DIÁLOGO ENTRE A TEORIA DA MODIFICABILIDADE E A PRÁTICA DO AGENTE DE LETRAMENTO DO SEMIÁRIDO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7049045


Autora:
Eveli Rayane da Silva Ramos


RESUMO

Este artigo tem como objetivo geral, identificar como a Teoria da Modificabilidade poderá colaborar com a mediação do agente de Letramento no processo de alfabetização no contexto do Semiárido brasileiro, o qual nasceu através da seguinte questão: Que práticas seriam necessárias para existir uma real potencialização da capacidade cognitiva dos alunos, contribuindo para a Psicopedagogia Analíticas Intervenções Psicopedagógicas e Dificuldades de Aprendizagem? Abarcando como hipótese que a modificabilidade apontada por Feuerstein não acontece por conta da formação inicial do professor, a qual foi confirmada, já que os sujeitos da pesquisa que não imergiram na graduação no tema em questão não conseguiram responder de acordo com os estudos realizados que fundamentam esse artigo – Moreira e Macedo (2002), Lopes e Macedo (2011), Feuerstein e Falik (2014).

Palavras-chave: Teoria da Modificabilidade. Aprendizagem significativa. Educação contextualizada no Semiárido.

ABSTRACT

This article aims to identify how the Theory of Modifiability can collaborate with the mediation of the agent of Literature in the process of literacy in the context of the Brazilian semiarid, which was born through the following question: What practices would be necessary to have a real potentialization of the Cognitive ability of students, contributing to Psychopedagogy Analytical Psychopedagogical Interventions and Learning Difficulties? Taking as hypothesis that the modifiability pointed out by Feuerstein does not happen because of the initial formation of the teacher, which was confirmed, since the subjects of the research that did not immersed in the graduation in the subject in question could not respond according to the studies that they base This article – Moreira and Macedo (2002), Lopes and Macedo (2011), Feuerstein and Falik (2014).

Keywords: Theory of Modifiability. Meaningful learning. Contextualized education in the Semiarid.

INTRODUÇÃO

Discutir currículo na contemporaneidade, exige que possamos compreender algumas questões que são fundamentais para a construção do mesmo, definindo como ponto de partida alguns questionamentos citados Moreira e Macedo (2002, p.22), dentre eles, podemos pensar a respeito dos conhecimentos que são selecionados para fazer parte do currículo adotado: “Que conhecimentos foram excluídos?  De quem são esses conhecimentos incluídos e os excluídos?”  Esse currículo adotado representa de fato todo o conhecimento da área contemplada?

Para buscarmos essas respostas, é preciso entender um pouco mais sobre currículo, mas afinal o que é currículo? De acordo com a definição do Dicionário Aurélio, currículo é a reunião de disciplinas de um determinado curso; buscando aprofundar mais nessa definição, currículo é o caminho que uma escola segue no seu ano letivo, organizando o que ensinar, o como ensinar e avaliar, mais precisamente, “currículo é a seleção e organização do que vale a pena ensinar” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 45). Todavia, o que vale a pena ensinar? Podemos homogeneizar a necessidade de toda a área contemplada com esses currículos escolares “universais”?

Atualmente, vivemos em uma era em que podemos encontrar diversos grupos com diferentes identidades os quais possuem opiniões, interesses e necessidades distintas, grupos que pertencem a um território comum, seja ele presencial ou informacional, cujo último território citado,  tem colaborado muito para a formação de novas identidades, os sujeitos passaram a ter mais visibilidade e dizibilidade nos meios de comunicação disponibilizado pelas tecnologias mais recentes, recursos que dão acesso ao ciberespaço, um território onde os usuários podem ler, escrever, formar grupos ganhando apoio de outras pessoas mesmo “distantes”, formando novas culturas, se reafirmando como um ser pertencente a uma determinada identidade, a qual se apresenta de modo fragmentado, pois segundo os autores:

Não há uma identidade essencial e nem um indivíduo passivo que se forme pela internalização de valores culturais estabelecidos. O núcleo interior do indivíduo se produz e se modifica em dialogo continuo com os mundos exteriores e as identidades que eles oferecem (MOREIRA e MACEDO, 2011, p. 16).

A identidade é formada a partir de interações entre diferentes sujeitos, os quais muitas vezes não passaram pelas mesmas aprendizagens e interações no decorrer do seu desenvolvimento, participando “com outros de determinadas dinâmicas na vida social – nacional, religiosa, linguística, étnica, racial, de gênero, regional, local” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 13).

Com toda essa heterogeneidade, é possível perceber o quanto é necessário pensar na elaboração de currículo intercultural, não adicionando novas disciplinas ou fazendo seminários, apresentações em culminância de eventos nos dias do índio, por exemplo, cabe o educador está trazendo saberes presentes no contexto dos alunos, selecionando os conhecimentos de acordo com o que os sujeitos precisam, sempre visando uma educação emancipadora, que tenha sentido e que posteriormente, esses alunos possam transformar e compreender a realidade global e local com criticidade.

Muitos educadores compreendem essa necessidade de discutir temas locais, todavia, há uma barreira em como os mesmos devem proceder, já que os conteúdos e materiais “vem de cima para baixo”, e são impostos com interesses de formação de identidades de exclusão que mantém o círculo vicioso do “poder centralizador”.

Infelizmente, materiais contextualizados com a realidade local ainda não se faz presente em todos os territórios, boa parte dos livros didáticos são “universais”, produzidos, de acordo com Lins (2011), na região Sudeste.

Ao adotar materiais descontextualizados, encontramos professores mais distanciados dos interesses dos sujeitos presentes na sala de aula, essa tal prática, colabora para a não compreensão dos conteúdos “depositados”, levando aos alunos a conceberem de forma que não fazem parte da vida, da realidade dos mesmos. Esse distanciamento dos alunos com o conteúdo continua a medida que os educadores presentes não buscam contextualizá-los: 

Restando ao professor o papel de mero executor de atividades preestabelecidas por um especialista, dificilmente este conseguirá incorporar a sua ação em sala de aula, elementos que lhe permitam construir, junto com os alunos, uma ação coletiva que busque não só compreender a realidade em que estes estão inseridos, mas, também, e principalmente, atuar na transformação. (OLIVEIRA, 1997, p. 90)

Essa prática pedagógica acaba colaborando para a reprodução da desigualdade, evitando a transformação social por meio de uma educação crítica, emancipadora; prática que permite que o aluno seja “enchido” por outro de conteúdos cuja inteligência não percebe; de conteúdos que contradizem a forma própria de estar em seu mundo […].” (FREIRE, 2011, p.16).

É possível, durante esse caminhar em que as mudanças para a elaboração e efetivação de um currículo intercultural ainda estejam acontecendo, que os educadores repensem, reelaborem as suas aulas levando em questão os diferentes sujeitos que estão presentes e considerem a questão da transposição didática.

O conceito de transposição didática é elaborado por Yves Chervallard:

Em suas pesquisas, ele evidencia como um determinado conceito na Matemática dos matemáticos é modificado, normalmente para ser simplificado, quando é ensinado na disciplina escolar Matemática. O conceito é deslocado: (i) das questões que permitem resolver e dos conceitos com os quais constitui uma rede de relações (descontextualização); (ii) do período histórico (descontemporalização); (iii) dos vínculos que possui com todas as pessoas que o produziram e suas práticas científicas (despersonalização) (YVES CHERVALLARD apud LOPES e MACEDO, 2011, p. 96).

Essa “simplificação”, não é considerado por Chervallard como um conhecimento errado ou até mesmo insuficiente. Para ele, “a transposição didática é precisamente a transição de um conhecimento, considerado como uma ferramenta a ser colocada em uso, para algo a ser ensinado e aprendido” (YVES CHERVALLARD apud LOPES e MACEDO, 2011, p. 96).

Esse trabalho de transposição didática, segundo as autoras Lopes e Macedo (2011), não precisam ser realizados somente pelos professores, pois essa transposição “se desenvolve em um sistema de ensino”, sistema de ensino que possui autonomia durante esse processo, “controlando” essa transposição, que determina, e organiza os conhecimentos, os quais são impressos e distribuídos em diferentes territórios.

Então, professor que não dispor de mais nenhum recurso, além do livro didático, pode estar fazendo uma transposição didática durante a sua prática pedagógica, mesmo não sendo comum essa tal prática por professores, o qual vai precisar conhecer o chão onde está pisando, o chão em que os seus alunos pisam fora dos âmbitos escolares, mas não reduzindo apenas para o local, pois a realidade global existe e tem grande influência na realidade local e essas influencias precisam ser compreendidas por esses sujeitos. É necessário que o educador busque essas identidades, as culturas que estão presentes e permita que elas façam parte das aulas, que os saberes sejam vinculados com os conhecimentos escolares, ganhando uma nova forma em cada compreensão e assimilação realizada, pois dispomos de diferentes sujeitos, e cada sujeito apreende da sua maneira, a partir da sua leitura de mundo, dos seus saberes, conhecimentos já adquiridos. 

A proposição é trazer os princípios da contextualização com a Teoria da Modificabilidade, o que pode apresentar para muitos, como teorias e práticas distantes, devido a não popularidade dessa teoria de Reuven Feuerstein no campo da Educação Contextualizada, mais precisamente, com a Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, todavia ambas buscam por uma aprendizagem significativa para o sujeito, uma aprendizagem que é capaz de ser aplicada em diversas situações na escola – em atividades de diferentes conteúdos; e também em ambientes não escolares – O aprendizado, o significado transforma o olhar do aprendiz, que a partir de uma aprendizagem significativa, o mesmo é capaz de assimilar situações distintas, criando novas mudanças estruturais que possibilitam novas mudanças – qualidade nomeada de distância cognitiva, segundo Feuerstein (2014).

Mas, como o sujeito aprende? Como dito no parágrafo anterior, uma pessoa aprende quando ocorre uma mudança estrutural no cérebro, “Ou seja, se a pessoa aprende um princípio e ocorre uma mudança estrutural, também será possível aplicá-lo a numerosas e diversas instâncias onde o mesmo se aplica” (FEUERSTEIN E FALIK, 2014, p. 44).

Essas mudanças que ocorrem, apresentam-se de forma diferenciada, necessitando de observações e avaliações do mediador. Para tanto, Feuerstein e Falik (2014, p. 45) apresentam quatro parâmetros:

Permanência: Até que ponto a mudança é preservada com o tempo.
Resistencia: Quão resistente é a mudança a condições e alterações ambientais.
Flexibilidade/adaptabilidade: Até que ponto ela é incluída além da situação inicial, nas outras áreas de respostas e eventos de aprendizado.
Generalização/transformação: Até que ponto o indivíduo continua sendo modificado e cria novas mudanças estruturais por meio de esforços independentes (FEUERSTEIN E FALIK, 2014, p. 45).

Esses parâmetros são importantes para o mediador verificar onde cada aprendiz se encontra, sendo possível, a partir dessa identificação, elaborar novas estratégias para que o aluno alcance o alto nível da qualidade da mudança.

Citando um caso análogo, digamos que um adolescente aprendeu na aula de informática como utilizar o Microsoft Office Word no primeiro semestre, e o mesmo precisa aprender o Microsoft Power Point no segundo semestre. Digamos que se houve uma mudança estrutural durante a aprendizagem do software, toda a abordagem do adolescente é modificada, determinando a forma como o mesmo continuará aprendendo os demais softwares.

Além disso, irá me direcionar a buscar e prestar atenção ao estímulo no mundo ao qual fui exposto, e trará insights cognitivos novos e inovadores a eles, assim aprofundando o meu entendimento e expandindo a minha perspectiva. (FEUERSTEIN E FALIK, 2014, p.47)

Mas, como alcançar essa mudança? O papel do mediador, do agente de letramento da Educação Contextualizada é fundamental. Para que o indivíduo aprenda, é necessário que exista uma Experiência de Aprendizagem Mediada – EAM, um aspecto considerado por Feuerstein (2014) um “aspecto essencial do desenvolvimento tanto biológico quanto sociocultural”, a qual busca dá sentido aos conteúdos e as experiências, escolhendo os estímulos necessários para o desenvolvimento do aluno, que precisam ser significativos para os mesmos, que sejam estímulos do seu contexto, assim como propõe a Educação Contextualizada em suas práticas – Levar o conteúdo, elaborar um currículo que faça parte do contexto do aluno, e não que seja algo distante, desconhecido, pouco atrativo e sem funcionalidade.

Na teoria da aprendizagem, era trabalhado apenas com Estímulo (S) e Resposta (R) – (S-R), e no mais tardar Piaget adicionou o Organismo (O) – (S-O-R), o qual possuía características, idade e estágios de desenvolvimento e Feuerstein, trouxe o mediador (H) para essa equação e o colocou entre o S, O e R:

FIGURA 1: EQUAÇÃO DE FEUERSTEIN

Fonte: http://ospitiweb.indire.it/adi/Saperi/FeueTMCS.htm

Feuerstein defende a ideia que uma pessoa aprende por meio de mediação, pois possui intenção e sistematização, sendo essa a sua justifica para a adição do mediador: “O mediador humano é transmissor de elementos culturais mais amplos e mais significativos dos objetos e eventos da experiência direta”. (FEUERSTEIN E FALIK, 2014, p. 64)

Esse mediador apresentado por Feuerstein traz uma ordem entre o sujeito e o mundo, escolhe o estímulo adequado, organiza, contextualiza de forma que possa chamar mais a atenção, que seja mais significativo, a fim de que possibilite uma recepção positiva, e quando o estímulo é encontrado junto com outros estímulos, ele é reconhecido e estruturalmente assimilado. O mediador, busca de todas as maneiras fazer com que o aluno alcance uma mudança, que ele apreenda significativamente:

Quero que você veja esse estímulo, quero que você o veja nessa situação. Farei de tudo que isso seja possível; até mesmo mudarei o estímulo para que atraia o seu olhar, mesmo se não estiver interessado em vê-lo. Antes de ver, certificarei que você veja outra coisa para identificar a conexão entre o que está vendo agora e o que veio antes ou o que virá depois. (FEUERSTEIN E FALIK, 2014, p.76)

A inserção de estímulos pelo mediador, permite com que o aprendiz faça posteriormente associações e como foi dito no início desta seção, as associações não se restringem apenas a conteúdos escolares, mas sim a associações com os saberes da comunidade na qual está inserido, permitindo um novo olhar sobre a realidade em que sua família e amigos vivem, possibilitando dessa forma o surgimento de cidadãos críticos e construtores da sua história a partir da aprendizagem mediada de forma significativa.

Além dos estímulos, Feuerstein e Falik (2014) traz ferramentas desenhadas para mediar a aquisição de funções cognitivas lapidadas – Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) que visa criar as possibilidades da mudança, da aprendizagem significativa e a assimilação necessária para entender a organização entre mundo, conteúdos e saberes. A estrutura desses instrumentos são:

Relações transitivas: O aluno transfere o que aprendeu na escola para outro lugar e a partir dessa transição ele cria um novo conhecimento.
Exemplo:

A+B=C+D, e A=D Qual será a relação de B e C?

Comparação: O aluno precisa realizar uma comparação e chegar a um padrão conceitual.
Exemplo:

FIGURA 2: EXEMPLO DE COMPARAÇÃO

Fonte: Feuerstein e Falik (2014, p.172)

Organização de pontos: Consiste em ligar os pontos, em que o aluno precisa utilizar a percepção e representação.
Exemplo:

FIGURA 3: EXEMPLO DE ORGANIZAÇÃO DOS PONTOS

Fonte: http://abibliadoprofessor.blogspot.com.br/

Esses instrumentos, tem como proposição ativar os processos de pensamento, ensinando o aluno “a pensar e utilizar estratégias de pensamento sem ser limitado pelo conhecimento de determinado assunto ou ficar nele como fonte de conhecimento. ” Feuerstein e Falik (2014, p.173).

Resumidamente, esse artigo é constituído por quatro momentos, no qual o primeiro foi a Introdução, abarcando questões sobre todo o referencial utilizado, o segundo momento será a  Metodologia, apresentando a abordagem, o tipo de pesquisa, as técnicas utilizadas, os recursos e os sujeitos da pesquisa realizada. Já o terceiro momento, é a Análise e discursões dos dados, em que os dados coletados por meio da entrevista serão analisados com base na discursão elencada nesse momento da Introdução e por fim, o quarto momento – As considerações finais, onde será possível verificar quais foram as considerações após a realização da pesquisa e as proposições futuras de estudos na área.

METODOLOGIA

A presente pesquisa possui uma abordagem qualitativa, que de acordo com Lakatos e Marconi (2004) é a abordagem que se preocupa em analisar e interpretar os aspectos do que está sendo estudado de maneira mais intensa, adotando, portando a natureza exploratória, que como afirma Gil (2007), pode assumir a forma de exploração de dados pesquisados em campo e posteriormente analisados a partir da teoria.

 A pesquisa traz como objetivo geral, identificar como a Teoria da Modificabilidade de Feurestein poderá potencializar a mediação do agente de Letramento no processo de alfabetização. Dessa forma, para alcançar esse objetivo, foi necessário realizar um estudo sobre a teoria da Modificabilidade, que Feurestein traz como a capacidade que o ser tem para desenvolver a sua cognição, seja na fase infantil ou até mesma na adulta, somado aos estudos que envolvem o agente de letramento e a Educação contextualizada com o semiárido brasileiro, que tem como uma de suas proposições, mediar o aluno para uma aprendizagem significativa.

Para tanto, foi necessário explorar as escolas que trabalham na perspectiva da Educação Contextualizada com o Semiárido Brasileiro – e os sujeitos desta pesquisa, professores desse programa, que servirão de amostragem para analisar e contextualizar esta pesquisa.  A técnica utilizada para coleta de dados foi à entrevista, possibilitando dessa forma, a análise e posteriormente a confirmação da hipótese.  De acordo com Gil (2007), boa parte das pesquisas exploratórias envolvem: Levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão.

 Para maior precisão na aplicação da entrevista aos sujeitos, foram utilizados como recursos de coleta de dados, o Gravador do smartphone, questionário impresso e digitalizado, os quais foram empregados no momento da aplicação da entrevista presencial para 2 participantes e o outro, enviado por e-mail ao participante devido a distância territorial.

Para a realização da pesquisa, entrevistou-se três educadoras de diferentes escolas e municípios distintos que utilizaram os livros Conhecendo o Semiárido 1 e 2 durante os anos de 2014 e 2015 como representação do universo de amostragem. Duas das escolas estão localizadas na cidade de Juazeiro-BA e a outra na cidade de Curaçá-BA. Todavia, por motivo de distância, a educadora de Curaçá respondeu o questionário por meio de um e-mail e as da cidade de Juazeiro, já foi possível prosseguir com o planejamento inicial, que era a entrevista estruturada.

A Educadora-1, a qual foi aplicado o do questionário, leciona na Escola Curaçá1, formada por professores graduados em Licenciatura em Pedagogia (a maioria), dois com magistério e uma cursando Pedagogia, os quais atendem a 472 alunos.

A escola não possui profissionais formados na área da contextualização, todavia participam de formações e possuem uma Proposta Político Pedagógica desde o ano de 2001 que aborda a contextualização e a convivência com o Semiárido brasileiro – Educação com o pé no chão do Sertão, que segundo as informações obtidas pela Educadora-1, a proposta começou a ser elaborada no ano de 1999 com o apoio do IRPPA2 e professores da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, no Departamento de Ciências Humanas – DCH III do campus de Juazeiro –BA.

A segunda educadora, nomeada de Educadora-2, é professora da Escola Duarte (90 estudantes) e com sua equipe, constitui um corpo docente de profissionais formados, mas nenhum na área específica da contextualização.

Já a terceira participante, a Educadora-3, trabalha na Escola Farias, informa que estudou na graduação o tema em questão e que atuou em projeto de extensão na universidade, o qual apresentava como tema principal a contextualização, a convivência com o Semiárido. A mesma relata que a escola é formada por professores que não estudaram na área, mas que estão conhecendo a partir das formações realizadas pelo município.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Para realizar a análise da presente pesquisa, foi necessário entrevistar três educadoras de escolas e municípios distintos, assim como foi informado na seção anterior. Esses sujeitos apresentam-se como uma amostra retirada das escolas da rede do munícipio da cidade de Juazeiro-BA e Curaçá-BA que utilizaram o livro didático Conhecendo o Semiárido 1 e 2 nos anos de 2014 e 2015, abarcando em suas práticas a contextualização, a aprendizagem significativa, ou seja, a mudança real na estrutura do cérebro dos alunos, assim como traz Reuven Feuerstein em sua teoria da Modificabilidade.

As entrevistas foram realizadas com professores que possuem o curso de Licenciatura em Pedagogia, todavia, apenas uma das educadoras possui a formação com base na Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro: A Educadora-3. A Educadora-1 e a Educadora-2 conheceram esse paradigma a partir das formações que os municípios estavam promovendo, afim de fundamentar as professoras nas teorias e práticas, aumentando dessa forma, as possibilidades de se trabalhar com os livros e também viabilizar o uso dessa prática com outros conteúdos e materiais que não estão contextualizados  com a realidade dos alunos, assim como relataram a Educadora-2 e a Educadora-3 nas resposta da questão 4: “[…]a gente não contextualiza apenas o Semiárido, mas também a rua que o meu aluno morava, o bairro, a cidade, os problemas que eles enfrentavam, tudo do contexto era problematizado, é importante está contextualizando tudo.”

Mas, para que exista essa contextualização de materiais e conteúdos não contextualizados é necessário que os educadores saibam realizar de fato a transposição didática. Para se empoderar dessa questão, foi necessário perguntar o que elas entendiam por Transposição Didática (Questão 1). A Educadora-1 e a Educadora-3 responderam:

“Eu entendo como algo a ser ensinado de uma maneira que o educando compreenda sem aquela linguagem que aprendemos na faculdade ou nos livros de grandes pensadores, mas algo real sistematizado com clareza e objetividade de maneira que possa ser ensinado pelo professor e compreendido pelo educando.” Educadora-1
“Acredito que a transposição didática, é quando eu transformo um conteúdo cientifico ou um problema social que meu aluno vive, quando eu transformo ele, eu adapto ele para que o meu aluno compreenda.” Fala da Educadora-3.

Como se observa, suas falas contemplam as teorias dos autores estudados: “a transposição didática é precisamente a transição de um conhecimento, considerado como uma ferramenta a ser colocada em uso, para algo a ser ensinado e aprendido” (YVES CHERVALLARD apud LOPES e MACEDO, 2011, p.96).

Já a Educadora-2, não soube responder à questão apresentada, mesmo tendo participado de diversas formações sobre a temática e realizado projetos com base na contextualização.

A questão 2, foi sobre a aprendizagem significativa: O que você considera uma aprendizagem significativa? Veja abaixo as repostas das educadoras:

Considero que a aprendizagem é significativa quando partimos da nossa realidade professor/aluno interagindo com o meio onde vivemos para facilitar a compreensão do todo sem impor esse conhecimento, mas aprendendo juntos, permitindo que o aluno tire suas conclusões e perceba que algo pode ser melhorado e até revisto. Educadora-1
Tudo, tudo. Quando você tem uma aprendizagem que tem significado, ela tem significância você interioriza isso, você não perde. Você captou, registrou, como é que se diz…. Carimbou! E de uma forma ou de outra você vai fazer uso disso. Educadora-2
Então, com todos os estudos na universidade, todos os livros que eu li, as formações do município, o que eu consigo compreender de aprendizagem significativa, é que ela se dá quando o aluno consegue assimilar o conhecimento didático, quando ele consegue assimilar o conteúdo e quando ele consegue trazer esse conteúdo para a sua realidade, quando ele dá significado a esse conteúdo e quando ele consegue fazer relação com o que ele já sabia. Educadora-3

Observa-se que todas as respostas correspondem ao que Feuerstein e Falik (2014) trazem em sua obra, em que estímulos certos, contextualizados, permitem que o aluno realize posteriormente associações com outros conteúdos escolares e com os saberes da comunidade, permitindo que uma aprendizagem significativa aconteça, desde que os estímulos corretos sejam selecionados.

Já a questão 3, tinha como foco a mediação do educador, do Agente de Letramento: A mediação professor-aluno, aluno-aluno é importante para a construção da aprendizagem?

Considero essa troca algo grandioso em especial com alunos mais tímidos que não conseguem falar diretamente para o professor que não compreenderam determinado assunto. É importante o professor saber a hora da intervenção e deixar o educando pensar investigar mais sobre determinado conteúdo. E como diz Rubem Alves “a função de um professor é instigar o estudante a ter gosto e vontade de aprender, de abraçar o conhecimento”. Educadora-1
A mediação entre professor-aluno ela não é importante, ela é necessária! Para que haja uma troca devolutiva, um feedback de informações e carimbe de fato a aprendizagem significativa, porque se não houver essa reciprocidade de aluno e professor, vai ser difícil, porque há um bloqueio. O professor precisa ter um domínio de conteúdo, domínio de sala, para que possa prender a atenção do aluno, para que possa perceber essa troca de informação. Educadora-2
Sim, muito importante. A aprendizagem se dá de diversas formas, o aluno ele aprende comigo, ele aprende com o colega, ele aprende quando eu estou ensinando o outro colega ao lado, é fantástico, se dá de todas as formas. E é tão visível na educação infantil, é maravilhoso. Essa história que as teorias não se aplicam a prática, é pura “balela”, é discurso de quem não conseguiu compreender o que a teoria quer dizer. Educadora-3

Esse “prender a atenção do aluno” que a Educadora-2 coloca em sua resposta, vai de encontro com o que é apresentado por Feuerstein, pois segundo o autor, para que o mediador chame a atenção do aluno, é necessário que ele saiba escolher os estímulos adequados, que contextualize os conteúdos para a realidade de seus alunos, de tal forma que chame a atenção, que venha “prender a atenção do aluno”, assim como coloca a Educadora-2. 

E a interação relatada pela Educadora-3 de professor-aluno e aluno-aluno é sim fundamental e também vai de encontro com que Feuerstein traz, pois é preciso compartilhar os conhecimentos, é preciso que existam trabalhos em grupos que permitam um aluno ajudar o outro, dividindo tarefas e sempre analisando de forma conjunta com o seu mediador o seu processo, para que entenda onde errou, o que acertou, como se chegou a um determinado resultado e o que está aprendendo de novo. 

Por fim, a questão 5, diz respeito a formação inicial das educadoras: Sua formação inicial (na universidade) deu conta de orientar sua prática pedagógica para ser uma mediadora de aprendizagem significativa com foco na Educação contextualizada para a convivência com o semiárido brasileiro? A Educadora-1 e a Educadora-2, de acordo com as respostas não tiveram esse aporte na graduação, já a Educadora-3 teve a oportunidade de aprofundar nesse paradigma enquanto estava na universidade, todavia não é apenas a formação inicial que se apresenta como suficiente para a prática da mesma como mediadora:

“Olha, a minha formação foi ótima, foi no que eu mais me dediquei na universidade foi na Convivência com o Semiárido brasileiro, a contextualização, então foi a temática que eu mais me aprofundei. Agora sim, dizer que a minha formação inicial basta para que eu possa orientar, para ser uma boa mediadora isso não, não dá para ficar parada e só ter a minha graduação, eu preciso estar sempre correndo atrás de novas aprendizagens, até porque vai sempre surgindo novos trabalhos, novas pesquisas e eu preciso me atualizar em relação a isso, trazendo mais conteúdo e mais significado em relação a isso.” Educadora-3

Essa e as outras educadoras mostram a partir da sua fala o quanto os estudos e formações após a conclusão da graduação são importantes e que mesmo sendo “ótima”, assim como traz a Educadora-3 na sua fala, a mesma não considera ser o suficiente para a sua prática enquanto mediadora/agente de letramento. Mais precisamente, é possível constatar por meio das respostas das educadoras o quanto é importante que a Agente de Letramento tenha estudos mais aprofundados, além das formações sobre a temática, pois, para fazer a transposição didática necessária, escolher os estímulos fundamentais é preciso que exista um domínio sobre a transposição, sobre a contextualização que objetiva fazer, porque mesmo existindo um material criado para o tal uso, como é o caso dos livros Conhecendo o Semiárido1 e 2, eles nem sempre serão contextualizados para as demandas do hoje, do contexto do qual os alunos estão inseridos, isto é, sempre existirá algo a mais para levar para a sala de aula e caso não exista no profissional o domínio, como ele selecionará os estímulos realmente significativos para os seus alunos? Como realizará uma mediação significativa?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apenas o ato de contextualizar o conhecimento promove a aprendizagem significativa? Esse é o papel do Agente de Letramento? De acordo com Feuerstein (2014), o mediador precisa levar estímulos significativos para os alunos e realizar atividades que apresentem conteúdos, mas que esses sejam somente um meio para ativar os processos de pensamento.

Assim, o Agente de Letramento precisa trabalhar com seus alunos, mediando de forma que todo o processo seja entendido e que existam os critérios fundamentais durante a mediação: Intencionalidade e reciprocidade, significado e transcendência, os quais, segundo o autor, precisam caminhar juntos, para que exista uma real modificabilidade estrutural, ou seja, uma aprendizagem significativa, em que o aluno possa encontrar os padrões, perceber o entrelaçamento dos conhecimentos apreendidos em outras atividades e situações e por fim, aplicar em contextos reais aquilo que é de fato significativo.

Em vista disso, nota-se o quanto é necessário que o agente tenha o domínio não apenas da aprendizagem significativa, como foi constatado nas entrevistas, mas também da transposição de atividades contextualizadas que permitam que os alunos realizem atividades que os desafiem, que os façam pensar nesse processo para que então, exista uma mudança, uma modificabilidade e o que for apreendido na sala de aula, seja utilizado em diferentes momentos e contextos.

Dessa forma, a teoria de Feuerstein vem para somar com a Educação Contextualizada com o Semiárido Brasileiro, juntamente com as suas atividades de enriquecimento instrumental, a qual visa criar possibilidades de mudança, de aprendizagem significativa e de assimilação necessária para entender a organização entre saberes, sujeitos e sociedade.

Para tanto, conclui-se que esse artigo foi de suma importância para o meu aprofundamento na teoria de Reuven Feurestein, a qual despertou o interesse por trazer um estudo enriquecedor sobre como alcançar a aprendizagem significativa e por dialogar fortemente com o paradigma da Educação Contextualizada com o Semiárido Brasileiro. Consequentemente, pretendo continuar meus estudos, enfatizando os estímulos e os instrumentos do programa no contexto do Semiárido, definindo os alunos também como sujeitos da minha pesquisa e não somente os professores.


1 O nome das escolas são fictícios;

2 IRPPA – Instituto da Pequena Agropecuária Apropriada


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Equação S-H-O-H-R, disponível em <http://ospitiweb.indire.it/adi/Saperi/FeueTMCS.htm>, acessado em 03/11/2016.

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