DIREITO PENAL DO INIMIGO E A LEI DE ABATE DE AERONAVES: ESTUDOS SOBRE UMA POSSÍVEL CONFLUÊNCIA JURÍDICA.

ENEMY CRIMINAL LAW AND AIRCRAFT SHOOTDOWN LAW: STUDIES ON A POSSIBLE LEGAL CONFLUENCE.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11228076


Diego Dos Reis1


RESUMO

A teoria do Direito Penal do Inimigo foi formulada por Günter Jakobs, jurista alemão, na década de 1990. Jakobs propõe a existência de duas correntes distintas: o Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo. Enquanto o primeiro está fundamentado no respeito aos princípios fundamentais e na concepção da pessoa, o segundo aborda a figura do “inimigo” sem a aplicação de medidas garantistas de seus direitos. É relevante destacar que, apesar da recente formulação dessa teoria, a concepção de “inimigo” remonta às civilizações antigas, sendo uma constante ao longo da história da humanidade. Antes de Jakobs, outros teóricos também abordaram essa ideia. Por sua vez, a legislação castrense pátria, buscando garantir a segurança do espaço aéreo, concedeu à Aeronáutica o respaldo legal para derrubar aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de drogas. Especialmente durante a Copa do Mundo (2014), um decreto presidencial permitiu que o abate fosse feito mesmo em áreas densamente habitadas. E se caso um civil ou militar perca a vida em decorrência da medida de segurança, é a Justiça Militar federal que tem a competência para julgar o caso. O presente artigo, busca de forma objetiva investigar eventual confluência nos institutos, haja vista a possibilidade de se ter posto ao solo indivíduos considerados hostis, mitigando por completo os direitos fundamentais de ampla defesa e contraditório, por exemplo.

Palavras- chave: direito penal do inimigo, abate de aeronaves, direito aeronáutico.

ABSTRACT           

The theory of the Enemy Criminal Law was formulated by Günter Jakobs, a German jurist, in the 1990s. Jakobs proposes the existence of two distinct currents: the Criminal Law of the Citizen and the Criminal Law of the Enemy. While the former is grounded in respect for fundamental principles and the conception of the person, the latter addresses the figure of the “enemy” without the application of safeguards for their rights. It is relevant to note that, despite the recent formulation of this theory, the conception of an “enemy” dates back to ancient civilizations, remaining a constant throughout human history. Before Jakobs, other theorists also explored this idea. In turn, the national military legislation, aiming to ensure the security of airspace, granted legal support to the Air Force to shoot down hostile aircraft or those suspected of drug trafficking. Especially during the World Cup (2014), a presidential decree allowed for the interception even in densely populated areas. In the event that a civilian or military person loses their life due to the security measure, it is the federal Military Justice that has the jurisdiction to adjudicate the case. This article seeks, in an objective manner, to investigate potential convergence in these institutions, considering the possibility of grounding individuals deemed hostile, thus completely mitigating fundamental rights such as the right to a fair trial, for example.

Keywords: Criminal Law of the Enemy, Shooting Down of Aircraft, Aeronautical Law.

1. INTRODUÇÃO

Na narrativa histórica do Direito Penal, a representação do criminoso adquire forma na concepção do homem delinquente da Escola Positiva no século XIX, notabilizando-se pelas contribuições de Lombroso, Ferri e Garofalo. Esta abordagem preconiza a centralidade no criminoso, relegando a problemática em si a um plano secundário, diferenciando-se, assim, da abordagem da Escola Clássica vigente até então. A criminologia lombrosiana almejava, entre outros objetivos, “estabelecer uma distinção entre o “bom” e o “mau” cidadão, por meio de uma concepção patológica da criminalidade, visando justificar a pena como um meio de defesa social e com fins socialmente úteis” (PAULA, 2007, p. 23). Nessa perspectiva, o criminoso assume a condição de uma figura pré definida, tornando-se o principal objeto criminológico. Dessa maneira, estabelece-se uma dicotomia entre o universo da criminalidade, composto por indivíduos potencialmente perigosos, e o universo da normalidade, constituído pelo padrão estabelecido pela maioria da população.

Contudo, na metade do século XX, essa perspectiva é sucedida por novas abordagens, influenciado, principalmente pela criminologia norte-americana, que incorporava elementos da sociologia cultural, correntes fenomenológicas e reflexões históricas e sociológicas sobre o fenômeno criminal (ANDRADE, 2003). Assim, a teoria do etiquetamento social 2 propõe que não há um desvio predefinido em um grupo de pessoas com características similares; ao contrário, essas características seriam atribuídas e rotuladas. A criminalidade, portanto, surge como um status atribuído a certos indivíduos, sendo parte de um processo dual que, inicialmente, define legalmente o que constitui crime, conferindo a algumas condutas a natureza criminal. Posteriormente, seleciona esses sujeitos, impondo-lhes uma etiqueta que os estigmatiza como criminosos, dentre muitos outros com comportamentos passíveis de criminalização (ANDRADE, 2003).

Ainda assim, baseado nessas teorias pré determinantes em meados da década de 1980 surge, por meio de seu principal ou mais famoso idealizador, Gunther Jakobs, a teoria do direito penal do inimigo, no contexto delineado, é imperativo privar o adversário de seus direitos, uma vez que não se qualifica mais como cidadão. Nesse cenário, as salvaguardas processuais, tais como o direito à ampla defesa e o duplo grau de jurisdição, são suprimidas. Ademais, sob essa perspectiva, a adoção de práticas de tortura para obter “provas, confissões” ou antecipar potenciais atos terroristas é considerada viável. Essas medidas refletem uma abordagem extrema, subjugando os direitos fundamentais em nome de objetivos punitivos ou preventivos. Cabe destacar que tal abordagem levanta sérias questões éticas e jurídicas, exigindo uma análise cuidadosa à luz dos princípios constitucionais e das normas internacionais de direitos humanos.

O presente estudo, busca correlacionar essa base teórica, com a legislação pátria, mais especificamente o Código Aeronáutico, modificado em 1988, de modo a autorizar uso do tiro de destruição contra aeronaves civis em voo suspeitas de participar do tráfico ilícito de entorpecentes. A mudança ganhou o nome de Lei do Abate e acabou regulamentada apenas em 2004, após um lento processo de discussão e negociação envolvendo militares, as autoridades civis brasileiras e o governo norte-americano. A lei colocou o Brasil junto do Peru e da Colômbia no grupo dos países com programas semelhantes3.

O propósito da Lei do Abate (Lei 7565/86) visa evitar que o espaço aéreo brasileiro seja utilizado como rota por traficantes. Em conformidade com essa legislação, aeronaves suspeitas que não se identificarem podem ser interceptadas e abatidas mediante autorização do Comandante da Aeronáutica. É importante ressaltar que essa medida não se aplica a aeronaves militares de outros países que adentrem o espaço aéreo brasileiro sem permissão. No caso dessas aeronaves, mesmo que não forneçam identificação ou recusem o pouso, a ação de derrubá-las só é permitida com respaldo da Organização das Nações Unidas (ONU).

1.1 Contextualização do tema

A evolução das teorias criminológicas ao longo da história reflete não apenas mudanças nas percepções sobre o crime e o criminoso, mas também influencia diretamente a legislação vigente. O presente tópico busca traçar uma linha temporal desde a concepção do homem delinquente na Escola Positiva no século XIX até as implicações legislativas contemporâneas, especificamente no contexto da Lei do Abate (Lei 7565/86).

No século XIX, as contribuições notáveis de Lombroso, Ferri e Garofalo marcaram a consolidação da Escola Positiva, que enfatizava a centralidade no criminoso, deslocando a problemática criminal para um plano secundário. A criminologia lombrosiana, em particular, buscava estabelecer uma distinção patológica entre o “bom” e o “mau” cidadão, fundamentando a justificação da pena como defesa social e com fins socialmente úteis.

Contudo, no cenário da criminologia do século XX, novas abordagens, influenciadas pela criminologia norte-americana e suas conexões com a sociologia cultural, correntes fenomenológicas e reflexões históricas, emergiram. A teoria do etiquetamento social propôs uma visão dinâmica, argumentando que não há um desvio pré-definido em um grupo, mas sim características atribuídas e rotuladas, transformando a criminalidade em um status conferido a certos indivíduos por meio de um processo dual.

Na segunda metade do século XX, a perspectiva do direito penal do inimigo, apresentada por Gunther Jakobs, introduziu uma abordagem extrema que visava privar o adversário de seus direitos, subjugando garantias processuais em nome de objetivos punitivos ou preventivos. Essa teoria levanta questões éticas e jurídicas, exigindo uma análise crítica à luz dos princípios constitucionais e das normas internacionais de direitos humanos.

A correlação dessas teorias com a legislação pátria, especificamente a Lei do Abate (Lei 7565/86), modificações no Código Aeronáutico em 1988 e sua regulamentação em 2004, revela a influência direta dessas perspectivas criminológicas na formulação de políticas públicas. A Lei do Abate, ao autorizar o uso do tiro de destruição contra aeronaves suspeitas de participar do tráfico ilícito de entorpecentes, reflete não apenas uma abordagem punitiva, mas também uma resposta legislativa à complexidade do cenário criminal aéreo. Este estudo, assim, visa explorar as interseções entre teorias criminológicas e a legislação brasileira, oferecendo uma compreensão mais profunda das dinâmicas entre a evolução do pensamento criminológico e as políticas públicas em vigor.

1.2 Objetivos da pesquisa

Desvendando as interconexões teóricas e legislativas, o presente estudo visa explorar a evolução das teorias criminológicas:

1- Investigar a trajetória histórica das teorias criminológicas desde a Escola Positiva no século XIX até as perspectivas contemporâneas, destacando as contribuições de Lombroso, Ferri, Garofalo e os desdobramentos dessas teorias ao longo do século XX.

2 – Analisar a influência das teorias na legislação: examinar de que maneira as teorias criminológicas, especialmente as do etiquetamento social e do direito penal do inimigo, influenciaram a formulação de políticas legislativas no Brasil, com foco na Lei do Abate (Lei 7565/86) e nas modificações no Código Aeronáutico em 1988.

3 – Avaliar as implicações éticas e jurídicas: realizar uma análise crítica das implicações éticas e jurídicas das teorias criminológicas, especialmente do direito penal do inimigo, quando aplicadas na legislação brasileira, considerando os princípios constitucionais e as normas internacionais de direitos humanos.

4 – Compreender a relação entre teorias e práticas legislativas: investigar como as teorias criminológicas estudadas se refletem nas práticas legislativas, buscando compreender de que forma as ideias teóricas moldaram ou foram incorporadas na legislação brasileira, com ênfase na Lei do Abate.

Estes objetivos visam aprofundar a compreensão das interconexões entre teorias criminológicas e legislação, oferecendo insights relevantes para a discussão acadêmica e contribuindo para o desenvolvimento de políticas públicas mais informadas e equilibradas.

1.3 Metodologia

Este estudo adotou uma abordagem metodológica baseada em pesquisa bibliográfica e análise documental para investigar as interconexões entre teorias criminológicas e a legislação brasileira, com foco na Lei do Abate (Lei 7565/86). A pesquisa bibliográfica abrangeu obras clássicas e contemporâneas sobre criminologia, direito penal, sociologia cultural e fenomenologia, visando compreender a evolução das teorias criminológicas ao longo do tempo.

A revisão de artigos científicos em periódicos especializados enriqueceu a análise crítica das teorias criminológicas e suas aplicações práticas na legislação. A análise documental foi direcionada para a legislação pertinente, especialmente a Lei do Abate e modificações no Código Aeronáutico de 1988, permitindo identificar as nuances das políticas públicas implementadas em relação às teorias estudadas.

A sistematização dos dados coletados seguiu uma abordagem qualitativa, possibilitando uma análise comparativa entre as teorias criminológicas identificadas na pesquisa bibliográfica e a legislação brasileira vigente. Isso proporcionou uma compreensão mais profunda das influências teóricas na formulação de políticas legislativas, destacando a evolução conceitual ao longo do tempo e as implicações práticas nas políticas públicas relacionadas ao espaço aéreo brasileiro.

II Bases Teóricas e Evolução Histórica.

A compreensão das bases teóricas e da evolução histórica das teorias criminológicas é essencial para contextualizar a complexidade do tema em análise. No século XIX, a Escola Positiva, notabilizada pelas contribuições de Lombroso, Ferri e Garofalo, representou um marco ao preconizar a centralidade no criminoso, afastando-se da abordagem da Escola Clássica. A criminologia lombrosiana, em particular, buscava estabelecer uma distinção patológica entre o “bom” e o “mau” cidadão, conferindo ao criminoso uma condição pré-definida como objeto criminológico.

A transição para o século XX trouxe influências da criminologia norte-americana, incorporando elementos da sociologia cultural, correntes fenomenológicas e reflexões históricas. A teoria do etiquetamento social emergiu, desafiando a noção de desvio pré-estabelecido e destacando a atribuição e rotulação de características como elementos centrais. Além disso, em meados da década de 1980, Günther Jakobs introduziu a teoria do direito penal do inimigo, subjugando direitos fundamentais em nome de objetivos punitivos ou preventivos. 

Günter Jakobs, considerado um dos discípulos mais destacados de Welzel4, é creditado como o formulador do funcionalismo sistêmico (radical). Essa abordagem sustenta que o papel primordial do Direito Penal é proteger a norma, sendo a tutela dos bens jurídicos fundamentais uma consequência indireta desse processo, destacando sua ênfase em atribuir uma função específica ao direito penal. A abordagem funcionalista busca responder a uma questão ancestral: qual o propósito do Direito Penal no sistema jurídico? A resposta, sob a perspectiva funcionalista, sugere que tanto o Direito em geral quanto o Direito Penal em particular são instrumentos destinados a assegurar a funcionalidade e eficácia do sistema social e de seus subsistemas. O funcionalismo, portanto, busca compreender o papel do Direito Penal na manutenção e otimização do funcionamento da sociedade.

Jakobs concebe o Direito Penal como um instrumento destinado a reafirmar os valores de uma ordem jurídica específica. Apesar das críticas recebidas, inclusive acusações de nazismo, o teórico esclarece que sua abordagem não prescreve como o Direito Penal deve ser, mas sim destaca como tem sido e é, como um meio de reafirmação da ordem jurídica vigente ao longo da história. Pertencendo à concepção funcionalista radical, Jakobs argumenta que o agente é punido por agir em desacordo com a norma, culpavelmente. Sua teoria enfatiza que o Direito Penal tem como função principal a reafirmação da norma, fortalecendo as expectativas daqueles que a obedecem5.

Segundo Jakobs, o Direito Penal regula os fatos sociais, protegendo diretamente a norma e, indiretamente, os bens jurídicos. O delito é considerado a transgressão da norma, violando as expectativas funcionais. No entanto, a controvérsia surge ao defender que a norma deve ser obedecida mesmo quando errada, originando o conceito de Direito Penal do Inimigo. Isso levanta interpretações diversas, incluindo a ideia de que o ser humano, nesse contexto, não é considerado uma pessoa, mas um integrante de um grupo social6.

A conexão dessas teorias com a legislação brasileira, exemplificada pela Lei do Abate, revela a influência direta na formulação de políticas legislativas, abrindo espaço para análises críticas das implicações éticas e jurídicas dessas abordagens extremas.

2.1 Definição e origens do Direito Penal do Inimigo

Fundamentado na teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann7, Günther Jakobs elabora um dos modelos contemporâneos de direito penal, caracterizado como um dos paradigmas da prevenção geral positiva e rotulado como funcionalista-sistêmico. Essa abordagem tem como objetivo transmitir à sociedade uma sólida convicção na vigência da ordem jurídica, mesmo diante de sua violação por meio de um crime. A teoria enfatiza que a norma jurídica será reafirmada por meio da aplicação da pena, evidenciando que ela permanecerá válida, atendendo às expectativas sociais e jurídicas. Assim, estabelece padrões de comportamento razoáveis e respeitáveis, cumprindo eficazmente suas finalidades na política penal.

Explicando de forma cristalina a  ideia sobre a Teoria funcionalista-sistêmica de Günther Jakobs, afirma Cezar Roberto Bitencourt que:

As normas jurídicas buscam estabilizar e institucionalizar as experiências sociais, servindo, assim, como orientação da conduta que os cidadãos devem observar nas suas relações sociais. Quando ocorre a infração de uma norma, convém deixar claro que esta continua a existir, mantendo sua vigência, apesar da infração. Caso contrário, abalaria a confiança na norma e sua função orientadora.
[…] A pena serve para destacar com seriedade, e de forma clara para o infrator, que sua conduta não impede a manutenção da norma.8

Esta forma de pensar o direito, diferente do Direito Penal Clássico em que parte de postulados abstratos num juízo apriorístico de conduta e só após ação realizada subjetivamente  é que esta espécie de direito se realiza, traduzida no funcionalismo-sistêmico é expressa  objetivamente em termos comunicativos de conduta, só então será realizado o direito.

A teoria do Direito Penal do Inimigo, concebida por Günter Jakobs, parte da ideia de que existem dois grupos de infratores: os cidadãos e os não-cidadãos. Nessa perspectiva, os não-cidadãos são classificados como inimigos, pois representam uma ameaça à sociedade ao participarem de organizações criminosas e/ou atividades terroristas. Em contrapartida, os cidadãos que aderem ao comportamento esperado pela sociedade têm seus direitos preservados.9

É importante destacar que nem todo criminoso pode ser categorizado como inimigo. A transição de cidadão para inimigo ocorre quando o indivíduo deixa de obedecer às normas sociais, afastando-se do direito e tornando-se alguém que perpetuamente desafia o Estado. Esse perfil engloba indivíduos envolvidos em crimes sexuais, econômicos, atos de terrorismo e participação em organizações criminosas.10

O inimigo, ao se distanciar do direito, não oferece garantias de conformidade com as normas estabelecidas. Por não ser reconhecido como um sujeito detentor de direitos, ele não usufrui das mesmas proteções processuais concedidas aos cidadãos. O inimigo não possui direitos à igualdade, à ampla defesa, ao duplo grau de jurisdição, entre outros direitos garantidos pela Constituição Federal.

Luiz Flávio Gomes (2005, p. 1) enumera as características do direito penal do inimigo:

[…] (a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; (b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade,  senão consoante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo  não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o  que ele representa de perigo futuro); (d) não é um Direito Penal  retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de  direito, sim, objeto de coação; (f) o cidadão, mesmo depois de delinquir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse  status (importante só sua periculosidade); (g) o Direito Penal do  cidadão mantém a vigência da norma; o Direito Penal do inimigo  combate preponderantemente perigos; (h) o Direito Penal do inimigo  deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da  proteção penal; (j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio  ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a  reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao  inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente,  no estágio prévio, em razão de sua periculosidade11.

Ainda segundo Juarez Cirino dos Santos12:

A pena para o cidadão seria uma reação contra-fática dotado do significado simbólico de afirmação da validade da norma, como contradição ao fato passado do crime, cuja natureza de negação da validade da norma a pena pretende reprimir. A pena para o inimigo seria uma medida de força dotado do efeito físico de custódia de segunda, como obstáculo antecipado ao fato futuro do crime, cuja natureza de negação da validade da norma a pena pretende prevenir.

Apesar de seu desenvolvimento teórico datar de meados da década de 1980, em 1999 passou a ter relevância após sua defesa em um congresso na Alemanha, naquele momento novamente foi alvo de muitas críticas.

Novamente, após os atentados terroristas que assolaram os Estados Unidos em 200113, passou a ter nova análise, se cogitando a implementação de seus ideais para lidar com questões práticas.

2.2 Fundamentos e críticas ao Direito Penal do Inimigo

O Direito Penal do Inimigo fundamenta-se na ideia de que o crime implica no rompimento do vínculo entre o indivíduo e a sociedade, seguindo um modelo contratualista de sociedade concebido por filósofos modernos como Hobbes, Rousseau, Fichte e Kant. Rousseau (1762) estabelece que as pessoas renunciem parcialmente à liberdade em prol do bem coletivo. Assim, se o inimigo não abre mão de parte de sua liberdade, ele deve ser excluído da sociedade, pois não mantém uma relação jurídica com os demais membros.

Quando ocorre o rompimento com a sociedade, o inimigo tem seus direitos e garantias fundamentais suprimidos, sendo punido mesmo antes de cometer o delito, caracterizando um direito penal preventivo. Jakobs (2005) define como pessoa apenas aqueles indivíduos que sabem se comportar em sociedade, aderindo à estrutura normativa social.

Hobbes (2006) argumenta que o ser humano é naturalmente propenso à agressividade, uma vez que o estado natural permite que os homens ajam sem restrições, resultando em caos e violência devido à falta de regras ou organização social. Portanto, o homem deve renunciar às suas liberdades ilimitadas em favor do Leviatã, que representa o Estado soberano responsável por garantir a paz.

Enquanto Rousseau14 e Fichte (1762) consideram todo delinquente como inimigo, Hobbes (2006) afirma ser inimigo apenas aquele que comete alta traição ou rebelião. Kant (2005), por sua vez, introduz a ideia de imperativos categóricos de justiça, enfatizando que o dever deve ser cumprido unicamente porque é correto, independentemente de circunstâncias externas. Desta forma, toda pessoa tem a autoridade para compelir qualquer sujeito a obedecer a uma “constituição cidadã”.

Apesar da incompatibilidade do Direito Penal do Inimigo (DPI) com a Constituição Federal de 1988 e a legislação brasileira, observa-se uma notável ampliação de seus princípios no sistema jurídico do Brasil. Essa expansão não se limita apenas ao âmbito doutrinário, mas também se manifesta na formulação de leis penais, com o objetivo de priorizar uma repressão ágil do crime em detrimento de políticas criminais eficazes.

O que por vezes reuniu várias críticas, principalmente por parte dos teóricos mais alinhados ao garantismo penal.

Segundo Ferrajoli15, o garantismo penal emerge do iluminismo e do liberalismo do século XVIII, representando um modelo ideal fundamentado nos princípios da legalidade, ampla defesa, contraditório e dignidade da pessoa humana, entre outros.

No entanto, verifica-se uma discrepância entre a normatização jurídica e a efetividade das ações administrativas e policiais, evidenciada frequentemente em notícias e reportagens que denotam um alto grau de violência e desrespeito às normas jurídicas vigentes. Nesse contexto, quanto mais próxima a aplicação das normas no mundo empírico, maior é o grau de garantismo penal. É imperativo que o Estado assegure os direitos dos cidadãos e evite arbitrariedades, impondo uma restrição garantista ao seu próprio poder punitivo, agindo de maneira adequada, necessária, proporcional e em conformidade com as garantias constitucionais.

Exemplos de aplicação do garantismo incluem a anulação de provas ilícitas no processo penal, a inviolabilidade do asilo individual do cidadão em situações não permitidas pela Constituição Federal de 1988, a liberação da prisão em flagrante por excesso de prazo, o direito ao silêncio do réu, entre outros.

Assim, a transformação do Estado absoluto em Estado de direito ocorre simultaneamente à transformação do súdito em cidadão, isto é, em um sujeito titular de direitos não mais exclusivamente “naturais” mas “constitucionais” em relação ao Estado, que se torna, por sua vez, vinculado em relação àquele. O denominado contrato social, uma vez traduzido em pacto constitucional, não é mais uma hipótese filosófica política, mas um conjunto de normas positivas que obrigam entre si o Estado e o cidadão, tornando-os dois sujeitos de soberania reciprocamente limitada (FERRAJOLI,2002, p. 690).

Outro crítico da teoria é o grande jurista argentino Zaffaroni, que assim escreveu: 

[…] admitir um tratamento penal diferenciado para os inimigos não identificáveis fisicamente reconhecíveis significa exercer um controle social mais autoritário sobre a população, como único modo de identificá-los e, ademais, impor a toda a população uma série de limitações à sua liberdade e também risco de uma identificação errônea e, consequentemente, condenações e penas a inocentes16.

Assim, é evidente que o Direito Penal do Inimigo (DPI) revela incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988, uma vez que desrespeitou garantias constitucionais e processuais. A ideia de dois sistemas penais, um para o cidadão e outro para o inimigo, contraria os princípios de isonomia consagrados na CF/88, que os trata como cláusula pétrea, e a imposição de um direito penal voltado ao autor violaria os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Além disso, é importante destacar que a finalidade da pena, conforme preconiza a CF/88, é a ressocialização do criminoso. Entretanto, a teoria elaborada por Jakobs apenas contempla uma abordagem retributiva-punitiva diante do infrator da norma jurídica, uma vez que este deixa de ser considerado cidadão.

2.3 Evolução histórica da Lei de Abate de Aeronaves

A Lei n. 9.614/1988 introduziu o parágrafo segundo no art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica, estabelecendo as circunstâncias em que aeronaves consideradas hostis podem ser abatidas.

O Decreto n. 5.144/2004, com atualizações subsequentes, regulamentou todo o procedimento até a adoção da medida extrema do tiro de destruição. Apesar do tempo transcorrido desde a incorporação e regulamentação da lei no ordenamento jurídico, ainda há escassez de estudos sobre o instituto. Diversos aspectos podem ser objeto de debate, como a competência para julgamento e a aplicação de excludentes de ilicitude, inclusive a  análise da constitucionalidade, tanto no aspecto formal quanto material, questionando se, nesse ponto específico, trata-se de uma forma de pena de morte.

A partir da década de 1970, as Américas adotaram políticas públicas, acompanhadas por leis preventivas e repressivas, para enfrentar o tráfico de drogas.

Nos Estados Unidos, a administração Nixon deu início à política de “lei e ordem”17, que perdurou até o governo Clinton. Este último, por sua vez, realinhou o foco do combate para os países produtores e para a redução da capacidade de transporte de entorpecentes através das fronteiras. Os Estados Unidos estabeleceram abordagens triplas: (a) fornecer assistência para que os países produtores combatem a produção e o comércio de drogas; (b) enfrentar internacionalmente as organizações criminosas envolvidas no tráfico; e (c) implementar programas de interdição seletiva em regiões produtoras, de trânsito e de fronteira.

A execução dessas medidas demandava a vigilância do espaço aéreo, devido ao uso de pequenas aeronaves pelos narcotraficantes. Isso levou ao desenvolvimento de legislações destinadas a conter a rede aérea de transporte de drogas, como foi o caso do Peru e da Colômbia, reconhecidos produtores de cocaína.

No dia 5 de março de 1998, a Lei n. 9.614 incluiu a hipótese de destruição de aeronave hostil ao acrescentar no art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica o parágrafo segundo, com a seguinte redação:

Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:
I – se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;
II – se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;
III – para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;
IV – para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);
V – para averiguação de ilícito.
§ 1° A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.
§ 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. (Incluído pela Lei nº 9.614, de 1998)
§ 3° A autoridade mencionada no § 1° responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.

Em que pesem as críticas há época das discussões sobre a implementação do instituto em 17 de outubro de 2004, o Decreto n. 5.144 entrou em vigor, regulamentando a norma de forma eficaz, ainda mantendo o Presidente das República como autoridade competente.

Em 2014, em decorrência da realização de eventos de grande repercussão mundial, como a Copa do Mundo, o Decreto Presidencial n. 8.265, de 11 de junho de 2014, concedeu ao Comandante da Aeronáutica a atribuição para autorizar a utilização do tiro de destruição de aeronave, principalmente durante o período de 12 de junho a 17 de julho de 2014.18

O Decreto n. 5.144/04 estipula as condições que caracterizam uma aeronave suspeita de tráfico de drogas, incluindo a entrada no território nacional sem plano de voo aprovado, a falta de informações necessárias para identificação e o não cumprimento de determinações dos órgãos de controle de tráfego aéreo, quando seguindo uma rota presumivelmente associada à distribuição de drogas ilícitas. A abordagem ao narcotráfico deve ser orientada pelo Estado Democrático de Direito, visando proteger a segurança pública e a saúde da coletividade. O Brasil, signatário da Convenção de Viena Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas desde 1991, compromete-se a reprimir o tráfico de drogas, implementando medidas de detenção para cumprir essa obrigação internacional.19

É relevante destacar que o controle do espaço aéreo exige a apresentação prévia e aprovação de um plano de voo, prática adotada globalmente para garantir a segurança nas operações aéreas. O Decreto regulamenta situações além das suspeitas de tráfico de drogas, como observado durante os Jogos Olímpicos realizados no Brasil.20

Cabe ressaltar que qualquer sobrevoo requer um plano de voo previamente definido e aprovado para garantir a segurança, orientar pilotos e evitar colisões. O controle de tráfego aéreo tentará inicialmente estabelecer comunicação via rádio, e apenas quando as informações necessárias para identificação não forem fornecidas, será iniciada uma abordagem mais rigorosa. Diante de suspeitas, três medidas anteriores ao tiro de destruição estão previstas.

A primeira, a averiguação, busca confirmar a identidade da aeronave e monitorar seu comportamento, envolvendo a aproximação ostensiva da aeronave de interceptação e comunicação via rádio. A segunda, intervenção, determina que a aeronave interceptada modifique a rota e pouso em aeródromo designado para verificações em solo. Se essas medidas forem infrutíferas, inicia-se o estágio da persuasão, com tiros de aviso visíveis, incentivando o pouso voluntário para averiguação.

Somente na ausência de cooperação durante essa terceira abordagem é que a aeronave é considerada hostil, sujeita à medida extrema de destruição. Os tiros nessa fase visam causar danos e impedir o prosseguimento do voo. A autorização para essa ação é concedida pelo Presidente da República ou por autoridade por ele delegada, após avaliação do Comando de Operações Aeroespaciais do Comando da Aeronáutica. A regulamentação destaca a centralização da tomada de decisão no Presidente da República ou em sua autoridade designada, proporcionando maior perspectiva política na condução do processo.

Ademais, a regulamentação ressalta a aplicação das regras de direito administrativo, responsabilidade civil e direito penal, responsabilizando as autoridades por excesso ou abuso de poder no limite de suas atribuições.21

III Análise da Confluência Jurídica

A interseção entre a Lei de Abate de Aeronaves e a teoria do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs é uma temática complexa que suscita debates sobre a harmonização dessas dos institutos jurídicos. Abordaremos, a seguir, a identificação de áreas de convergência e divergência, além de reflexões sobre a interação entre esses elementos jurídicos.

3.1 Identificação de áreas de convergência e divergência

A Lei de Abate de Aeronaves e a Teoria do Direito Penal do Inimigo, proposta por Günther Jakobs, apresentam áreas de convergência e divergência notáveis. Ambas abordam situações em que a abordagem jurídica convencional é desafiada, especialmente em contextos que envolvem ameaças sérias à segurança do Estado. A convergência emerge na consideração de circunstâncias excepcionais que demandam respostas legais distintas.

No entanto, divergências substanciais também surgem. Enquanto a Lei de Abate de Aeronaves lida especificamente com aeronaves suspeitas de tráfico de drogas, a Teoria do Direito Penal do Inimigo é uma abordagem mais abrangente, delineando uma distinção entre cidadãos e não-cidadãos, considerando esses últimos como inimigos quando representam uma ameaça permanente à ordem jurídica. Essa diferença conceitual pode gerar tensões na aplicação prática dessas teorias em conjunto.

3.2 Reflexões sobre a interação entre Direito Penal do Inimigo e Lei de Abate de Aeronaves

A interação entre o Direito Penal do Inimigo e a Lei de Abate de Aeronaves levanta questões éticas e legais cruciais. Ao aplicar medidas extremas, como o abate de uma aeronave, o Estado está, de certa forma, adotando uma abordagem coerente com a perspectiva do Direito Penal do Inimigo, onde a retribuição é prioritária sobre a ressocialização.

Contudo, a potencial aplicação indiscriminada da Lei de Abate de Aeronaves pode entrar em conflito com princípios fundamentais do devido processo legal e direitos humanos, suscitando preocupações sobre a preservação das garantias individuais. A questão da proporcionalidade das medidas adotadas, à luz da gravidade da ameaça percebida, é crucial para equilibrar a segurança pública com o respeito aos direitos fundamentais.

Em suma, a confluência entre a Lei de Abate de Aeronaves e a Teoria do Direito Penal do Inimigo demanda uma análise cuidadosa e crítica. A integração desses conceitos deve ser guiada por uma ponderação cuidadosa dos princípios jurídicos e éticos que sustentam o Estado de Direito, buscando harmonizar a segurança pública com a preservação das liberdades individuais.

IV Considerações Finais

A análise da confluência jurídica entre a Lei de Abate de Aeronaves e a teoria do Direito Penal do Inimigo revela um cenário complexo e desafiador. Ambos os instrumentos legais, concebidos para enfrentar ameaças graves à sociedade, convergem na busca pela segurança coletiva. No entanto, suas divergências destacam dilemas éticos e jurídicos que demandam reflexão e cautela.

A Lei de Abate de Aeronaves, ao permitir a interceptação e, em última instância, a destruição física de uma aeronave suspeita de tráfico de drogas, enfrenta o desafio de equilibrar a eficácia na repressão com a preservação dos direitos fundamentais. A medida extrema, embora justificada em casos de ameaça iminente, deve ser aplicada com parcimônia e em estrita conformidade com os princípios democráticos.

Por outro lado, a teoria do Direito Penal do Inimigo, proposta por Günther Jakobs, introduz a ideia de tratamento diferenciado para transgressores considerados “inimigos”. Essa abordagem, que priva tais indivíduos de garantias fundamentais, confronta princípios basilares do Estado de Direito, como a presunção de inocência e a proporcionalidade das sanções.

No contexto da interação entre esses elementos jurídicos, torna-se imperativo um constante processo de revisão normativa. A legislação deve ser clara, precisa e sujeita a avaliações periódicas, garantindo sua conformidade com os valores e as demandas da sociedade. Além disso, é essencial considerar a evolução das tecnologias e das práticas criminosas, adaptando a legislação de maneira apropriada.

As considerações finais ressaltam a necessidade de um diálogo contínuo entre os diferentes ramos do direito e a importância de uma abordagem equilibrada. A eficácia na repressão ao tráfico de drogas não pode se sobrepor aos valores democráticos e aos direitos individuais. A construção de um arcabouço legal coeso e alinhado com os princípios fundamentais é essencial para enfrentar os desafios contemporâneos, garantindo a segurança coletiva sem comprometer os alicerces do Estado de Direito.


2Historicamente, afirma SHECAIRA que “A Teoria do Labeling surge após a 2.ª GuerraMundial, os Estados Unidos são catapultados à condição de grande potência mundial, estando em pleno desenvolvimento o Estado do Bem-Estar Social, o que acaba por mascarar as fissuras internas vividas na sociedade americana. A década de 60 é marcada no plano externo pela divisão mundial entre blocos: capitalista versus socialista, delimitando o cenário da chamada Guerra Fria. Já no plano interno, os norte-americanos se deparam com a luta dasminorias negras por igualdade, a luta pelo fim da discriminação sexual, o engajamento dosmovimentos estudantis na reivindicação pelos direitos civis. ” SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia.  São Paulo: RT, 2004, p.371-374
3FEITOSA, Gustavo Raposo Pereira; PINHEIRO, José Augusto de Oliveira. Lei do Abate, guerra às drogas e defesa nacional. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 55, n. 1, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-73292012000100005. Acesso em: 06/12/2023.
4Em 1930, Hans Welzel, um jurista alemão, introduziu a Teoria Finalista da Ação no Direito Penal, marcando uma inovação em relação à anterior Teoria Causalista da Ação, que persistiu até a reforma do Código Penal brasileiro em 1984. A diferença crucial entre essas teorias reside no fato de que, na abordagem finalista, o elemento “intenção” é considerado na composição da conduta criminal. Nessa perspectiva, tanto o dolo quanto a culpa são elementos que compõem e definem a imputação da conduta criminosa, ao contrário da teoria causalista, em que tais intenções eram reservadas para a culpabilidade e não influenciavam a tipicidade. A Teoria Finalista inclui, além dos elementos objetivos como ação, nexo de causalidade e resultado, o elemento subjetivo do tipo, incorporando o dolo e a culpa. Em resumo, a Teoria Finalista coloca a vontade como o centro, seja na intenção de realizar a conduta (dolo) ou na negligência que leva à prática do ato penalmente incorreto (culpa).
5MANSOLDO, Mary. Comentários sobre a teoria do funcionalismo penal. Conteúdo Jurídico, Brasília, v. 15, n. 101, p. 1-7, jun. 2011. ISSN 1984-7858.
6Ibd
7LUHMANN, Niklas, Sociologia do Direito I. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983.
8BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.150.
9PONTES, A. P. F.; PISCIOTTA, R. M. A incompatibilidade do direito penal do inimigo com a Constituição Federal brasileira 2. Revista Científica da UMC, v. 6, n. 3, 2021. ISSN 2525-5150. Disponível em: https://www.umc.br/revista-cientifica-da-umc/volume-6-numero-3-2021/. Acesso em: 07 dez. 2023.
10Ibd
11GOMES, L. F. Direito penal do inimigo (ou inimigos do direito penal). Revista jurídica Unicoc, 2005.
12SANTOS, J. C. D. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível  em: <https://icpc.org.br/wp-content/uploads/2021/05/direito_penal_do_inimigo.pdf>. Acesso em: 07 dez.  2023.
13Na manhã de 11 de setembro de 2001, quatro aeronaves com passageiros foram sequestradas em diferentes pontos dos Estados Unidos. Os aviões se dirigiram a distintos alvos: duas para as Torres Gêmeas, em Nova York; uma para o Pentágono e a última, provavelmente, para o Capitólio, em Washington.Os ataques foram coordenados por Osama bin Laden, causaram a morte de 2.996 pessoas e deixaram mais de 6.000 feridas.
14ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
15FERRAJOLI, L. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002
16ZAFFARONI, E. R. O inimigo no direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
17Lei e ordem (em inglês: law and order) foi a política criminal vigente nos Estados Unidos, em especial a partir dos anos 1980. Seus teóricos, em linhas gerais, endossam uma maior atuação policial de modo a restaurar a ordem nos grandes centros urbanos e diminuir a criminalidade. O Law and Order serviu como contraponto ao abrandamento da repressão policial que se deu no período após a Segunda Guerra Mundial e se justificava pela necessidade de combater os pequenos delitos ou atos de delinquência que se multiplicavam nas metrópoles, os quais causavam uma sensação generalizada de insegurança.
Essa política criminal ganhou embasamento teórico com a publicação, em 1975, da obra Pensando sobre o delito, do criminólogo James Q. Wilson, associado à direita punitiva americana[1], e ganhou fama com o livro Fixing Broken Windows, dos também criminólogos George L. Kelling e Catherine M. Coles. Suas aplicações práticas manifestaram-se no governo Ronald Reagan (1981-1989) e, posteriormente, no governo de Rudolph Giuliani, prefeito de Nova Iorque entre 1994 e 2001.
18MACHADO, Cristiane Pereira. Lei do abate. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6556, 13 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91038. Acesso em: 7 dez. 2023.
19Ibid
20Ibid
21Ibid

REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

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1Mestrando em direito PPGD UNINTER – Bolsista CAPES/PROSUP.