COURT DECISIONS ON THE FOUNDED SUSPICION FOR PERSONAL SEARCHES IN POLICE APPROACH AND POSSIBLE IMPACTS ON PUBLIC SAFETY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202505190707
Cícero José de Oliveira Tenório1
Resumo
O presente artigo objetiva analisar as recentes decisões judiciais sobre a fundada suspeita para a busca pessoal na abordagem policial e seus possíveis impactos na segurança pública. Nesse propósito, focou-se, principalmente, na atividade de policiamento ostensivo, uma vez que em razão de sua natureza é o que maior número de abordagens executa. A metodologia empregada consistiu em levantamento bibliográfico e de dados existentes no âmbito nacional e na Polícia Militar do Paraná, para análise e confrontação com a realidade observada. Os resultados indicam que apesar de a decisão do Superior Tribunal de Justiça, parâmetro para as instâncias inferiores, ser relativamente recente, pois data de 2022, e ainda não haver tempo suficiente para mensurar adequadamente a existência de reflexos negativos na segurança pública, chega-se à conclusão de que já há indicadores nesse sentido, o que poderá vir a ser evidenciado de forma mais contundente se das decisões decorrerem responsabilização direta aos policiais executores. Entende-se, ao final, ser premente a necessidade de os órgãos policiais criarem normas internas que definem procedimentos e critérios para fundamentar a suspeição, condição que é necessária para caracterizar a legalidade da busca pessoal, conforme a jurisprudência dominante.
Palavras-chave: Busca pessoal. Fundada suspeita. Decisões judiciais. Segurança pública.
Abstract
This article aims to analyze recent court decisions on the grounds for suspicion of personal searches in police approaches and their possible impacts on public safety. For this purpose, the focus was mainly on the activity of overt policing, since due to its nature is the activity that carries out the largest number of stops. The methodology used consisted of a bibliographical survey and data available at the national level and in the Military Police of Paraná, for analysis and comparison with the observed reality. The results indicate that although the decision of the Superior Court of Justice, a parameter for the lower courts, is relatively recent, since it dates back to 2022, and there is still not enough time to adequately measure the existence of negative impacts on public safety, it is concluded that there are already indicators in this sense, which may come to be evidenced more forcefully if the decisions result in direct accountability of the executing police officers. Ultimately, it is understood that there is an urgent need for police agencies to create internal rules that define procedures and criteria to substantiate suspicion, a condition that is necessary to characterize the legality of a personal search, according to the prevailing case law.
Keywords: Personal search. Well-founded suspicion. Court decisions. Public safety.
1. INTRODUÇÃO
A segurança pública tem sido objeto de constantes debates nas últimas décadas. Tem se demonstrado algo extremamente complexo, principalmente por que o Brasil enfrenta problemas estruturais e mazelas sociais históricas, com reflexos diretos na vida da população.
Vale frisar que sua relevância já se assinala na Constituição Federal de 1988, a qual, dentro dos direitos individuais e coletivos, elenca o direito à segurança e ao bem-estar.
Importa também ressaltar que o art. 144 da Carta Magna prevê que a segurança pública é, ao mesmo tempo, um direito e uma responsabilidade de todos, logo, cumpre à coletividade zelar por ela.
Também nesse dispositivo constitucional se define as missões dos órgãos de segurança pública, cabendo às polícias militares a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Destaca-se aqui a missão dessas Corporações por serem as responsáveis pelo policiamento ostensivo e a repressão imediata de delitos. No desempenho do seu papel é comum valer-se de abordagem a pessoas suspeitas e veículos, fatos que culminam em elevado número de prisões de delinqüentes e apreensões de objetos ilícitos.
Surge, todavia, uma questão crucial que no passado próximo já motivava alguns questionamentos, mas que nesses últimos anos tem ganhado destaque, notadamente em decisões judiciais, inclusive de tribunais superiores: a necessidade de se demonstrar com elementos objetivos a fundada suspeita que motivou a revista pessoal durante a abordagem policial, sob pena de ser considerada ilegal. Tem-se aí, portanto, o cerne do problema, pois dele decorre algo que ora se pretende clarear: as recentes decisões judiciais sobre a fundada suspeita para a realização da busca pessoal durante a abordagem policial pode gerar impactos à segurança pública, especificamente no tocante ao policiamento ostensivo e repressivo?
Como se vê, o objetivo geral desta pesquisa é buscar subsídios que demonstrem ou afastem a hipótese de que tais decisões, mesmo sabidamente com o intuito de proteger direitos individuais, geram efeitos negativos na segurança pública, ou seja, verificar se esse aparente choque de direitos pode produzir reflexos sociais no tocante à criminalidade.
Também se busca, de forma mais específica: identificar os aspectos legais que fundamentam as recentes decisões judiciais sobre o tema; elencar prováveis desdobramentos que elas, contrárias à ação policial nos casos em questão, podem gerar aos agentes dos órgãos da segurança pública, notadamente aos policiais militares; indicar aspectos técnicos e legais basilares para a abordagem policial, buscando confrontá-los com os fundamentos utilizados nas decisões judiciais; estabelecer possíveis orientações para instrução dos policiais militares, de modo a definir procedimentos que venham de encontro ao entendimento firmado pelo Poder Judiciário.
No intuito de se chegar aos resultados propostos será desenvolvida uma pesquisa bibliográfica, destacando-se a jurisprudência que se tem firmado sobre o tema e também aos aspectos legais e doutrinários da abordagem policial, além de análise de dados criminais e estatísticos correlatos.
Apresentados os resultados se passa a conclusão da pesquisa. Nessa fase se procura apontar com clareza quais os pontos relevantes detectados e eventuais correções a serem implementadas para se ter uma atuação que siga o entendimento judicial formado, mas sem perder de vista a necessária proatividade do policiamento ostensivo.
2. O DIREITO DA POPULAÇÃO À SEGURANÇA PÚBLICA E O CONSEQUENTE PAPEL DAS POLÍCIAS MILITARES
Em um país em que a violência urbana é uma realidade tão presente como no Brasil, é absolutamente necessário que se trate a segurança pública como prioridade.
No intuito de se dar uma visão mais clara sobre essa questão é importante conhecer alguns dados estatísticos de crimes que diretamente influenciam na sensação de insegurança da população. Para tanto, vale-se aqui do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, no tocante a dados relativos a alguns dos ilícitos penais e apreensões, necessários para entendimento do ora pretendido. Cumpre frisar, que os números constantes no citado Anuário dizem respeito até o final de 2023, sendo o mais atual levantamento oficialmente divulgado.
Nessa linha, abordam-se inicialmente as chamadas Mortes Violentas Intencionais – MVI (2024, p. 24), as quais vinham aumentando no Brasil a cada ano, chegando ao ápice em 2017, quando foram registradas 64.079. A partir de então os números decresceram, caindo a 46.328 em 2023, porém ainda mantendo o País em um patamar muito elevado, dentre os mais violentos do mundo. Nesse sentido o Anuário (2024, p. 26) destaca que a população brasileira equivale a cerca de 3% da população mundial, todavia é responsável por aproximadamente 10% dos homicídios do planeta. Ressalta que a taxa de MVI por 100 mil habitantes é de 22,8, índice quase quatro vezes maior do que o mundial
Destaca-se também o número de roubos a transeuntes. Mesmo havendo uma redução de 13,8% na sua taxa em relação a 2022, ainda continua um patamar elevado, pois foram registrados 421.353 casos.
Outros dados de interesse para o tema ora tratado são os de roubo e furto de veículos (2022, p. 73). O primeiro, de roubo, indica que em 2021 foram subtraídos no País, mediante violência ou grave ameaça, um total de 133.838, enquanto que outros 220.904 foram furtados. Somando-se os números constata-se que 354.742 veículos automotores foram subtraídos, uma média de 971 por dia.
Ainda em relação a roubos, é importante destacar os realizados a estabelecimentos comerciais e a residências (2022, p. 78). Foram 35.300 roubos no primeiro caso e a residências foram 24.951, números que decrescem anualmente, mas ainda muito preocupantes, pois demonstram como a criminalidade violenta está presente, sobretudo mediante o emprego de armas.
Nesse prisma, é relevante destacar as ocorrências resultantes em apreensão de armas de fogo. Consta no Anuário (2024, p. 233) que em 2023 foram apreendidas 108.591 armas, um aumento de 3% em relação ao ano anterior. Esse quantitativo representa algo em torno de 297 armas de fogo apreendidas por dia, denotando a enorme quantidade possuída ou portada em desacordo com a norma legal, caracterizando infração administrativa ou penal, muitas vezes armas usadas para cometimentos de outros crimes.
Tem-se a partir de tais dados, portanto, uma noção mais clara do porquê de a segurança pública se manter como uma das maiores preocupações da sociedade brasileira.
Cumpre lembrar, por outro lado, o contido no art. 144 da Lei Maior, que estabelece que segurança pública é “direito e responsabilidade de todos”. Logo, todos têm responsabilidade sobre tal, mas, principalmente, é um direito que assiste a todos.
Reforçando a idéia em tela, Filocre (2010, p. 62) assim define:
‘Direito à segurança pública’ diz respeito ao direito de qualquer indivíduo e de toda a sociedade exigirem do Estado que os serviços de segurança pública lhes sejam oferecidos e efetivamente prestados. Desnecessário esclarecer tais serviços sejam eficientes, suficientes e eficazes vez que são pressupostos de qualquer serviço público. (sem negrito no original)
No Estado de Direito cabe ao Estado garantir ao Administrado os direitos fundamentais. O caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 registra que é garantido “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (sem negrito no original). Note-se que segurança está dentre os direitos que a norma constitucional objetiva garantir, devendo-se entender que a segurança pública está englobada nesse conceito. Assim::
A segurança deve ser vista, portanto, a partir de uma visão macro normativa, como o conjunto de medidas a serem empreendidas para a proteção do “organismo estatal” (segurança orgânico-institucional), focadas no resguardo dos elementos essenciais à sua existência, ou seja, do seu povo, do seu território e da sua soberania, bem como dos seus princípios fundamentais e dos seus objetivos constitutivos. Nessa órbita, distintas fontes de ameaças e lesões podem ser identificadas, correlacionadas a variáveis objetos de proteção, concretizadas por diversas formas de execução e que, assim, demandam tutelas e atuações estatais específicas como meios de outorga de maior efetividade assecuratória. Nesse contexto é que se fala na identificação de modalidades de segurança, como a segurança jurídica, segurança social, a segurança do trabalho, a segurança da intimidade, a segurança do domicílio, a segurança nacional e do território, a segurança pública, entre outras vertentes. (JÚNIOR, 2018, p. 50)
Mas qual o conceito de segurança pública? Leciona Filocre:
Como órgãos, atividades, direito e sensação ou estado, há de comum nestes diferentes ângulos que segurança pública é o conjunto das ações preventivas e reativas, de natureza pública, que, em resposta ao fenômeno da criminalidade, volta-se ao alcance ou à manutenção da ordem pública e que tem como fim último proporcionar aos indivíduos, na convivência social, a fruição de relações pautadas no direito básico de liberdade, garantidas a segurança jurídica – proteção contra repressão autoritária do Estado – e a Segurança material – proteção contra agressões de todo tipo. (sem negrito no original) (FILOCRE, 2010, p. 13)
Note-se que a segurança pública se fundamenta em ações de cunhos preventivos e reativos, com o propósito de preservar a ordem pública e garantir, ao final, a convivência social livre de agressões.
Merece reflexão também a lição de Neto (1991, p. 142), que traz com muita clareza: “A segurança pública, por sua vez, é a garantia da ordem pública. Sendo uma atividade-meio, ela se submete aos mesmos condicionamentos da ordem pública, que é sua finalidade: deve ser legal, legítima e moral.” (com destaque no original)
Dentre deste propósito, cita-se novamente o art. 144 da Constituição Federal vigente, no qual consta que segurança pública é exercida pela polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares, polícias penais (estaduais e Distrital), podendo os municípios constituir também guardas municipais para a proteção de bens, instalações e serviços.
Considerando a necessidade de delimitar o campo de estudo deste trabalho, concentra-se a pesquisa na atuação das polícias militares, dando ênfase à Polícia Militar do Paraná.
De pronto vale registrar que no § 5º do referido dispositivo constitucional se estabelece a missão das polícias militares, atribuindo-lhes “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”. Faz-se necessário, assim, conhecer um pouco mais sobre esse papel para melhor compreensão do problema inicialmente suscitado, e para tanto é imprescindível definir esses dois conceitos de sua atribuição.
Acerca de “polícia ostensiva”, Valla (2012, p. 78) ensina:
Quando menciona “polícia ostensiva”, ao invés de policiamento ostensivo, amplia o conceito, elevando-o além daquele modo visível de atuar, à concepção, ao planejamento, à coordenação e à condução das atividades correlatas; quando deixa de atribuí-la a outro órgão, não admite a concorrência em suas atividades. (com negrito no original)
Observe-se, o conceito de polícia ostensiva é mais abrangente que o de policiamento ostensivo. Sobre esse assunto também esclarece Foureaux apud Greco (2016, p. 4), para o qual “o termo ‘polícia ostensiva’ surgiu com a Constituição de 1988 e se divide em 04 (quatro) fases, quais sejam: ordem de polícia, consentimento de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia.”
Percebe-se que é na fase de fiscalização que se encontra o policiamento ostensivo. Sobre esse o art. 2º do Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, que aprova o regulamento para as polícias militares e corpos de bombeiros militares (R-200), apresenta a seguinte definição:
27) Policiamento Ostensivo – Ação policial, exclusiva das Polícias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.
Esclarecido o sentido de polícia ostensiva se passa agora ao conceito de ordem pública. Vale-se aqui também do Decreto Federal em tela:
21) Ordem Pública -.Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.
Ainda sobre ordem pública esclarece Neto (1991, p. 141) que se trata da disposição pacífica e harmoniosa da convivência pública, de acordo com os princípios éticos da sociedade.
Fica evidente que os conceitos se complementam e fazem da missão das policiais militares uma espécie de “espinha dorsal” do sistema de segurança pública. Preservar a ordem pública em um país com altíssimos índices de criminalidade e com uma população visivelmente tendente a descumprir regras, é tarefa das mais espinhosas.
Dentro desse cenário, a realização de policiamento ostensivo, com foco na prevenção e repressão imediata de delitos, exige dos policiais militares a constância da proatividade, demandando, dentre outras condutas, a realização de abordagens e na busca pessoal, pois, como exaustivamente demonstrado, a violência impregnada no seio social acaba exigindo ação firme e cautelosa por parte da polícia. Diante desse quadro se retoma novamente o problema: as recentes decisões judiciais sobre a fundada suspeita para a busca pessoal na abordagem policial pode gerar impactos negativos na segurança pública, especificamente no tocante ao policiamento ostensivo e repressivo?
Na sequência se abordará essa questão mais detidamente, buscando-se compreender a estreita relação entre policiamento preventivo-repressivo e a abordagem policial, especialmente as que culminam em busca pessoal.
2.1 A ABORDAGEM POLICIAL COMO IMPORTANTE FERRAMENTA NO POLICIAMENTO PREVENTIVO E NA REPRESSÃO IMEDIATA DE DELITOS.
Tem-se desde o início desta pesquisa demonstrado a relevância das policiais militares no contexto da Segurança Pública.
A partir dessa visão se faz agora uma reflexão mais apropriada de alguns aspectos do policiamento ostensivo que muito corroboram para a prevenção e repressão imediata de delitos, mais precisamente da abordagem policial.
Importa repisar que a prevenção é o cerne do policiamento ostensivo, e é com a caracterização do aparato policial-militar que se busca evitar o cometimento de crimes e, principalmente, garantir à sociedade a sensação de segurança.
Logicamente, por outro lado, quando o número de crimes, notadamente os violentos, fogem do que se poderia considerar dentro de limite de aceitabilidade social, tem-se um forte clamor público. Nessa senda:
Quando a taxa de crimes, especialmente os violentos, chega a um patamar elevado, o medo da população e a insegurança ameaçam a qualidade de vida conquistada a duras penas em décadas de desenvolvimento econômico e de reivindicações sociais. (ZALUAR, 2002, p. 76)
Como já dito, cabe aos policiais militares esse papel social, o da prevenção. Nesse propósito a Lei n° 13.657, de 11 de junho de 2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), dentre os parâmetros estabelecidos no art. 12 para a aferição anual de metas, elencou:
III – as atividades de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública serão aferidas, entre outros fatores, pela maior ou menor incidência de infrações penais e administrativas em determinada área, seguindo os parâmetros do Sinesp; (sem negrito no original)
Dentro da polícia ostensiva, como já asseverado, tem-se o policiamento ostensivo em uma de suas fases, correspondendo à fiscalização. Na realização do policiamento ostensivo o policial deve estar atento, servindo-se do poder de polícia que lhe é garantido legalmente, sem, contudo, ultrapassar seus limites.
Os dados criminais divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, mormente os já transcritos no item “2” deste artigo, retratam um verdadeiro desafio para a sociedade e para todos os órgãos de segurança pública, principalmente o de polícia ostensiva, ou seja, para as polícias militares.
Conforme exposto, somente em 2021 foram apreendidas no país 108.591 armas de fogo. Foi visto no Anuário de Segurança Pública que foram 46.328 mortes violentas intencionais, sendo importante destacar, ainda, o registro de 6.393 mortes decorrentes de intervenção policial, em serviço e fora de serviço (2024, p. 58). Somam-se a esses números os policiais civis e militares mortos em confronto (2024, p. 45), sendo que em serviço foram 8 policiais civis e 46 militares, enquanto fora de serviço foram 12 policiais civis e 61 militares, totalizando 127 policiais assassinados.
Veja-se quão arriscada se torna a atividade dos policiais brasileiros. A existência de tantas armas em mãos indevidas compromete a segurança pública e tem sido o principal objeto usado nas mortes violentas, além de fazer inúmeras vítimas de lesão corporal.
Nesse cenário é fundamental que policiais estejam tecnicamente preparados para sua atividade.
Dessa questão se extrai a necessidade das abordagens policiais na atividade de policiamento ostensivo. A partir delas se realiza elevado número de prisões e de apreensões de produtos ilícitos. Também decorre dela a conhecida busca pessoal, a qual, como já mencionado, reflete não apenas na repressão, mas também na prevenção.
Diante do exposto, ainda para melhor compreensão do problema, vê-se a importância de indicar o fundamento legal que permite ao policial realizar a abordagem. Obviamente que as linhas gerais das atribuições dos órgãos de segurança pública são dadas pela norma constitucional, conforme já assinalado. Entretanto, é na Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, denominado de Código Tributário Nacional, que se busca o conceito de poder de polícia:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
O poder de polícia, portanto, possibilita que em privilégio ao interesse público se limite ou discipline direito, interesse ou liberdade, seja regulando ou fazendo com que haja a abstenção de fato.
Assim, calcado nesse poder as polícias encontram-se amparadas para realizar as chamadas abordagens policiais. Obviamente, o poder conferido aos órgãos de segurança pública não é irrestrito, encontra limite no próprio ordenamento jurídico.
Abordagem, segundo Pinc:
“é um encontro entre a polícia e o público cujos procedimentos adotados variam de acordo com as circunstâncias e com a avaliação feita pelo policial sobre a pessoa com que interage, podendo estar relacionada ao crime ou não. (PINC , 2007, p. 7)
Definição com termos técnicos fora dada no Manual Básico de Abordagem Policial (2012, p. 8), da Polícia Militar da Bahia:
A abordagem policial é uma ação de polícia voltada para a intervenção propriamente dita, onde, em nome do Estado, os órgãos de segurança pública buscam limitar direitos individuais em proveito do bem comum e maior que é a segurança cidadã. É uma técnica utilizada pela polícia para, com o objetivo preestabelecido, interceptar alguém no seu direito de ir e vir, podendo, a partir da interceptação, realizar, inclusive, busca pessoal.
A rotina tem demonstrado que a abordagem policial tende a ser considerada incômoda por parcela dos abordados. Algumas com fins mais educativos acabam tendo maior aceitação, como as de fiscalização de trânsito, por exemplo, mas há as que eventualmente podem ser consideradas constrangedoras, principalmente as que demandam a busca pessoal.
A busca pessoal, também alicerçada no poder de polícia e no arcabouço normativo já delineado, encontra amparo principalmente no art. 244 do Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, o Código de Processo Penal:
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. (sem negrito no original)
Similar previsão traz o Decreto-Lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969, Código de Processo Penal Militar. Inicialmente o art. 180 diz que o objetivo da busca pessoal “consistirá na procura material feita nas vestes, pastas, malas e outros objetos que estejam com a pessoa revistada e, quando necessário, no próprio corpo.” Em seguida o art. 181 específica que será procedida quando houver fundada suspeita de que se oculte instrumento ou produto do crime ou elementos de prova. Por fim, no art. 182, “d”, consta que a revista pessoal independe de mandado quando houver “fundada suspeita” de que o revistando possa estar de posse de objetos que constituam corpo de delito.
Destaca-se novamente, neste ponto, o cerne do problema ora levantado: a fundada suspeita. As mais recentes decisões do Poder Judiciário, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, têm demonstrado que sem critérios objetivos claros não há como prosperar essa condicionante, pois de acordo com dispositivo processual penal supracitado, a busca pessoal independerá de mandado no caso de prisão, no curso de busca domiciliar, ou quando houver a fundada suspeita de posse de arma proibida ou de corpo de delito (objetos ou papeis). Logo, no caso específico, é requisito essencial para a legalidade da conduta.
Deve-se destacar que inúmeras prisões e apreensões de armas, drogas e outros objetos de corpo delito são frutos de abordagem de natureza preventiva, outras em razão da repressão imediata, e outras até de certa forma se confundem em preventiva e repressiva. No primeiro caso – preventiva – a abordagem e a busca pessoal se dão por suspeição em razão de algo conhecido ou percebido naquele exato momento pelo policial. No segundo – repressão imediata – ocorre quando há um delito cometido e no calor dos fatos o policial se depara com o suposto autor e executa a abordagem e a busca pessoal. Já no terceiro, e certamente muito comum, dão-se a abordagem e a busca pessoal em razão de informações prévias sobre delinqüentes, suas características pessoais, veículos utilizados, paradeiro, locais em que agem etc, que em determinada circunstância levam o policial à suspeição e a consequente medida.
Inegavelmente há vários elementos que isolada ou cumulativamente levam à suspeição, muitos até considerados subjetivos, mas que certamente têm levado a apreensão de um número alto de armas de fogo, além de drogas ilícitas e tantos outros objetos produtos de crimes.
Em consulta ao Sistema de Gerenciamento e Controle Administrativo e Operacional da Polícia Militar do Paraná – SISGCOP2, tem-se o seguinte quadro em relação ao registro de pessoas abordadas por seus militares estaduais:
TABELA 01 – PESSOAS ABORDADAS POR POLICIAIS MILITARES DO PARANÁ DE 2021 A 2024

Nota-se que dos últimos quatro anos o SISGCOP registrou o maior número de abordados em 2021. No ano seguinte houve redução de mais de 20%. Em 2023 se manteve praticamente no mesmo patamar de 2022, e em 2024 tornou a cair. Comparando-se 2021, ano anterior à manifestação do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, e o ano de 2024, vê-se uma redução dos registros de pessoas abordadas por policiais militares do Paraná em torno de 31,47%.
Deve-se salientar que tais dados se referem a todos os tipos de abordagens, mesmo de condutores de veículos abordados em blitz e que normalmente não são submetidos à busca pessoal. Também convém destacar que tais números podem ser imprecisos, menores que o real, pois dependem da correta contagem por parte dos policiais de serviço em relação às pessoas abordadas, e o consequente preenchimento de relatório.
Interessante também verificar o número de pessoas encaminhadas por policiais militares, tanto maiores de idade como menores, para se ter uma noção do número de infratores que acabam sendo conduzidos. Os dados foram fornecidos também pela 3ª Seção do EM/PMPR, usando como filtro o Sistema Business Intelligence – B.I, disponibilizado pela Secretaria de Estado da Segurança Pública:
TABELA 02 – PESSOAS DETIDAS POR POLICIAIS MILITARES DO PARANÁ DE 2021 A 2024

Os elevados números demonstram que os policiais militares do Paraná abordam bastante, buscando certamente maior prevenção e repressão imediata de delitos. Vê-se, contudo, tomando por base o ano de 2024, que a quantidade de pessoas encaminhadas (presas e apreendidas) corresponde a apenas a 2,75% do total de abordados.
O pequeno percentual de prisões, quando comparado ao número de abordagens, é um dos argumentos sustentados pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça para criticar o proceder dos militares estaduais nesta questão e ainda para estabelecer a necessidade de critérios objetivos para caracterização da fundada suspeita, requisito legitimador da busca pessoal. Como se verá adiante, o entendimento do STJ tem reverberado nas instâncias inferiores, de modo que se busca restringir a subjetividade e a discricionariedade do policial.
Mais uma vez se destaca a necessidade de se debater essa questão, pois corporações policiais centenárias, com papel de extrema relevância na segurança pública em um país de intensa criminalidade violenta, e que trabalham com afinco para preservar a ordem pública, veem-se diante de marcante entendimento judicial, com reflexos diretos em procedimentos rotineiros na atividade do policiamento preventivo e repressivo.
3. AS RECENTES DECISÕES JUDICIAIS SOBRE ABORDAGEM POLICIAL
A explanação realizada ao longo dos itens anteriores serve para que agora se possa efetivamente debruçar-se sobre os principais pontos das recentes decisões judiciais sobre a abordagem policial com busca pessoal.
Como dito, apesar de ser um questionamento antigo, ganhou repercussão mais recentemente. Sabe-se que o problema dá margem a uma pesquisa aprofundada, todavia, considerando que a natureza do artigo científico implica em uma abordagem mais concisa e objetiva do conteúdo, tomar-se-á como referência a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso em Habeas Corpus (RHC) nº 158580 – BA (2021/0403609-0), pois pautados nela magistrados de instâncias inferiores têm proferido decisões no mesmo sentido:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ALEGAÇÃO VAGA DE “ATITUDE SUSPEITA”. INSUFICIÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO.1. Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência.
2. Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à “posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito”. Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga, por exemplo) que constituam corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como “rotina” ou “praxe” do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata.
3. Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de “fundada suspeita” exigido pelo art. 244 do CPP.
4. O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos – independentemente da quantidade – após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento “fundada suspeita de posse de corpo de delito” seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida, droga ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida.
5. A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
6. Há três razões principais para que se exijam elementos sólidos, objetivos e concretos para a realização de busca pessoal – vulgarmente conhecida como “dura”, “geral”, “revista”, “enquadro” ou “baculejo” -, além da intuição baseada no tirocínio policial:
a) evitar o uso excessivo desse expediente e, por consequência, a restrição desnecessária e abusiva dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e à liberdade (art. 5º, caput, e X, da Constituição Federal), porquanto, além de se tratar de conduta invasiva e constrangedora – mesmo se realizada com urbanidade, o que infelizmente nem sempre ocorre -, também implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves instantes;
b) garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir que tanto possa ser contrastada e questionada pelas partes, quanto ter sua validade controlada a posteriori por um terceiro imparcial (Poder Judiciário), o que se inviabiliza quando a medida tem por base apenas aspectos subjetivos, intangíveis e não demonstráveis;
c) evitar a repetição – ainda que nem sempre consciente – de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural.
7. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos — diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas – pode fragilizar e tornar írritos os direitos à intimidade, à privacidade e à liberdade.
8. “Os enquadros se dirigem desproporcionalmente aos rapazes negros moradores de favelas dos bairros pobres das periferias. Dados similares quanto à sobrerrepresentação desse perfil entre os suspeitos da polícia são apontados por diversas pesquisas desde os anos 1960 até hoje e em diferentes países do mundo. Trata-se de um padrão consideravelmente antigo e que ainda hoje se mantém, de modo que, ao menos entre os estudiosos da polícia, não existe mais dúvida de que o racismo é reproduzido e reforçado através da maior vigilância policial a que é submetida a população negra”. Mais do que isso, “os policiais tendem a enquadrar mais pessoas jovens, do sexo masculino e de cor negra não apenas como um fruto da dinâmica da criminalidade, como resposta a ações criminosas, mas como um enviesamento no exercício do seu poder contra esse grupo social, independentemente do seu efetivo engajamento com condutas ilegais, por um direcionamento prévio do controle social na sua direção” (DA MATA, Jéssica, A Política do Enquadro, São Paulo: RT, 2021, p. 150 e 156).
9. A pretexto de transmitir uma sensação de segurança à população, as agências policiais – em verdadeiros “tribunais de rua” – cotidianamente constrangem os famigerados “elementos suspeitos” com base em preconceitos estruturais, restringem indevidamente seus direitos fundamentais, deixam-lhes graves traumas e, com isso, ainda prejudicam a imagem da própria instituição e aumentam a desconfiança da coletividade sobre ela.
10. Daí a importância, como se tem insistido desde o julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 15/3/2021), do uso de câmeras pelos agentes de segurança, a fim de que se possa aprimorar o controle sobre a atividade policial, tanto para coibir práticas ilegais, quanto para preservar os bons policiais de injustas e levianas acusações de abuso. Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635 (“ADPF das Favelas”, finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório Excelso – em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP – reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração da atividade policial e determinou, entre outros pontos, que “o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos”.
11. Mesmo que se considere que todos os flagrantes decorrem de busca pessoal – o que por certo não é verdade -, as estatísticas oficiais das Secretarias de Segurança Pública apontam que o índice de eficiência no encontro de objetos ilícitos em abordagens policiais é de apenas 1%; isto é, de cada 100 pessoas revistadas pelas polícias brasileiras, apenas uma é autuada por alguma ilegalidade. É oportuno lembrar, nesse sentido, que, em Nova Iorque, o percentual de “eficiência” das stop and frisks era de 12%, isto é, 12 vezes a porcentagem de acerto da polícia brasileira, e, mesmo assim, foi considerado baixo e inconstitucional em 2013, no julgamento da class action Floyd, et al. v. City of New York, et al. pela juíza federal Shira Scheindlin.
12. Conquanto as instituições policiais hajam figurado no centro das críticas, não são as únicas a merecê-las. É preciso que todos os integrantes do sistema de justiça criminal façam uma reflexão conjunta sobre o papel que ocupam na manutenção da seletividade racial. Por se tratar da “porta de entrada” no sistema, o padrão discriminatório salta aos olhos, à primeira vista, nas abordagens policiais, efetuadas principalmente pela Polícia Militar. No entanto, práticas como a evidenciada no processo objeto deste recurso só se perpetuam porque, a pretexto de combater a criminalidade, encontram respaldo e chancela, tanto de delegados de polícia, quanto de representantes do Ministério Público – a quem compete, por excelência, o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da Constituição Federal) e o papel de custos iuris -, como também, em especial, de segmentos do Poder Judiciário, ao validarem medidas ilegais e abusivas perpetradas pelas agências de segurança.
13. Nessa direção, o Manual do Conselho Nacional de Justiça para Tomada de Decisão na Audiência de Custódia orienta a que: “Reconhecendo o perfilamento racial nas abordagens policiais e, consequentemente, nos flagrantes lavrados pela polícia, cabe então ao Poder Judiciário assumir um papel ativo para interromper e reverter esse quadro, diferenciando-se dos atores que o antecedem no fluxo do sistema de justiça criminal”.
14. Em paráfrase ao mote dos movimentos antirracistas, é preciso que sejamos mais efetivos ante as práticas autoritárias e violentas do Estado brasileiro, pois enquanto não houver um alinhamento pleno, por parte de todos nós, entre o discurso humanizante e ações verdadeiramente transformadoras de certas práticas institucionais e individuais, continuaremos a assistir, apenas com lamentos, a morte do presente e do futuro, de nosso país e de sua população mais invisível e vulnerável. E não realizaremos o programa anunciado logo no preâmbulo de nossa Constituição, de construção de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
15. Na espécie, a guarnição policial “deparou com um indivíduo desconhecido em atitude suspeita” e, ao abordá-lo e revistar sua mochila, encontrou porções de maconha e cocaína em seu interior, do que resultou a prisão em flagrante do recorrente. Não foi apresentada nenhuma justificativa concreta para a revista no recorrente além da vaga menção a uma suposta “atitude suspeita”, algo insuficiente para tal medida invasiva, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
16. Recurso provido para determinar o trancamento do processo. (RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 25/4/2022.)
No RHC em tela, julgado em 19 de abril de 2022, verifica-se que o fato inicialmente considerado delituoso consta no item 15, e em face da relevância do tema merece ser novamente transcrito:
Na espécie, a guarnição policial “deparou com um indivíduo desconhecido em atitude suspeita” e, ao abordá-lo e revistar sua mochila, encontrou porções de maconha e cocaína em seu interior, do que resultou na prisão em flagrante do recorrente. Não foi apresentada nenhuma justificativa concreta para a revista no recorrente além da vaga menção a uma suposta “atitude suspeita”, algo insuficiente para tal medida invasiva, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. (sem negrito no original)
No julgamento, a Sexta Turma do STJ reconheceu e dá provimento ao recurso, determinando o trancamento do processo. Extraem-se da ementa os principais argumentos motivadores da decisão:
a. A fundada suspeita deve basear-se em um “juízo de probabilidade”, o qual deve ser aferido objetiva e justificadamente pelos indícios e circunstâncias do caso;
b. o art. 244 do Código de Processo Penal “não autoriza buscas pessoais praticadas como ‘rotina’ ou ‘praxe’ do policiamento ostensivo”. A finalidade deve ser probatória, não com “motivação exploratória”;
c. as denominadas denúncias anônimas e tirocínio policial, nem a subjetividade de considerar a aparência como suspeita e a expressão corporal como nervosa, não satisfazem a exigência do art. 244 do CPP;
d. objetos ilícitos encontrados na revista não convalida a ilegalidade prévia;
e. violar essas condições implica em ilicitude de provas, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do agente público;
f. razões para exigências de requisitos objetivos: evitar uso excessivo; possibilidade de questionamento e de ser aferida por um terceiro imparcial; evitar repetição de preconceitos estruturais;
g. policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados, visto como potenciais criminosos;
h. foco nos negros moradores de favelas de bairros pobres da periferia;
i. o pretexto de transmitir sensação de segurança não pode justificar a restrição indevida de direitos fundamentais;
j. o uso de câmeras pelos agentes como meio de aprimorar o controle sobre a atividade policial e coibir a práticas ilegais;
k. baixíssimo índice de encontro de objetos ilícitos em abordagens policiais, que é de apenas 1%;
l. o pretexto de combate à criminalidade encontra respaldo em delegados de polícia, representantes do Ministério Público e do parte do Poder Judiciário;
m. o Poder Judiciário deve exercer um papel ativo, a fim de interromper e reverter esse quadro;
n. necessidade de maior efetividade no combate a práticas autoritárias e violentas do Estado brasileiro;
Observa-se, portanto, que em mais de um momento a decisão judicial faz alusão a preconceito estrutural brasileiro, o qual teria influência na subjetividade dos policiais. Considera que as abordagens, sobretudo do policiamento ostensivo, marginalizam determinados grupos da sociedade, com ênfase nos negros pobres da periferia.
Importante mais uma vez salientar que tal decisão tem reverberado nas instâncias inferiores, culminando em julgados nas comarcas de entrâncias iniciais e intermediárias, mais próximas dos policiais autores das prisões, o que fatalmente tende a gerar efeito no meio policial mais rapidamente.
4. METODOLOGIA
Consoante o já exposto, na busca de atingir o objetivo deste trabalho foi realizada uma pesquisa exploratória, com ênfase no levantamento bibliográfico, documentos e legislações nacionais, dados estatísticos nacionais e da Polícia Militar do Paraná.
Seguiu-se uma linha de uma pesquisa mista (quali-quantitativa), de modo que os dados foram analisados sob o aspecto estatístico, bem como em face das percepções acerca de fatos e da realidade constatada.
Por fim, utilizar-se-á o método dedutivo, já que as conclusões se darão por meio de raciocínio lógico acerca das premissas levantadas na pesquisa.
5. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Nessa fase é imperioso relembrar o objetivo principal da pesquisa, ou seja, a busca de elementos que comprovem, ou não, a hipótese de que recentes decisões judiciais, pautadas no entendimento do STJ acerca da fundada suspeita para a busca pessoal na abordagem policial, podem reduzir a ação dos policiais, mormente dos militares estaduais, culminando em impactos negativos na segurança pública.
Pretende-se agora também elencar os possíveis reflexos pessoais para agentes do órgão da segurança, bem como extrair os resultados da confrontação entre os aspectos técnicos e legais basilares para a abordagem policial com busca pessoal e os fundamentos utilizados nas decisões judiciais.
Ainda, considerando o cenário constatado, quer-se indicar possíveis orientações para instrução dos militares estaduais quanto aos procedimentos operacionais a serem adotados, com o intuito de cumprir a legalidade, observando a jurisprudência formada, de modo a evitar responsabilização pessoal e a minimizar os impactos à segurança pública.
5.1 POSSÍVEIS IMPACTOS DAS DECISÕES JUDICIAIS NA ROTINA OPERACIONAL DOS POLICIAIS MILITARES
Frisa-se, a análise se restringe à atividade de polícia ostensiva, com ênfase no policiamento preventivo e na repressão imediata, em razão das peculiaridades já assinaladas.
Como fora explanado no item 3, o STJ proferiu decisão no Recurso em Habeas Corpus nº 158580 – BA (2021/0403609-0), dando provimento e determinando o trancamento do processo. Fato é que em ficando sob análise do magistrado, ao que ele considera critério objetivo e legitimador da busca pessoal, certamente se propagará no policial a insegurança, o receio de ter sua ação considerada ilegal e sua responsabilização nas esferas cível, penal e administrativa. Diante de possíveis sanções, a tendência é que policiais diminuam as abordagens nas ruas, até porque mesmo encontrando objetos ilícitos é possível que a prisão seja considerada ilegal.
Outro ponto a ser destacado é o aumento do risco à ação policial. O receio das consequências judiciais e administrativas inibe a proatividade e pode fazer com que o policial seja surpreendido por criminosos armados.
Como todo benefício se torna rapidamente conhecido pelos criminosos, logo se propaga no meio o conhecimento quanto à possível reprimenda ao policial em decorrência da busca pessoal e, por conseqüência, cria-se no delinqüente a quase certeza de poder transitar em posse do ilícito, aumentando-se a probabilidade de cometimento de crimes.
Como visto, um dos argumentos usados pelo STJ é o preconceito estrutural existente no país, notadamente em relação a negros. Trata-se de uma conclusão que pode também ser vista como preconceituosa, já que parte do princípio de que a maioria dos policiais age por mera discriminação. Desconsidera a perversa realidade brasileira no tocante à criminalidade violenta, e como as pessoas idôneas, vítimas indefesas de criminosos, têm sofrido no país. Faz-se menção ao pequeno percentual dos abordados que acabam presos por alguma ilegalidade, mas desconsidera que se pequeno em percentual, na prática ele representa um número significativo de crimes. Indubitavelmente muitas das armas e drogas apreendidas nas buscas pessoais realizadas nas abordagens geram inúmeras outras ocorrências criminais, sendo imensurável o que se previne. Voltando-se aos dados da Polícia Militar do Paraná, resultados quantitativos apenas desta Corporação, com base no mesmo sistema de pesquisa, têm-se em relação à apreensão de armas de fogo:
TABELA 03 – ARMAS DE FOGO APREENDIDAS POR POLICIAIS MILITARES DO PARANÁ DE 2021 A 2024

Observe-se que os números decrescem ao passar dos anos, a exemplo do que se viu com o número de pessoas abordadas (Tabela 01).
Por outro lado, assim como ocorreu com as pessoas presas e apreendidas (Tabela 02), o número total de ocorrências atendidas pela Polícia Militar do Paraná só apresentou leve queda em 2022, como se vê abaixo:
TABELA 04 – TOTAL DE OCORRÊNCIAS ATENDIDAS POR POLICIAIS MILITARES DO PARANÁ DE 2021 A 2024

Note-se, portanto, que os dados apresentados foram menores em 2022, ano em que o STJ julgou o RHC nº 158580 – BA. Houve menos abordados e menos pessoas presas e apreendidas, tendo o número de apreensões de armas de fogo também diminuído a cada ano.
É claro que a legalidade deve ser o parâmetro das ações e excessos devem ser coibidos, mas as polícias precisam agir proativamente, com segurança jurídica. Quando se fala em preconceito estrutural é preciso considerar a realidade, em que os crimes violentos, em maior parte, têm envolvido pessoas de classe menos abastadas, tanto como autores como vítimas, sendo compreensível que nessa camada social se dê o maior número de abordagens. Deve-se, assim, analisar se a realidade violenta do cotidiano de certas localidades, dos meios empregados em práticas delituosas, do comportamento de certas pessoas em determinados locais e horários, e outras circunstâncias, não seriam os fatores que despertam suspeitas no policial e motivam a abordagem e a revista pessoal.
Ademais, a norma processual penal não elencou os critérios objetivos, deixando ao policial, analisando as circunstâncias do momento e com fundamento, entender se há suspeição. Incalculável a quantidade de prisões, pessoas salvas e apreensões de armas, drogas e outros objetos ilícitos que se dão em razão da proatividade do policial.
Por certo não se espera que o policial saia realizando abordagens de forma indiscriminada e arbitrária, muito menos a constranger pessoas com revistas sem que haja elementos de suspeição. Nesse sentido já destacava GRECO (2016, p. 38):
Significa, como já dissemos anteriormente, que a busca não é arbitrária, ou seja, não pode ser praticada desnecessariamente. Além disso, não pode ser levada a efeito de modo a humilhar as pessoas, pois o policial está ali como um representante oficial do Estado, devendo velar, a todo custo, pela prevalência do Estado Democrático de Direito, conforme disposto no inciso III do art. 1º da Constituição Federal. (GRECO, 2016, p. 38)
É preciso sim que se preservem os direitos e garantias individuais, de modo que as ações dos policiais se pautem na mais estrita legalidade. Logo, é preciso se ter em mente que a lei deve ser o parâmetro, mas convém refletir se a interpretação restritiva dada pelo STJ à condicionante “fundada suspeita” não inviabiliza a ação do policial, ou pelo menos desmotiva o seu trabalho. Torna difícil para o policial saber se os critérios que o levou a realizar a busca pessoal se coadunam ao entendimento do que naquela situação em particular, aos olhos do julgador, caracterizaria a fundada suspeita.
Ao mesmo tempo em que é preciso haver motivação para a busca pessoal, é forçoso reconhecer que cabe ao policial, pela sua prática laboral nas ruas e pelas circunstâncias encontradas, a análise sobre a existência da fundada suspeita para a decisão da abordagem, que muitas vezes deve ser repentina.
Muita embora se acredite que apenas se está tentando coibir excessos essa medida vai além, tem reflexos psicológicos e práticos, pois generaliza e inibe de forma geral. Logo, indubitavelmente deixar-se-á de abordar em um número considerável de situações que fatalmente culminaram em excelentes resultados para a sociedade, principalmente de natureza preventiva. O fato argumentado na decisão do STJ de que o índice de eficiência no encontro de objetos ilícitos em abordagens é de apenas 1%, não afasta a necessidade das abordagens. Há que se considerar que o infrator deve ter a dúvida, o receio de sair armado para roubar, para matar, para traficar, enfim para prática de tantos outros graves delitos, por saber que pode ser abordado por equipes policiais. Não há como mensurar o número de crimes deixados de praticar simplesmente por existir essa dúvida.
A questão, pelo que se vê, está em definir o que seria fundado suspeita. Cabe ao policial descrever os motivos da suspeição, de natureza técnica e não por mera arbitrariedade. Dos operadores do direito se espera que analise o caso em concreto, os fundamentos indicados pelos policiais para a realização da abordagem, e que levem sim em conta o preconceito estrutural, mas ao mesmo tempo não faça disso também um preconceito.
5.2 ANÁLISE CRIMINAL, SISTEMAS TECNOLÓGICOS E PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS COMO BALIZAS PARA A ABORDAGEM E A BUSCA PESSOAL
Diante do cenário apresentado é preciso que os órgãos de segurança capacitem cada vez mais seus policiais, para fundamentarem suas ações, mormente quanto à prévia fundada suspeita para a abordagem e para a busca pessoal. Nesta linha, deve-se utilizar ferramentas que auxiliem na detecção de problemas e suspeição.
Dentro dessas ferramentas merecem destaques os sistemas de consultas e bancos de dados que possibilitam a atividade de análise criminal, fundamental para aplicação do policiamento. Sobre a importância da análise criminal (AC):
É um conjunto de processos sistemáticos (…) direcionados para o provimento de informação oportuna e pertinente sobre os padrões do crime e suas correlações de tendências, de modo a apoiar as áreas operacional e administrativa no planejamento e distribuição de recursos para prevenção e supressão de atividades criminais, auxiliando o processo investigativo e aumentando o número de prisões e esclarecimento de casos. Em tal contexto, a análise criminal tem várias funções setoriais na organização policial, incluindo a distribuição do patrulhamento, operações especiais e de unidades táticas, investigações, planejamento e pesquisa, prevenção criminal e serviços administrativos (como orçamento e planejamento de programas). (GOLTTIEB, 1994 apud DANTAS; SOUZA, s.d, p.1)
A partir da análise criminal se pode direcionar o policiamento ostensivo e subsidiar os policiais com informações relevantes em relação a locais, horários, dias de semana, meios empregados na conduta delituosa,e outras, que corroboram o para o raciocínio lógico quanto a existência de uma suspeita razoável para execução da abordagem e da busca pessoal.
No Paraná, por exemplo, encontram-se à disposição das polícias estaduais sistemas como o Business Intelligence (B.I.), o CAPEGEO e Dashboards. Deles é possível extrair dados dos Boletins de Ocorrências, gerando estatísticas e identificando pontos quentes, machas criminais e fornecendo tantas outras informações que permitem mapear locais e definir estratégias para ações e operações policiais.
Essas ferramentas, portanto, servem para orientar os policiais no trabalho de rua, para corroborar sua decisão para realizar até uma abordagem e busca pessoal. É o caso, por exemplo, de locais de tráfico de drogas indicados no sistema de georreferenciamento, onde as circunstâncias (horário, local, comportamento etc) podem gerar suspeição e motivar tais ações.
Outra ferramenta relevante para atividade policial é o videomonitoramento. Imagens de câmeras podem detectar comportamentos não convencionais, sobretudo em locais apontados como pontos quentes ou de manchas criminais, e que podem motivar a suspeição e também fundamentar a busca pessoal.
Ademais, é preciso que haja orientações das instituições policiais aos seus profissionais, sob a forma de procedimento operacional a ser seguido, de modo a se internalizar a abordagem somente mediante prévia fundada suspeita, bem como se debatam e se elenque critérios para caracterização de suspeição e se fortaleça o uso de ferramentas de extração de informações que reforcem esses critérios.
Convém reforçar, mais uma vez, que em sendo judicialmente consideradas ilegais a busca pessoal justamente por não haver consubstanciada a prévia fundada suspeita, pode-se ensejar em eventual sanção aos policiais. Note-se, portanto, quão temerária é a situação para esses profissionais, que por sua vez, na medida em que passam a ser perquiridos, podem se sentir juridicamente inseguros para realizar abordagens, e isso, por conseqüência, tende a impactar a segurança pública.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança pública é, ao mesmo tempo, um direito e responsabilidade de todos. Nessa perspectiva cabe ao Estado desenvolver políticas que impactem direta e indiretamente no cotidiano das pessoas. Essas, por sua vez, não são apenas expectadores nesse processo, devem participar na construção dessas políticas, acompanhando e influenciando seus legítimos representantes e debatendo quando necessário.
Os altos índices de criminalidade, sobretudo a violenta, têm gerado reflexos danosos em diversos campos da sociedade. Em regra se atribui exclusivamente aos órgãos policiais a responsabilidade pela insegurança, desprezando-se, pelo menos pelo senso comum, os diversos fatores que reverberam na segurança pública.
Fato é que além das falhas das demais políticas públicas, há ainda questões pontuais na esfera jurídica que acabam por gerar influência, pois influem diretamente na ação policial. É o caso ora examinado, a delimitação, por parte do Poder Judiciário, do que se deve entender por “fundada suspeita”, condicionante para a busca pessoal, prevista no art. 244, do Código de Processo Penal e artigos 180 a 182 do Código de Processo Penal Militar.
Nesse sentido, procurou-se nesta pesquisa responder a pergunta: as recentes decisões judiciais sobre a fundada suspeita para a realização da busca pessoal na abordagem policial pode gerar impactos à segurança pública, especificamente no tocante ao policiamento ostensivo e repressivo?
Pelo que se delineou, através de observações e análise de dados, a resposta é afirmativa. Constata-se uma forte tendência de que as decisões judiciais, norteadas pelo entendimento dos tribunais superiores, produzam reflexos no cotidiano da atividade policial, especialmente na dos policiais militares.
As abordagens policiais têm sido uma ferramenta importante para identificar pessoas e efetuar prisões em flagrantes, capturas de foragidos, cumprimento de mandados de prisões, apreensões de armas de fogo e drogas, enfim, diversos resultados repressivos e preventivos, e estes últimos são imensuráveis.
Dentre as consequências prática para a sociedade vislumbra-se que em havendo a redução de abordagens e buscas pessoais, criminosos sentirão ainda mais a fragilidade do sistema de persecução,. Tende-se a aumentar o tráfico de drogas e armas, sendo que os reflexos para a sociedade, com mais clareza, só o tempo demonstrará, já que o crime organizado cresce vertiginosamente e se aproveita, sobretudo, da fragilidade das medidas de prevenção e repressão do Estado.
É certo, contudo, que a abordagem policial e busca pessoal não devem ser indiscriminadas, sob pena de haver excessos e se tornarem constrangedoras. Todavia, a norma processual penal não especificou o que seria “fundada suspeita”, pois há algo de difícil padronização, dependendo de local, fato, horário, circunstâncias e outras peculiaridades que devem ser analisados pontualmente pelo policial, que convive com a dura realidade das ruas deste país.
Faz-se necessário, porém, que o entendimento jurisprudencial seja seguido. As polícias devem adotar procedimentos técnicos que norteiam a conduta de seus profissionais, dando parâmetros para realização da busca pessoal, mas de modo a não desmotivar ao trabalho preventivo-repressivo e a continuar firmes na sua árdua missão. Assim, é imprescindível instruir os policiais nesses aspectos, especialmente a circunstanciar documentalmente os fatores de suspeição que levaram à ação. Como salientado anteriormente, a temática é complexa e requer discussão contínua, mais aprofundamento, sempre com responsabilidade e com foco no interesse público.
2O SISGCOP registra dados apenas da Polícia Militar do Paraná. As informações em destaque foram fornecidas pela 3ª Seção do Estado-Maior da PMPR, responsável pelo controle do referido Sistema.
REFERÊNCIAS
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1Tenente-Coronel da Polícia Militar do Paraná; Licenciado em Letras; Bacharel em Direito; Pós Graduado em Segurança Pública; Pós-Graduado em Direito Penal Militar. Email: cicerotenorio@hotmail.com.