DIREITOS HUMANOS, O ANTAGONISMO AO SISTEMA PRISIONAL E A RESSOCIALIZAÇÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7636005


Andrea Borges Maciel
Adriano Luis Fernandes
Augusto Heck Nascimento
Teresinha de Fátima Rodrigues Machado dos Santos


RESUMO O presente trabalho está disposto de forma sucinta e objetiva a fim de proporcionar uma leitura clara e simples, para fins de pesquisa acadêmica, no que concerne a um alinhamento percorrido ao longo do tempo pela pena e a prisão daquele indivíduo cerceado da sua liberdade, e que desbravou, incansavelmente, por uma luta da sua dignidade como ser humano. Desta forma, necessário se faz uma breve explanação sobre os principais aspectos que levaram a desencadear a constitucionalidade dos direitos humanos culminando com a à ressocialização do egresso. Veremos, então, em um primeiro momento, abordagens históricas sobre as penas e as prisões, bem como suas evoluções ao longo da história, ou seja, o encarceramento do ser humano infrator em suas diferentes épocas e sob vários aspectos, trazendo a contribuição e a influência de Jhon Howard e Jeremy Bentham ao sistema penitenciário. Em um segundo momento, o presente artigo trata do princípio da dignidade humana no âmbito prisional apresentando legislação pertinente e desdobrando-se em uma convergente leitura sobre os aspectos relativos à ressocialização do ser humano privado de liberdade demonstrando as dificuldades enfrentadas, sendo, o mesmo merecedor do amparo legal ao deixar o sistema prisional, bem como ser inserido, novamente, na sociedade, amparado pelo poder estatal.

PALAVRAS-CHAVE: Pena. Prisão. Princípio da Dignidade Humana. Ressocialização

ABSTRACT– The present work is arranged in a succinct and objective way in order to provide a clear and simple reading, for academic research purposes, with regard to an alignment traversed over time by the penalty and the imprisonment of that individual restricted in his freedom , and which he tirelessly pioneered in a fight for his dignity as a human being. In this way, it is necessary to make a brief explanation about the main aspects that led to trigger the constitutionality of human rights culminating in the resocialization of the egress. We will see, then, at first, historical approaches to penalties and prisons, as well as their evolution throughout history, that is, the incarceration of human offenders in their different times and under various aspects, bringing the contribution and John Howard and Jeremy Bentham’s influence on the prison system. In a second moment, this article deals with the principle of human dignity in the prison environment, presenting relevant legislation and unfolding in a convergent reading on the aspects related to the resocialization of the human being deprived of liberty, demonstrating the difficulties faced, being, the same deserving of the support legal when leaving the prison system, as well as being inserted, again, in society, supported by state power.

KEYWORDS: Feather. Prison. Principle of Human Dignity. Resocialization

1 INTRODUÇÃO

Ao iniciar a leitura do presente estudo sobre as penas e as prisões, percebe-se que estas, ao longo dos tempos, sofreram transformações. Nos primórdios as penas eram cruéis, desumanas e degradantes, bem como as prisões eram lugares imundos.   

Atualmente, o que se percebe, no que diz respeito as penas é que estas deixaram de ser cruéis, no entanto, as prisões, por sua vez, ainda permanecem de forma precária.

O presente artigo apresenta uma breve explanação histórica desses dois institutos com o objetivo de que possamos compreender como aqueles que detinham o poder tratavam, naquela época, remotamente, as pessoas que eram encarceradas, as tantas  atrocidades que eram cometidas e, contrapondo-se aos novos tempos, devido as  mudanças contemporâneas, a implementação da conquista dos direitos constitucionais daquele indivíduo privado de sua liberdade, dentre eles, o princípio da sua dignidade como ser humano.

De outra banda, há de se salientar que, houve contribuições históricas influenciadoras nesse sentido, como John Howard e Jeremy Benthan.

Com o passar dos tempos e neste contexto, foi com o surgimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem no ano de 1.948 e também com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, ainda com o advento da Constituição Federal Brasileira de 1.988, que houve a mudança do cenário dos horrores frente às barbáries cometidas que se iniciou uma nova era de proteção à dignidade da pessoa humana,  na condição de estar encarcerada, objetivo do presente estudo, ficando estas, tuteladas pelos Entes Federativos.

Outrossim, diante da proteção legal ao princípio à dignidade humana constitucionalmente previsto, começou-se, por parte de defensores dos direitos humanos, uma luta incansável para que tais direitos não mais fossem violados e que, desta forma, o egresso possa retornar à sociedade para fins de atingir a sua ressocialização.

No presente trabalho foi utilizado o método de pesquisa exploratória de doutrinas, artigos científicos e legislações no intuito de ampliação do conhecimento e estudo.

2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA PENA E DA PRISÃO

O ser humano, desde a sua concepção, veio ao mundo para ser livre, uma característica que a ele é inerente. Com o passar dos tempos, o homem teve que se adequar a regras impostas por aqueles que detêm o poder para viver em sociedade de forma a respeitar os limites a ele impostos, o que nem sempre foi assim, como nos mostra a história, passando a tornar-se perigoso para o convívio social.

O autor Greco (2011, p. 125) diz que:

Segundo o livro de Gênesis, capítulo 3, versículo 8, Deus se encontrava com o homem sempre no final da tarde, ou seja, na virada do dia. Seu contato era permanente com ele. Contudo após a sua fatal desobediência, Deus se afastou do homem. Começava aqui, a história das penas. A expulsão do primeiro casal do paraíso, foi, com certeza, a maior de todas as punições. Logo após provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem deixou de lado sua pureza original, passando a cultivar sentimentos que até então lhe eram desconhecidos.
Anos mais tarde, a desobediência inicial do homem gerou o primeiro homicídio. Caim, enciumado pelo fato de que Deus havia se agradado mais da oferta de seu irmão, Aabel, traiçoeiramente o matou. Caim recebeu sua sentença diretamente de Deus, que decretou que ele seria um fugitivo e errante pela terra.

A partir desses acontecimentos, o homem não parou de praticar fatos graves contra seus semelhantes.

A primeira modalidade de pena foi consequência, basicamente, da chamada vingança privada tendo como seu único fundamento a vingança como pura e simples retribuição a alguém pelo mal que havia praticado podendo ser exercida não somente por aquele que havia sofrido o dano, como também por seus parentes ou mesmo pelo grupo social em que se encontrava inserido (GRECO, 2011), no entanto esclarece:

“maria josé Falcón y Tella e fernando Falcón y Tella (aput GRECO, 2011, pg.127) que durante milênios o castigo dos atos criminais se levava a cabo mediante a vingança privada. A intervenção da coletividade se dava somente para aplacar a cólera de um deus que se supunha ofendido. Se produzia uma identificação delito-pecado, ideia que informará durante anos de forma decisiva toda a fisionomia penal. Nesta evolução o talião supôs um tímido intento a fim de superar a absoluta arbitrariedade com que se aplicava a pena anteriormente”.

As modalidades de penas de um modo geral foram variando ao longo dos anos. Até praticamente o período iluminista, as penas possuíam um caráter aflitivo, ou seja, o corpo do homem pagava pelo mal que ele havia praticado. Seus olhos eram arrancados, seus membros mutilados, seus corpos esticados até se destroncarem, sua vida esvaía-se numa cruz; enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso. (GRECO, 2011, pg.128).

A partir do final do século XVIII, as penas corporais, aflitivas, foram sendo substituídas, aos poucos, pela pena de privação de liberdade que, até aquele momento, era tida tão somente como medida cautelar, ou seja, sua finalidade precípua era fazer que o condenado aguardasse, preso, a aplicação de sua pena corporal. (GRECO,2011, pg. 128-129).

A prisão do acusado, naquela época, era uma necessidade processual, uma vez que tinha de ser apresentado aos juízes que o sentenciariam e, se fosse condenado, determinariam a aplicação de uma pena corporal, de natureza aflitiva, ou mesmo uma pena de morte. Na verdade, sua prisão era destinada a evitar que fugisse, inviabilizando a pena corporal que lhe seria aplicada, em caso de condenação, ou mesmo para que fosse torturado, com a finalidade de obter a confissão do fato que supostamente por ele havia sido praticado. Assim, o corpo do acusado tinha de se fazer presente, razão pela qual, em muitos casos, aguardava preso por seu julgamento. No entanto, logo após a execução de sua pena, se não fosse, obviamente a de morte, era libertado (GRECO, 2011, pg.129).

Com a virada do século XVIII, a pena de privação de liberdade começou a ocupar lugar de destaque em atenção ao princípio que começava a ser discutido, o da dignidade da pessoa humana. Analisando essa mudança de opção punitiva, Foucault dizia que, a partir daquele momento, o sofrimento não mais recairia sobre o corpo do condenado, mas sim sobre sua alma (GRECO, 2011, pg. 130).

No que tange a privação de liberdade, a primeira palavra que vem à mente é prisão. Segundo Foucault (1975, p.78), a prisão é o castigo específico de certos delitos, os que atentam à liberdade dos indivíduos, ou os que resultam do abuso de liberdade. Desde a antiguidade, manter prisioneiros como punição era algo comum em diversos lugares, fosse por infrações ou motivos de guerra, em sua maioria apenas detinham o sujeito para que posteriormente fosse executado.

As penas, que eram extremamente desproporcionais aos fatos praticados, passaram a ser graduadas de acordo com a gravidade do comportamento, exigindo-se, ainda, que a lei, que importasse na proibição ou determinação de alguma conduta, além de clara e precisa, para que pudesse ser aplicada, deveria estar em vigor antes da sua prática. Era a adoção do exigível princípio da anterioridade da lei  (GRECO, 2011, p.130).

Embora o século XVIII tenha sido um marco fundamental para a substituição das penas corporais (aqui incluída a pena de morte) pela privação da liberdade, não podemos deixar de registrar, por oportuno, como aquelas penas eram aplicadas, e quais as mais utilizadas, pois o registro histórico tem o valor de fazer com que o homem do futuro não cometa os mesmos erros do passado (GRECCO, 2011, p. 131).

A princípio, a prisão não tinha finalidade de cumprir um papel de condenação principal àquele que havia violado a norma, praticando determinada infração penal (GRECCO, 2011, p. 143).

A prisão do acusado era tida como uma custódia de natureza cautelar, tão somente processual, uma vez, como regra, aguardava a decisão que, se concluísse pela sua responsabilidade penal, o condenaria a uma pena de morte, ou mesmo a uma pena corporal, ocasião em que, logo depois de aplicada, seria libertado.

Destarte, o Autor (CERVELLÓ DONDERIS, 2006 aput GRECO, 2011, et al., p. 143) Vicenta aduz que:

Conforme lições de Vicenta Cervelló Donderis, até o século XVII, somente umas limitadas exceções tinham um conteúdo similar ao da pena de preisão moderna, já que a clausura, em geral, tinha a função cautelar de servir como retenção até o momento do juízo ou da execução”.

As prisões, como local de efetivo cumprimento de pena, eram normalmente destinadas a monges, que nelas ficavam recolhidos a fim de cumprir uma penitência, ligada a algum ato religioso. Daí o nome penitenciária, utilizado ara designar, nos dias de hoje, os lugares onde as pessoas cumprem suas penas (GRECO, 2011, p. 143).

Na Antiguidade, a prisão, a exemplo do que acontecia na China, no Egito, na babilônia, era um lugar de custódia provisória e tormento. Ali, o acusado era submetido a interrogatórios cruéis, em que o uso da tortura era constante. Procurava-se arrancar do acusado a confissão que o levaria à condenação, a qual, como já dissemos, poderia ser penas corporais, aflitivas, ou mesmo a morte, levada a efeito através das mais variadas formas (GRECO, 2011, p. 144).

Em Roma, havia cárceres que se tornaram célebres pelo terror que infundiam aos condenados que ali eram custodiados provisoriamente, como foi o caso da prisão “Mamertina”, um lugar sem luz, úmido, povoado por insetos e animais peçonhentos, onde a comida era escassa, e os acusados ficavam presos pelos pés em toras de madeira (GRECO, 2011, p. 144).

Durante a Idade Média, da mesma forma que no período anterior, a privação da liberdade do acusado era entendida como de natureza processual, e não como pena, uma vez que o motivo que determinava a sua prisão era tão somente aguardar a aplicação da pena corpórea que sobre ele, futuramente viria a recair (GRECO, 2011, p.146).

Foi um período no qual se utilizaram os mais terríveis tormentos e em razão que não se cogitava do ser humano de forma digna, uma vez que a própria comunidade onde o acusado se encontrava inserido demandava por um espetáculo de horrores. A multidão se regozijava com o sofrimento, com os gritos do condenado, com a arte com que os torturadores manejavam seus instrumentos. A dor era o combustível que mantinha o público ávido em assistir essas “distrações públicas” (GRECO, 2011, p.146).

Segundo Cleber Masson, durante a Idade Média, surgiram diversas divisões de delitos, principalmente com o vocábulo “penitência”, que contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão contemporânea, derivando assim os termos “penitenciária” e “penitenciário”. Sobre o cárcere, Masson ainda diz:

O cárcere, como instrumento espiritual de castigo, foi desenvolvido pelo Direito Canônico, uma vez que, pelo sofrimento e pela solidão, a alma do homem se depura e purga o pecado (MASSON, Cleber, Direito Penal – Parte Geral, 2019, p. 170).

Destarte, entende-se que, nesse período, não havia nenhum tipo de preocupação com o ser humano que se encontrava na condição de privação se sua lberdade pois, os aprisionados eram mantidos em lugares totalmente inadequados, sujos, desprovidos de alimentação adequada e, até mesmo, sem poder ter direito ao banho de sol, o que, em dias atuais, são direitos que lhe assistem por lei.

O início do século XVI marca aquilo que se convencionou chamar de Idade Moderna. Com ela, novos problemas foram surgindo, exigindo respostas imediatas por parte do Estado, começando a ganhar força a aplicação das penas privativas de liberade e, foi o século, também, em quie foi aplicada talvez uma pena das penas mais cruéis até então existentes – a pena da galera (GRECO, 2011, p. 148-149).

A pena da galera consistia na utilização de condenados que seriam, normalmente, executados, por já haverem sido sentenciados à morte, bem como daqueles condenados por crimes graves ou prisioneiros de guerra, para trabalhar nas galeras dos navios militares, remando incessante e concatenadamente, movidos pelas ameaças e agressões praticadas por aqueles que tinham por obrigação fazer com que os navios deslizassem pelo mar (GRECO, 2011, p. 149).

Com a chegada do século XVIII, principalmente por conta dos ideais iluministas, até meados do século XIX, foram sendo desenvolvidos novos sistemas penitenciários, procurando-se preservar a dignidade da pessoa humana, evitando-se os castigos desnecessários, as torturas, ou seja, os tratamentos degradantes a que eram submetidos todos aqueles que acabaram fazendo parte do sistema prisional (GRECO, 2011, p. 151).

O século XX, bem como o século XXI, foi marcado por tentativas de fazer com que o condenado, após o cumprimento de sua pena, pudesse voltar ao convívio em sociedade. A busca pela ressocialização fez com que se implementassem, em muitos países, políticas prisionais destinadas à capacitação do egresso, permitindo-lhe que, ao sair do sistema, pudesse buscar alguma ocupação lícita (GRECO, 2011, p. 152).

O ano de 1.764 foi singular para a história do sistema penal. Nesse ano veio a público um livro revolucionário, que traduzia as ideias defendidas pelos mais entusiasmados iluministas de seu tempo, intitulado Dos delitos e das penas, concebido por um Marquês, um homem que embora gozasse das regalias que a sua condição lhe proporcionava, não virava as costas para os acontecimentos sociais de seu tempo. Um homem preocupado com a dignidade do ser humano, não ficou inerte ao sofrimento infligido aos cidadãos pelo próprio Estado opressor. O autor desse pequeno grande livro chama-se Cesare Bonesa, o Marquês de Beccaria (GRECO, 2011, p. 153).

A sociedade do século XVIII vivia uma situação de terror e desigualdades. O processo penal era inquisitivo, realizado secretamente, sem que o acusado tivesse conhecimento das provas que contra ele estavam sendo produzidas. A tortura era um meio oficial utilizado pelo Estado para obter a confissão daquele a quem se escolheu para ocupar o cargo de culpado. A confissão era compreendida como a rainha das provas. O réu, na verdade, era quase que obrigado a confessar, a fim de expirar sua culpa. Os juízes eram parciais, julgavam com desigualdade os processos que envolviam ricos e pobres. As penas eram indeterminadas ficando alvedrio do julgador aplica-las de acordo com a sua conveniência. As leis existentes eram confusas, de redação rebuscada, que impediam sua compreensão. Era permitido o uso da analogia para que se pudesse condenar alguém. Enfim, o caos reinou até que surgiram os iluministas, que se colocaram contra todo esse sistema e, Beccaria se transformou em um dos principais membros desta reforma que já se fazia tardia (GRECO, 2011, pg. 156).

As lições e os princípios propostos por Beccaria modificaram completamente a maneira de tratar o ser humano, que tem em seu favor, como um direito inato, a sua dignidade (GRECO, 2011, p. 156).

É o princípio da legalidade, portanto, o pilar fundamental que sustenta o chamado Estado de Direito, em que todos serão tratados de maneira igual perante a lei, em que ricos e pobres, cultos e analfabetos, independentemente de raça, cor, religião, sexo, serão tratados igualmente de acordo com as suas desigualdades (GRECO, 2011, p. 158).

Todavia, não basta, simplesmente, a publicação de uma lei anterior ao fato para que reste preservado o princípio da legalidade e, em consequência, resguardado o direito  de liberdade do cidadão. Beccaria percebeu que embora algumas leis fossem editadas, sua redação era incerta, obscura, imprecisa, ou seja, os cidadãos ficavam nas mãos dos seus intérpretes, uma vez que quase ninguém conseguia alcançar exatamente o seu conteúdo (GRECO, 2011, pg. 158).

De acordo com Cesare Beccaria que destinou um capítulo  inteiro em sua obra para discutir a proporção da necessidade entre os crimes e as penas (BECCARIA, 1999 aput GRECO, 2011, et al., pg. 160) diz que:

“para que uma pena alcance o seu efeito, é suficiente que o mal proveniente da pena supere o bem que nasce do delito; e nesse excesso de mal deve-se calcular a infalibilidade da pena e da perda do bem que o crime viria a produzir. Tudo, além disso, é, portanto, supérfluo, e, ao mesmo tempo, tirânico”.

Isto significa que a pena será o termômetro da gravidade do fato praticado. Quanto maior o dano, quanto maior a importância do bem atacado, maior deverá ser a punição, desde que atendido, obviamente, o princípio da dignidade humana (GRECO, 2011, p. 160).

De outra banda, Carvalho Filho (2002), atrela o surgimento da pena e da prisão ao surgimento do capitalismo, simultaneamente a um conjunto de situações que levaram ao aumento dos índices de miséria no mundo e, consequentemente, a criminalidade também aumenta, questões religiosas, guerras, devastações de países, etc.

Diante de tais relatos, podemos verificar que ao longo da história, bem como seu percurso, houve mudanças no que diz respeito as penas e as prisões, passando a ter, as mesmas conceitos que emergem da aplicação da lei penal e aplicando, aqueles que encontram-se em situação de privação de liberdade, sanções de caráter preventiva e não mais de caráter corporal.

2.1 JOHN HOWARD E JEREMY BENTHAN: suas influências no sistema penitenciário

Um dos personagens mais marcantes na história da reforma penitenciária foi John Howard, que, em viagem para Lisboa, começaria a entender o significado de privação de liberdade do ser humano e as condições a que era submetido. Em 1.773 foi nomeado sheriff do condado de Bedford familiarizando-se com as misérias das prisões de sua época, os lugares fétidos onde seres humanos eram jogados como se fossem animais, pois uma de suas principais funções era visitar os estabelecimentos carcerários (GRECO, 2011, pg. 164).

Essas visitas periódicas permitiram-lhe um contato direto e intenso com os presos, e fizeram com que o humanista inglês ficasse ainda mais sensibilizado com os problemas que presenciava diretamente, tornando-se, assim, um incansável crítico e defensor da melhora do sistema (GRECO, 2011, p. 165).

As enfermidades eram uma constante já que os presos não recebiam tratamento adequado, permitindo, dessa forma, que doenças se alastrassem facilmente no cárcere. A promiscuidade também era um mal que deveria ser combatido. E, como os encarregados de cuidar os presos e de vigiá-los não recebiam nenhuma remuneração dos cofres públicos, a situação ficava ainda pior, as cobranças recaiam dretamente sobre os próprios presos, via de regra miseráveis, pertencentes a classes menos favorecidas, que não tinham como pagar, e assim permaneciam presos indefinidamente, até que acertassem suas contas com aquele que detinha as chaves da sua cela (GRECO, 2011, p. 165).

Essa imposição de pagamento feita ao preso pelo carcereiro fazia com que muitas injustiças fossem praticadas. Por isso Howard propôs que os carcereiros deveriam ser pagos pelo próprio Estado, ou seja, pela própria admnistração pública da prisão, e não pelos presos (GRECO, 2011, pg. 165).

Por sua vez, Howard foi obstinado pelo problema carcerário procurando conhecer e comparar outros sistemas prisionais. Fazia comparações entre os sistemas carcerários dos outros países, registrando o que de ruim havia em comum neles, bem como se podia aproveitar para a construção de um sistema que atendesse não somente aos interesses da sociedade, que se via livre , mesmo que temporariamente, daquele que havia praticado uma infração penal, como também para o acusado ou condenado, que deveria permanecer preso durante certo período de tempo (GRECO, 2011, p. 166).

 Depois de avaliar e criticar inúmeras prisões, Howard, em seu livro Estate of prisions, fixou bases para o cumprimento de uma pena que não agredisse os demais direitos do homem como higiene e alimentação, disciplina distintas para presos provisórios e condenados, educação moral e religiosa, trabalho e sistema celular mais brando (GRECO, 2011, pg. 166).

Assim, Howard identificou inúmeros problemas que, se melhorados, proporcionariam uma condiçao de vida mais digna aos presos que cumpriam suas penas  naqueles estabelecimentos, que, se essas bases fossem melhoradas, apontando que a resolução de simples problemas como o fornecimento de água constante, a necessidade de ventilação das celas, o fornecimento de uma alimentação adequada, a utilização de uniformes que possibilitassem a identificação e a melhor apresentação dos detentos, o oferecimento de trabalho para que as mentes permanecessem ocupadas com algo útil,  diminuiriam não somente a depressão e o desejo de fugir, mas o de eliminar a própria vida com a prática de suicídios (GRECO, 2011, p. 166-167).

Sua luta não foi em vão pois inúmeros estabelecimentos carcerários acabaram adotando e ampliando as orientações deixadas por esse grande humanista (GRECO, 2011, pg. 167).

Suas lições são utilizadas para a construção de penitenciárias mais humanas, que visem à recuperação do condenado ou que, pelo menos, não o façam sair de lá pior do que entrou (GRECO, 2011, p. 168).

O período que antecedeu o século XVIII foi marcado pela crueldade com que as leis penais eram aplicadas. Não somente os suplícios, como também a forma  degradante como as pessoas eram presas faziam com que o condenado preferisse a morte a viver em tais condições (GRECO, 2011, p. 168).

Com a chegada do século XVIII, o ser humano passou a ser visto de uma forma mais digna. Havia uma preocupação em sua preservação, com diminuição significativa das penas cruéis, infamantes, que somente deixavam transparecer a fúria do estado, opressor e covarde contra um de seus súditos, que não podia buscar socorro em nada nem em ninguém. Novos pensamentos surgiram, novas ideias começaram a ser construídas por um mundo melhor, sem tanta inflição de dor. O Estado, que deveria nos fornecer condições mais dignas de vida, não podia ser o nosso maior carrasco (GRECO, 2011, p. 168-169).

O final do século XVIII foi marcado por uma mudança de mentalidade estatal no que dizia respeito à pena de privação de liberdade (GRECO, 2011, pg. 169).

A prisão começava a ganhar novo status. Agora, de mera co-adjuvante, pasou a ocupar o lugar principal. Mas seus problemas eram evidentes. A desumanidade ainda fazia parte do seu contexto. Lugares insalubres, sem ventilação adequada, úmidos, desprovidos do mínimo necessário para que uma pessoa pudesse habitá-los, eram utilizados para que o condenado cumprisse sua pena de privação de liberdade (GRECO, 2011, p. 169).

Eram verdadeiras masmorras que foram duramente combatidas pelos pensadores iluministas, destacando-se entre eles, Jeremy Benthan. (GRECO, 2011, pg. 169-170).

Benthan foi o criador do utilitarismo do Direito, sendo considerado uma das mentes mais importantes da Inglaterra de seu tempo.

Para Benthan o cidadão deveria obedecer ao Estado, não pelo fato de que estaria a ele vinculado por um suposto contrato social, mas sim porque a obediência contribuiria para a felicidade geral, ao contrário da desobediência, que a todos prejudicava. A felicidade geral entendida como o interesse da comunidade como um todo e, desta forma, substituiu a teoria do direito natural pela da utilidade (GRECO, 2011, pg. 170).

Como humanista, Benthan propunha a reforma do sistema prisional por um modelo que garantisse a dignidade da pessoa humana. Passou a dedicar-se  a encontrar esse modelo, o que ocorreu com a criação do chamado panóptico, ou seja, um edifício destinado ao cumprimento de penas privativas de liberdade, construído de modo que toda a sua parte interior pudesse ser vista de um único ponto (GRECO, 2011, p. 171).

No que diz respeito a utilização do panóptico como prisão, do ponto central, ou seja, internamente, da torre, podiam-se visualizar todas as celas, tendo como princípios de sua arquitetura a posição central da vigilância e a sua invisibilidade. Assim, cada andar podia ser, tranquilamente, vigiado por apenas um funcionário considerado como “olho que não podia ser visto”, ou seja, somente ele tinha acesso às celas, não tendo, os presos, condições de vê-lo (GRECO, 2011, pg. 172).

Bentham dedicou-se vnte anos de sua vida à realização do projeto panóptico. Todos os detalhes, desde a construção do prédio té as vestimentas dos presos foram minuciosamente pensados por ele. Nada lhe passou desapercebido (GRECO, 2011, p. 172).

3 A CONSTITUCIONALIDADE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA NO ÂMBITO PRISIONAL

Ao entendermos que a própria natureza do ser humano, que é um ser muito complexo, demanda uma atenção diferencial por parte dos agentes públicos passamos a compreender que os direitos que o tutelam são indispensáveis para a manutenção da sua vida com dignidade, liberdade e igualdade.

O princípio da dignidade humana abrange não só os direitos individuais, mas também os de natureza econômica, social e cultural, pois, no Estado Democrático de Direito a liberdade não é apenas negativa, entendida como ausência de constrangimento, mas liberdade positiva, que consiste na remoção de impedimentos (econômicos, sociais e políticos) que possam embaraçar a plena realização da personalidade humana (CARVALHO, 2009, p.673).

Assim, a dignidade da pessoa humana é irrenunciável e a qualifica, afirmando que ela existe ainda que o Direito não a reconheça. Todavia, a ordem jurídica exerce importante papel prevendo-a, promovendo-a, e protegendo-a. E de fato, isso é necessário. Ainda que saibamos que a dignidade preexiste ao Direito, e ainda que esta possua previsão constitucional, são imprescindíveis concretizações de ações que tornem os direitos fundamentais, derivados do princípio maior em que comento reais e efetivos, integrantes verdadeiramente da vida de todo e qualquer indivíduo (SARLET, 2001, p.73).

Destarte, a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que trás consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se de um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2002, p.128-129.).

O Estado detém o poder de prender alguém com fundamento na proteção dos bens jurídicos tutelados por ele mesmo, para manter uma sociedade harmônica, pacífica e justa (SOUSA, 2016).

De acordo com Sarlet (2011, p. 38) diz que:

Com efeito, ao passo que para Grócio a dignidade humana se manifesta no âmbito do direito à sepultura, no que guarda relação com o respeito com o cadáver, para Hobbes, a dignidade, numa acepção que remonta em parte ao período clássico, no sentido da dignidade como representando o valor do indivíduo no contexto social, está essencialmente vinculada ao prestígio pessoal e dos cargos exercidos pelos indivíduos, cuidando-se, portanto, de um valor atribuído pelo Estado e pelos demais membros da comunidade a alguém.

A dignidade humana teve, em 1.975, como precursor, Immanuel Kant, dizendo que “No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo o preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 2008, p.65).

Sob essa égide, em 1.948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi proposta com o fim de evitar que tais atos contra a dignidade humana se proliferassem colocando, em seu artigo primeiro, que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São todas dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com o espírito de fraternidade”.

Nesse contexto, “a dignidade da pessoa humana é um super princípio do sistema jurídico, valor supremo consagrado no texto constitucional e que informa todo o sistema jurídico”. (SIQUEIRA, 2009, p.253).

Sob o mesmo pensamento, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1.969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica e a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Pena Cruéis e Degradantes, em 1.984, também demonstraram grande preocupação com o ser humano e o respeito à sua dignidade.

Um dos princípios fundamentais desta Carta Magna diz respeito à Dignidade da Pessoa Humana, e está disposto no Artigo 1º inciso III da referida legislação “Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana”. BRASIL (1988).

Com base neste princípio, constitucionalmente implícito em nossa carta Magna, é que percebe-se a dimensão da obrigatoriedade quanto a observação aos cuidados inerentes a integridade  do ser humano, tendo, o Estado, que oferecer condições dignas de sobrevivência para que as pessoas, incluindo aquelas em situação de privação de liberdade, independentemente do seu credo, raça ou condição social. 

Todavia, fatores como as precárias condições a que os presos são submetidos como a superlotação das celas, a falta de atendimento médico, psicológico e até mesmo social, às doenças, dentre outros, acaba ferindo a sua dignidade. Desta forma, entende-se que:

Os detentos brasileiros são, em sua maioria, homens na faixa etária de 20 a 49 anos, com pouca escolaridade e provenientes de grupos de baixo nível socioeconômico. As prisões, em sua maioria, são locais superlotados, pouco ventilados e com baixos padrões de higiene e limpeza. A nutrição é inadequada e comportamentos ilegais, como o uso de álcool e drogas ou atividades sexuais (com ou sem consentimento), não são reprimidos. Estas condições submetem essa população a um alto risco de adoecimento e morte por tuberculose e AIDS. A infecção pelo HIV é o maior fator de risco conhecido para o desenvolvimento de tuberculose doença entre adultos infectados pelo Mycobacterium tuberculosis. (NOGUEIRA, 2009, p.32.)

O que efetivamente ocorre atualmente dentro dos presídios brasileiros é a escola da brutalidade, da violência, da total aniquilação do homem. O preso que entra nesse sistema, marcado pelo total aviltamento da pessoa, sai muito mais corrompido do que efetivamente entrou, pois dentro do sistema prisional ele é esquecido e tratado como se não possuísse nenhum direito (ZIPPING, 2010).

Segundo Sarlet (2001, p.60), tal situação chega ao ponto de gerar motins, rebeliões, fugas e o crescente aumento da criminalidade e da violência dos presos, motivadas pelas precárias condições a que são submetidos os presos, ou seja, resultados que geram uma situação degradante que se encontra o sistema carcerário brasileiro, que viola os direitos fundamentais da pessoa humana em todo país, e apesar de algumas medidas serem tomadas, pode-se dizer que não chegam nem mesmo amenizar a questão, que tomou proporções assustadoras.

Neste sentido, basta citar o art.5º, XLIX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), a qual assegura os presos o respeito à integridade física e moral, bem como lembrar que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios essenciais da Constituição. De acordo com o artigos 88 e 85 da Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984 (BRASIL, 1984), a Lei de Execução Penal, estabelece que o condenado seja alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório, com área mínima de seis metros quadrados, do mesmo modo que deve haver compatibilidade entre a estrutura física do presídio e a sua capacidade de lotação.

Outrossim, a LEP – Lei de Execuções Penais 7210/1984 em conjunto com o texto constitucional prevê em seu artigo 41 os direitos do preso os quais ainda não são respeitados quanto à dignidade humana levando-nos a fazer uma reflexão sobre a inobservância do presente tema. 

Dullius e Hartmannn (2011) ressaltam ainda que “todos têm o direito de voltar ao seio da sociedade, após terem pagado sua dívida, mas para tanto é necessária à sua passagem em estabelecimento penal, conduzida pelo Estado, no intuito de regeneração, com segurança a sua vida”.

O bem da verdade, segundo Greco (2011, p.302), é que falta de interesse estatal reflete a falta de interesse da própria sociedade que gostaria que, na maioria dos casos, os presos sofressem além da condenação imposta, a fim de suas estadias nos estabelecimentos penais se tornem os piores anos de suas vidas, como se a simples privação de liberdade não fosse punição mais do que suficiente.

De acordo com Prado (2017), retornar ao convívio social é um dos objetivos do cumprimento da pena e de algumas atividades desenvolvidas durante a execução penal. Para isto, o Estado adota medidas assistenciais para orientar o preso quanto ao seu retorno na sociedade, objetivando inclusive que o mesmo não volte a ter uma conduta delituosa.

Conforme afirma Maurício Kuehne (2013, p. 32):

O trabalho, sem dúvida, além de outros tantos fatores apresenta um instrumento de relevante importância para o objetivo maior da Lei de Execução Penal, que é devolver a Sociedade uma pessoa em condições de ser útil. É lamentável ver e saber que estamos no campo eminentemente pragmático, haja vista que as unidades da federação não têm aproveitado o potencial da mão de obra que os cárceres disponibilizam.

Conforme destaca Rogério Greco (2011, p. 443): “Parece-nos que a sociedade não concorda, infelizmente, pelo menos à primeira vista, com a ressocialização do condenado. O estigma da condenação, carregado pelo egresso, o impede de retornar ao normal convívio em sociedade”.

Desta forma, o sistema está evidentemente falido, a dignidade do preso é constantemente violada, e nem se cogite a ideia de que o preso não possui dignidade, afinal, poderia se pensar que em função de serem autores dos mais diversos crimes, sua dignidade estaria comprometida. Este é um típico pensamento que deve ser repudiado, vez que a dignidade da pessoa humana é qualidade intrínseca a todas as pessoas, independentemente do indivíduo ser autor de um delito. Ou seja, “a dignidade de todas as pessoas, mesmo daquelas que cometem as ações mais indignas e infames, não poderá ser objeto de desconsideração” (SARLET, 2001, p.52).

Saliente-se que, desde o início da história, os mais diversos lugares, consideradas prisões, onde colocavam as pessoas cerceadas de sua liberdade, eram lugares de extrema precariedade e insalubridade, bem como de grande proliferação de doenças. Porém, é histórico que, no sistema prisional, muito embora em alguns presídios tenham ocorrido modificações na sua estrutura física e, até mesmo tenham ocorrido novas construções, acabam, ainda, por pecar sob os mesmos aspectos no que diz respeito a disseminação das doenças. 

De acordo com Nogueira (2009), a AIDS é disseminada pelo envolvimento sexual entre presos, que mantêm relação sexual sem o devido cuidado, o que no contexto atual parece até mesmo utópico, pois não existem condições mínimas de saúde e higiene, e muitas vezes a relação não é nem ao menos desejada, sendo resultado de uma violência, que acaba alastrando o vírus entre aqueles que se encontram presos. A tuberculose também se dissemina rapidamente, pois se trata de uma doença transmitida pelas vias respiratórias que se espalha facilmente em ambientes fechados, sendo grande a incidência entre os infectados pelas AIDS.

Assim, diante da explanação do texto, a grande preocupação é quanto ao tratamento que o Estado se propõe aquele que se encontra em situação de privação de sua liberdade, encarcerado em uma prisão, que, por muitas vezes, não é respeitado quanto a sua dignidade humana, havendo uma total violação aos seus direitos previstos na própria lei, que, em resposta, a essa negligência pelo Poder Estatal, acaba, por vezes, cometendo rebeliões ou qualquer outro ato para que sirva de alerta as autoridades as condições a que estão submetidos, e, assim, nos deparamos com a ineficácia da chamada ressocialização.

3.1 Ressocialização das pessoas privadas de liberdade: um processo em evolução

Sabemos que o atual sistema prisional brasileiro é carente da efetiva atuação do Poder Público no que diz respeito ao atendimento daquele privado de sua liberdade pois, as prisões brasileiras, na sua grande maioria, carecem não só de estrutura física mas também de profissionais capacitados, qualificados, a fim de prestar um atendimento de qualidade ao preso e, desta forma, fazendo com que possua as mínimas condições de ressocializá-lo.

Para Carnelutti (2016) grande parte das pessoas acredita que o final da pena do reeducando, o fim de seu cárcere, é a sua saída de trás das grades, mas segundo o autor é um grande engano, haja vista, que para a lei positivada do homem e a lei de Deus sim, o preso cumpriu sua obrigação, mas para o julgo insano do homem não, essa pessoa sempre terá o estigma de ex – presidiário, não o verão mais como um cidadão que errou e pagou pelo seu erro diante da sociedade e perante Deus, o ex – detento quando sai da penitenciária passa por inúmeros percalços do lado de fora, ele trará consigo as dificuldades físicas e psicológicas enfrentadas enquanto esteve lá dentro, e a desconfiança e preconceito da sociedade, enquanto aqui fora.

Desde que surgiu o Estado e o direito, a civilização moderna passa por uma crise de civilidade, todos esperam uma resposta Estatal imposta pelo direito, não porque se confundem entre si, mas porque o Direito é único instrumento do que o Estado pode-se utilizar para imperar sua lei. “Se for verdade que cada fase da civilização tem seu ídolo, o desta que vivemos é o direito” (CARNELUTTI, 2016, p. 124).

Desta forma as pessoas depositam toda sua confiança no Estado para ressocialização do preso, porém, o Estado está se mostrando ineficaz e a sociedade indiferente ao dever de contribuir para essa ressocialização do detento.

Destarte, o Estado não está preocupado com as pessoas presas, tampouco com presídios superlotados, com celas com amontanhado de pessoas sobre as outras, que as suas penas vão além do que está arbitrado na sentença judicial. “As penas que vão além da necessidade de manter o depósito da salvação pública são injustas por natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for à segurança e maior liberdade que o soberano propiciar aos súditos” (CARNENULUTTI, 2016, p.18).

O detento quando é colocado em liberdade, enfrenta uma batalha em encontrar emprego e se restabelecer, ganhar espaço entre as pessoas “iguais”.

Outrossim, diante dos fatos do atual sistema penitenciário mundial, conclui-se que o sistema carcerário está passando por uma crise sem precedentes, e tudo porque na maioria das vezes as penitenciárias não conseguem alcançar seu objetivo, que é proporcionar ao preso dignidade humana, cumprindo com todos seus direitos fundamentais, para com isso possa ressocializá-lo e retorná-lo a sociedade uma pessoa melhor. “De tudo que foi exposto até agora podemos concluir que o sistema prisional está em crise, principalmente porque, na maioria dos países, não consegue cumprir com seus objetivos para os quais foram criados e resulta ofensiva dignidade da pessoa humana” (GRECO, 2017, p. 247).

Assim, dessa forma para Greco (2017) todas essas dificuldades enfrentadas pelo Estado, por sua omissão, pelo seu abandono ao setor prisional, e o pior de tudo pela corrupção que emperra o país, esse problema não está próximo de chegar ao fim, pelo contrário será um processo longo de modernização em todo sistema e na legislação inerente.

Na bem verdade, para Greco (2017) todos esses problemas estão longe do fim, mas não é impossível de saná-los. O Governo tem que tomar inúmeras medidas, que melhore à vida dos presidiários, respeitando seus direitos fundamentais, dando a eles a importância que eles têm para sociedade e sua família, é um começo importante para a ressocialização do preso, mas não é a única alternativa. Atualmente após décadas esse atual sistema prisional vem se mostrando falho, levantando várias dúvidas quanto ao cumprimento de suas funções e de uma solução para esse problema que aflige a sociedade moderna. Para o autor as ações são complexas, envolverá um conjunto de ações, que poderá solucionar a crise, e tentar melhorar a vida do detento dentro do sistema prisional, o autor ainda destaca a necessidade dos programas sociais antes da prática da infração penal, para que os países que não adotam a prisão perpétua e a pena de morte, esses presos possam retornar a viver no meio da sociedade.

A resposta encontra-se em um conjunto de ações. Não basta, tão somente, tentar melhorar a vida dos presos dentro do sistema penitenciário. Temos que pensar em programas sociais, que antecedem à prática da infração penal, como também em programas destinados à ressocialização do preso, que, certamente, após algum tempo, nos países que não adotam a pena de morte e a pena de prisão perpétua, voltará ao convívio da sociedade. (GRECO, 2017, p. 247).

Ainda, Greco (2017) refere que a solução do sistema prisional, necessitará de uma atuação complexa e coordenada, com politicas sociais, criminológicas e políticas penitenciárias, e repensarem meios na ressocialização dos presos, transformar o direito penal em minimalista, revogando tudo aquilo que não é relacionado ao direito penal, separando os bens que possam ser tutelados por outros ramos do ordenamento jurídico, evitando o encarceramento desnecessário do ser humano.

Segundo Greco (2017) Já se vem discutindo entre estudiosos jurídicos com ênfase no direito penal, por sociólogos, assistentes sociais, professores, ONG’S de direitos humanos, enfim, existe uma gama de pessoas e instituições no intuito de melhorar o sistema prisional Brasileiro e dar melhores condições aos presos e resolver a superlotação do sistema carcerário.

A pena deverá, ainda, ter um fim utilitário, isto é, deverá servir para impedir que o delinquente venha a praticar novos crimes, seja na forma de prevenção especial negativa (segregação momentânea do convívio da sociedade), ou mesmo com uma prevenção especial preventiva (ressocialização), bem como ainda como espécie de prevenção geral (também positiva e negativa), dissuadindo-se os demais membros da sociedade de praticar infrações penais (GRECO, 2017, p. 112).

Desta forma Greco (2017) destaca que para uma ressocialização efetiva e eficaz, para evitar ou minimizar, o ingresso da pessoa ao sistema carcerário, é necessário o Estado cumprir para com seus deveres junto à sociedade, criando políticas públicas, cumprindo com suas funções sociais, permitindo o acesso da população mais carente à saúde, à educação, ao lazer, À cultura, à habitação, ou seja, a toda uma estrutura com excelência a esses direito básicos do cidadão.

Ante ao exposto, o que se percebe é que o processo de ressocialização daquelas pessoas que estão privadas de sua liberdade passa por uma série de dificuldades tendo em vista o sistema carcerário que atualmente se apresenta. É um processo que vem para reeducar e adequar o preso que está saindo em liberdade para o seu retorno ao convívio social e para isso, aquele preso necessita de meios, enquanto recolhido, para alcançar o objetivo da ressocialização, buscada através dos profissionais habilitados, em atendimento aos detentos, dentro do sistema prisional.

4 CONCLUSÃO

O artigo em tela nos remete a história, da pena e da prisão para que possamos realizar uma análise de como as pessoas que eram presas, independente do crime que haviam cometido, por aqueles que detinham o poder, ficavam sujeitas quando colocadas em lugares totalmente sem condições de sobrevivência, assim como sofriam as mais diversas humilhações e agressões, pois eram totalmente despidos de proteção.

Os estudos realizados para o presente trabalho nos mostra diferentes épocas, todas elas com suas peculiaridades e, cada qual, com contribuições e influências de notórios Filósofos e Doutrinadores que, de alguma forma contribuíram com seu trabalho e pesquisas para a história do sistema penitenciário.

De outra banda, com a evolução dos tempos, as penas impostas aquele homem que cometeu o delito, deixou de ter o caráter de crueldade e passou a ter o caráter preventivo. Já no que diz respeito as prisões, apesar de haver melhoras, estas ainda carecem de infraestrutura adequada, dentre outros aspectos, e uma maior atenção do Poder Estatal visto que problemas como superlotação em presídios ainda são comuns nos dias de hoje. 

Destarte, sabe-se que o sistema prisional enfrenta vários problemas, o que não justifica o desatendimento ao preso, todavia, a partir do surgimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, com a Constituição Federal de 1988, dentre outros diplomas legais, passou-se a proteger a dignidade da pessoa humana, e dentre ela, a pessoa do indivíduo privado da sua liberdade, colocando fim aquelas atrocidades cometidas de qualquer forma e proporcionando ao preso direitos e deveres para que possa retornar ao convívio à sociedade.

Por fim, o que se pretende, é evidenciar a necessidade de haver, por parte do Estado, um fortalecimento ao sistema penitenciário no sentido de proporcionar melhores condições para que os profissionais que ali atuam possam dar um apoio efetivo ao egresso, seja com trabalho, educação ou psicológico, para que, ao final, não venha a rescindir na prática delituosa.

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