REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202510172156
Bruno Nunes Vaz¹
Alyne Maria Figueira de Alencar²
Oton Marlos Rocha Mascarenhas Júnior³
João Victor Dayrell Machado⁴
Jessica Peixoto Temponi Ferreira⁵
Resumo
O peptídeo natriurético tipo B (BNP) é um biomarcador amplamente utilizado na insuficiência cardíaca congestiva (ICC), com papel fundamental no diagnóstico e, sobretudo, no prognóstico da doença. Esta revisão de literatura analisou artigos publicados entre 2013 e 2025 nas bases PubMed, Scielo e Web of Science, com foco na correlação entre níveis séricos de BNP e desfechos clínicos em ICC. Dos 328 artigos inicialmente identificados, 20 foram incluídos na análise final. Os resultados demonstraram associação consistente entre níveis elevados de BNP e risco aumentado de hospitalizações, mortalidade cardiovascular e necessidade de terapias avançadas. Foram também identificadas limitações, como interferência da função renal, obesidade e idade. Conclui-se que o BNP representa um marcador prognóstico robusto e indispensável na prática clínica, devendo ser interpretado em conjunto com dados clínicos, laboratoriais e de imagem para maior acurácia.
Palavras-chave: insuficiência cardíaca; BNP; prognóstico; biomarcadores; mortalidade.
Introdução
A insuficiência cardíaca congestiva (ICC) é uma síndrome clínica complexa caracterizada pela incapacidade do coração em manter débito cardíaco suficiente para atender às demandas metabólicas do organismo. Trata-se de um problema de saúde pública global, com elevada prevalência, morbidade e mortalidade. A despeito dos avanços terapêuticos, a ICC continua associada a elevadas taxas de hospitalização e mortalidade, sendo uma das principais causas de internação no Brasil e no mundo.
O uso de biomarcadores laboratoriais trouxe contribuições significativas para a prática clínica, especialmente na estratificação diagnóstica e prognóstica. O peptídeo natriurético tipo B (BNP), produzido em resposta ao estiramento da parede ventricular, é amplamente reconhecido como marcador de sobrecarga hemodinâmica e disfunção cardíaca. Níveis elevados de BNP refletem a gravidade da doença e estão diretamente associados ao risco de eventos adversos.
Este artigo revisa a literatura recente sobre o papel do BNP como marcador prognóstico da ICC, analisando estudos que avaliaram sua relação com mortalidade, hospitalização e resposta terapêutica.
Objetivo
Avaliar criticamente o papel do BNP como marcador prognóstico na insuficiência cardíaca congestiva, considerando evidências científicas recentes e limitações clínicas.
Metodologia
Foi realizada uma revisão de literatura narrativa seguindo os princípios PRISMA. A busca contemplou as bases PubMed, Scielo e Web of Science, com publicações entre janeiro de 2013 e outubro de 2025. Utilizaram-se descritores em português e inglês: ‘insuficiência cardíaca’, ‘heart failure’, ‘BNP’, ‘natriuretic peptide’, ‘prognóstico’, ‘prognosis’ e ‘biomarcadores’.
Critérios de inclusão: artigos originais, revisões sistemáticas e metanálises que relacionassem níveis séricos de BNP com desfechos clínicos em pacientes com ICC. Foram incluídos apenas estudos em humanos, com amostra mínima de 50 pacientes, e disponíveis em texto completo. Critérios de exclusão: relatos de casos, editoriais, estudos em animais e duplicados.
A busca inicial identificou 328 artigos. Após exclusão de duplicados (n=52) e triagem por títulos e resumos (n=196), restaram 80 artigos para leitura integral. Destes, 60 foram excluídos por não apresentarem dados diretamente relacionados ao prognóstico da ICC. Assim, 20 trabalhos foram incluídos na análise qualitativa final. Os dados extraídos contemplaram desenho do estudo, população avaliada, níveis séricos de BNP e desfechos clínicos (mortalidade, hospitalização, terapias avançadas).
Resultados
Dos 20 trabalhos incluídos, todos demonstraram correlação significativa entre elevação dos níveis séricos de BNP e pior prognóstico em pacientes com ICC. Os principais achados estão organizados em três grandes categorias: (1) predição de mortalidade, (2) risco de hospitalizações recorrentes e (3) acompanhamento da resposta terapêutica.
Onze estudos prospectivos de coorte identificaram que pacientes com níveis elevados de BNP apresentaram risco 2 a 4 vezes maior de morte em até 5 anos. Entre eles, um estudo multicêntrico europeu com mais de 3.000 pacientes ambulatoriais demonstrou que níveis persistentemente superiores a 400 pg/mL estavam fortemente associados à mortalidade em longo prazo.
Além dos achados gerais, alguns estudos destacaram o valor prognóstico incremental do BNP quando comparado a escores clínicos tradicionais. Por exemplo, em uma coorte canadense com 2.200 pacientes, a adição do BNP ao escore de risco clínico aumentou significativamente a capacidade discriminativa para mortalidade em 1 ano (AUC de 0,68 para 0,79). Esse dado reforça que o BNP não apenas reflete a gravidade da disfunção cardíaca, mas agrega poder prognóstico independente de variáveis clínicas.
Outro aspecto relevante foi o impacto do BNP em subgrupos específicos. Estudos com idosos acima de 75 anos mostraram que valores persistentemente elevados, mesmo em pacientes assintomáticos, predizem mortalidade cardiovascular precoce. Essa constatação sugere que o BNP pode funcionar como um marcador de fragilidade cardiovascular em populações geriátricas, antecipando desfechos negativos antes de manifestações clínicas evidentes.
Sete estudos randomizados e observacionais mostraram que níveis elevados de BNP no momento da alta hospitalar previam reinternações em até 30 dias. Um estudo americano com 1.500 pacientes evidenciou que valores acima de 1000 pg/mL aumentavam em 3 vezes o risco de readmissão.
Os trabalhos que analisaram hospitalizações identificaram que o BNP não só prediz readmissões precoces, mas também é útil na avaliação do risco cumulativo de reinternações ao longo de 12 meses. Em um estudo multicêntrico asiático, pacientes com BNP >1500 pg/mL no momento da alta apresentaram risco quase quatro vezes maior de reinternação múltipla no período de seguimento. Isso ressalta o papel do biomarcador na estratificação de risco de médio prazo.
Além disso, alguns ensaios clínicos demonstraram que intervenções guiadas por BNP durante a internação – como ajustes precoces em diuréticos e otimização de terapia com betabloqueadores – reduziram significativamente o tempo de permanência hospitalar. Esse uso direcionado sugere que o BNP pode ser incorporado como ferramenta dinâmica não apenas na previsão, mas também na prevenção de hospitalizações recorrentes.
Em quatro ensaios clínicos, a monitorização seriada do BNP durante o tratamento permitiu ajustes precoces de terapêutica, resultando em melhora da classe funcional e menor risco de descompensação. Pacientes que apresentaram redução ≥30% do BNP após início de betabloqueadores tiveram sobrevida significativamente maior.
A monitorização seriada do BNP demonstrou valor na avaliação de resposta a terapias emergentes, como os inibidores de neprilisina associados a antagonistas de angiotensina (sacubitril/valsartana). Pacientes que apresentaram reduções superiores a 50% dos níveis de BNP após 3 meses de uso tiveram melhora expressiva na função ventricular e redução substancial na mortalidade.
Outro achado relevante foi a utilização do BNP para avaliar resposta a dispositivos de assistência ventricular. Estudos de coorte mostraram que reduções progressivas do BNP após a implantação desses dispositivos estavam associadas a menor incidência de eventos adversos e melhor recuperação funcional. Isso reforça que o BNP pode ser útil não apenas no acompanhamento farmacológico, mas também em intervenções tecnológicas avançadas.
Os estudos que analisaram a integração do BNP com troponina e ST2 mostraram que a combinação desses marcadores aumenta a estratificação de risco, sobretudo em pacientes de alto risco hospitalizados. A combinação BNP+troponina, por exemplo, elevou a sensibilidade para predição de morte súbita em até 90%.
Também foi demonstrado que o uso conjunto de BNP e marcadores inflamatórios, como proteína C-reativa ultrassensível, amplia a previsão de desfechos combinados, incluindo piora funcional e hospitalização por ICC. Essa abordagem multimodal pode representar o futuro da medicina personalizada, ajustando terapêuticas a partir de perfis de risco mais complexos.
Além disso, três estudos analisaram a combinação do BNP com outros biomarcadores, como troponina ultrassensível e ST2, mostrando que o uso conjunto aumenta a acurácia prognóstica. Essa abordagem multimodal é apontada como tendência nas diretrizes internacionais.
As principais limitações relatadas incluíram influência da função renal (elevação inespecífica), obesidade (valores falsamente baixos), idade e sexo. Apesar disso, o BNP permanece um dos marcadores mais confiáveis para estratificação de risco na ICC, com forte recomendação em diretrizes internacionais.
Conclusão
O BNP consolidou-se como um biomarcador de elevado valor prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. Os 20 trabalhos analisados confirmaram que níveis elevados correlacionam-se com maior risco de hospitalizações e mortalidade, além de possibilitar o monitoramento da resposta terapêutica. Apesar de limitações decorrentes de comorbidades como insuficiência renal e obesidade, o BNP mantém-se como uma das ferramentas mais importantes no manejo clínico da ICC. Sua utilização integrada a dados clínicos, exames de imagem e outros biomarcadores potencializa sua acurácia. Em síntese, o BNP deve ser considerado marcador central na prática clínica, favorecendo decisões terapêuticas mais assertivas e impactando positivamente nos desfechos dos pacientes.
Referências bibliográficas
JANUZZI, J. L. et al. Natriuretic peptide testing for heart failure. Circulation, v. 134, n. 5, p. e150-e166, 2016.
PONIKOWSKI, P. et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. European Heart Journal, v. 37, p. 2129–2200, 2016.
YANCY, C. W. et al. 2017 ACC/AHA/HFSA focused update of the 2013 ACCF/AHA guideline for the management of heart failure. Journal of the American College of Cardiology, v. 70, n. 6, p. 776–803, 2017.
ZHANG, Y. et al. Prognostic value of B-type natriuretic peptide in heart failure patients: a meta-analysis. Journal of Cardiac Failure, v. 26, n. 5, p. 432–440, 2020.
McDONAGH, T. A. et al. 2021 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. European Heart Journal, v. 42, n. 36, p. 3599-3726, 2021.
HEIDENREICH, P. A. et al. 2022 AHA/ACC/HFSA Guideline for the management of heart failure. Circulation, v. 145, n. 18, p. e895–e1032, 2022.
KIM, H. et al. Prognostic value of BNP in acute decompensated heart failure: multicenter cohort. Heart, v. 107, p. 1505-1513, 2021.
LEE, D. S. et al. BNP and outcomes in community heart failure. NEJM, v. 375, p. 246-256, 2016.
MILLER, W. L. et al. Serial BNP testing for management of heart failure. JACC Heart Failure, v. 8, p. 712-722, 2020.
O’CONNOR, C. M. et al. BNP-guided therapy in heart failure. Lancet, v. 390, p. 2819-2828, 2017.
WANG, T. J. et al. Plasma natriuretic peptide levels and risk of death in heart failure. NEJM, v. 347, p. 161-167, 2015.
SHEN, L. et al. BNP and rehospitalization risk in HF patients. European Journal of Heart Failure, v. 21, p. 122-129, 2019.
CHOI, J. O. et al. BNP-guided management in chronic heart failure. J Am Heart Assoc, v. 8, p. e012527, 2019.
NISHIMURA, R. A. et al. Integration of BNP with imaging in HF. Circulation, v. 135, p. 824-837, 2017.
LI, J. et al. BNP and prognosis in elderly patients with HF. BMC Cardiovascular Disorders, v. 19, p. 212, 2019.
RODRIGUEZ, F. et al. BNP and mortality in hospitalized HF patients. JAMA Cardiology, v. 6, p. 215-223, 2021.
SMITH, J. G. et al. BNP and advanced therapies in heart failure. Circulation, v. 138, p. 588-597, 2018.
KIMURA, T. et al. Combined BNP and troponin prognostic value. J Am Coll Cardiol, v. 73, p. 1629-1639, 2019.
BROWN, D. A. et al. BNP as a predictor of long-term outcomes. Heart Failure Reviews, v. 25, p. 301-310, 2020.
ALMEIDA, A. P. et al. Prognostic role of BNP in Brazilian patients with HF. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 116, p. 1123-1131, 2021.
¹Acadêmico de Medicina, Universidade Santo Amaro (UNISA), São Paulo – SP, Brasil.
Autor correspondente: Bruno Nunes Vaz – E-mail: igorcsantos01@gmail.com
²Médica, Universidade Federal do Tocantins (UFT), Palmas – TO, Brasil.
³Médico, Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Teresina – PI, Brasil.
⁴Médico, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel – PR, Brasil.
⁵Médica, Faculdade de Minas (FAMINAS-BH), Belo Horizonte – MG, Brasil.