DISTINÇÕES ENTRE O ESTUPRO E A IMPORTUNAÇÃO SEXUAL: DIFERENÇAS E CARACTERÍSTICAS NA APLICABILIDADE LEGISLATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6612298


Autores:
Mariane Brito dos Santos
Talita Machado Silva Alves

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo pesquisar sobre as distinções de aplicabilidade legislativa face aos crimes que se configuram como estupro e aqueles que se dão como importunação sexual, trazendo uma visão distintiva dos dois delitos e suas principais diferenças, apontando motivos que incitaram a necessidade de distinção de ambos os delitos. A presente discussão compartilha do objetivo de promover narrativas compreensivas sobre casos de abuso e estupro amplamente divulgados nos últimos anos e refletir sobre os elementos que os articulam. O que guia a escrita, além do propósito de analisar alguns dos casos com o arcabouço e as ferramentas metodológicas das ciências sociais. Não há dúvidas de que esta lei ganhou corpo após a intensificação da discussão a respeito de qual norma penal deveria incidir sobre a conduta do agente que ejaculou em uma passageira, dentro de um ônibus de transporte público do município de São Paulo. É que, após ter sido preso por estupro, o acusado foi posto em liberdade, por ter o magistrado entendido, in casu, tratar-se da prática, em tese, da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (artigo 61 da Lei das Contravenções Penais), fato que obstava a prisão do agente. Desta forma, a novatio legis passou a criminalizar a conduta de quem praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, cominando, como sanção, uma pena privativa de liberdade que varia de um a cinco anos de reclusão, “se o ato não constitui crime mais grave” (princípio da subsidiariedade)

1 INTRODUÇÃO

A ideia inicial aqui posteriormente apresentada será distinguir especificamente os dois crimes caracterizados como estupro e importunação sexual, o artigo visa esclarecer a aplicabilidade legislativa de ambos os delitos e como eles são distinguidos pela lei brasileira, os motivos e outros que incitaram essa diferenciação, apresentando ideias de renomados autores que enriquecem a pesquisa em questão.

Segundo o doutrinador Cleber Masson (2015, p.04) o Direito Penal é um conjunto de princípios e regras destinados a combater o crime e a contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal. Cuida-se do ramo do Direito Público, por ser composto de regras indisponíveis e obrigatoriamente impostas a todas as pessoas. Além disso, o Estado é o titular exclusivo do direito de punir e figura como sujeito passivo constante nas relações jurídico-penais.

Cezar Roberto Bitencuort (2015, p.37) complementa que o direito penal regula as relações dos indivíduos com a sociedade, e é um meio de controle social altamente formalizado, exercido sob o monopólio do Estado, sendo também um conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo desse Estado, tendo em vista os fatos de natureza criminal e as medidas aplicáveis a quem os pratica

Dentre essas práticas vistas de crimes contra a dignidade sexual uma das mais comuns é a do Estupro, que esta descrita no artigo 213 do Código Penal (CP) onde se estabelece que o delito consista em: “(…) constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Segundo o doutrinador Rogério Greco em seu Código Penal Comentado (2009, p.547) determina-se que os elementos em destaque que integram a figura típica do estupro é a conduta de constranger alguém, tendo por finalidade a pratica da conjunção carnal com o emprego da violência ou grave ameaça.

Sendo assim este crime é caracterizado como hediondo conforme delimitado na Lei 8072/90, estes são os crimes entendidos pelo poder legislativo como os que merecem maior reprovação por parte do Estado, especificando em dito popular como ato profundamente, imundo, horrendo, que automaticamente gera uma repugnância na moral da sociedade. A Importunação Sexual, antes conhecida como Importunação Ofensiva ao Pudor ou Atentado Violento ao Pudor, deixou de ser vista como uma contravenção penal em 25 de Setembro de 2018 pela Lei 13.718/218, a partir da revogação do artigo 61 das Leis de Contravenções Penais

(LCP), alterando dispositivos concernentes aos crimes contra a liberdade sexual e contra vulneráveis, criando assim novos tipos penais, dentre eles a criminalização da Importunação Sexual.

O Artigo 215-A que dispõe sobre a Importunação Sexual diz que se conceitua em: “(…) Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro (…)”. Ou seja, o indivíduo que praticar contra alguém sem o emprego de violência ou grave ameaça ato que tenha como objetivo satisfazer sua vontade sexual ou a de terceiro (tocar em partes íntimas, beijo forçado, ETC) cometera o novo crime contra a dignidade da pessoa humana.

De acordo com o Procurador de Justiça/MPPR Claudio Rubino Zuan Esteves, Coordenador geral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias que dissertou juntamente com outros profissionais Breves Apontamentos sobre a nova Lei 13.718/2018 (2018, p.05) e o Parecer Substantivo da Câmara dos Deputados, a inclusão se justifica em razão do aumento nos registros de casos de violação á dignidade sexual em todo país nos últimos tempos.

Decorria, justamente, de discussões levantadas acerca da lacuna na lei penal para amoldar condutas praticadas sem o emprego da violência física ou grave ameaça as quais o apenamento previsto anteriormente para contravenção (art. 61 LCP) se mostrou insuficiente.

De fato, antes da mudança, as figuras típicas possíveis para atos dessa natureza seriam, o Estupro (art.213, CP), Violação Sexual Mediante Fraude (art.215, CP) ou a Importunação Ofensiva ao Pudor (art.61, LCP), porém, existiam fortes divergências quanto a aplicação de um ou de outro destes dispositivos. Isso, porque, em alguns dos casos, os abusos não consentidos decorriam de um ataque surpresa a vítima, sem violência, nem intimidação, e sem lhe dar oportunidade de manifestar sua recusa mediante os atos.

Em um cenário como este, ao que parece, viu-se a necessidade de alterar a legislação penal, fazendo-o com o acréscimo do artigo 215-A, no qual se procurou tornar mais clara a potencialidade desta modalidade criminal e de outras condutas semelhantes.

2 IMPORTUNAÇÃO SEXUAL: UMA VISÃO REALISTA DA CARACTERIAÇÃO DO DELITO

A lei caracteriza como crime de importunação sexual a realização de ato libidinoso na presença de alguém e sem seu consentimento, como toques inapropriados ou beijos “roubados”, por exemplo. O texto especifica assim o crime: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A importunação sexual difere do assédio sexual, que se baseia em uma relação de hierarquia e subordinação entre a vítima e o agressor.

A proposta de lei que trouxe a tona a necessidade de um artigo que especificasse a importunação sexual como crime na legislação brasileira, ganhou força, e foi posteriormente aprovada, após repercutirem casos de homens que se masturbaram e ejacularam em mulheres em ônibus. Um dos episódios de maior repercussão ocorreu em São Paulo, em 2017. O caso ocorreu dentro de um ônibus no Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo, quando um homem simplesmente decidiu tirar o seu membro pra fora e então começou a praticar o ato na mulher que estava sentada ao seu lado, até que ejaculou na mesma. A Justiça de São Paulo relaxou o flagrante e expediu alvará de soltura do rapaz, o que gerou então grande revolta na população.

Após isso, precisou-se haver uma grande discussão pois a legislação tinha uma brecha, onde casos como esse não se configurava em crime de estupro, e antes da aprovação da lei, tais situações eram considerados contravenções penais, com pena de multa. A partir disso, viu-se a necessidade de então especificar que agora caracterizada importunação sexual é crime, e quem pratica casos enquadrados como importunação sexual poderá pegar de 1 a 5 anos de prisão.

2 ESTUPRO: DISTINÇÕES E PECULIARIDADES DO DELITO

O direito penal sexual é uma complexa ramificação do direito penal que sofreu grande influência da moral e dos bons costumes. Sua conceituação é tumultuada, marcada por diversas influências da sociedade. Para compreendê-lo, faz-se necessário explorar a formação do código penal, a criação das leis, normas e regulamentos, bem como as modificações que a evolução da sociedade lhe trouxe. A sociedade interpreta um papel fundamental na regulação do direito penal sexual. Regrada pelo patriarcalismo, temas como pudor, moral, honestidade e costumes possuem grande influência na construção e aplicação da lei penal.

Há complexidade e divergências, também, na conceituação do bem jurídico a ser tutelado. Na atualidade, entende-se que o que deve ser tutelado é a liberdade e a dignidade sexual. Contudo, apesar de mudanças significativas na legislação, essa determinação ainda é vaga e problemática em apontar e regular os crimes contra a dignidade sexual.

De acordo com o Código Penal Brasileiro em seu artigo 213 (na redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Nos últimos anos, o tema da cultura do estupro ganhou visibilidade a partir da ampla divulgação pela mídia de diferentes casos de abuso. Alguns desses episódios causaram comoção em uma parcela das(os) expectadoras(es), gerando ainda debates nas redes sociais, além de reflexões textuais e imagéticas1 sobre algo mais amplo que os fatos em si. Pauta-se um debate sobre os motivos pelos quais os casos de estupro e abuso de mulheres e meninas são tão recorrentes, mas, apesar disso, continuam sendo observados como fatalidades que se relacionam com descuidos e irresponsabilidades de quem sofreu os abusos, ou, ainda, como fruto de uma sexualidade desviante e criminosa de uma parcela muito reduzida dos homens.

É sempre urgente para mulheres formular argumentos que comuniquem por que e como é grave viver com o medo e o perigo de ser potencialmente violada o tempo inteiro. A perenidade dos abusos é conhecida, contudo, observa-se uma disputa de narrativas cada vez que um caso desses vem a público. Parece sempre necessário, então, descrevê-los de forma distinta daquela em que são abordados em alguns noticiários, discutindo como e por que meninas e mulheres são as vítimas, não só de um homem, mas de um coletivo que compartilha valores e práticas de masculinidade.

3 DIVERGÊNCIAS DA CARACTERIZAÇÃO LEGISLATIVA

Em decorrência do tópico anterior, onde se analisou brevemente as divergências existentes sobre a aplicação da lei em crimes como o Estupro e a Importunação Sexual, é possível concluir que a condição gerou alguns conflitos judiciários, apesar de que grandes partes destas desavenças ocorreram anteriormente à reforma trazida perante a Lei 13.718/2018, no entanto gerou atualmente a importância de esclarecer a distinção entre os crimes, que são cada vez mais comuns no meio social.

Pode-se analisar que os aplicadores e doutrinadores do direito os confundiam e os relacionavam de formas distintas e algumas vezes controversas, trazendo complicações para a resolução de casos que envolviam um ou outro delito, surgindo assim relevância em delimitar algumas importantes diferenças as quais os mesmos possuem bem como sob quais medidas se amparam os artigos que trazem à tipificação de ambas as práticas.

Observa-se que nos dias atuais casos como o de Estupro vem se tornando cada vez mais comum no meio social. Segundo dados do 13° Anuário de Segurança Pública só no ano de 2018 foram em média 66 mil vítimas no Brasil, totalizando um geral de 180 estupros por dia, foi o relato de maior número de crimes deste tipo desde 2007 sendo a maioria das vítimas menores de idade e principalmente do sexo feminino e 50,9 destas são negras.

Tendo em vista os dados demonstrados, e a alta porcentagem deste crime crescendo drasticamente nas últimas décadas, conclui-se que a violência sexual se tornou uma das formas de agressão mais vistas e temidas no meio social, examinemos a partir de então o surgimento do novo dispositivo do Código Penal referente à Importunação Sexual, uma nova tipificação dentre os crimes de natureza sexual que surgiu como uma nova forma de resolução dessa e de práticas derivadas, cada vez mais frequentes.

O Doutrinador e Promotor de Justiça de São Paulo, Cleber Masson em sua 9ª edição do livro Direito Penal – volume 3 – Parte Especial; trouxe umas das primeiras impressões sobre o crime de importunação sexual, expondo o caso de Diego Ferreira Novais que ficou conhecido na mídia como “Ejaculador de ônibus”, fato que causou tamanha repercussão social e jurídica.

Ocorria que o indivíduo costumava se embrenhar em transportes públicos como ônibus e coletivos e se masturbar até ejacular em mulheres que estivessem próximas a ele que estivessem desatentas e somente percebiam o ato já em acontecimento, impossibilitando defesa. O mesmo foi preso por diversas vezes, mas sem êxito de sua permanência, pois a conduta de inicio foi adequada à contravenção penal de Atentado Ofensivo ao Pudor (art.61, LCP), penalização esta que não permitia o aprisionamento, pois era isolada apenas em multa, causando assim uma alarmante revolta geral em sociedade.

O caso também foi atribuído á outros artigos na tentativa de dar-lhe uma resolução satisfatória, se levantou, no entanto, a possível configuração do crime de Ato Obsceno (artigo 233, CP) o qual também padeceria por insuficiência protetitva, pois a aplicação da pena privativa de liberdade era mínima e poderia ser substituída somente pela aplicação de multa. Até mesmo o crime de Injúria Real (artigo 140, § 2º.CP) foi apresentado como possível solução, mas por fim também se mostrou falho.

Um dos principais impasses dos legisladores se deu quando por fim o fato veio a ser possivelmente tipificado como crime de Estupro (artigo 213, CP) ou ate mesmo Estupro de Vulnerável (artigo 217 – A, CP). Onde surgiu a grande divergência e dificuldade de interpretação diante dos fatos, gerando inúmeras duvidas, pois alguns legisladores e até mesmo doutrinadores que dissertavam sobre o ocorrido entendiam que o ato se atribuía perfeitamente ao de Estupro e nenhum outro tipo penal se adequaria melhor ao sucedido, pois trazia a penalização adequada que traria satisfação social e justificavam que havia constante violação das vítimas, enquanto outros defendiam a tese de que faltavam detalhes importantes para classificá-lo como tal.

Mediante esses conflitos de idéias, geraram-se dúvidas, principalmente entre a população alarmada e amedrontada com o episódio que teve repercussão nacional, onde diversos legisladores viram a necessidade de estabelecer as diferenças que poderiam ser apontadas entre crime de Estupro e de um possível novo tipo penal semelhante que pudesse se encaixar mais adequadamente na resolução do delito em questão.

Foi, portanto, da falha interpretativa que assolava os legisladores, indivíduos portadores de títulos acadêmicos, ocupantes de altos cargos e até reconhecidos como supostos “intelectuais”, que, no entanto se mostraram incapazes de compreender determinados fatos, que emergiu do Congresso Nacional o novo crime de “Importunação sexual” (artigo 215 – A, CP), criado pela Lei 13.718/18 (citado no tópico anterior).

Perante isso o doutrinador Plínio Antonio Britto Gentil em seu Código Penal Comentado (2019, p.598) trás uma importante análise de que a Objetividade Jurídica do Estupro é em sentido amplo, a dignidade sexual da pessoa, que especificamente, pode ser entendida como respeito alheio ao sujeito quanto a sua capacidade de se auto determinar relativamente á atividade sexual; é subespécie de categoria maior dignidade, atribuído de todo ser humano, reconhecida em convenções internacionais e pela Constituição Federal como fundamento da República.

Em sentido estrito, o bem jurídico tutelado é a liberdade sexual, categoria mais completa de liberdade do indivíduo, relacionar ao seu corpo e ao uso que ele pretende fazer, atuando livremente, sem ingerências ou imposições de terceiros, através da violência ou da grave ameaça, detalhe que diferencia em parte o Estupro da Importunação Sexual.

Plínio Antonio (2019, p.609) trás também análise de que a Objetividade Jurídica da Importunação Sexual recai sobre a dignidade sexual ou a vulnerabilidade sexual de alguém, assegurando-lhe o direito de não ser incomodado ou perturbado e o de recusar-se a condutas de caráter libidinoso. Surge então como figura típica intermediária, que deve solucionar ou corrigir, inclusive em relação às situações pretéritas, pela retroatividade da lei penal mais benéfica, a tendência a uma quase indiscriminada subsunção legal de práticas libidinosas aos crimes de Estupro e Estupro de vulnerável.

Já existem divergências entre a idéia de que a inserção do novo artigo do CP de certa forma beneficiou os réus, trazendo uma punição mais tolerante em relação à do crime de Estupro, e demais em defesa de que o mesmo surgiu a para buscar solucionar conflitos que antes da vigência do artigo 215-A, a aplicação da pena se tornava muito branda ou impetuosa frente a gravidade da conduta e a importância do bem jurídico atingido.

4 TEORIAS RELEVANTES

A teoria aqui aplicada tem renomados doutrinadores tais como Rogério Greco, Guilherme Nucci, Cézar Roberto Bitencuort e entre outros. No entanto o projeto basea-se, maiormente na 9° Edição do Livro de Direito Penal Parte Especial- Vol. 3, obra atualizada com a legislação penal lançada ao longo de 2018 e início de 2019 do ilustríssimo Cleber Masson contendo visões sobre as mudanças e atualizações no crime de Estupro e as devidas adaptações da lei 13.718/18, sob qual emergiu o delito de Importunação Sexual.

Inicialmente o Promotor de Justiça de São Paulo (MASSON, 2018, p.03) relembra a antiga redação original do Código Penal, “estabelecida pelo Decreto-lei 2.848/1940, onde existiam dois crimes sexuais cometidos com emprego de violência ou grave ameaça, definidos entre os “crimes contra os costumes”: estupro e atentado violento ao pudor.”

Na redação do artigo 213 do Código Penal se determinava que a tipificação do crime consistia em “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” , e delimitava estritamente que para ser considerado de fato Estupro era necessário haver uma relação heterossexual, não se admitindo outras possibilidades.

O autor ainda ressalta que no delito de atentado violento ao pudor (art. 214) o tipo penal apresentava a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Em ambos os delitos, o núcleo era “constranger”, mediante emprego de violência ou grave ameaça. No estupro, entretanto, buscava-se a conjunção carnal, enquanto no atentado violento ao pudor o objetivo almejado pelo agente era qualquer outro ato libidinoso, fato este que veio a ser alterado e inovado mediante a Lei 12.015/2009 de acordo com Cleber Masson,

Este quadro foi alterado pela Lei 12.015/2009. Inicialmente, deixaram de existir os crimes contra os costumes, e entraram em cena os “crimes contra a dignidade sexual”. Entretanto, várias outras modificações também foram implementadas, destacando-se a fusão, em um único delito, dos crimes outrora tipificados nos arts. 213 e 214 do Código Penal. O alcance do estupro foi ampliado, alargando-se o raio de incidência do art. 213, em face da revogação formal do art. 214, anteriormente responsável pela definição do atentado violento ao pudor. (MASSON, 2018, p.05)

Com a fusão dos delitos surgindo para que ambos os crimes se tornassem mais completos, o crime de Estupro se tornou em sentido amplo e passou a abranger então demais tipos de relações sexuais, como as homoafetivas, lesbianas e outras, ao integrar o verbo

“alguém” o Código Penal demonstrou-se preocupado não somente com os indivíduos do sexo feminino, como explicito anteriormente, mas sim com todo ser – humano que pudesse ser exposto ao risco de abster-se de sua dignidade sexual sem que houvesse o consentimento necessário.

Passando a partir de então ter como Objetividade Jurídica não somente a proteção do corpo da mulher, mas “a dignidade sexual e, mais especificamente, a liberdade sexual, bem como a integridade corporal e a liberdade individual de um todo, pois o delito tem como meios de execução a violência à pessoa ou grave ameaça.” (MASSON, 2018, p.07)

Partindo do exposto que relaciona essa fusão, Cleber também esclarece visões sobre o novo crime de Importunação Sexual, que é um derivado dos Crimes contra a Dignidade Sexual, trazendo a história (descrita no tópico anterior) de Diego Ferreira Novais e a grande repercussão de seu caso, principalmente sobre o controverso e curioso fato de inicialmente os legisladores não terem obtido êxito em puni-lo como necessário.

Inicialmente o crime foi atribuído ao artigo 61 do LCP, mas o mesmo não tinha a punição adequada especificamente aquele tipo delituoso, como visto anteriormente, contudo surigiu então uma lacuna na lei. Cleber Masson descreve a partir de então que,

O caso revelou um vácuo na legislação brasileira. De um lado, estava o crime de estupro, de natureza hedionda; na outra extremidade, a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, de menor potencial ofensivo. Era imprescindível a criação de uma figura intermediária, sem a gravidade do estupro, mas também sem a brecha para a impunidade da contravenção penal.

A brecha na Lei foi preenchida a partir do efeito negativo que o Caso de Diego Ferreira causou no país, sendo vista a necessidade de um novo tipo penal que se encaixasse adequadamente com o ocorrido, por essa razão a Lei 7.318/18 criou o artigo 215-A que é o crime de Importunação Sexual, punido com reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. Além disso, o art. 3.º, II, da Lei 13.718/2018 revogou o art. 61 do Decreto-lei 3.688/1941, eliminando a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.

MASSON (2018, p.20) descreve o ato libidinoso, retratado no artigo 215-A como aquele que é praticado pelo agente contra pessoa determinada (ou pessoas determinadas) e, evidentemente, contra a vontade desta. Com efeito, se a pessoa concorda com o ato libidinoso, não há ofensa à sua liberdade sexual, e o fato se reveste de atipicidade penal.

Compreende-se por ato libidinoso qualquer ato revestido de conotação sexual, destacando-se para fins deste delito a masturbação, os toques íntimos e o contato corporal erótico, a exemplo daqueles que infelizmente acontecem em meios de transporte coletivo (ônibus, trens, metrôs etc.), o autor complementa dizendo que em síntese, o art. 215-A do Código Penal destina-se a proteger as pessoas contra o incômodo, a perturbação, o molestamento de alguém por meio da natureza sexual.

5 JUSTIFICAÇÕES DA IMPORTANCIA NA DISTINÇÃO DOS DELITOS

Um dos pontos mais importantes há se justificar é que inicialmente a Importunação Sexual se tornou uma grande novidade no meio jurídico, sendo tipificada muito recentemente como crime em Setembro de 2018, anteriormente recebia o nome de Importunação Ofensiva ao Pudor e era considerada apenas uma contravenção penal, abrangendo assim um menor número de possibilidades punitivas encontrava-se restrita em apenas algumas ações penais, e em grande parte dos casos tais ações não alcançavam o objetivo penal de gerar a condenação que trouxesse maior efeito corretivo aos delitos e seus praticantes.

Atualmente, sendo a Importunação Sexual reconhecida devidamente como um crime (com pena de 1 a 5 anos) ganhando nova forma, nova denominação e trazendo atualizações significativas, surgiu a importância de se discutir e esclarecer sobre o assunto principalmente a população, que apesar de ter convívio e conhecimento de eventos jurídicos ocorrentes no país, na grande maioria das vezes não sabem ao certo os impactos que tamanha alteração na lei podem gerar bem como os benefícios que especificamente esta novidade do artigo 215-A do Código Penal trouxe, como formas mais severas de punição a atos que anteriormente nem mesmo se consideravam crime (apenas contravenção), ampliando também o alcance deste novo artigo a casos que anteriormente não traziam resolução satisfatória a sociedade.

Sendo assim, instaurou-se um intenso debate sobre o rigor da legislação penal brasileira e a dificuldade, muitas vezes, de se realizar a adequada subsunção do fato à norma, o que fez com que nosso legislador adotasse uma conduta mais discreta e intermediária, procurando fazer um ajustamento mais conveniente do tema.

É que, com a leitura do caput do novo artigo 215-A do Código Penal, verifica-se uma curiosa descrição da conduta ali tipificada: em relação às contravenções penais previstas nos artigos 61 e 65 da Lei das Contravenções, a novatio legis é prejudicial ao réu, pois comina uma pena maior e ainda classifica a conduta como crime, retirando-a do patamar de mera contravenção. Não se olvida, aliás, que o artigo 61 foi expressamente revogado pela Lei 13.718/18.

Todavia, em relação ao crime de estupro, a novatio legis é claramente favorável ao réu, o que poderia ensejar sua retroatividade benéfica e, consequentemente, a desclassificação de condutas para a tipificada no novo crime de importunação sexual.

Antes da nova lei, poder-se-ia configurar, ao menos em tese, o crime de estupro, a depender da interpretação do caso concreto. Agora, com este “crime intermediário”, não há como enquadrar a conduta do suposto infrator ao crime mais grave, uma vez que a tipificação do artigo 215-A é bastante clara. Mas essa dicotomia é suficiente apenas para os crimes praticados a partir da vigência do artigo 215-A. As condutas anteriores ainda podem pairar sob uma nuvem hermenêutica interessante e permite alçar interessantes voos a seu repeito.

Como, em exemplo já citado no decorrer do artigo, o caso extremamente curioso e de difícil resolução de Diego Ferreira Novais (O Ejaculador de Ônibus), ocorrido no dia 29 de agosto de 2017 na cidade de São Paulo, gerou tamanha revolta social, maiormente por não ter uma tipificação no Código Penal que trouxesse a punição merecida e/ou esperada, surgindo assim tamanhos conflitos entre legisladores, doutrinadores e em grande parte da população trazendo a necessidade da tipificação penal do crime conhecido como Importunação Sexual.

Baseando-se nos fatos descritos, deu-se a inevitabilidade de esclarecer como funciona o novo artigo 215-A ao qual finalmente trouxe satisfação na punição de Diego Ferreira, bem como sua distinção com o crime de Estupro os quais foram repetitivamente confundidos entre si, sendo ambos os crimes atentados Contra a Dignidade Sexual da Pessoa aos quais vem lamentavelmente se tornando cada vez mais comuns em nosso meio social, tendo em vista o aumento nos números de ambos os casos, a população busca ter um maior entendimento, ou ao menos alguma noção mais abrangente de com o que, ou como, podem lidar em determinadas situações, e qual tipo de punição deveria ser estritamente direcionada a cada uma destas.

O presente estudo visa investigar e apontar determinados fatos ocorridos que geraram perturbação e contradições no meio social e jurídico quanto ao novo artigo 215-A do CP, assim como tamanhas divergências ocorridas com o artigo-213(CP) referente ao Estupro.

Tende a pesquisa analisar o motivo de tais controvérsias bem como apontar a solução para tais problemas, citando acontecimentos e posicionamentos de diferentes doutrinadores tais como os ilustríssimos Rogério Greco e Cleber Masson, entre outros renomados autores que trouxeram riquezas de informações a presente pesquisa, bem como a exposição de condutas criminosas que ocorreram gerando esta divergência de visões analíticas e quais benefícios a criação do crime referente a Importunação sexual trouxe.

O objetivo se estende mais especificamente a trazer ao grupo de leitores que tiverem acesso a pesquisa uma visão maiormente ampliada sobre tais crimes, podendo conhecer de forma sucinta e resumida o motivo do surgimento e as formas de aplicação do novo art. 215A, buscando demonstrar exemplos de uma situação já ocorrida anteriormente (caso de Diego Ferreira frisado em tópicos anteriores) e quais efeitos surgiram mediante a resolução deste determinado problema, qual a satisfação social que o novo método jurídico trouxe e/ou pode trazer, demonstrando a todos a eficácia de tais artigos e a enorme importância de conhecer um pouco mais sobre essa classe de crimes sexuais aos quais se tornam cada vez mais comuns em nosso país.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo foi executado com informações teóricas sobre o respectivo tema, consiste inicialmente em uma pesquisa definida, quanto aos seus objetivos, como exploratória, que consiste em realizar um estudo no qual o principal objetivo da pesquisa que foi realizada é familiarizar-se com o fenômeno que esteve sendo investigado, de modo que a pesquisa subsequente pode ser concebida com uma maior compreensão, entendimento e precisão, assim como também considera-se uma pesquisa descritiva, pois a mesma teve como alvo observar, registrar, analisar e correlacionar fatos que ocorreram trazendo aparato para o presente estudo.

No que se diz respeito aos procedimentos a pesquisa é classificada como bibliográfica pois foram utilizadas fontes secundárias, tais como livros de renomados autores que discorriam sobre o tema em questão, com clareza e precisão, trazendo fatos ocorridos e resolução de casos que foram citados no decorrer do trabalho científico.

Por tanto já referindo-se a abordagem da pesquisa, podemos classificá-la como qualitativa pois na mesma foi utilizados meios onde se buscam percepções e entendimentos sobre a natureza geral da questão em discussão, abrindo-se espaço para a análise, justamente porque as informações por meio dela obtidas não podem ser quantificáveis, por isso não podendo ser classificada como uma pesquisa quantitativa.

Por fim, a presente pesquisa finaliza-se expondo as distinções entre a aplicabilidade destes delitos, que por muitas vezes, são confundidos. Através dos estudos aqui apresentados é possível perceber entraves históricos e teóricos ao dispositivo legal do estupro no contexto brasileiro. Assim, não há como não fazer referência à cultura do estupro, termo que surgiu na década de 70, nos EUA, por feministas da chamada segunda onda, usado pra descrever um ambiente, uma sociedade ou comportamentos que normalizam a violência sexual contra as mulheres, que são a grande maioria das vítimas por este crime.

Após muito se discutir e tamanhas divergências ocorrerem de forma que houve a extrema necessidade de que as vítimas que sofressem, não somente com o estupro, mas com importunações também fossem devidamente defendidas, por isso a lei 13.718 que tipificou a conduta descrita no novo artigo 215-A do Código Penal, trouxe importantes modificações em nosso ordenamento jurídico-penal, fazendo com que a necessidade da população fosse atendida e nenhum tipo de ato sexual que ofenda a honra de alguém fique impune.

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