EDUCAÇÃO PARA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO: A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI Nº 14.164/21

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7630983


Thalles Ferreira Costa1


Thomas Dye (1984) cunhou a célebre frase que sintetiza o que é política pública: o que o governo escolhe ou não fazer. Política pública é o campo do conhecimento que estuda as ações e omissões de um governo perante determinado problema, visando muitas vezes propor novas ações ou mudanças de rumo nas ações em curso (AGUM, Ricardo et al., 2015, p. 15, 16). Os problemas existentes no meio social são inúmeros. Todavia, apenas alguns se tornarão objeto prioritário de um governo: é o que se denomina agenda. Por trás de toda agenda há uma luta por reconhecimento. Vale lembrar que a construção de uma agenda implica em escolhas baseadas por análises técnicas, orçamentárias e financeiras, mas também do impacto político e social causado (AGUM, Ricardo et. al., 2015, p. 19, 26). 

A Lei nº 14.164, de 10 de junho de 2021 é uma política pública com perspectiva de gênero e foi introduzida na agenda de prevenção da violência contra mulheres. É que somente com políticas públicas elaboradas a partir da perspectiva de gênero as mulheres terão seus direitos de fato garantidos. São essas formas de política que causam verdadeiras fissuras e desestabilizam o poder masculino.

A política traçada pela nova Lei deve trabalhar no âmbito da teoria do reconhecimento, de modo a consolidar uma verdadeira educação transformadora de gênero, porquanto configura-se instrumento de prevenção a toda e qualquer tipo de violência contra mulheres.

Como demonstrado, meninas e mulheres são excluídas e discriminadas pelo simples fato de serem meninas e mulheres. Nota-se que elas são marginalizadas nos sistemas educacionais por uma série de razões, dentre elas: priorização da educação de meninos em residências, onde os recursos são escassos; desigualdade na distribuição de tarefas domésticas; casamento precoce e forçado; gravidez na adolescência e maternidade precoce e ambientes de aprendizado inseguros. 

Nota-se, também, que meninos e homens são afetados pelas normas de gênero, restringidos pelas normas de masculinidade. É que, logo no inicio da adolescência, meninos começam a deparar com expectativas de que se tornem fontes de rendimento ou de que se juntem a grupos armados, por exemplo. Tal fato gera, em consequência, abandono escolar e perpetuação e violência contra meninas e mulheres. 

Diante disso, encontrar instrumento que permite o domínio patriarcal é promover transformação. A educação transformadora de gênero, nesse ponto, possui um potencial inesgotável. O desenvolvimento integral dos alunos depende do sistema educacional. Assim, a educação exerce papel fundamental para o exercício da cidadania (PIAGET, 2011, p. 45). O artigo 205 da Constituição Federal do Brasil estabelece que a educação, “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

A norma constitucional não restringe a educação ao processo de desenvolvimento da capacidade intelectual de cada sujeito. É que se relaciona ao desenvolvimento da capacidade intelectual e moral do ser humano. Tem-se, portanto, o afastamento da educação como mero instrumento reprodutor de conhecimento e preconceitos. 

A educação transformadora de gênero diz respeito à educação inclusiva, equitativa e de qualidade. Ela, ainda, nutre um ambiente de justiça de gênero para crianças, adolescentes e jovens em toda a sua diversidade. A Educação Transformadora de Gênero remove obstáculos à educação e estimula o progresso rumo a mudanças sociais importantes, tais como: redução da violência contra a mulher, casamentos precoces, aumento da participação de mulheres no mercado de trabalho, liderança de mulheres em posições de tomada de decisão. Esse modelo de educação busca utilizar todas as partes de um sistema educacional – de políticas a pedagogias – para mudar estereótipos, atitudes, normas e práticas, desafiando relações de poder, porquanto promovem a desconstrução de normas de gênero. Além disso, o modelo da Educação Transformadora de Gênero gera consciência crítica a respeito das causas principais da desigualdade e dos sistemas de opressão. 

Diante de todo o exposto, levando em consideração a teoria da conscientização de Paulo Freire (2016), do engajamento de bell hooks (2013) e do reconhecimento de Honneth (2003), temos que a educação transformadora de gênero pode ser alcançada por meio de um conjunto de ação em todos os níveis. São elas: a) transformar políticas e engajamento, b) transformar a pedagogia; c) transformar o ambiente escolar; d) transformar a participação de crianças e jovens; e) transformar a liderança da comunidade e aproximação das famílias e, f) transformar o engajamento das partes interessadas.

A transformação das políticas e engajamento refere-se à necessidade de alterar profundamente as estruturas de poder que espraiam por toda a sociedade, implementando políticas públicas para mulheres. Historicamente as políticas públicas são desenhadas e aplicadas pelos grupos dominantes da sociedade: homens, brancos, heterossexuais e burgueses, com alta escolaridade e concentração de renda, que detém forte capacidade de influência nas decisões de agendas. As políticas públicas por eles produzidas acabam traduzindo seus interesses específicos durante o processo de elaboração, implementação e, sobretudo, em seus resultados através da repartição de bens e recursos (BRASIL, Secretaria de Políticas para Mulheres, 2012, p. 2).

De acordo com Marlise Matos 92014, p. 60), disfarçadas sob uma pretensa neutralidade e racionalidade, as decisões, ações e omissões que compõem o exercício do poder político estatal apresentam na verde forte inclinação e/ou pré-julgamento sobre as relações de gênero. Isso está presente nas instituições tanto do Poder Executivo, como também do Judiciário e Legislativo. Nesse sentido, Marlise afirma que “a neutralidade simplesmente não existe e pode-se sim afirmar a presença de inclinações patriarcais estruturadas no Estado brasileiro” (2014, p. 60). 

Segundo a autora:

[…] o patriarcado, entendido aqui como um sistema contínuo de dominação masculina, ainda predomina nas estruturas estatais, mantendo por vezes intactas as formas de divisão sexual do trabalho e perpetuando, por exemplo também, a violência cotidiana que as mulheres sofrem. Insisto em afirmar que tal traço patriarcal do Estado atravessou os tempos e as transformações sociais, políticas e demográficas, mas hoje estamos assistindo a iniciativas de sua desestabilização especialmente através da ação política feminista, que tem pressionado a instituição estatal, para obter ganhos tanto no reconhecimento quanto no esforço de extinguir as históricas desigualdades ainda existentes entre homens e mulheres. (MATOS, 2014, p. 68)

Todas as esferas de poder devem assumir um compromisso com políticas públicas com perspectivas de gênero, em especial no âmbito educacional, promovendo equidade de gênero e representatividade. Nesse nível, as ações devem contar com aumento de investimentos em abordagens e soluções, com fundamento em evidências, que tenham igualdade de gênero e educação inclusiva como objetivo primeiro na educação formal e não formal. Todos os agentes públicos e líderes devem colocar a igualdade de gênero no centro de planos, orçamentos e políticas setoriais de educação. Nesse sentido, os planos setoriais devem ter perspectiva de gênero, que incluam alocar recursos da educação pública em benefício das crianças mais marginalizadas, bem assim priorizar localidades do país com maiores desigualdades de gênero da pré-escola ao fundamental, com baixos números de professoras mulheres e alta prevalência de violência contra a mulher nas comunidades. Os líderes, ainda, devem promover os cargos de liderança nos sistemas educacionais às pessoas marginalizadas em razão das normas de gênero. 

A transformação da pedagogia é, sem dúvidas, a busca pela implantação da pedagogia engajada. Esta, por sua vez, busca interação constante entre estudante e professor. Conforme salienta bell hooks:

A pedagogia engajada começa com o entendimento de que aprendemos melhor quando há interação entre estudante e professor. Como líderes e facilitadores, professores devem descobrir o que os estudantes sabem e o que precisam saber. Essa descoberta só acontece se os professores estiverem dispostos a engajar os estudantes para além da superficialidade. Como professores, podemos criar um clima ideal para o aprendizado se compreendermos o nível de consciência e inteligência emocional dentro da sala de aula. Isso significa que precisamos dedicar tempo à avaliação de quem estamos ensinando […] A pedagogia engajada pressupõe que todo estudante tem uma contribuição valiosa para o processo de aprendizagem. No entanto, não pressupõe que todas as vozes devem ser escutadas em todos os momentos ou que todas as vozes devem ocupar a mesma quantidade de tempo […] Compreender que todo estudante tem uma contribuição valiosa a oferecer para a comunidade de aprendizagem significa que honramos todas as capacidades, não somente a habilidade de falar. Estudantes que são excelentes na escuta ativa também contribuem muito para formar a comunidade. Isso procede também em relação a estudantes que talvez não falem com frequência, mas que, quando falam (às vezes, somente quando são demandados a ler o que escreveram), a importância do que têm a dizer vai muito além da de outros estudantes que sempre discutem abertamente. E, claro, há momentos em que o silêncio ativo, a pausa para pensar antes de falar, acrescenta muito à dinâmica da sala de aula. Quando estudantes são totalmente engajados, os professores deixam de assumir sozinhos o papel de liderança na sala de aula. Em vez disso, a liderança funciona mais como uma cooperativa, na qual todas as pessoas contribuem para assegurar que todos os recursos sejam utilizados, para garantir o bem-estar no aprendizado ideal para todos. Em última análise, todos os professores querem que os estudantes aprendam e vejam a educação como meio de autodesenvolvimento e autorrealização: Em Ensinando a transgredir: educação como prática da liberdade, afirmo: “Para educar para a liberdade, portanto, temos que desafiar e mudar o modo como todos pensam sobre os processos pedagógicos. Isso vale especialmente para os alunos”. A pedagogia engajada é essencial a qualquer forma de repensar a educação, porque traz a promessa de participação total dos estudantes. A pedagogia engajada estabelece um relacionamento mútuo entre professor e estudantes que alimenta o crescimento de ambas as partes, criando uma atmosfera de confiança e compromisso que sempre está presente quando o aprendizado genuíno acontece. Ao expandir o coração e a mente, a pedagogia engajada nos torna aprendizes melhores, porque nos pede que acolhamos e exploremos juntos a prática do saber, que enxerguemos a inteligência como um recurso que pode fortalecer nosso bem comum (HOOKS, 2020, p. 47-51)

O engajamento importa atentar-se para a formação continuada e permanente de professores em temas de gênero e diversidade, buscando a promoção de igualdade de gênero de forma ativa em suas práticas pedagógicas. Professores precisam ser capazes de exames seus próprios preconceitos de gênero, bem assim identificar e desafiar as desigualdades na sala de aula. Ao invés de aceitar um ambiente de aprendizado que reflete e reproduz normas de discriminação, eles podem promover um ambiente que a desafia. É preciso, ainda, que os currículos escolares sejam reformulados, incluindo módulos transformadores de gênero e materiais didáticos correspondentes. 

É primordial que a Lei nº 14.164, de 10 de junho de 2021 seja aplicada com o apoio das pedagogias feministas. Isso porque, segundo Louro (2014):

As formulações pedagógicas construídas na ótica feminista apoiam-se no reconhecimento das desigualdades vividas por meninas e mulheres em relação aos meninos e homens, no interior das instituições escolares […] A partir da constatação de que a educação formal – na sua concepção, em suas políticas e práticas – havia sido e continua a ser definida e governada pelos homens, estudiosas feministas procuraram produzir um paradigma educacional que se contrapusesse aos paradigmas vigentes. De uma forma muito ampla, talvez se possa dizer que a lógica subjacente a esta proposta se assenta em alguns dualismos “clássicos”: competição/cooperação; objetividade/subjetividade; ensino/aprendizagem; hierarquia/igualdade – dualismo em que o primeiro termo representa o modelo androcêntrico de educação e o segundo termo aponta para uma concepção feminista. Pensada como um novo modelo pedagógico construído para subverter a posição desigual e subordinada das mulheres no espaço escolar, a pedagogia feminista vai propor um conjunto de estratégias, procedimentos e disposições que devem romper com as relações hierárquicas presentes nas salas de aula tradicionais. A voz do/aprofessor/a, fonte da autoridade e transmissora única do conhecimento legítimo, é substituída por múltiplas vozes, ou melhor, é substituída pelo diálogo, no qual todos/as são igualmente falantes e ouvintes, todos/as são capazes de expressar (distintos) sabereres. (LOURO, 2014, p. 116-117).

O ambiente escolar também precisa ser transformado. Todos os estudantes devem se sentir seguros em suas escolas. Isso demanda, entre outras providências: adoção de uma abordagem que torne as escolas espaços seguros para todos, independente da identidade de gênero, expressão de gênero e orientação sexual. Os regulamentos escolares, bem assim os regimentos escolares devem incluir ações para prevenir violência de gênero. Devem também identificar e emendar regras e práticas marcadas por gênero, como uso de uniformes (permitir que crianças em toda a sua diversidade vistam o uniforme que sentirem adequados à sua identidade) ou divisão de atividades marcadas por gênero. As práticas pedagógicas devem, ainda, formar uma rede compartilhada com serviços de saúde, incluindo campanhas de educação sexual. 

A Educação com perspectiva de gênero também inclui transformar a participação de crianças e jovens. Isso implica, necessariamente, dar voz aos alunos e alunas. É preciso escutar as vozes das crianças e jovens, incluindo-as na tomada de decisões com governos locais e comunidades, assegurando a sua participação no nível de formular e propor políticas. É que meninas e jovens precisam de oportunidades para construir suas habilidades e confiança, tudo de modo a construir aportes que os permitam desafiar a desigualdade de gênero e atos de violência e exploração. Nesse ponto, é preciso dizer que, para meninos, isso inclui aprender que expressões de masculinidade não precisam reprimir meninas e mulheres. A prática pedagógica precisa ensinar que a participação de meninos na prevenção da violência contra mulheres pode beneficiar a todos.

Outro ponto importante é a necessidade de transformar a liderança da comunidade e aproximar-se das famílias. É sabido que escolas são espaços fundamentais de mudança. Ocorre que crianças ainda vão para a casa depois das aulas. O processo de aprendizagem se prolonga no seio da família e comunidade. Deste modo, para que qualquer transformação ocorra é preciso compartilhar responsabilidades. A escola deve buscar meios e estratégias para aproximar as lideranças comunitárias e as famílias do ambiente de aprendizado. O destinatário da política educacional de gênero também deve ser as lideranças e as famílias. É preciso propiciar que tais agentes se apoderem do processo de desafiar e transformar normas de gênero e estereótipos nocivos e discriminatórios. 

Ainda, é preciso transformar o engajamento de todas as partes. Deste modo, faz-se necessário fortalecer parcerias institucionais entre governo, sociedade civil, movimentos sociais e juventude com o objetivo de revisar e reformar processos que levam à exclusão e violência contra mulher.

Por fim, a implementação da Lei nº 14.164, de 10 de junho de 2021 requer, além de vontade dos atores do sistema educacional, engajamento e alteração dos projetos pedagógicos. É preciso organizar um grande movimento destinado a fazer incluir, em todas as disciplinas, durante todo o período letivo, de temática de prevenção a violência contra a mulher. Todas as disciplinas precisam encarnar o viés de gênero. Assim, por exemplo, o professor de matemática deve trabalhar introduzindo pesquisas e abordagens que possibilitem discussões a respeito das desigualdades de gênero. Tal prática deve ser orientada pelo reconhecimento das diferenças, tanto no plano do afeto (construção de confiança), do direito (são todos sujeitos de direitos) e da solidariedade (todos podem contribuir).

Um último ponto a ser tratado é que a aplicação da referida Lei demanda valorização da autonomia dos estudantes com práticas mais contextualizadas. É sabido que o sistema escolar, a pedagogia, a psicologia são diuturnamente questionadas. Uma grande preocupação refere-se à interação entre professor e estudante (engajamento). A tratativa das questões de gênero e violência requer práticas pedagógicas mais inovadoras e menos tradicionais. Tais práticas devem levar em conta a realidade da comunidade, o contexto e a história de cada sujeito envolvido no processo de interação. Nos capítulos 1 e 2 apresentamos vários conceitos relativos à opressão e violência contra a mulher, bem assim noções acerca da sua condição de sujeito. Pois bem, tudo o que apresentamos deve fazer parte desse novo sistema. A partir de tais conhecimentos é possível inserir os estudantes no contexto da problemática da violência contra a mulher. Tal fato implica na valorização da autonomia do estudante, porque os conceitos estimulam uma reflexão crítica. As professoras Cíntia Maria Teixeira e Maria Madalena Magnabosco (2016) apresenta uma pedagogia que vai ao encontro da necessidade de implementação da Lei nº 14.164, de 10 de junho de 2021. Cuida-se da metodologia ativa. Registre-se, também, que a proposta das professoras vai ao encontro das categorias de conscientização, engajamento e reconhecimento. 

Segundo TEIXEIRA e MAGNABOSCO (2016):

A metodologia ativa surgiu do método Problem-based Learning (Aprendizagem Baseada em Problemas), como conhecido em seus parâmetros atuais, e remete ao Canadá na década de 1950, especificamente no ensino na área da saúde na McMaster University, que até os dias atuais tem em seus quadros curriculares a presença marcante do método. […] é proposto no PBL uma alternativa ao ensino convencional em Lecture-Based Learning – LBL, em que comumente se tem salas com um grande número de alunos e que a aula é fundada no aprendizado de conteúdo previamente estabelecido pela instituição de ensino e/ou professora/or da turma. Em outras palavras, enquanto que nos métodos mais convencionais se tem como propósito a transmissão do conhecimento centrado na/o professora/or em seus aspectos disciplinares, no PBL o conhecimento é construído a partir do protagonismo da/o aluna/o sob a lógica de uma formação interdisciplinar. (TEIXEIRA e MAGNABOSCO, 2016, p. 69).

Com essa metodologia é possível dar voz aos estudantes, pois o professor/a atua como facilitador das discussões, utilizando sua formação acadêmica para auxiliar o andamento das atividades. O facilitador atua, ainda, avaliando elementos no interior do grupo, como: cooperação, envolvimento e motivação. O docente tem a função de aproximar os estudantes do contexto do problema, bem assim promover o aprendizado pelas seguidas tentativas de resolvê-lo. 

O método baseia-se, essencialmente, na busca de solução para um problema. Desse modo, a metodologia se revela um estímulo na busca de instrumental para encontrar conhecimento apropriado a fim de entender como o problema foi gerado e de que forma pode ser solucionado. A metodologia ativa está diretamente ligada a uma mudança na forma de ensinar-aprender. A metodologia ativa é uma alternativa a educação tradicional (que reproduz sistematicamente a violência contra as mulheres). Na escola tradicional o ensino prioriza o que é externo ao aluno: o programa, as disciplinas, o professor. O aluno apenas executa prescrições que lhe são fixadas por autoridades. Esse método é fruto de uma concepção do sujeito como ser passivo, que deve absorver um conjunto de conhecimentos. Assim, o aluno, repleto das informações necessárias, pode repeti-las a quem ainda não as possui. A eficiência profissional depende da posse de conteúdos e informações. Nesse aspecto, o homem é desprovido de espirito crítico. O sujeito não existe frente ao conhecimento. Não se questiona, por exemplo, como e de que modo aprendemos as relações de gênero e poder. 

O método tradicional ensina, segundo TEIXEIRA e MAGNABOSCO (2016):

[…] o que deve ser uma boa menina, uma boa aluna: uma pessoa que não dá trabalho, que não pergunta, que obedece a todas as ordens da professora, que não usa saia curta na escola para não parecer muito “saidinha”, que não fica zanzando pelos corredores para chamar atenção dos meninos. 

Esse tipo de aprendizado não é contextualizado com a sociedade brasileira, que sofre com o incremento da violência contra a mulher. A discussão acerca das normas que reproduzem assimetrias deve incorporar toda a política trazida pela Lei nº 14.164, de 10 de junho de 2021.

O caminho é longo e tortuoso. Todavia, é preciso tratar a Lei nº 14.164, de 10 de junho de 2021 como um novo horizonte de possibilidade e colocá-la em prática, conferindo-lhe a urgente efetividade.

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1Mestrando em Direito e Políticas pela UNISC/RS. Especialista em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC/RS. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre