EDUCAÇÃO ESPECIAL: EXCLUSÃO E SEGREGAÇÃO, PARADIGMAS SUPERADOS?

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411240609


PLOTEGHER, Beatriz Rodrigues1 
PLOTEGHER, Herialdo Marcos Rosário2


Resumo 

A história da educação especial, de acordo com Mendes (2006), começou a ser traçada no século XVI, com médicos e pedagogos que, desafiando os conceitos vigentes na época, acreditaram nas possibilidades de indivíduos até então considerados ineducáveis. Centrados no aspecto pedagógico, numa sociedade em que a educação formal era direito de poucos, esses precursores desenvolveram seus trabalhos em bases tutoriais, sendo eles próprios os professores de seus pupilos. Entretanto, apesar de algumas escassas experiências inovadoras desde o século XVI, o cuidado foi meramente custodial, e a institucionalização em asilos e manicômios foi a principal resposta social para tratamento. Foi uma fase de segregação, justificada pela crença de que a pessoa diferente seria mais bem cuidada e protegida se confinada em ambiente separado, também para proteger a sociedade dos que não eram normais.

Palavras-chave: Educação Especial. Educação Inclusiva. Inclusão. Paradigmas.

1. INTRODUÇÃO

A história da educação especial, de acordo com Mendes (2006), começou a ser traçada no século XVI, com médicos e pedagogos que, desafiando os conceitos vigentes na época, acreditaram nas possibilidades de indivíduos até então considerados ineducáveis. Centrados no aspecto pedagógico, numa sociedade em que a educação formal era direito de poucos, esses precursores desenvolveram seus trabalhos em bases tutoriais, sendo eles próprios os professores de seus pupilos. Entretanto, apesar de algumas escassas experiências inovadoras desde o século XVI, o cuidado foi meramente custodial, e a institucionalização em asilos e manicômios foi a principal resposta social para tratamento. Foi uma fase de segregação, justificada pela crença de que a pessoa diferente seria mais bem cuidada e protegida se confinada em ambiente separado, também para proteger a sociedade dos que não eram normais.

No final do século XIX, o retrato da educação no país era desolador. De acordo com Mendes (2006), o altíssimo índice de analfabetismo e a escassez de escolas para os mais pobres dificultavam qualquer iniciativa para a escolarização das pessoas com deficiência. Na área jurídica, a primeira Constituição do Brasil (1824) privava o incapacitado físico ou moral do direito político, muito embora previsse a instrução primária e gratuita para todos. Antes mesmo de qualquer esforço para o atendimento aos deficientes, a sociedade já se protegia do adulto deficiente. 

A organização de serviços para os deficientes cegos, mentais, surdos ou físicos começou ainda no século XIX. Alguns brasileiros, inspirados na experiência de educadores da Europa e dos Estados Unidos, e por iniciativa própria, uma vez que as iniciativas oficiais eram mínimas, começaram a ter interesse pelo atendimento dos deficientes. A evolução na forma de atender às diferentes necessidades especiais e a inclusão dessa educação – dos excepcionais, deficientes – na política educacional brasileira ocorreram mais ou menos de forma simultânea, por volta de 1950. De forma segregacionista, as turmas especiais eram separadas das instituições do ensino comum.

2. A EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL: DE SEGREGADOS A INTEGRADOS

No âmbito da deficiência visual, a primeira iniciativa aconteceu em 1854, quando D. Pedro II fundou, na cidade do Rio de Janeiro, por meio do Decreto Imperial nº 1.428, o chamado Imperial Instituto dos Meninos Cegos. A criação desse instituto, segundo Mazzotta (2001), deveu-se a José Álvares de Azevedo, um cego brasileiro que estudou no Instituto de Jovens Cegos de Paris, fundado por Valentin Haüy no século XVIII. Ele obteve muito sucesso na educação de Adélia Sigaud, filha do Dr. José F. Xavier Sigaud, médico da família imperial. O ministro do Império na época, conselheiro Couto Ferraz, atento e interessado no trabalho de José Álvares de Azevedo e, devido à proximidade e influência que exercia junto a D. Pedro II, sensibilizou o monarca para a necessidade da criação do instituto, que foi inaugurado em 17 de setembro de 1854. Seu primeiro diretor, nomeado, foi o médico Dr. Xavier Sigaud.

O instituto permaneceu com o nome de Imperial Instituto dos Meninos Cegos durante 36 anos. Em 1890, no governo republicano, o nome foi trocado para Instituto Nacional dos Cegos. Em 1891, a escola recebeu a denominação Instituto Benjamin Constant (IBC), em homenagem ao ilustre e atuante professor de Matemática Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que foi diretor da instituição, segundo Mazzota (2001).

D. Pedro II, três anos após a criação do IBC, fundou, também no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. A iniciativa para a criação desse instituto coube a Ernesto Hüet e seu irmão, recebidos pelo imperador D. Pedro II, por influência do marquês de Abrantes, obtiveram apoio para a ideia de fundar uma escola para pessoas surdas no país. Esta escola começou a funcionar atendendo dois alunos e, em 1957, cem anos depois de sua fundação, passou a chamar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Desde o início, o INES caracterizou-se como um estabelecimento educacional voltado para a educação literária e o ensino profissionalizante de meninos surdos de 7 a 14 anos de idade. 

Tanto no IBC quanto no INES foram instaladas oficinas para a aprendizagem de ofícios. No primeiro, eram oferecidos cursos de tipografia e encadernação para os meninos e tricô para as meninas. No segundo, sapataria e encadernação, pautação e douração. Em 1882, o imperador fez uma importante convocação para se discutir a educação das pessoas com deficiência, no primeiro Congresso de Instrução Pública, que aconteceria no ano seguinte. 

No entanto, é preciso ressaltar que, segundo Jannuzzi (2017), essas duas instituições para deficientes foram intermediadas por pessoas importantes da época, que procuraram transmitir ensinamentos especializados aceitos como fundamentais para esse alunado, e ficaram diretamente ligadas à administração pública. O atendimento era precário, visto que em 1874 atendiam 35 alunos cegos e 17 surdos, numa população que em 1872 era de 15.848 cegos e 11.595 surdos; porém, abriram alguma possibilidade para a discussão dessa educação, no I Congresso de Instrução Pública, em 1883, convocado pelo imperador Pedro II em 12 de dezembro de 1882. Entre os temas deste Congresso constava a sugestão de currículo de formação de professor para cegos e surdos. Os responsáveis pelo tratamento dos temas foram dois médicos.

A educação popular, e muito menos a dos deficientes, era motivo de preocupação. Na sociedade ainda pouco urbanizada, apoiada no setor rural, primitivamente aparelhado, provavelmente poucos eram considerados deficientes; havia alguma tarefa que muitos deles executassem. A população era iletrada na sua maior parte, as escolas eram escassas, como já foi dito, e dado que só recorriam a ela as camadas sociais alta e média, a escola não funcionou como crivo de deficiências. Havia pouca divergência entre o modo de conceber o mundo que nela se difundia e o da família da qual o aluno fazia parte. 

Ainda no Segundo Império, há registros de outras ações voltadas para o atendimento pedagógico ou médico-pedagógico aos deficientes. Segundo Mazzota (2001), em 1874 o Hospital Estadual de Salvador, na Bahia, hoje denominado Hospital Juliano Moreira, iniciou a assistência aos deficientes mentais. Sobre o tipo de assistência prestada, há, no entanto, informações insuficientes para sua caracterização como educacional. Poderia tratar-se de assistência médica a crianças deficientes mentais e não propriamente atendimento educacional; ou, ainda, atendimento médico-pedagógico. A segunda instituição, foi a Escola México, criada em 1887, no Rio de Janeiro, com ensino regular, que atendia além dos deficientes mentais, também deficientes físicos e visuais. 

Até 1920, os deficientes visuais e auditivos tiveram uma pequena vantagem quanto ao número de instituições para o atendimento de suas necessidades. A partir dessa data, ocorreu um nivelamento e, após 1930, houve um crescimento no número de instituições para atendimento aos deficientes mentais. 

Em 1926, foi criado o Instituto Pestalozzi, em Porto Alegre, pelo casal de professores Tiago e Johanna Würth. No ano seguinte, este Instituto foi transferido para Canoas como um internato especializado no atendimento de deficientes mentais. Inspirado na concepção da pedagogia social do educador suíço Henrique Pestalozzi, esta escola foi a precursora da expansão de outras instituições semelhantes tanto no Brasil como em outros países da América do Sul. 

A Pestalozzi de Minas Gerais foi criada em 1935 e tornou-se realidade graças ao trabalho incansável da professora Helena Antipof. No Rio de Janeiro, também por iniciativa da professora, a instituição foi criada em 1948, com o nome de Sociedade Pestalozzi do Brasil e como instituição particular de caráter filantrópico, destinada ao amparo de crianças e adolescentes deficientes mentais. Esta foi a instituição responsável pela instalação das primeiras Oficinas Pedagógicas. A entidade, apesar da característica assistencial, desenvolvia também um trabalho educacional.

Datam de 1931/1932 as primeiras iniciativas com propósitos educacionais especializados no atendimento de deficientes físicos, não sensoriais, com a criação de uma classe especial na Escola Mista do Pavilhão Fernandinho da Santa Casa de Misericórdia. Mais tarde, em 1948, nesta escola foi criada outra classe especial. Mais duas classes para deficientes físicos foram instaladas junto ao Pavilhão nos anos de 1950 e 1969. 

É importante observar que, de acordo Mazzotta (2001), essas classes funcionavam como Classes Hospitalares, ou ainda como modalidade “ensino hospitalar”, onde cada professora tinha uma programação de atendimento individualizado aos alunos considerados como pacientes do hospital. Por volta de 1982, funcionavam cerca de dez classes especiais estaduais classificadas administrativamente como escolas isoladas. 

Em 1950, foi fundada pelo Dr. Renato da Costa Bomfim, a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD), um dos mais importantes centros de reabilitação do Brasil. Instituição particular especializada no atendimento a deficientes físicos não sensoriais, paralisados cerebrais e pacientes com problemas ortopédicos, trabalha em convênio com órgãos públicos e privados, tanto nacionais como estrangeiros.

A Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação – ABBR – foi fundada em 1954 por um grupo de idealistas coordenado por Fernando Lemos e Percy C. Murray, com o objetivo de implantar e desenvolver a reabilitação em nosso país, dentro do conceito definido pela Organização Mundial de Saúde como a aplicação de medidas médicas, sociais, educativas e profissionais, a fim de preparar e readaptar o indivíduo para alcançar a sua integração na sociedade e garantir a sua sobrevivência. É uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos e que atende crianças e adultos com deficiência física.

Em 1954, foi fundada, na cidade do Rio de Janeiro, a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), fruto da iniciativa de um grupo de pais com o apoio de um casal norte-americano, Beatrice e George Bemis, membros da National Association for Retarded Children (NARC), organização fundada em 1950 nos Estados Unidos. A APAE do Rio de Janeiro foi a primeira de muitas APAEs no país. Hoje, a Federação Nacional das APAEs possui muitas entidades associadas. 

Em 1964, foi instalada a primeira unidade assistencial da APAE de São Paulo, cujo objetivo era dar habilitação profissional a adolescentes deficientes do sexo feminino. Em 1967, foi fundada a Clínica de Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Desenvolvimento Mental (Clideme), que se transformou no Centro de Habilitação da APAE de São Paulo. Em 1971, a APAE-SP inaugurou a primeira unidade multidisciplinar integrada para assistência a deficientes mentais e para formação de técnicos especializados nessa área, chamada Centro de Habilitação de Excepcionais.

Mazzota (2001), ressalta que uma das principais tendências da educação especial no Brasil na época foi a ênfase ao atendimento segregado em instituições especializadas particulares, em detrimento do atendimento educacional integrado nas escolas públicas. 

Nesse cenário de exclusão ou segregação, uma das primeiras ações do Governo Federal ao assumir o atendimento educacional aos “excepcionais” – como eram chamadas as pessoas com deficiência – foi a criação de campanhas voltadas para esse público, buscando reverter a postura adotada até aquele momento. 

Em 1957, foi criada a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro (CESB). Instalada no INES, no Rio de Janeiro, tinha por finalidade promover, por todos os meios, as medidas necessárias à educação e à assistência em todo o território nacional. A campanha poderia desenvolver ações de forma direta, ou por meio de convênios com entidades públicas ou particulares. 

Na sequência, em 1958, foi criada a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, vinculada ao IBC, também no Rio de Janeiro. Dois anos depois, o nome da campanha foi alterado para Campanha Nacional para a Educação dos Cegos (CNEC) e ficou subordinada ao gabinete do ministro da Educação e Cultura. Os objetivos dessa campanha e de todas as atividades desenvolvidas a partir dela eram oferecer oportunidades de atendimento educacional aos deficientes visuais. Entre as atividades, estavam incluídos o treinamento e a especialização de professores e de técnicos no campo da educação e reabilitação de deficientes visuais.

Por influência de movimentos liderados pelas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais e pela Sociedade Pestalozzi, em 1960 tem início, no Rio de Janeiro, a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (Cademe). A finalidade da campanha era promover, em todo o território nacional, a educação, o treinamento, a reabilitação e a assistência educacional das crianças “retardadas”.

Com a aprovação da LDB (Lei nº 5.692/71) que, em seu art. 9º, previa “tratamento especial aos excepcionais”, foram diversas as ações desenvolvidas com vistas à implantação das novas diretrizes e bases para o ensino de Nível Fundamental e Médio, antigos 1º e 2º graus. 

A fundação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), em 1973, é o principal marco desse período. Foi nessa época, também, que começaram a implantação da maioria dos subsistemas estaduais de Educação Especial e a expansão da área junto ao ensino regular. 

Com a criação do CENESP, foram extintas as campanhas nacionais, tanto para a educação dos cegos quanto para a educação e reabilitação de deficientes mentais. O acervo financeiro e patrimonial das campanhas, assim como o acervo financeiro, pessoal e patrimonial do IBC e do INES, passaram a pertencer ao novo órgão.

O CENESP tinha por finalidade planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da Educação Especial na Educação Infantil, no ensino fundamental e médio, na educação superior e no supletivo, para os deficientes visuais, da auditivos, mentais, físicos, com deficiências múltiplas e os superdotados, visando a participação progressiva na comunidade e obedecendo os princípios doutrinários, políticos e científicos que orientavam a Educação Especial, de acordo com Mazzota (2001).

A Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), foi criada em 1985, inicialmente ligada ao Gabinete Civil da Presidência da República. Após transitar por vários ministérios, a partir de 1995 a CORDE se ancora no Ministério da Justiça. De acordo com Jannuzzi (2017), a CORDE, visando aspecto mais abrangente que o CENESP, e numa época de nova tentativa de redemocratização nacional, traz a volta do conselho consultivo.

Durante o governo Sarney, o CENESP foi transformado em Secretaria de Educação Especial (SESPE), integrando a estrutura básica do MEC, sendo sua sede transferida do Rio de Janeiro para Brasília (DF).

3. DESAFIOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO PERCALÇO DA INCLUSÃO

Em 1988, a Constituição Federal (CF) (BRASIL, 1988), trouxe uma nova roupagem política ao cenário brasileiro, apresentando um capítulo destinado exclusivamente para Educação. A CF trouxe diversos artigos em relação aos deficientes (ensino, cargos, atendimento especializado, locomoção, trabalho, proteção e integração).

Até então, segundo Mazzotta (2001), há um crescimento no número de alunos atendidos em regime segregado e uma diminuição do número de alunos em regime integrado. Segundo o autor: o princípio de integração tão repetido nos textos legais e nos textos oficiais do Ministério da Educação não passavam de mero instrumento de retórica, na medida em que a realidade do atendimento educacional reafirma a tendência da segregação dos alunos Público-alvo da Educação Especial (PAEE) em instituições especializadas públicas e privadas.

Em 1990, houve a reestruturação do MEC, foi extinta a SESPE, e as atribuições relativas à Educação Especial passaram a ser de responsabilidade da Secretaria Nacional de Educação Básica (SENEB). Foi incluído nesta Secretaria o Departamento de Educação Supletiva e Especial (DESE). Com o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello em 1992, há o retorno da Secretaria de Educação Especial, – SEESP, com nova sigla e nova situação, agora na estrutura básica do MEC. 

A nova LDB, Lei nº 9.394/1996 traz no artigo 4º, inciso III, como dever do Estado o “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1996), destinando um capítulo específico para a Educação Especial, o Capítulo V – artigos 58 a 60, que apresenta inovações, principalmente se a compararmos com as LDB de 1961 e 1971.

Em 2001, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, no artigo 2º determinam que “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas se organizarem para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL. MEC/SEESP, 2001), também em 2001 e o Plano Nacional de Educação – PNE –, Lei nº 10.172/2001, destaca que o principal avanço que a década da educação deveria produzir seria “a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. 

No final de 2003, é lançado o Programa do Governo Federal “Educação Inclusiva: Direito à Diversidade” e várias ações passam a ser implantadas com a intenção de transformar os sistemas de ensino brasileiros em sistemas de ensino inclusivos (BRASIL, 2004). 

A partir de então, vários documentos são elaborados e distribuídos pelo Governo Federal entre os diferentes municípios brasileiros nos contínuos cursos de formação em serviço para os profissionais da educação. 

Em 2005 foi publicado o Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, visando ao acesso dos alunos surdos, dispondo sobre a inclusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como disciplina curricular, a formação e a certificação de professor, instrutor e tradutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a organização da educação bilíngue no ensino regular. A implantação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação (NAAH/S) em todos os estados e no Distrito Federal leva à organização de centros de referência na área das altas habilidades/superdotação para o atendimento educacional especializado, para a orientação às famílias e a formação continuada dos professores, para garantir esse atendimento aos alunos da rede pública de ensino. 

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2006, aprovada pela ONU e da qual o Brasil é signatário, estabelece que os Estados-Partes devem assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a meta da plena participação e inclusão.

Em 2007, O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi lançado tendo como eixo a formação de professores para a Educação Especial, a implantação da sala de recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares e o acesso e permanência das pessoas com deficiência na educação superior. 

A Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) (BRASIL, 2008), chegou em 2008 reforçando a Educação Especial como uma modalidade que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, e ainda trouxe algumas modificações, como a alteração da nomenclatura para o Público-Alvo da Educação Especial (PAEE), sendo: pessoa com deficiência aquelas com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial; estudantes com transtornos globais do desenvolvimento e por fim estudantes com altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2008). 

Ainda como reflexo da PNEEPEI, no ano seguinte a Resolução CEB 04 (BRASIL, 2009) instituiu as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial (BRASIL, 2009). Nesta Resolução alguns pontos merecem destaque como, por exemplo, a obrigatoriedade da matrícula em classes comuns e no AEE, reafirmando o caráter complementar ou suplementar, do AEE, assim como a sinalização da Educação Especial, em todos os níveis e etapas de ensino, tendo o AEE como parte integrante do processo educacional, prevendo sua institucionalização no projeto político pedagógico da escola. 

Alguns anos após, em 2011, pelo Decreto 7.611 que “Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências.” (BRASIL, 2011) enfocou a garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e efetiva aos alunos da Educação Especial, o aprendizado ao longo de toda a vida, além de definir escolarização e outros modelos de prestação de serviço e estabelece o pagamento da dupla matrícula aos estudantes PAEE. 

Outro documento importante no cenário brasileiro em busca de uma Educação Inclusiva é o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005 de 2014 (BRASIL, 2014), uma vez que este documento dispõe de metas a serem cumpridas num período de 10 anos, visando o aprimoramento do cenário educacional. Em 2014 a meta quatro do PNE estabeleceu como objetivo: Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (BRASIL, 2014). 

Para o cumprimento desta meta, foram propostas algumas ações como a implementação de SRM, garantia do AEE ofertado preferencialmente na rede regular de ensino, e ainda fomentar a formação continuada dos profissionais e incentivo a inclusão em cursos de formação para profissionais da educação de referenciais teóricos relacionados a AEE, bem como, garantir acessibilidade nas instituições e nos currículos, garantir a oferta de educação inclusiva e ainda, promover parcerias com instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para determinadas ações e prestações de serviço (BRASIL, 2014). 

Em maio de 2015, a Declaração de Incheon (UNESCO, 2015), resultado do Fórum Mundial de Educação, ocorrido na Coreia do Sul, reafirmou a visão assumida em Jomtien (1990) do movimento global de “Educação para Todos”. Em seu texto, a Declaração de Incheon valoriza os esforços feitos pela Educação entre os países envolvidos, mas reconheceu que os países ainda estavam longe de alcançar uma educação para todos e deste modo, em um dos seus pontos de comprometimento, o documento sinalizava que, inclusão e equidade na e por meio da educação são o alicerce de uma agenda de educação transformadora e, assim, comprometemo-nos a enfrentar todas as formas de exclusão e marginalização, bem como disparidades e desigualdades no acesso, na participação e nos resultados de aprendizagem.” (UNESCO, 2015, p. 02). 

No Brasil, sob influência das ações internacionais, foi sancionada no mesmo ano a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que “Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) – Estatuto da Pessoa com Deficiência” (BRASIL, 2015). Este documento se tornou a primeira lei do território nacional voltada à Pessoa com Deficiência (PcD), garantindo em seu Art. 2º: […] considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015). 

Neste documento, no Capítulo IV, intitulado “DO DIREITO À EDUCAÇÃO”, no Art. 28 alguns pontos merecem destaque, como o: aprendizado ao longo da vida; aprimoramento dos sistemas educacionais; oferta de serviços e recursos de acessibilidade que promovam inclusão plena; institucionalização do AEE pelo Projeto Pedagógico institucional, visando garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade e promovendo autonomia; ainda prevê a elaboração de planos de AEE, assim como a organização de recursos e serviços voltados à acessibilidade (BRASIL, 2015). 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da história, a Educação Especial esteve organizada de forma paralela à educação geral ou atrelada a ela absorvendo suas insuficiências. A partir da década de 1990 passou a ser considerada no país como uma modalidade de ensino transversal, que perpassa todo o sistema educacional, como uma modalidade do ensino comum, que deve ser ofertada preferencialmente nas escolas comuns (BRASIL, 1996).  

O acesso dos estudantes PAEE, às escolas comuns ocorreu de forma crescente, lembramos que o atendimento especializado (de classes especiais e instituições especializadas) mereceu críticas por seu caráter segregador e eminentemente clínico, descolado de sua função educacional/escolar. Encontramo-nos hoje diante do desafio de construir possíveis caminhos que levem à formação de uma educação especial que realmente colabore com a educação escolar sob uma perspectiva educacional inclusiva, que devem estar a serviço de uma única premissa: diferenciar os meios para igualar os direitos. 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (estatuto da pessoa com deficiência). Brasília, 2015.

_______. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. 

_______. Resolução Nº. 4, de 2 de outubro de 2009. Institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Especial MEC/SEESP, 2008. Educacional Especializado na Educação Básica, na modalidade Educação Especial. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. 

_______. Decreto n°. 7.611, de 17 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7611.htm. 

_______. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, jul. 1990b.

_______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 009/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, DF, maio, 2001a.

_______. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016].

_______. [Declaração de Salamanca (1994)]. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: Sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Salamanca – Espanha, 1994.

JANUZZI, G. de M. A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI. 3.ed. Campinas: Autores Associados, 2017.

MAZZOTTA, M. J. da S. Educação Especial no Brasil: Histórias e Políticas Públicas. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001. 

MENDES, E. G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Rev. Bras. Educ. [online]. 2006, vol.11, n.33, pp.387-405. ISSN 1413-2478.


1Professora de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Vitória/ ES, Especialista em Educação Especial e Inclusiva e Mestre em Ensino na Educação Básica pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica – PPGEEB, da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Membro do Grupo de Pesquisas sobre Gênero, Ensino, Literatura e Relações Étnico-Raciais – GELRE. biaplotegher@gmail.com;
2Analista do Executivo do Governo do Estado do Espírito Santo, Graduado em Licenciatura em Música pela UFES, especialista em Gestão Pública pelo Instituto Federal do Espírito Santo – IFES. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica – PPGEEB, da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. herialdomrp@gmail.com