REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7623036
Ana Carolina Reginaldo Bitencourt
RESUMO
O presente trabalho busca refletir sobre o ensino da Língua Portuguesa considerando-se os aspectos identitários envolvidos, mesmo nos dias de hoje sob a influência de pluralidades e multiculturas impostas pela globalização. Portanto, este artigo tem por objetivo discutir a valorização da cultura local para o ensino do português enquanto língua materna, optando-se pela pesquisa bibliográfica de cunho exploratório (GIL, 1996). Como referencial teórico fundamentou-se nos autores RAJAGOPALAN (2003), KUMARAVADIVELU (2006), VOLÓCHINOV (2017) e FRANCO (2019). Sendo organizado em cinco partes assim subscritos: Introdução; 1. Globalização e seus momentos; 1.2. Os conceitos de língua, linguagem e cultura no processo de globalização atual; 1.3. O ensino da língua e a valorização da cultura local mediante ao processo de globalização e diluição das fronteiras nacionais; e por fim, a Conclusão.
Palavras-chave: Ensino do Português. Língua Materna. Cultura local. Globalização.
INTRODUÇÃO
No passado quando se pensava na língua e/ou no ensino dela, logo pensamos no pressuposto “Uma nação, uma língua, uma cultura”, constructos ultrapassados e até mesmo romantizados de uma realidade não mais existente nos dias atuais (RAJAGOPALAN, 2003, p. 25). Mas então, como pensar uma língua e seu ensino sem desconsiderar os aspectos identitários que a mesma proporciona e ao mesmo tempo, considerar as pluralidades e multiculturais presentes na vida cotidiana da sociedade atual?
Este artigo tem por objetivo refletir e discutir a valorização da cultura local para o ensino do português enquanto língua materna e para isso, optou-se pela pesquisa bibliográfica de cunho exploratório, uma vez que se busca o levantamento de hipóteses pertinentes a novos questionamentos. (GIL, 1994)
Diante das diversas mudanças nas relações sociais, especialmente após o fenômeno da globalização em que as fronteiras entre povos e culturas estão cada vez mais diluídas, questiona-se como são concebidas a cultura, língua e linguagem. Neste trabalho, as concepções apresentadas fundamentam-se nos seguintes autores: RAJAGOPALAN (2003), KUMARAVADIVELU (2006), VOLÓCHINOV (2017) e FRANCO (2019).
Para compreensão das transformações ocorridas nas concepções de língua, linguagem e cultura no decorrer do tempo, faço uma breve explanação de três momentos distintos do processo de globalização e contextualizo com o momento atual levando em consideração os desafios educacionais para o ensino do português, língua materna, e as diretrizes educacionais vigentes após a implementação da BNCC.
1. A GLOBALIZAÇÃO E SEUS MOMENTOS.
A globalização, de modo geral, pode ser compreendida como um processo de integração e/ou interdependência entre a política, economia e cultura mundial, fortemente influenciada pelos avanços da comunicação e meios de transporte. Porém, para explanação deste processo, utilizarei como fundamento o autor Kumaravadivelu (2006), o qual faz uma breve descrição de três fases distintas da globalização.
Em sua explanação, o autor retoma os conceitos de globalização do sociólogo norte-americano Steger (2003:13) que a define como “uma série multidimensional de processos sociais que […] intensificam interdependências e trocas sociais no nível mundial”, bem como as fases de globalização apontadas por Robbie Robertson (2003), ou seja, a identificação de três “ondas” da globalização: a primeira onda tratou-se das explorações comerciais regionais lideradas pela Espanha e Portugal; a segunda, a partir da industrialização da Grã-Bretanha e; a terceira, a derivação do mundo pós-guerra liderada pelos Estados Unidos. E faz um paralelo entre as constatações de Robertson (2003) com as do crítico pós-colonial Mignolo (1998:36) que faz referência aos três momentos da globalização como sendo “bandeiras do cristianismo” (colonização espanhola e portuguesa); “a missão civilizadora” (colonização britânica e francesa) e “a modernização” (o imperialismo dos Estados Unidos).
Atualmente, a globalização é profundamente diferente dos momentos anteriores, uma vez que está mudando o panorama mundial, distintamente de três modos: 1. A distância espacial diminui, pois acontecimentos do outro lado do mundo nos afetam mesmo que não os conheçamos; 2. A distância temporal está diminuindo, com as tecnologias os mercados mudam em uma velocidade nunca vista e a vida das pessoas é afetada em tempo real por acontecimentos distantes de onde vivem; 3. As fronteiras estão desaparecendo, no passado percebiam-se limites nacionais, o que tem se diluído devido à rapidez entre as relações de comércio, capital e informação, contudo em relação aos aspectos culturais, valores, ideias e regras isso também tem ocorrido.
Assim, no período atual de globalização, pode-se dizer que a vida das pessoas tem sido afetada econômica e culturalmente de forma intensa e interligada como nunca observada antes. E tal influência e mudança no processo de globalização são decorrentes da comunicação, ou seja, da instauração e desenvolvimento da internet, que Jameson (1998: 55) define ampliando o conceito de globalização como sendo “um conceito comunicacional”. (KUMARAVADIVELU, 2006)
Diante disso, concebendo-se a globalização como um processo de âmbito comunicacional como ficam as identidades linguísticas e culturais dos povos em meio a tantas transformações e relações de interdependência? E como fica o ensino de línguas, em particular a materna, diante da pluralidade de ideias e culturas disseminadas pelos múltiplos meios de comunicação?
A globalização, mais do que um processo de interdependência comercial e política, trata-se de um fenômeno cultural e assim, alguns pontos divergentes, porém simultâneos, são apontados por críticos, como a homogeneização e a heterogeneização da cultura. (KUMARAVADIVELU, 2006)
Os críticos Barber (1996) e Ritzer (1993) acreditam num mecanismo de homogeneização da cultura a partir da disseminação de ideias do consumismo e individualismo norte-americanos, fato que tem modificado a paisagem cultural dos Estados Unidos e de muitos países com a criação de produtos padronizados e imposições uniformes como a consolidação da indústria de comida rápida e expansão de marcas de roupas e sapatos como a Levis e Nike ao redor do mundo. (KUMARAVADIVELU, 2006)
Em resposta a esse fenômeno de homogeneização, outro também é observado, o de heterogeneização (Giddens, 2000) em que a cultura local e identidade religiosa estão fortalecidas, o que na prática pode ser entendido como a colonização reversa, ou seja, o ocidente sendo influenciado por países não ocidentais, ocorrência facilmente exemplificada com a latinização de Los Angeles e a venda de programas televisivos produzidos pelo Brasil para Portugal. (KUMARAVADIVELU, 2006)
Contudo, a globalização só tem reduzido os limites entre espaço, tempo e fronteiras, o que respectivamente não corresponde a uma construção de relações de interdependência harmoniosas ou de saber e crenças compartilhadas, mas de hostilidade e fundamentalismos religiosos, sejam eles de qualquer religião: hindu, budista, cristão, islâmico ou outros, que se baseiam no desejo de preservação de certos costumes e crenças ameaçados pela cultura global.
Há ainda outra linha de pensamento a respeito da globalização, para Robertson estamos vivenciando na atualidade a “glocalização”, ou seja, em que o local está globalizado e o global está localizado. Sob essa perspectiva, as transmissões culturais são um processo de dois modos, em que as culturas em contato modelam e são modeladas mutuamente direta e indiretamente num processo ininterrupto e constante.
Um exemplo dessa influência mútua é a adaptação de produtos padronizados como a comida rápida do McDonald’s ser modificada para atender a demandas culturais religiosas em países como Israel ou a Índia, nesses lugares os alimentos levam em consideração traços da cultura local. Para esse processo de acomodação do universal e o particular,
Os membros do terceiro grupo enfatizam “o processo, em dois níveis, da particularização do universal e da universalização do particular” (Roland Robertson, 1992: 177 – 178). Chamam a atenção para o ideal sublime da universalidade humana. Acreditam que a particularização do universal “facilita o surgimento de movimentos referentes ao ‘significado verdadeiro’ do mundo, movimentos (e indivíduos) que buscam o significado do mundo como um todo”, da mesma forma que a universalização do particular facilita “a busca pelo particular, por modos cada vez mais detalhados de apresentação identitária” (Roland Robertson, 1992:178). Robbie Robertson (2003:251) tem esperança de que essa busca por identidades globais e locais, em última análise, evidenciará “signos dinâmicos de vida no grande concerto deste planeta globalizado.” (KUMARAVADIVELU, 2006, P. 134).
A globalização enquanto fenômeno social abrange diversos níveis e aspectos culturais, influencia e é influenciada por meio de produtos culturais como filmes, literatura, línguas, religiões ou culinária, mas também comercialmente e ideologicamente. Diante disso, pensar a respeito de sua magnitude não é uma tarefa fácil, sendo possível esmiuçar cada uma de suas nuances conforme os objetos de pesquisa de interesse em dado momento histórico ou científico. Para esse trabalho, me restringirei aos aspectos culturais permeados pela língua.
1.2 OS CONCEITOS DE LÍNGUA, LINGUAGEM E CULTURA NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ATUAL.
Antes de elencar as concepções de cultura, língua e linguagem faz-se necessária à abordagem do status que a comunicação tem em meio ao processo de globalização cultural, ou seja, para que todas essas relações comerciais, culturais, políticas e/ou ideológicas aconteçam é imprescindível um fio condutor e isso ocorre por meio da comunicação manifesta por meio das línguas. E é também por meio das línguas que os costumes, crenças, valores e ideias são transmitidas, conservadas ou transformadas.
De acordo com Kumaravadivelu, devemos estar preparados para enfrentar os desafios da globalização cultural e para isso propõe que os educadores façam tudo o possível para que as disciplinas acadêmicas estejam engajadas com as demandas sociais e culturais impostas pela globalização, que estejam atentos aos aspectos globais e coloniais presentes nas línguas de modo geral. Esclarece também que uma língua atinge um status de língua global quando esta ocupa uma função e reconhecimento global, fato observado com o inglês atualmente.
Em continuidade ao que se propõe neste trabalho, farei uma sucinta explanação de conceitos de cultura. De acordo com o dicionário Aurélio, define-se por cultura “O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade.” Em sua obra, Franco (2019) elenca algumas definições, às quais farei referência por nos dar maior amplitude do conceito em questão. Ao citar Willians (2007), é posto que a cultura seja tida como um parâmetro para um povo em um determinado período ou grupo social, bem como também é associada a obras e atividades artísticas e intelectuais como pinturas, gravuras e esculturas.
Na sequência, outra definição é apresentada, conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) faz parte da cultura a linguagem de que as pessoas utilizam para contar suas histórias, sua literatura ou como constroem suas casas e preparam seus alimentos, rezam e fazem suas festas, ou seja,
Trata-se de, portanto, um processo dinâmico de transmissão, de geração em geração, de práticas, sentidos e valores, que se criam e recriam (ou são criados e recriados) no presente, na busca de soluções para os pequenos e grandes problemas que cada sociedade ou indivíduo enfrentam ao longo da existência (IPHAN, 2007, p. 6).
Assim como a cultura, as definições de língua e linguagem são fundamentais para o desencadeamento da reflexão, e mais uma vez iniciarei utilizando o dicionário Aurélio que apresenta o seguinte quanto à língua, “O conjunto das palavras e expressões, faladas ou escritas, usadas por um povo, por uma nação e o conjunto das regras de sua gramática”. Porém, tal definição não é a única, tomemos por referência também, a concepção de língua a partir dos estudos de Volóchinov (2017), que retoma a concepção de língua apresentada por Humboldt (2013, p.52) que assim a descreve “a língua é o elo entre os homens, pois este só compreende a si mesmo depois de certificar-se da compreensão de suas palavras pelos demais. Por outro lado, a língua liga o homem à natureza, pois a subjetividade da linguagem é o meio de objetivar as impressões sensoriais” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 19).
Quanto à linguagem, Humboldt trata como o meio pelo qual os homens mediam sua relação com o mundo, ou seja, a linguagem é tida como mediadora entre a individualidade e a coletividade manifesta e presente nas línguas. Em caráter de maior esclarecimento, atentemos para outros aspectos da linguagem,
Uma vez que sem a linguagem não é possível a formação do conceito, sem sua intermediação nenhum objeto é acessível à nossa alma: mesmo os objetos exteriores recebem uma existência plena somente por meio do conceito. Na formação e emprego da linguagem é necessário incluir as visões subjetivas sobre o objeto em toda a sua particularidade. A palavra origina-se justamente dessa visão, sendo uma marca não do objeto propriamente dito, mas uma imagem gerada em nossa alma. Uma vez que a subjetividade inevitavelmente mistura-se à nossa visão, cada individualidade humana, independentemente da língua, pode assumir uma visão de mundo particular. (Humboldt, 2013 [1859], p. 56)
Pelos âmbitos globais e coloniais encontrados nas línguas é preciso refletir como atuar por meio do ensino para que os indivíduos sejam capazes de se mobilizar frente às necessidades impostas pela globalização, mas que não percam as identidades, ou seja, ser um indivíduo capaz de compreender e agir mediante as demandas globais e ao mesmo tempo conservar aspectos característicos da cultura local que o constituem enquanto indivíduo e não descaracterizado pela homogeneização cultural provocada pela globalização.
Neste trabalho considera-se a Língua Portuguesa enquanto um bem cultural de valor identitário sem a intenção de desmerecer outras línguas ou menosprezar a importância de ampliar o repertório linguístico e cultural dos indivíduos por meio do ensino e aprendizagem de outras línguas.
Tratando-se do ensino de línguas e daquela que se tornou a língua global, o inglês, é imprescindível que ressaltamos o aspecto colonial e imperialista que a difusão do inglês como a língua global exerce nas relações sociais, comerciais, políticas e ideológicas. Para essa questão o crítico cultural Mignolo (1998:41) faz uma breve constatação: “O problema não é tanto o número de falantes, mas sim o poder hegemônico de línguas coloniais no domínio do conhecimento, na produção intelectual e nas culturas da academia”.
A reflexão sobre aspectos da cultura local e sua preservação pode em algumas circunstâncias soar como uma ação fundamentalista, no entanto com os intentos da globalização na atualidade observa-se uma homogeneização de padrões culturais intencionalmente mobilizados para a alienação e estímulo a concepções de consumo relevantes ao capitalismo que não contribuem para a constituição dos sujeitos em suas individualidades. (FRANCO, 2019)
1.3 O ENSINO DA LÍNGUA E A VALORIZAÇÃO DA CULTURA LOCAL MEDIANTE AO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO E DILUIÇÃO DAS FRONTEIRAS NACIONAIS.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, no Art. 216, o patrimônio cultural brasileiro é constituído de bens de natureza material e imaterial, observe a sua redação:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Como exposto na redação do artigo constitucional, o princípio de conservação do patrimônio cultural é fundamento para a constituição das identidades do indivíduo, visto que, enquanto ser social tem-se a necessidade do sentimento de pertencimento, reconhecimento e identificação dentro de um grupo.
A demanda social como reflexo do processo de globalização cultural implica ações que direcionam, ainda que insuficientes, as diretrizes educacionais e de ensino da língua e temos na BNCC proposições de intenções pedagógicas que devem considerar dez competências básicas, concebidas de acordo com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Sendo assim, a proposta de ensino da Língua Portuguesa numa perspectiva de valorização da cultura local está ajustada às dez competências básicas presentes em sua essência. Para este trabalho, destacam-se algumas delas, tais como:
Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. (BRASIL, 2017, p. 9)
A globalização atual firma-se no individualismo, alienação e competição, concepções valorizadas em ambientes de trabalho e educação, no lazer individual e segregado das comunidades que associam a felicidade ao consumo de bens materiais e ao acesso a serviços como formas de reconhecimento social e diferenciação. (FRANCO, 2019)
A sociedade contemporânea é incentivada a consumir além do que necessita, ou seja, é um consumismo que transcende as necessidades básicas que não tem como objetivo o conforto para uma vida digna, mas de um consumo supérfluo e exibicionista como forma de status, inviabilizando outras formas de socialização. (FRANCO, 2019)
Com o visível enfraquecimento da vida em comunidade, concretizadas no passado pelo contato direto com as pessoas em espaços partilhados e próximos, às culturas locais foram enfraquecidas e o sentimento de pertencimento tem sido comprometido e fragmenta processos identitários. (FRANCO, 2019)
À medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeio e da infiltração cultural (HALL, 2006, p. 74).
Quanto mais o cotidiano das pessoas sofre influência do que Hall (2006) chamou de “supermercado global”, mais as identidades locais, antes estruturadas a partir do encontro, tornam-se mais superficiais, transitórias, exiladas e alienadas.
De acordo com Paulo Freire, a alienação se dá pela invasão cultural, domesticação e opressão que levam os indivíduos à perda de condição de sujeito na sociedade e estabelece condições desumanas, geram frustração, medo e insegurança que funcionam como um verdadeiro “cinto de segurança” para a criatividade, fruto da própria alienação (FREIRE, 1983, p. 25).
CONCLUSÃO
Embora a exposição a ações e influências do consumo, da sociedade do espetáculo, não se pode ignorar fatores desencadeadores de movimentos de resistência e de valorização das culturas locais, principalmente nos territórios mais próximos dos indivíduos (FRANCO, 2019), inclusive na escola é que tais manifestações encontram território propício para a integração, de redescoberta das culturas locais e fortalecimento das identidades.
Ao passo que os indivíduos se aproximam do patrimônio cultural numa postura diferenciada de sua convivência cotidiana, possibilita-se que as pessoas revejam tempos e espaços de sua cultura por meio de aprendizagens múltiplas. Mas então, como o contexto de ensino da Língua Portuguesa pode contribuir para que essa alienação provocada pela invasão da globalização cultural dê lugar a um processo inverso, de fortalecimento e valorização da cultura local?
A Língua Portuguesa, mesmo com suas características coloniais, de certo modo é composta e manifesta as culturas locais dos povos originários constituintes da cultura nacional, ou seja, embora a língua adotada como nacional tenha em si manifesta constructos da própria globalização também apresenta características particulares que a tornam um patrimônio cultural e elemento identitário, pois sofre influências das culturas locais de todo território nacional.
Portanto, assim como ao ensinar uma língua estrangeira pressupõe-se uma abordagem cultural que leve à compreensão dos modos de vida e fazeres daquela comunidade de falantes é relevante, tão quanto é a relevância de se ensinar a língua materna considerando-se a valorização da cultura local e patrimônio cultural. Fundamental para o conhecimento da cultura nacional e constituição da identidade, uma vez que fazê-lo é um mecanismo de resistência à alienação e tal qual um direito ao exercício da cidadania. Conclui-se então, que o ensino da Língua Portuguesa objetivando a valorização do patrimônio cultural consiste em um processo de educação prática e emancipatória de combate à alienação e desconsideração dos sujeitos. (FRANCO, 2019)
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal. Brasília, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
FRANCO, Francisco Carlos. Educação, patrimônio e cultura local: concepções e perspectivas pedagógicas. Curitiba: CRV, 2019.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo. Atlas, 1994.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
KUMARAVADIVELU, B. 2006. A Linguística Aplicada na Era da Globalização. In: MOITA LOPES, L. P. da (org.). Por uma Linguística Aplicada.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017, 373p.