipes, a sobrecarga dos serviços e a ausência de protocolos específicos para o acolhimento emocional das parturientes.

Diante desse cenário, torna-se urgente investigar como as mulheres grávidas diagnosticadas com Covid-19 vivenciaram o momento do parto em maternidades públicas, especialmente em regiões periféricas e interioranas, onde os desafios estruturais se somam às dificuldades impostas pela pandemia. Compreender os sentimentos predominantes nesse contexto é fundamental para aprimorar as práticas assistenciais, promover a humanização do parto e garantir que o cuidado obstétrico seja, de fato, centrado na mulher e em suas necessidades. A escuta qualificada, o suporte emocional e a valorização da subjetividade da gestante devem ser elementos estruturantes da assistência, mesmo — e sobretudo — em tempos de crise.

Este artigo tem como objetivo investigar os sentimentos vivenciados por mulheres grávidas diagnosticadas com Covid-19 durante o parto, em uma maternidade pública localizada no município de Itacoatiara/AM, no período de março a junho de 2020. A pesquisa parte da premissa de que o parto é uma experiência emocionalmente intensa, e que o contexto pandêmico alterou significativamente a forma como essa experiência foi vivida pelas gestantes. A metodologia adotada é qualitativa, com entrevistas semiestruturadas realizadas com puérperas que testaram positivo para Covid-19, e análise de conteúdo para identificação das categorias de sentimento predominantes. A revisão bibliográfica contempla autores reais e estudos publicados entre 2010 e 2025, com foco na saúde emocional da gestante, na atuação da enfermagem obstétrica e nos impactos da pandemia sobre o cuidado materno.

2. Revisão conceitual 

Cargnin et al. (2025), em estudo publicado na Revista Enfermagem UERJ, investigaram os sentimentos de mulheres que gestaram durante a pandemia de Covid-19, com foco na experiência emocional vivida em meio ao isolamento social e às mudanças nos serviços de saúde. 

A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada com 16 mulheres no município de Maringá, Paraná, entre junho e outubro de 2023, utilizando entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo com apoio do software IRaMuTeQ. Os resultados revelaram sentimentos predominantes de frustração, medo e insegurança, especialmente relacionados à escassez de informações sobre a doença, à ausência de acompanhantes no parto e à dificuldade de acesso aos serviços de saúde. As participantes relataram que o diagnóstico de Covid-19 intensificou o medo do desfecho gestacional, gerando angústia quanto à saúde do bebê e à própria evolução clínica.

O estudo destaca que o ambiente hospitalar, em vez de representar segurança, passou a ser percebido como um espaço de risco, o que comprometeu a vivência positiva do parto.

Cargnin et al. (2025) reforçam a importância da escuta qualificada e do acolhimento emocional por parte da equipe de saúde, especialmente da enfermagem obstétrica, como estratégia para mitigar os efeitos psicoemocionais da pandemia sobre as gestantes. A pesquisa contribui para a compreensão dos impactos subjetivos da crise sanitária e aponta para a necessidade de protocolos que incluam o cuidado emocional como parte integrante da assistência obstétrica.

Barcellos et al. (2025), em artigo publicado na revista Saúde em Debate, analisaram os impactos da pandemia de Covid-19 sobre a vivência da gestação e as condições de cuidado de mulheres em diferentes regiões do Brasil. A pesquisa qualitativa foi realizada com 31 mulheres que gestaram entre 2020 e 2021, utilizando entrevistas narrativas para compreender como o contexto sanitário e social afetou suas experiências. 

Os resultados indicam que o medo, a insegurança, a solidão e a sobrecarga emocional foram sentimentos recorrentes, agravados pela desinformação e pela ausência de políticas públicas eficazes. As participantes relataram dificuldades no acesso ao pré-natal, interrupção de consultas, ausência de acompanhantes e sensação de abandono institucional. O estudo também evidenciou que mulheres negras e periféricas foram mais afetadas, enfrentando maior letalidade e menor acesso a cuidados intensivos. 

Barcellos et al. (2025) destacam que a pandemia revelou e aprofundou as iniquidades sociais e raciais na assistência obstétrica, comprometendo a saúde mental das gestantes e exigindo respostas mais sensíveis e inclusivas por parte do sistema de saúde. A pesquisa reforça a necessidade de políticas públicas que garantam o direito ao parto seguro e humanizado, mesmo em contextos de crise.

Moreira (2023), em dissertação defendida na Universidade Federal da Bahia, investigou as vivências de mulheres com diagnóstico de Covid-19 durante a gestação, com foco nas experiências psicoemocionais e na assistência recebida. O estudo foi realizado em uma maternidade pública de Salvador, com oito mulheres internadas entre março de 2020 e março de 2022. A análise de conteúdo revelou que o diagnóstico de Covid-19 foi percebido como um evento estressor adicional, que se somou às alterações físicas e emocionais próprias da gestação. As participantes relataram sentimentos de medo, ansiedade, tristeza e impotência, especialmente diante da possibilidade de complicações para o bebê e da ausência de familiares no momento do parto. Moreira (2023) destaca que a pandemia comprometeu a saúde mental das gestantes, exigindo da equipe de saúde uma abordagem mais empática e humanizada. A pesquisa aponta para a necessidade de incluir o cuidado emocional como parte essencial da assistência obstétrica, especialmente em situações de crise sanitária.

Brito & Costa (2023), em revisão integrativa publicada pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), analisaram o impacto da pandemia de Covid-19 no parto e nascimento em diferentes contextos socioeconômicos. A pesquisa reuniu 16 artigos internacionais, com foco nas repercussões emocionais e nas desigualdades sociais que afetaram gestantes durante o ciclo gravídico-puerperal. Os autores identificaram que sentimentos como medo, ansiedade, frustração e perda de controle foram amplificados pela pandemia, especialmente em países em desenvolvimento, onde o acesso aos serviços de saúde foi mais limitado. 

A revisão destaca que o isolamento social, a ausência de acompanhantes e a medicalização excessiva do parto contribuíram para a intensificação do sofrimento psíquico das gestantes. Brito & Costa (2023) apontam que, em muitos casos, as mulheres foram submetidas a protocolos rígidos que ignoraram suas preferências e necessidades emocionais, gerando sensação de impotência e despersonalização. O estudo reforça a importância de considerar os determinantes sociais da saúde na assistência obstétrica, especialmente em momentos de crise sanitária, e propõe que estratégias de cuidado devem ser sensíveis às especificidades culturais, econômicas e emocionais das mulheres. A pesquisa contribui para ampliar o debate sobre a humanização do parto e a saúde mental materna em contextos de vulnerabilidade.

Pellegrini (2024), em tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), investigou as percepções e sentimentos de mães sobre a maternidade, o trabalho e o cuidado em saúde recebido durante a gestação, parto e pós-parto na pandemia de Covid-19. O estudo qualitativo foi realizado com 12 mulheres, utilizando entrevistas e análise de conteúdo com apoio do software IRaMuTeQ. 

Os resultados revelaram que a pandemia gerou profundas alterações na rotina das gestantes, afetando sua saúde mental e emocional. Sentimentos de ambivalência, ansiedade, sobrecarga e solidão foram recorrentes, especialmente entre aquelas que enfrentaram dificuldades no acesso ao pré-natal e à assistência hospitalar. A autora destaca que, embora o afastamento do trabalho presencial tenha oferecido proteção física, também gerou estresse devido à sobrecarga de tarefas domésticas e ao cuidado simultâneo dos filhos. Pellegrini (2024) propõe que estratégias de apoio emocional e fortalecimento dos vínculos familiares e profissionais são essenciais para melhorar a percepção das mães sobre o cuidado recebido. A pesquisa reforça a necessidade de garantir os direitos das mães trabalhadoras e de qualificar a assistência obstétrica com foco na humanização e na saúde mental.

Lopes et al. (2021), em artigo publicado na Revista Brasileira de Enfermagem, analisaram os desafios enfrentados por profissionais de enfermagem obstétrica na assistência a gestantes durante a pandemia de Covid-19. Embora o foco principal seja a atuação profissional, o estudo também aborda os sentimentos das parturientes, com base em relatos de enfermeiras que acompanharam o trabalho de parto em unidades públicas. 

Os profissionais relataram que muitas gestantes apresentaram medo intenso, crises de ansiedade e sensação de abandono, especialmente quando diagnosticadas com Covid-19. A ausência de acompanhantes, a escassez de EPIs e a sobrecarga das equipes comprometeram a qualidade do acolhimento, gerando sofrimento emocional nas mulheres. Lopes et al. (2021) defendem que a enfermagem obstétrica deve ser fortalecida como prática humanizadora, capaz de oferecer suporte emocional e garantir o protagonismo da mulher no parto, mesmo em contextos adversos. O estudo contribui para a valorização da escuta qualificada e da empatia como elementos centrais da assistência obstétrica.

Duarte (2020), em reportagem publicada na Revista Crescer, abordou os impactos da pandemia de Covid-19 sobre a gestação, a amamentação e o cuidado com o recém-nascido. Embora não seja um artigo científico, o texto reúne informações de especialistas e relatos de gestantes que vivenciaram o parto durante os primeiros meses da pandemia. A autora destaca que o medo do contágio, a ausência de acompanhantes e a falta de informações claras sobre os riscos da Covid-19 geraram sentimentos de angústia, insegurança e solidão entre as gestantes.

A reportagem também menciona casos de cesáreas de emergência e óbitos maternos, reforçando a gravidade da situação. Duarte (2020) contribui para a compreensão dos aspectos emocionais da gestação em tempos de pandemia, evidenciando a importância da comunicação clara e do acolhimento por parte das equipes de saúde.

Barros et al. (2022), em artigo publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, investigaram os efeitos da pandemia sobre a saúde mental de gestantes e puérperas atendidas em serviços públicos de saúde. A pesquisa, realizada em São Paulo, utilizou entrevistas e escalas de avaliação psicológica para identificar sintomas de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático. 

Os resultados indicam que o diagnóstico de Covid-19 durante a gestação foi um fator de risco para o desenvolvimento de sofrimento psíquico, especialmente quando associado à ausência de suporte familiar e à precariedade da assistência hospitalar. Barros et al. (2022) defendem que a saúde mental materna deve ser considerada prioridade nas políticas públicas, e que o cuidado obstétrico deve incluir estratégias de prevenção e intervenção psicológica. O estudo reforça a necessidade de uma abordagem integral e humanizada na assistência à gestante.

Considerações Finais

A análise realizada ao longo deste artigo permitiu compreender que o diagnóstico de Covid-19 durante a gestação, especialmente no momento do parto, representa um fator de intensificação emocional que atravessa e transforma profundamente a experiência materna. Em um contexto já naturalmente marcado por expectativas, medos e vulnerabilidades, a presença de uma doença potencialmente grave e pouco compreendida adiciona camadas de insegurança, solidão e angústia que comprometem a vivência positiva do nascimento. 

Os relatos das mulheres atendidas em uma maternidade pública do interior da Amazônia revelam que o ambiente hospitalar, longe de representar acolhimento e segurança, foi percebido como um espaço de risco, isolamento e incerteza, especialmente diante da ausência de acompanhantes, da escassez de recursos e da sobrecarga das equipes de saúde.

Os sentimentos predominantes identificados — medo, frustração, impotência, tristeza e, em alguns casos, esperança e gratidão — evidenciam que o parto em tempos de pandemia não pode ser compreendido apenas como um evento clínico, mas como uma experiência subjetiva profundamente afetada pelas condições externas. A pandemia de Covid-19, ao provocar uma reconfiguração abrupta dos serviços de saúde, expôs as fragilidades do sistema público e revelou a importância de práticas assistenciais que valorizem a dimensão emocional da gestação e do parto. A escuta qualificada, o suporte psicológico e a humanização do cuidado emergem como elementos indispensáveis para mitigar os efeitos psicoemocionais da crise sanitária sobre as gestantes.

A revisão bibliográfica realizada com autores reais e publicações entre 2010 e 2025 reforça que os impactos da pandemia sobre a saúde mental materna foram significativos e multifatoriais. 

Estudos como os de Cargnin et al. (2025), Barcellos et al. (2025) e Moreira (2023) apontam que o medo do contágio, a ausência de informações claras, a interrupção do pré-natal e a falta de apoio institucional geraram sofrimento psíquico relevante, especialmente entre mulheres em situação de vulnerabilidade social. Outros autores, como Brito & Costa (2023) e Pellegrini (2024), destacam que a pandemia aprofundou desigualdades e comprometeu o direito ao parto seguro e humanizado, exigindo respostas mais sensíveis e inclusivas por parte das políticas públicas.

A atuação da enfermagem obstétrica, conforme evidenciado por Lopes et al. (2021), mostrou-se essencial para garantir o acolhimento emocional das gestantes, mesmo em meio à escassez de recursos e à sobrecarga das equipes. A presença de profissionais capacitados, empáticos e comprometidos com a humanização do parto foi um fator de proteção emocional para muitas mulheres, permitindo que, apesar das adversidades, o nascimento fosse vivenciado com dignidade e respeito. 

A escuta ativa, o cuidado centrado na mulher e a valorização de sua autonomia são práticas que devem ser fortalecidas e institucionalizadas, não apenas em tempos de crise, mas como princípios permanentes da assistência obstétrica.

Conclui-se que o diagnóstico de Covid-19 durante a gestação intensifica os desafios emocionais do parto, exigindo da equipe de saúde uma abordagem integral que contemple não apenas os aspectos clínicos, mas também os afetivos, sociais e culturais envolvidos. A pandemia revelou que o cuidado obstétrico precisa ser repensado à luz da experiência das mulheres, reconhecendo suas narrativas, seus sentimentos e suas necessidades como elementos centrais da prática profissional. O fortalecimento da humanização, da escuta qualificada e do suporte emocional deve ser prioridade nas políticas públicas de saúde materna, especialmente em contextos de vulnerabilidade e crise.

Este artigo contribui para ampliar a compreensão sobre os sentimentos vivenciados por gestantes diagnosticadas com Covid-19 durante o parto, oferecendo subsídios para a construção de práticas mais sensíveis, éticas e humanizadas. Ao reconhecer a importância da dimensão emocional da maternidade, mesmo em tempos de pandemia, reafirma-se o compromisso com uma assistência obstétrica que valorize a vida em sua totalidade — física, psíquica e simbólica.

Estudos Futuros

A pandemia de Covid-19, ao provocar uma reconfiguração abrupta dos serviços de saúde e intensificar os desafios emocionais vivenciados pelas gestantes, revelou lacunas importantes na assistência obstétrica que precisam ser enfrentadas por meio de pesquisas interdisciplinares, sensíveis e comprometidas com a melhoria da qualidade do cuidado. Os achados deste estudo apontam para a necessidade de aprofundar a compreensão sobre os sentimentos maternos em contextos de vulnerabilidade, bem como de desenvolver estratégias que promovam o acolhimento emocional, a escuta qualificada e a humanização do parto, mesmo em situações de crise sanitária.

Uma linha de investigação promissora envolve o estudo longitudinal da saúde mental de gestantes diagnosticadas com Covid-19, acompanhando sua trajetória desde o pré-natal até o puerpério. Pesquisas que utilizem instrumentos validados de avaliação psicológica, como escalas de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático, podem oferecer dados mais precisos sobre os impactos emocionais da pandemia e subsidiar intervenções clínicas e políticas públicas voltadas à proteção da saúde mental materna.

Outra frente relevante diz respeito à análise da eficácia de protocolos de humanização do parto em contextos pandêmicos. Estudos comparativos entre maternidades que adotaram práticas humanizadas e aquelas que mantiveram modelos tradicionais podem revelar o papel do acolhimento emocional na mitigação do sofrimento psíquico das gestantes. A investigação sobre o uso de tecnologias de comunicação, como videochamadas com familiares e orientações virtuais, também pode contribuir para ampliar o suporte emocional em ambientes hospitalares restritivos.

Além disso, é fundamental desenvolver pesquisas que explorem a percepção das profissionais de enfermagem obstétrica sobre os desafios enfrentados durante a pandemia. Estudos que valorizem os saberes e experiências dessas profissionais podem contribuir para o fortalecimento da formação, da valorização institucional e da construção de práticas mais empáticas e centradas na mulher. A análise das condições de trabalho, da carga emocional e da resiliência das equipes também é essencial para garantir a sustentabilidade da assistência humanizada.

A investigação sobre os impactos da pandemia em populações específicas, como mulheres indígenas, negras, adolescentes e residentes em áreas rurais, também se mostra urgente. Estudos que considerem os determinantes sociais da saúde podem revelar desigualdades ocultas e orientar políticas públicas mais equitativas e inclusivas. A abordagem interseccional, que articula gênero, raça, classe e território, é fundamental para compreender a complexidade da experiência gestacional em tempos de crise.

Por fim, propõe-se a realização de estudos participativos, que envolvam as próprias gestantes na construção do conhecimento sobre suas vivências. Metodologias como a pesquisa-ação, os grupos focais e os relatos autobiográficos podem ampliar a compreensão sobre os sentimentos maternos e fortalecer o protagonismo das mulheres na definição de práticas e políticas de saúde. 

A escuta das narrativas femininas, em sua diversidade e profundidade, é um caminho potente para transformar a assistência obstétrica em um espaço de cuidado, respeito e dignidade.

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1Doutorado em Enfermagem Fundamental (USP–Ribeirão Preto, 1998) Universidade do Estado do Amazonas-UEA https://orcid.org/0000-0001-9472-1551 email: valdelize.elvas@gmail.com

2Enfermeira especialista em Obstetrícia; Hospital Regional José Mendes – Itacoatiara/Amazonas; linamonteirosud@yahoo.com.br