CULTURA E MEMÓRIA DO POVO XOKÓ

CULTURE AND MEMORY OF THE XOKÓ PEOPLE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11095021


Paula Aparecida dos Santos Andrade [1]


Resumo

O artigo “Cultura e memória do povo Xokó” explora a cultura e a memória do povo Xokó uma comunidade indígena que vive no estado de Sergipe, Brasil. O artigo começa apresentando o que é cultura, sua importância, aborda a questão da memória, a importância da terra. Também fala da importância das tradições como os costumes, o Toré, o ritual do Ouricuri. Fala da luta pela terra. Por fim, destaca a necessidade da terra para a preservação da cultura e da memória dos Xokó para respeitar e valorizar a diversidade cultural e a história dos povos indígenas do Brasil.

Palavras-chave: Xokó. Cultura. Memória. História. Preservação.

Abstract: The article “Culture and memory of the Xokó people” explores the culture and memory of the Xokó people, an indigenous community that lives in the state of Sergipe, Brazil. The article begins by presenting what culture is, its importance, addressing the issue of memory, the importance of the land. He also talks about the importance of traditions such as customs, Toré, the Ouricuri ritual. It talks about the fight for the land. Finally, it highlights the need for the land to preserve the culture and memory of the Xokó as a way of respecting and valuing the cultural diversity and history of the indigenous peoples of Brazil.

Keywords: Xokó; culture, memory, history, preservation.

INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado de uma pesquisa movida pela curiosidade de compreendermos a formação étnica e cultural da sociedade portafolhense, mostrando a existência e importância da comunidade Xokó na formação dessa sociedade. Desmistificando uma história criada a partir da hegemonia de uma elite branca, que nega o pioneirismo sócio-cultural dos indígenas xokó e a existência dos mesmos como sociedade indígena. No entanto, iremos nos deter a apresentar e analisar a comunidade indígena Xokó, localizada no município de Porto da Folha, Estado de Sergipe. Neste artigo, discorreremos sobre o termo cultura, apresentando o significado e suas formações de apresentação; as imposições causadas pelos brancos, que resultarão no fim do mundo indígena, falando do todo até chegar às particularidades de Sergipe e da aldeia Xokó. Trataremos também sobre o reencontro da tribo Xokó com sua cultura, sem o objetivo de esgotar essa temática, mas servir de instrumento para fomentar a discussão desse tema em nossa sociedade.

2 CULTURA

Sendo que, para desenvolver o presente trabalho, “Cultura e memória do povo Xokó”, é importante discorrer sobre cultura, falando sobre o significado e suas formas de manifestações. A partir de Santos(1996), “termo cultura é de origem latina e, em seu significado original, está ligado à atividade agrícola, vem do verbo colere que quer dizer cultivar”.

O termo cultura não se refere apenas ao conhecimento ou formação dos indivíduos, mas ela faz parte do processo social, portanto não fora desse contexto existe cultura.

Cultura diz respeito a todo aspecto da vida social, e não se pode dizer que ela existe em alguns contextos e não em outros. Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social, ou seja, a cultura não é algo natural, não é uma decorrência de leis físicas ou biológicas, ao contrário, cultura é um produto coletivo da vida humana (…) é um território bem atual das lutas sociais para um destino melhor. (SANTO, 1996, p. 33).

A cultura, como processo social, pode ser vista nas sociedades primitivas, como as sociedades indígenas brasileiras. Santos (1996) deixa explicito que cultura é tudo que caracteriza uma população humana.

O povo Xokó tem a cultura como algo importante por estar relacionado às tradições, conhecimentos esses importantes para todos da aldeia, por caracterizar a maneira como eles pensam, se comportam e se relacionam entre si, tornando-se parte essencial da identidade dos Xokó. Sendo transmitida de geração em geração através da educação e da comunicação em seu cotidiano.        

 Uma cultura diversa e rica é um dos maiores tesouros da humanidade, é importante preservar e valorizar as diferentes tradições e formas de expressão. Além de ser uma forma de promover a compreensão e a tolerância entre diferentes povos e comunidades, apresentando-se como uma fonte de enriquecimento pessoal e coletivo.

Não iremos nos prender ao significado original e arcaico da palavra cultura, iremos bem além, pelo fato de sabermos que cultura refere-se à humanidade na totalidade. Portanto, não podemos esquecer de respeitar o valor da cultura de cada um dos povos, principalmente daqueles que buscam revitalizá-la ou dos que estão vivendo seu renascimento, pondo em prática seus valores morais, religiosos, sociais e étnicos, graças à conquista e retorno ao seu espaço cultural, isto é, a terra.            

É difícil alguma tribo apresentar, na atualidade, características culturais e étnicas dos povos pré-cabralinos, pelo simples fato de a cultura ser dinâmica, não ficar parada no tempo e no espaço e estar sujeita a constantes transformações. Mas, o que nos toca diante dessas mudanças é o desequilíbrio causado pela exploração europeia e pela ação predatória, enfraquecedora da cultura indígena. Referente aos traços culturais das tribos indígenas do nordeste no período colonial, Freyre (2000), em sua obra Casa-grande e Senzala, expressa

Muitos deles extensivos a quase todo o  Brasil: caça, pesca, cultura de mandioca, tabaco e coca (…) milho, inhame, jerimum, pimenta, os campos clareados a fogo (coivara) e cavados a pau e não a enxada; nenhum animal doméstico (…) uso do mel, havendo certa domesticação de abelhas; a farinha e o bolo de mandioca e a caça pequena conservado em caldo grosso apimentado (…) o tabaco usado apenas como bebida e só em certas cerimônias (…) o uso da flecha, lança, arpo e remo (…) decorações fálicas, redes de fibras de palmeiras; cerâmica (…) nenhum metal (…) comunidades inteiras numa casa só grande quadrangular, coberta de palha (…) nenhuma indumentária a não ser de casca de árvore para os homens (…) pintura elaborada do corpo (…)importância da feitiçaria. (FREYRE, 2000, p. 96 e 97)

É justamente com essas características que muitos, embriagados pela ideologia europeia e pelo senso comum, esperam encontrar os atuais aldeamentos indígenas ao esquecerem que o processo de aculturação, os genocídios étnicos e culturais causados pelos europeus no passado e o atual processo de globalização impedem a manutenção invariável da cultura. No caso indígena, seu único espaço para viver sua cultura é a aldeia, que se torna seu espaço vital, e não a sociedade toda, por isso a necessidade de um isolamento, de um espaço demarcado. Nós não estamos dizendo que a relação homem/natureza não consiga mudar a cultura local.

Segundo Braick (2020):

A cultura exprime de maneira ampla as formas pelas quais se estabelecem relações de indivíduos e grupos entre si e com a natureza; por exemplo, como as pessoas constroem abrigos para se proteger das intempéries, inventam utensílios e instrumentos, organizam leis e instituições, definem o modo de se alimentar, casar ter filhos, como criam — e transformam — a língua, a moral, a política, a estética, como concebem o sagrado ou se comportam diante da morte. (BRAICK et. Al. 2020, b, p. 10).

A cultura diz respeito a tudo produzido pelos grupos, sendo a partir dela que eles se relacionam, produzem tudo que a comunidade necessita e transformam seus elementos cultuais. Entendemos como importante estar na história para entender os povos indígenas Xokó, no momento das perseguições sofridas por eles. Esse é o marco importante ao qual se refere a memória Xokó e tem o papel relevante na cultura desse povo.

Nas comunidades indígenas, um dos principais elementos culturais é o ritual do Ouricuri. É muito mais que um simples ritual para o povo Xokó. Trata-se de um elemento de elo com seus ancestrais, possuindo o sentido de obrigação, sem a qual a identidade étnica desse grupo se enfraquece. Esse ritual segue sendo praticado na mata, onde os indígenas podem entrar em sintonia com a natureza e com seus ancestrais, (acreditam), em busca de conhecimento e força. A mata significa para eles o alimento e a cura, pois é basicamente dela que eles sobrevivem, suprindo as necessidades da família, também retirando das ervas medicinais o essencial para combater as doenças da tribo. Mas, infelizmente, sabemos que, com o advento da colonização, as tribos indígenas sofreram grandes repressões por parte dos colonos e dos padres jesuítas, um dos maiores responsáveis pela fragmentação da cultura imaterial dos povos originários. Catequizando os nativos, viam os mesmos como pagãos, obrigando-os a seguirem todos os costumes europeus. Portanto, mesmo sendo negados, os indígenas conseguiram manter viva em sua memória elementos da sua cultura imaterial.

O povo Xokó tem o toré como outro elemento essencial à sua cultura imaterial, onde os nativos buscam expressar seus sentimentos de alegria ou tristeza, e uma forma de comunicação entre o mundo material e o espiritual. Sendo o Toré uma dança sagrada e ritualística praticada por diversos povos indígenas no Brasil e em outros países da América, os Xokó buscam sempre em momentos importantes dentro e fora da aldeia reforçar seus costumes. Portanto, a prática do Toré é importante para os povos indígenas, ao estar relacionada à sua identidade cultural e resistência. Vivendo esse momento através do toque do maracatu, da dança e dos cantos de seu povo os participantes conectam-se com o sagrado e reafirmam sua espiritualidade e suas crenças exaltando ao deus tupã, para poderem triunfar sobre os problemas vivenciados por eles, ou agradecer toda a fartura com gratidão.

 Além disso, também é um meio de resistência e luta contra a opressão e a colonização, pois durante o período colonial, o Toré foi proibido pelas autoridades portuguesas e espanholas, que viam a prática como uma ameaça à sua dominação sobre os povos indígenas. Mesmo assim, os povos indígenas resistiram e mantiveram a prática do Toré viva até os dias atuais

MEMÓRIA DO POVO XOKÓ

A memória indígena é o registro dos momentos vividos pela comunidade. Para Pesavento (2005), “a pessoa que revive amadurece, incorpora não só o que ele reviveu na memória, mas também o que foi preservado na memória, individual, partilhada, vivenciada por toda a comunidade” (p.95). As memórias do povo Xokó devem ser compreendidas como elementos de luta e resistência desse povo guerreiro.

Sabemos que a memória é formada por lembranças do que foi vivenciado em algum momento de nossas vidas, momentos esses de alegria, sofrimento, etc., momentos esses que pode ser revividos na lembrança de cada indivíduo. É o caso do povo Xokó, que guarda na memória a história da dominação e exploração que sofreram por parte dos fazendeiros, levando a dispersão daqueles que não aceitarão a submissão. Os indígenas nasceram livres, tendo a terra e a natureza como sua fortaleza, onde vivenciam sua ancestralidade.

A memória da história indígena está ligada à terra, que assume um significado importante para os Xokó de um lugar necessário à sua existência, pois a terra promove a vida e os conforta quando os recebe como seus filhos. Na mata vivem seus antepassados, os espíritos que os protegem, que os guiam no cotidiano em suas lutas, que os fortalecem quando entram em contato com o universo sagrado. Só na caiçara é possível viver as práticas culturais, religiosas e a produção agrícola para a sobrevivência da comunidade. Os Xokó só poderiam existir junto à caiçara, porque nele se constrói o mundo real e o ideal. Os mesmos não separam o espaço vivido da experiência com o sagrado ou natural.

Segundo Beatriz Góis, os indígenas teriam recebido as terras como recompensa por ajudarem a expulsar os holandeses que estavam ocupando a região do Baixo São Francisco. Os Xokó de São Pedro viviam em estado de penúria, em virtude do arrendamento das terras, em que os mesmos recebiam pagamentos irrisórios, ainda não gozavam de lucro com as terras, perdendo seu espaço para a criação de gado.

O Regulamento de 1845 dispondo sobre a civilização dos índios, e a concomitante decisão do governo Imperial de entregar aos capuchinhos os trabalhos de catequese, fizeram com que se estabelecesse em Sergipe uma Diretoria Geral de índios (instalada em 1847, substituiria um órgão congênere criado anteriormente pela Assembléia Provincial (15) e que à missão de São Pedro retornassem os seus fundadores.”  (DANTAS, 1980, p.15, Comissão Pró-Índio/SP.)

Mesmo com a chegada de Frei Doroteu de Loreto, para permanecer na missão e catequizar os Xokó e cuidar dos mesmos, a ação dos grandes fazendeiros continua.

Para os povos indígenas, a terra é outro elemento relevante; ela alimenta o corpo e também faz nascer e renascer, não existe uma divisão entre produção de alimento necessário à sua sobrevivência e o espaço vital. A terra é muito mais do que um espaço físico para os povos indígenas; a terra é sagrada, sendo fundamental para a sua sobrevivência física e cultural, é um espaço de vida, de identidade e de história.

Os povos indígenas possuem uma relação íntima e espiritual com a terra, vista como uma entidade viva, que sustenta a vida e é mãe de todos os seres vivos. A relação dos povos indígenas com a terra é permeada por valores como a reciprocidade, a harmonia, a solidariedade, o respeito e a preservação dos recursos naturais. Além disso, a terra é fundamental para a preservação das tradições culturais, das práticas ancestrais e da identidade dos povos indígenas. Ela é o local onde são realizados rituais, cerimônias e festas tradicionais, e onde são transmitidos conhecimentos de geração em geração.

Por todas as razões, a luta dos povos indígenas pela terra não é apenas uma questão de posse ou propriedade, mas sim uma luta pela sobrevivência, pela preservação de suas culturas e pela garantia de seus direitos humanos fundamentais.

A educação é uma das principais formas de conservar a memória e a cultura dos povos indígenas. Através da educação, é possível transmitir os conhecimentos, as práticas culturais e os valores dos povos indígenas para as novas gerações, garantindo a continuidade da identidade e preservação da diversidade cultural do país. A educação indígena deve ser uma educação diferenciada, que respeite as especificidades culturais e linguísticas de cada povo e valorize os seus conhecimentos e tradições. Isso implica em uma educação que inclua a língua, a história, os mitos, as artes e as práticas culturais dos povos indígenas, além dos conhecimentos convencionais.

Além, disso, a educação indígena deve ser pautada pelo diálogo intercultural, que permita a troca de experiências e saberes entre os diferentes grupos étnicos e culturais. A presença de professores indígenas e não indígenas, com formação específica em educação indígena, é fundamental para garantir a qualidade e a adequação da educação oferecida. Ela também pode ser uma ferramenta para o fortalecimento da autoestima dos povos indígenas, para o reconhecimento e o respeito às suas culturas e para a promoção de uma sociedade mais justa e igualitária. Por isso, é fundamental que a educação indígena seja valorizada e apoiada pelo Estado e pela sociedade em geral, como uma forma de garantir a diversidade cultural e a dignidade dos povos indígena.

Sendo que Constituição de 1988, significou uma vitória para os povos indígenas do Brasil, pois, pela primeira vez na história dos povos originários, os mesmos tiveram seus direitos reconhecidos. A Carta Magna reconhece o direito dos povos indígenas de viver de acordo suas crenças e culturas.

Apesar de os indígenas terem tido participação ativa no reconhecimento de seus direitos pela Constituição do país, em 1988, muitas das suas demandas foram relegadas. Entre as principais demandas dos povos indígenas, atualmente, estão a continuação da demarcação de suas terras e a revisão do Estatuto do Índio. As comunidades espalhadas pelo país lutam ainda por acesso à educação, à saúde, aos meios de comunicação, à alimentação de boa qualidade, ao uso sustentável dos recursos do meio ambiente, etc. (COTRIM, DA SILVA, LOZANO et al.  et.al. 2020, p. 113).

Percebe-se que mesmo os povos originários tendo conquistados alguns direitos, a partir da Constituição de 1988, algumas de suas necessidades foram desprezadas, ignoradas. Sendo que muitos grupos ainda continuam em busca de seus direitos básicos.

LUTA PELO BEM MAIOR QUE É A TERRA

A luta dos povos indígenas pela terra é um tema importante e complexo, que remonta há séculos de colonização, expropriação e exploração de suas terras. Os povos indígenas em todo o mundo lutam há muito tempo para manter seus territórios e modos de vida tradicionais, muitas vezes enfrentando graves violações de seus direitos humanos, culturais e ambientais.

No Brasil, os povos indígenas vivem uma luta constante pela proteção de suas terras, sendo frequentemente invadidas por latifundiários, garimpeiros, madeireiros e outros grupos interessados em explorar seus recursos naturais. Essas invasões muitas vezes acabam resultando em conflitos violentos, que levam à morte de muitos indígenas.

Sendo assim, a luta dos povos indígenas pela terra é um tema de grande importância histórica, social e cultural no Brasil. Essa luta tem suas raízes na chegada dos brancos europeus e na conquista das terras indígenas, que foram expropriadas e exploradas pelos colonizadores, desrespeito aos direitos dos povos originários, que nela já habitavam, muito antes dos europeus.

Ao longo dos séculos, os povos originários enfrentaram diversas formas de opressão, violência e discriminação, incluindo a expulsão de suas terras que já pertencia a seus ancestrais, a perda de sua cultura e tradições, a escravização, a exploração sexual, a falta de acesso a serviços básicos de saúde e educação, entre outras. E vem lutando para garantir o direito à terra, para poder vivenciar sua cultura, portanto, essa luta visa garantir o direito desses povos às suas terras, a qual pertenceu a seus ancestrais, bem como a proteção de sua cultura, tradições e modo de vida.

Apesar de alguns avanços recentes na legislação que reconhece o direito dos povos indígenas às suas terras, o governo tem implementado políticas que colocam em risco esses direitos, incluindo a flexibilização das leis ambientais e a redução das áreas de proteção ambiental. Dessa forma, é fundamental que a sociedade brasileira e os governantes reconheçam a importância da luta dos povos indígenas pela terra e pelos seus direitos, e apoiem essas lutas em prol de uma sociedade mais justa e inclusiva.

A Constituição também estabelece que a exploração dos recursos naturais em terras indígenas só pode ser realizada com autorização do Congresso Nacional e com a participação dos povos indígenas afetados, sendo que a estes deve ser garantida uma participação nos resultados da exploração.

Com o surgimento da pecuária extensiva às margens do rio São Francisco, aumentam as perseguições aos indígenas Xokó. Como os indígenas não costumavam cercar suas terras, facilitou a penetração do gado dos coronéis no território indígena Xokó, prejudicando o meio ambiente e as lavouras de subsistência dos nativos. Mas, na verdade, com o surgimento da lei de terras em 1850, a situação ficou pior. Anteriormente à promulgação dessa lei, admitia-se a existência dos indígenas Xokó e solicitavam-se missionários para cuidar deles. Depois que foi estabelecida a lei de terras, foi negligenciada a existência dos povos Xokó, provavelmente com o objetivo de que os coronéis se beneficiassem do território, já que o governo manda incorporar aos próprios nacionais as terras dos povos originários não aldeados.

Assim, por aviso n.º 172 do ministério do Negócio do Império, de 21 de outubro de 1850, inicialmente destinado ao Ceará, estendendo também a Sergipe e talvez as demais províncias, manda o governo imperial: “… incorporar aos próprios nacionais as terras dos indígenas, que já não vivem aldeados, mas sim dispersos e confundidos na massa da população civilizada, e da providência sobre as que se acham ocupadas”. (DANTAS, 1980, p.165).

Fica claro que a lei defendeu os interesses dos grandes latifundiários. Esses, desde muito tempo, vêm fragmentando os indígenas, resultando, obviamente, em um desaldeamento nas tribos indígenas. Referente à aldeia da Missão de São Pedro, diz o presidente da província, em correspondência dirigida ao secretário-geral dos negócios do império:

Possuindo os indígenas do Porto da Folha e seus descendentes uma légua de terras excelentes para criação de gado não há ali uma só casa que se possa notar como abastada, sendo todos esses indivíduos, que só chegaram ao número de 260, pobríssimos e miseráveis, (…) podem essas terras ser aproveitadas e incorporadas aos próprios nacionais, podendo-se dela formar para o futuro muitas fazendas de gado com o crescido proveito para o público. (DANTAS, 1980, p. 165).

O povo Xokó é a única tribo indígena reconhecida no estado de Sergipe. Sendo que os mesmos, por volta dos anos 70, resgataram a sua identidade, o que envolveu a retomada de sua cultura e principalmente o direito do seu espaço vital onde possam vivenciar sua cultura, costumes e tradições, compartilhando entre todos da aldeia. No século XX alguns nativos saíram da ilha de São Pedro e foram para o estado de Alagoas, onde passaram a viver com os povos Kariri no estado de Alagoas. Tendo como objetivo conservar sua identidade quanto indígena.

Na realidade, a luta Xokó pela terra tem como referência fundamental a própria sobrevivência do grupo social. Sentindo-se atenuados, sem poder ir e vir sobre a sua mãe terra, exaustos de tanto sofrer, vão até Salvador visando adquirir o documento deixado pelo Imperador no período em que a aldeia pertencia à jurisdição da Bahia, encontraram o documento que comprova a existência de uma légua quadrada de terras, ao trazerem a documentação foram traídos pelo coronel João Porfírio:

Quando João Porfírio, posseiro, pai de António Brito, soube que os indígenas tinham ido buscar os documentos da terra da caiçara, botou vigia para olhar quando eles chegassem. Quando os indígenas chegaram da Bahia com os documentos da terra, João Porfírio matou um carneiro, fez uma buchada, já que eles vinham muito cansados e precisavam comer para descansar. Foi daí que os pobres dos indígenas (…) aproveitou e tirou os documentos dos bolsos dos indígenas e os mandaram ir embora. (FUNAI, 2004).

Mesmo com muitos empecilhos, os indígenas dão continuidade à luta, até conhecerem o frei Enoque (pessoa muito importante na luta pela terra e pelo resgate da cultura Xokó). Mesmo sendo criado o SPI (Serviço de Proteção aos Índios), em 1910, os indígenas Xokó permaneceram sem proteção até aproximadamente 1970, e na década de 60 o SPI estava sendo acusado de genocídio e etnocídio contra as populações indígenas. Lamentavelmente, o SPI e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) nem sempre agem com dignidade e se preocupam mais com o interesse econômico nacional.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICO

A metodologia empregada neste estudo caracteriza-se pela pesquisa bibliográfica, a qual, segundo Gil (2010), utiliza-se de documentos previamente elaborados para diversos fins. Neste caso específico, optou-se por estudos bibliográficos de natureza qualitativa e descritiva. Importante destacar que, durante a pesquisa bibliográfica, não ocorre interferência do pesquisador sobre o objeto de estudo, permitindo uma análise imparcial e focada nos materiais selecionados

Assim, para a realização da revisão devemos obedecer a seis etapas, como: elaboração da pergunta norteadora; busca de materiais; coleta de dados; análise crítica dos estudos incluídos; e apresentação da revisão bibliográfica. O método de investigação fundamentado na revisão bibliográfica visa manter os padrões de clareza, rigor e replicação dos primários.

Considerando, conforme Lankshear & Knobel (2008, p.32), que toda pesquisa “é conduzida por estruturas teóricas e conceitos, o campo visualizado e o levantamento de informações de qualidade pertinente às questões decorrentes e aos objetivos do pesquisador, de maneira coerente”. Conforme apontam Lanksher e Knober, não é uma simples coleta de informações, mas um momento que permite uma reflexão em relação a um determinado assunto, que se deseja estudar e desvendar questões que despertam a atenção do pesquisador, nesse caso, com foco.

A coleta de dados foi meticulosamente organizada de acordo com os objetivos da pesquisa, utilizando-se predominantemente de uma abordagem bibliográfica. Essa abordagem incluiu obras de autores renomados e relevantes para o tema, além de extensivas pesquisas em plataformas digitais. Este método assegura uma ampla revisão dos conhecimentos já estabelecidos sobre o assunto em estudo.

RESULTADOS

Os resultados da pesquisa destacam que, apesar do valor, coragem e esforços de reconquista das suas terras para preservar sua cultura e ecossistema, o povo Xokó ainda não conseguiu obter respeito e reconhecimento adequados da sociedade não indígena de Porto da Folha. A luta pela terra é vital para os Xokó, não apenas como uma questão de posse, mas como um meio essencial para cultivar sua cultura e manter sua sobrevivência física e cultural. A cultura Xokó é rica e diversa, repleta de tradições e saberes transmitidos de geração em geração, refletindo uma relação profunda com a natureza e o uso sustentável de recursos naturais.

Além disso, a música, dança e artesanato são expressões significativas dessa identidade cultural. No entanto, enfrentam desafios significativos, como a perda de territórios e a ameaça à preservação de suas tradições e saberes diante da influência da cultura ocidental e da globalização. Portanto, é crucial valorizar e respeitar a cultura Xokó, garantindo o reconhecimento de seus direitos e o fortalecimento de suas tradições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não temos dúvida de que, apesar do valor, coragem e reconquista de suas terras mediante uma luta pela preservação de sua cultura, do ecossistema e da sobrevivência da tribo, o povo Xokó ainda não conseguiu obter o respeito e reconhecimento da “sociedade não indígena de Porto da Folha”. Sabemos que a preservação do acervo cultural indígena é uma necessidade nacional, embora padeça de grande indiferença, e como em tantas outras tribos de nosso país, precisam de uma melhor assistência por parte do Estado de Sergipe.

A necessidade da terra para os povos originários é algo vital, sendo importante a demarcação da mesma, para poder cultivar sua cultura, pois fora dessa é impossível viver. A cultura do povo indígena Xokó é rica e diversa, com tradições e saberes que são passados de geração em geração. A relação com a natureza e com os elementos naturais é fundamental para a cultura Xokó, que valoriza a preservação e a utilização sustentável dos recursos naturais.

Além disso, a cultura Xokó é marcada pela música, dança e artesanato, que são formas importantes de expressão e de preservação da identidade cultural do povo. A culinária Xokó também é rica em saberes e ingredientes locais, refletindo a relação estreita com a natureza e com os recursos disponíveis na região.

No entanto, a cultura Xokó enfrenta desafios, como a perda de territórios e a ameaça à preservação de tradições e saberes, diante da influência da cultura ocidental e da globalização. É importante valorizar e respeitar a cultura Xokó, garantido o reconhecimento de seus direitos e o fortalecimento de suas tradições e modos de vida. Na sociedade não indígena, indígena só no dia 19 de abril. Porém, devemos lembrar que quem é indígena nasce, cresce e morre sendo indígena, não perdendo a sua essência, tão negada por muitos.

Esse artigo é apenas o início de uma longa reflexão, afinal são mais de quinhentos anos de exploração aos indígenas Xokó. Portanto, não tivemos a ideia de esgotar essa temática, mas contribuir na construção de uma nova história, vista de baixo, dando voz aos silenciados e negados pela história do “herói”.

Por fim, apesar dos Xokó terem passado por um processo de expropriação, e diante de um mundo conturbado aonde homens sempre vêm explorando homens, centralizando o poder nas mãos de uma minoria, a educação é a uma maneira que os indígenas tem para poder lutar conta a dominação e exploração de suas terras. Hoje, presenciamos uma aldeia em que vive o seu renascimento cultural, fruto de uma luta reconquista através da luta contra expropriadores da terra denominada caiçara. Por tudo isso, e em nome de uma cultura que se restabelece, é que desencadeou a nossa subjetividade, nos levando a pesquisar a aldeia Xokó.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Agassiz.  500 anos do povo brasileiro: uma visão crítica. Paz e Terra, São Paulo, 2000.

A ALMEIDA, Luiz Sávio; GALINDO, Marcos; SILVA, Edson. Índios do Nordeste: Temas e problemas. 4 s/ed. Maceió: Edufal, 2004.

JUNIOR, Avelar Araujo Santos.Terra Xokó: um espaço como expressão de um povo. Editora Diário Oficial, Aracaju, 2011.

BOSI, Alfredo. (2003). Cultura Brasileira: temas e problemas. 4 ed. São Paulo: Ática, 2003.

CAMPOY, Aranda Tomás J. Metodología de la investigación científica. Cuidad del Este, 2015.

CHIAVENATO, Julio José. As Lutas do Povo Brasileiro: Do “descobrimento” a Canudos. S/d. moderna, São Paulo, 1986.

COTRIM, Gilberto; DA SILVA, Angela Corrêa; LOZANO, Ruy, et al. Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: Ciência, cultura e Sociedade. São Paulo: Moderna, 2020.

COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

CIMI-CNBB. Povos Renascidos. vol. 1, 1986.

CIMI-CNBB. Queremos viver: Subsídios Didáticos Sobre a Questão Indígena, série A – vol. 1, 1986.

CIMI-CNBB. Somos Povos Somos Nacoes. vol. 2, 1987.

CRESWELL, John W. Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre cinco abordagens. Tradução: Sandra Mallmann da Rosa. 3ª ed. Porto Alegre: Penso, 2014.

DANTAS, Beatriz Góis; DE ABREU DALLARI, Dalmo. Terra dos Índios Xocó: estudos e documentos. ed. Parma, São Paulo, 1980.

DANTAS, Beatriz Góis. Xokó: grupo indígena de Sergipe. Aracaju, 1997.

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomía: saberes necessários à prática educativa. 74ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 1ª ed. 38ª tiragem, Record, Rio de Janeiro, 2000.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 40 ed. Paz e Terra, São Paulo, 2001.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. L&PM Editores, 2010.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2021.

Lankshear, Colin.; Knobel, Michele. Pesquisa pedagógica do projeto à implantação. Tradução: Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2008.

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, v. 6, 2001.

MASCRENHAS, M. C. S. G. 2000. Povo xokó: histórias que marcaram nossa vida. 1 ed., MEC/SECAD/CGEEI/SEED/DED/SEF/NEI.

MASCARENHAS, M. C. S. G. 2004. Povo xokó: histórias que marcaram nossa vida. 2 ed., MEC/SECAD/CGEEI/SEED/DED/SEF/NEI.

MONTEIRO, Diogo Francisco Cruz; SANTOS, Kléber Rodrigues, (Orgs.). Temas de História e Cultura Indígena em Sergipe. Aracaju: Infographics, 2016.

MOURA, Clóvis. Os quilombos: Na dinâmica social do Brasil. ed. UFAL, Maceió, 2001.

SGARBI, Nara Maria Fiel Quevedo. Opressão e resistência: interdiscursos sobre educação escolar indígena. 1 ed. Curitiba: Appris, 2020.

NAVARRO, C. maio de 2004. Acampamento Terra livre. Jornal Porantim. Brasília-DF, Nº 265, p. 9

OLIVEIRA, Valéria Maria Santana. Memória/identidade XOKÓ: práticas educativas e reinvenção das tradições. Aracaju: UNIT, 2018. Tese (Doutorado em Educação)–Universidade Tiradentes.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

POMBO, Rocha. História do Brasil. 14 ed. Melhoramentos. São Paulo, 1967.

PREZIA, Benedito., & HOORNART, Eduardo. Esta terra tinha dono. 6ª ed. “Rev” e “atual”. FTD, São Paulo, 2000.

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. Global Editora e Distribuidora Ltda., 2017.

SANTANA, Pedro Aberlardo. Os índios em Sergipe oitocentista: catequese, civilização e alienação de terras indígenas. 2015. Tese (Doutorado em História)–Universidade Federal da Bahia. Salvador.

SANTOS, José. Luiz dos. O que é cultura. S/d. São Paulo, Circulo do livro S.A.

SANTOS, Lenalda Andrade; OLIVA, Terezinha Alves. Para conhecer a história de Sergipe. Aracaju: Opção Gráfica, 1998.

SOBRE OS ÌNDIOS. http.//www.funai.gov.br/índios/bertioga/conteúdo.htm.

SOBRE OS ÌNDIOS. http.//www.museudoindio.org.br/cni/tema 2. htm.

SOUZA, Jucimara Araujo Cavalcante. “Nascer como uma algaroba e crescer como um juazeiro”-os Xokó da ilha de São Pedro. 2016. Dissertação (Mestrado em Antropologia) Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão.

TANEZINI, Theresa Cristina Zavaris et al. Territórios em conflito no alto sertão sergipano. 2014.

VANNCCHI, Aldo. Cultura Brasileira: o que é, como se faz. 3ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.


[1] Graduada em licenciatura plena em História e Ciências Biológicas. Pós-graduação em Ensino de História: novas abordagens; Metodologia do ensino superior; Ensino em Tempo integral. Especialização em Educação especial e inclusão. E-mail: paula_aparecida_@hotmail.com