REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7087025
Autor:
Marcelo Scarin Jantorno,
advogado trabalhista inscrito na OAB/SP n.º. 316.240 com ampla experiência na área, tendo atuado em escritórios de renome na capital do Estado de São Paulo, atualmente com banca própria.
Pós graduado em direitos humanos e direito tributário.
Resumo: O presente artigo aborda a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito dos contornos processuais da responsabilidade solidária das empresas integrantes de grupo econômico;
Abstract: This article discusses the recent jurisprudence of the Federal, Supreme Court regarding the procedural contours of joint and several liability of companies that are part of an economic group;
Keywords: grupo econômico – responsabilidade solidária – supremo tribunal federal – código de processo civil;
DO GRUPO ECONÔMICO E A RECENTE JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A RESPEITO DOS CONTORNOS PROCESSUAIS DA SUA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
1 – Da definição de grupo econômico conferida pela reforma trabalhista
O texto da reforma trabalhista – Lei n.º. 13.467/2017 – alterou a redação do artigo 2º da CLT para redefinir os contornos do que se entende por “grupo econômico”. Vejamos:
“Art. 2o
§ 2o Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
§ 3o Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.” [1]
A proposta inicial do projeto era nefasta comparada ao texto efetivamente aprovado. Na proposta inicial o texto previa a exclusão do chamado grupo econômico horizontal, prevendo apenas e tão somente a existência do grupo econômico vertical, pois mencionava que o controle, a administração ou a direção deveriam estar “centralizadas” em uma destas empresas.
Grupo econômico vertical é aquele que exige alguma relação de subordinação entre a empresa controlada e a controladora, com efetiva ingerência. Já a modalidade horizontal, consagrada pela doutrina, previa que bastava alguma relação de coordenação entre estas, um ponto de contato, o que era extraído da lei que regia os trabalhadores rurais.
Por outro lado, a lei tentou de certa forma limitar as hipóteses em que se configura o grupo econômico: a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.
As formas de configuração previstas revelam a adoção, ao menos em parte, da possibilidade de configuração dos grupos econômicos de natureza horizontal.
Entretanto, a lei limita as hipóteses para que não haja abuso nessa configuração horizontal, excluindo a hipótese de “mera identidade de sócios”.
A medida em questão já não era de grande novidade prática, tendo representado a positivação de um entendimento da SDI-1 do TST, que já constava do seu informativo 83 – 22/05/2014 (mas que vinha sendo combatido e criticado pela jurisprudência) [2].
2 – Dos possíveis novos contornos processuais quanto à responsabilidade solidária das empresas integrantes do grupo econômico
Como visto, decorre da lei a responsabilidade solidária das empresas integrantes do mesmo grupo econômico. Do ponto de vista processual, essa responsabilidade poderia ser alegada a qualquer momento, em qualquer fase, não havendo necessidade de que a empresa contra a qual se pretende direcionar a execução tivesse participado da fase de conhecimento.
E essa, até então, é a posição do Tribunal Superior do Trabalho, que vigora desde o cancelamento da Súmula n.º. 205, ocorrido em novembro de 2003. O texto da Súmula cancelada previa justamente esta exigência, o dever a empresa integrante do grupo econômico participar da relação processual na fase de conhecimento para que pudesse ser demanda na fase de execução. [3]
Ocorre que o novo Código de Processo Civil – Lei n.º. 13.105/2015 passou a exigir a participação do fiador, coobrigado ou corresponsável na fase de conhecimento para que a execução possa ser direcionada a eles (artigo 513, §5º). [4]
A nova lei processual civil visou resguardar e dar maior segurança jurídica ao ordenamento, vez que não raro pessoas eram inseridas na relação processual sem qualquer possibilidade de discutir o mérito do direito que gerou o crédito. Até mesmo porque muitas das vezes em que se faz necessário o redirecionamento da execução contra outras pessoas, a devedora principal sequer compareceu aos autos para contestar a matéria.
Vale ainda lembrar que a o Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente ao processo trabalhista, por força do artigo 769 da CLT [6].
Tendo essa nova previsão em vista, em recente manifestação, o Supremo Tribunal Federal cassou decisão proferida na seara trabalhista, qual havia reconhecido a legitimidade de empresa pertencente ao mesmo grupo econômico, porém sem que esta tivesse participado da fase de conhecimento.
A decisão, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes expressamente orienta a necessidade de revisão do posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho à “viabilidade de promover-se execução em face de executado que não integrou a relação processual na fase de conhecimento, apenas pelo fato de integrar o mesmo grupo econômico para fins laborais”. [7]
A decisão do Supremo Tribunal Federal prevaleceu neste sentido, tendo ocorrido o trânsito em julgado, fazendo com que o Tribunal Superior do Trabalho, neste caso, desse provimento ao Recurso da empresa para reformar a decisão.
Além do caso individual, a discussão da matéria também é tratada nas Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental de n.º 488 e 951, pendentes de julgamento.
3 – Conclusão
Tendo em vista o novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação à aplicação do artigo 513, §5º do CPC/2015 ao processo do trabalho, o que se prevê é uma próxima virada jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho. O entendimento comporta críticas do ponto de vista processual e constitucional.
Do ponto de vista material sabemos que as relações de trabalho são muito mais dinâmicas que as relações civis. A relação de trabalho é diária e, portanto, suas fraudes são aprimoradas e implementadas de forma muito mais rápida. Hoje com a informatização e unificação dos sistemas fiscais tem se tornado mais complexo, mas não raro nos deparamos com empresa apenas formalmente criadas para operar em nome de grandes devedoras de verbas trabalhistas, vedando o alcance ao patrimônio.
De outro lado sabe-se também que demandas são movidas estrategicamente contra antigos empregadores ou empresas já materialmente esvaziadas e que não se opõem ao mérito da demanda para, posteriormente, direcionar a responsabilidade solidária contra empresas saudáveis quando já não há mais possibilidade de discussão do mérito que gerou o crédito executado.
Em que pese o posicionamento jurisprudencial não obste o reconhecimento de fraudes e casos pontuais de dolo por parte do demandante, a nova diretriz impõe prejuízo significativo, ao passo que a transferência a operação do patrimônio a outra empresa do grupo pode ocorrer após a conclusão da fase de conhecimento.
Isso demandaria, de uma parte já hipossuficiente, todo um novo esforço processual e o ônus do seu tempo. E essa maior dificuldade de se atingir o objeto do processo implica violação do princípio do devido processo legal e da efetividade e da reparação integral – art. 5º, X e LV da CF/88.
Partindo dessa premissa, deve se lembrar que o Código de Processo Civil é aplicado subsdiriamente ao processo do trabalho, porém, “exceto naquilo em que for incompatível”
Ao nosso ver a decisão que aplica disposição do Código de Processo Civil sem ponderar a realidade prática dos processos trabalhistas e as peculiaridades das relações de trabalho não preenchem o requisito do art. 769 do CPC. Fere os art. 01º, IV e art. 170, caput, da CF/88, de modo que não observa a valorização do trabalho, permitindo a intromissão no ordenamento justrabalhista de figuras que não foram criadas observando a sua peculiaridade principiológica.
Todavia, longe desse posicionamento estar indene de críticas, como se trata de posicionamento da Corte Suprema do país, não havendo recurso contra esta decisão e expressando posição que provavelmente prevalecerá no exame dos processos objetivos (ADPF’s), recomenda-se que todas as empresas alegadamente pertencentes a grupos econômicos sejam incluídas na relação processual desde o início.
Referência Bibliográfica
[1] e [6] BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm;
[2] Disponível em https://www.tst.jus.br/documents/10157/da3c9335-8a7f-4ed9-b27a-865034d7e1c1;
[3] “Súmula nº 205 do TST. GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE
(cancelada) — Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução”;
[4] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm; [7]Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5544613>.