CRÍTICA AO PENSAMENTO JURÍDICO COMO SISTEMA

CRITIQUE OF A LEGAL THOUGHT AS A SYSTEM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11357908


Daniel Roffé de Vasconcelos¹


Resumo: Trata-se de uma crítica ao pensamento jurídico como sistema que pretende analisar e descrever o direito como um ideal lógico-teleológico completo e coerente. Procura-se sustentar, assim, a impossibilidade teórica de se conceber o fenômeno jurídico como sistema em face de nossa realidade complexa, dinâmica e imprevisível, onde o caos está intrinsecamente presente. Também se pretende demonstrar as dificuldades práticas da elaboração de sistemas, que se tornam um empecilho ao nosso progresso cultural. A partir dessa crítica é construída uma análise da ordem jurídica, com sua definição, pensada em sua relação com as demais ordens, científica e normativas, e como atividade política que é.

Palavras-chave: Filosofia do direito. Sistemas. Caos. Ordem jurídica. Método. Atividade política.

Abstract: It’s a critique to the Legal thought as a system which aims to analyses and describes the Law as an ideal logical-teleological completely and coherent. It seeks to sustain the theoretical impossibility of conceiving the Legal phenomenon as a system in view of our complex  reality, dynamic and unpredictable, where chaos is intrinsically present. It also aims to demonstrate the practical difficulties in development of systems that become a hindrance to our cultural progress. From this critique is constructed an analysis of the Legal order with its definition, thought in its relationship with other orders, scientific and normatives and as a political activity which it is.

Keywords: Philosofy of law. Systems. Chaos. Legal order. Method. Political activity.

INTRODUÇÃO

Este artigo é uma crítica ao pensamento jurídico como sistema, assim considerado como unidade ideal completa, consistente e previsível, perfeitamente compreensível através de métodos racionais a serem seguidos, seja por um processo lógico-dedutivo (subsunção do fato à norma), seja pela utilização abstrata de princípios (sistema teleológico).

Evidentemente que a crítica aqui exposta não se estende a toda e qualquer definição de sistema, mas àquela tradicionalmente pensada a partir de um todo composto de partes que lhe dão sustentação, completude e consistência. Não é o caso da sua compreensão como ordem, vista como unidade dinâmica, com características próprias e que influenciam e são influenciadas por fatores externos, ou seja, por outros sistemas ou ordens que com ele se relacionam.

No presente trabalho o sistema objeto de combate é aquele tradicionalmente definido, subsistindo a defesa do conhecimento dos fenômenos, particularmente o jurídico, como ordens, pensados em sua realidade complexa e dinâmica, onde o caos nele atua incessantemente e deve, por isso, ser considerado.

Ao contrário do que se possa imaginar, essa visão tradicional de sistema, que não se restringe àqueles que apoiam o método subsuntivo, é bastante comum e ainda permeia a nossa filosofia jurídica atual; basta observarmos que ainda confundimos vigência com validade, distinguindo juízo de validade (supostamente objetivo) com o de valor (subjetivo), como será adiante explicado. Enfim, a crítica aqui exposta ainda é bastante atual e está em sintonia com os movimentos antidogmáticos e antitotalitários que vêm crescendo cada vez mais.

No começo será destacada a complexidade e dinamicidade do nosso mundo, onde não apenas a estabilidade, o equilíbrio ou a organização estão presentes, mas também, ininterruptamente, o desequilíbrio, o conflito de forças, o caos, o que impede a nossa compreensão dos fenômenos como sistemas consistentes e completos sem cairmos em reducionismos. Querer, por outro lado, expor uma realidade ideal, qualquer que seja, mesmo normativa, seria confundi-la com nossos desejos parciais, incompatível com a sua complexidade. E mais: para tanto, seria preciso fundá-la em uma ordem transcendente, desconectada das nossas relações causais, mas cuja tentativa teria mais a ver com a ânsia de impor um poder-saber dogmático e totalitário, do que melhor descrever nossa realidade.

Procurar-se-á, então, expor uma visão dos fenômenos, particularmente do direito, mais adequada à nossa complexidade, sem construções metafísicas, e, sim, como ordem e em sua relação com as demais ordens científica e normativas. Aqui vale fazer apenas um esclarecimento quanto à adoção da distinção realizada por Comte-Sponville1 entre as ordens normativas moral e ética, que normalmente não se faz, até mesmo por suas origens semânticas comuns. Enquanto a primeira diz respeito aos nossos deveres incondicionais, que nos impomos ou consideramos que deveriam ser impostos universalmente, esta última é mais ampla e procura responder a pergunta: como viver? E que também tem por objeto o amor, a felicidade e o saber como aumentar a nossa potência de ser e de agir, como diria Spinoza. Afinal, como poderíamos agir com nossos filhos, pais e amigos somente por dever? Mas existe o amor, e com ele a ética, e não apenas a moral. 

Também será defendido que a construção de sistemas de pensamento, além de reducionista, é um entrave ao nosso desenvolvimento cultural, pois se cada um pretende ter o seu, fica difícil o exercício de uma retórica capaz de melhor refletir sobre nossas vidas, problemas e soluções, levando em consideração diversas ideias elaboradas ao longo do tempo, às vezes apenas aparentemente contraditórias, quando seriam umas e outras complementares e válidas em certas circunstâncias.

A partir da crítica aos sistemas jurídicos, sejam lógico-formais ou teleológicos, será firmada de forma sucinta uma visão da ordem jurídica: com sua definição; pensada em sua relação com as demais ordens; e como atividade eminentemente política e não meramente hermenêutica.

Finalmente, tentar-se-á demonstrar que não será pela utilização de métodos formais através de um conhecimento a priori que alcançaremos o sentido ou finalidade do direito, mas por embates retóricos que visam legitimar nossas ações e atender aos nossos sentimentos de justiça, sempre de forma a tentarmos solucionar nossos diversos problemas sociais.

1. APORIAS TEÓRICAS DOS SISTEMAS

1.1 Realidade intrinsecamente caótica e em equilíbrio dinâmico

Os sistemas exercem um poder fascinante. A ideia de uma visão total da realidade que nos possibilite prever o funcionamento das relações entre os seres que a compõe é tentadora; daí atrair tantos adeptos. Não se pode desconsiderar, evidentemente, que a consciência de que tudo se interage e com certa constância nos leva a imaginar um universo sistemático, previsível e possível de ser descrito como tal2.

Observamos cada vez mais, no entanto, que o universo não corresponde a uma ordem consistente, logicamente preestabelecida, decorrente de relações de causalidades lineares e previsíveis. Vivemos numa realidade complexa, onde o todo não é apenas compreensível pela análise das partes que o compõe3, já que estas tanto influenciam como são influenciadas pelas forças/energias decorrentes das interações entre si e o todo – tanto impõem como sofrem atos de poder, e com intensidades variáveis a depender da menor ou maior complexidade dessas relações, e que são dinâmicas e não meramente estáticas.

Nessa realidade complexa há o imponderável, o imprevisível, o indesejável – o caos -, pela limitação e incompatibilidade ou conflito nem sempre superável de forças entre os seres, ou mesmo entre as partes integrantes de um mesmo organismo ou indivíduo, que se relacionam. Não que o caos signifique imprevisibilidade ou aquilo que é indesejado (pode até ser eventualmente desejado), mas como resultado de atos que atuam para a sua ocorrência. São caóticos, segundo Inácio Helfer4, “os eventos inesperados, as varianças, os acasos que se apresentam ao observador de regularidades constantes em fenômenos naturais ou sociais, pelo fato de fugirem à regra ou ao padrão de medida que atestava tal regularidade”. Daí, embora se venha cada vez mais acrescentando fatores complexos a equações matemáticas, procurando considerar fenômenos caóticos, as previsões serão sempre aproximadas, nunca exatas5.

Mas de alguma forma as relações de forças encontram equilíbrio, conservando a energia dessa interação, embora continuamente interrompido e restabelecido6 (sempre em novo patamar). Percebe-se daí o fenômeno do controle/retroação que age compensando as forças que o afastam de um ponto estabelecido, corrigindo perturbações acidentais (retroação negativa7), ou ao contrário, acentuando ainda mais o desvio de um limite estabelecido não mais sustentável (retroação positiva8). Daí certa regularidade dos fenômenos e as sensações que nos causam prazer ou desprazer, e, consequentemente, o desejo, a vontade que nos fazem emitir juízos de valor e agir.

A experiência nos mostra que as sensações de prazer e dor estão relacionadas com o equilíbrio de uma ordem psíquico-físico-química indispensável à integridade e durabilidade de qualquer ser. Mas esse equilíbrio não é estático, e sim, dinâmico, pois submetido a constantes alterações, agindo sobre ele o já exposto mecanismo de controle/retroação.  É por essa complexidade que observamos que nem toda a sensação de prazer é necessariamente boa e a de dor necessariamente ruim; afinal, nem todo equilíbrio que gera estabilidade é desejável, e nem mesmo possível9.

Somente com a nossa experiência de vida, educação e cultura podemos refletir sobre como agir de forma a sermos mais felizes e a perdurarmos ainda mais, na medida do possível. Não basta buscarmos qualquer prazer e fugirmos das dores ou desprazeres (retroação negativa): percebemos também a necessidade de evitarmos prazeres efêmeros que nos causam dores e infelicidade a médio e longo prazo, ou de agir mesmo com dor, visando a um posterior prazer maior ou felicidade (retroação positiva), como já ensinava Epicuro10.

Foi também já observando esses fatos que Spinoza11 intuiu e pensou o conatus que seria a tendência de todas as coisas perseverarem em seu ser, ou seja, de manter-se ou buscar certa estabilidade prazerosa12, do qual decorreriam todos os desejos, e Darwin13 elaborou a teoria da seleção natural, sem que tenham afastado o caos, por considerarem esses fenômenos apenas uma tendência. 

Cada vez mais se vem descobrindo a necessária relação entre o caos e assimetrias existentes na natureza ou universo e essa tendência de perseverança e estabilidade, tendo Michel Serres assim defendido14:

“O caos jamais cessa. Ele existe sempre, e sempre presente. O mundo nascido, ou a natureza, não suprime a nuvem atômica. Dela vem e a ela retorna. Não, as coisas, numerosas, dela vêm, a ela retornam, cada uma em seu tempo. O caos permanece, em torno das coisas. E a natureza nela está mergulhada. Não como um conteúdo em seu continente, mas como um corpo em um fluido muito sutil. O caos cerca o mundo, mas, além disso, penetra-o por todas as partes. Ele o produz, como matriz, trabalhado do interior, para levá-lo a morte, isto é, a ele mesmo. A desordem produz a ordem, e age, no turbilhão, para dissiminá-la.” 

Marcelo Gleiser15 não discrepa ao afirmar ser a vida, com sua diversidade, resultante de mutações causadas por um processo imperfeito de reprodução genética, sem as quais não existiria nem persistiria às mudanças ambientais.

Peço licença para também transcrever longa exposição de Inácio Helfer16 sobre o posicionamento de Jaques Monod, renomado biologista francês, a respeito do acaso (contingência, caos) e necessidade (regularidade, tendência) existentes no universo:

“[…] Na sua visão, a evolução da matéria é corretamente considerada quando entendida como fruto de um “acidente” no contexto de um universo regido pela segunda lei da termodinâmica, que condena ao esfriamento e à morte, a entropia – as leis macroscópicas universais descrevem a evolução para a desordem, para os estados de equilíbrio, ou estacionários. O universo “normal” seria aquele regido pelas leis naturais sem vida, cadenciado por leis previsíveis e reprodutíveis de morte e de retorno ao inanimado, ao repouso, ao silêncio. Mas um acontecimento “trágico” marcou tal sucessão de eventos rígidos com o aparecimento do código genético e as mutações favoráveis, constituindo uma oposição franca à legalidade natural do universo. É, pois, o acaso que extrai o ser vivo da ordem inanimada da natureza, que, nas palavras de Prigogine comentando Monod, faz dele “um morto adiado às margens de um universo onde não constitui senão uma particularidade arbitrária”. Assim, a evolução biológica e, portanto, o homem, como resultado dessa evolução, são oriundos de efeitos combinados de acaso e necessidade, acaso de mutações, necessidade de leis físicas e estatísticas de seleção natural. Uma vez produzido tal acidente na formação do universo, Monod entende que outros acasos também se repetiram e se repetem (as mutações) ao infinito, de modo que um ser vivo sempre se desenvolve no interior de outro, transmitindo, por meio da replicação do código genético, as alterações do passado, e inaugurando, numa escala de tempo, outras alterações, a partir das novas condições existentes. Assim, seria um equívoco pensar que a evolução da natureza poderia ser explicada pela mera dedução de alguns princípios básicos, como pensam alguns filósofos e cientistas.” 

Devemos, então, compreender a realidade sob dois aspectos intrinsecamente relacionados: o do caos, assim considerado, não por deixar de se submeter ao princípio da causalidade, ou seja, por qualquer ausência de relação entre os seres (o caos ou desordem não é uma falta de ordem17), mas como ato que atua no contínuo rompimento de certo equilíbrio, regularidade ou tendência; e o da organização, como ato decorrente do poder de conservação ou restabelecimento de novo equilíbrio de que os seres são capazes. Mas sem o vínculo ininterrupto entre ambos, não existiria essa nossa realidade dinâmica, em constante transformação; não haveria vida; não haveria sociedade; não haveria história. E é por isso que os movimentos nem sempre são previsíveis, havendo tão somente probabilidade de suas ocorrências dada a constante e inseparável relação entre caos e organização (desordem e ordem), sem a qual não haveria o devir (ser em movimento).

1.2 O homem como parte não se (im)põe como o todo

Como parte de uma complexa realidade, o homem não escapa às suas impotências e limitações (não se pode deixar de fazer parte desse caos que o contém) ao mesmo tempo em que a sua capacidade de poder, que todas as coisas possuem, leva-o a organizar mecanismos necessários a obter a satisfação de seus diversos desejos e interesses, que nos trazem certa estabilidade e perseverança. Muitas vezes, porém, esse poder o leva a agir para além do razoável, confundindo o que seria realidade com o seu desejo: o de poder tudo, do qual o saber faz parte.

Mas a nossa inteligência ocupa o mesmo lugar que o nosso corpo, percebeu Pascal18, e é por isso, conclui, que somos “incapazes de saber com segurança e ignorar totalmente”19. Contudo, a nossa ânsia de poder nos impele a querer e saber sempre mais, o que nos leva a pretender encontrar “uma plataforma firme e uma base última e permanente para sobre ela edificar uma torre que se erga até o infinito” -daí os sistemas -, mas “os alicerces ruem e a terra se abre até o abismo”20.

Temos de ter consciência das nossas limitações e que somos apenas uma ínfima parte da realidade, onde “todas as coisas são causadoras e causadas” e “se acham presas por um vínculo natural e insensível que une as mais afastadas e diferentes”21. Tudo o que conhecemos e comunicamos é fruto de nossas relações de poder, sempre fugazes, limitadas– não conhecemos de outra forma senão pelas sensações que decorrem das nossas interações com os outros seres. “Como poderia uma parte conhecer o todo?, indaga Pascal22, que responde: “a parte pode ter, pelo menos, a ambição de conhecer as partes, as quais cabem dentro de suas próprias proporções”. É por isso que nosso conhecimento é necessariamente parcial (somos todos sujeitos parciais), embora tenhamos consciência de nossas relações com tudo.

Não posso compactuar com a assertiva de Carlos Cirne-Lima23 de que o “verdadeiro é sempre somente o todo”, principalmente considerando sua intenção pragmática. Afinal, se assim fosse, deveríamos nos calar eternamente sobre essa ínfima parcela da realidade que nos é alcançada. Mas conhecemos as partes, inclusive, parcialmente a nós mesmos, e nem por isso deixamos de aprender, desejar e agir. Conhecer parcialmente é conhecer, e uma verdade, por mais limitada e circunstancial que seja não deixa de ser verdade.

Conformemo-nos, então, com a satisfação de nossos desejos e objetivos alcançáveis, atendo-nos tão somente a um conhecimento restrito ao nosso campo de observação – que somente se estende de forma gradativa -, sem pretensões totalizantes e ilusórias que somente nos afastam da realidade. Não é por acaso que Tarski24 afirmara que “nenhum sistema dispõe de meios suficientes para se explicar a si próprio”, e é por isso, já dizia Alain25, que todos são falsos.

1.3 Incompletude e inconsistência dos sistemas: uma visão não dicotômica e incomunicável da realidade

Também não é possível, através do princípio da razão suficiente26, pensado por Leibniz, demonstrar totalmente, ou em forma de sistema, essa realidade complexa. É que para encontrarmos todas as causas ou razões das quais decorrem os fatos ou enunciados, seríamos levados a uma digressão ao infinito, impossível de ser concebido. E para pensarmos num fundamento primeiro ou último que os condicionaria, teríamos de encontrá-lo fora dessa mesma ordem causal, o que contradiria o próprio princípio.

Um sistema, qualquer que seja, submete-se ao chamado teorema de Gödel, segundo o qual não se pode demonstrar a sua consistência e completude27:

“se um dado sistema, seja S, é consistente, não pode ser completo – há sempre nele fórmulas indemonstráveis (indecidíveis); por outro lado, se S é consistente, tem de ser incompleto: a própria consistência de S não pode ser demonstrada em S (o enunciado da sua não-contradição situa-se entre os enunciados indecidíveis). O problema pode resolver-se recorrendo a um sistema mais amplo que aquele que esteja em consideração, mas esse sistema de novo desencadeia análogo problema. Igualmente o desencadeia um sistema mais amplo ainda – até o infinito”.

É por isso que qualquer consistência e completude que se pretenda conferir a um sistema propriamente dito são normalmente preenchidos por fundamentos em uma suposta ordem transcendental não submetida ao princípio da causalidade que rege a natureza. Daí as contraposições entre a necessidade do real e as contingências ou acasos no mundo, entre as causas eficientes e finais, e entre o ser e o dever ser, que complementariam e dariam coerência e sentido a um sistema. Mas será mesmo essa dicotomia a mais adequada à realidade que vivenciamos? Será que pensá-la nessa divisão radical, embora complementar, não seria reduzir a nossa realidade a um ideal ilusório em detrimento de sua verdadeira complexidade?

A nossa memória, capacidade de pensamento, faz-nos imaginar que os acontecimentos poderiam ou não ocorrer dadas certas circunstâncias, afinal, vivemos num mundo variável e em constante transformação e ao mesmo tempo com certos círculos relativamente estáveis. Mas tal percepção somente faz sentido para o futuro, pois este é sempre incerto, embora às vezes previsível, e não porque haveria no presente algumas aberturas nas relações causais livremente preenchidas por que quer que seja. Temos consciência, por exemplo, diante da nossa história de vida (memória), de que podemos atuar de diversas formas, e, com isso, refletir como melhor agir quando nos encontrarmos em dadas situações. Mas, uma vez que agimos, no presente, assim o fazemos necessariamente, diante de uma multiplicidade complexa de relações causais eficientes. É ilusório, portanto, imaginar que poderíamos ter agido diversamente no passado ou mesmo que agimos livremente28 no presente.

“O presente poderia ter sido outro?”, indaga Comte-Sponville29, que responde: “Claro, enquanto não era! Mas não pode mais, agora que é”. A contingência não é o contrário da necessidade do presente. Ela decorre da consciência que temos das variedades e possibilidades de ações ao longo do tempo. Mas “no presente, o possível e o real são uma só coisa, que portanto é necessária”. Não há ser em potência, como sustentava Aristóteles, mas potência do ser, sempre em movimento e transformação. Para o futuro há inúmeras possibilidades de agir e de ser, assim como há possibilidade de mais de um ato ético, moral ou jurídico. Mas cada ato no presente é necessário. Em nossa ordem política, por exemplo, podemos escolher e adotar uma dentre diversas soluções político-jurídicas possíveis, seja pelo legislador, seja pelo magistrado, mas uma vez decidido em ato, torna-se vigente, direito obrigatório imposto à respectiva comunidade política ou ao cidadão diretamente envolvido.

Há de se fazer aqui um ligeiro esclarecimento a respeito das noções de determinismo e acaso, que vêm sendo objetos de discussões e controvérsias, muitas vezes, mais por divergências semânticas do que filosóficas.

O determinismo30 é a doutrina de que tudo está submetido a relações causais que o determina. Ela advém ao menos da antiguidade grega, e alcança maior relevância com Aristóteles e, principalmente, com os estóicos que compartilhavam do “princípio de que não há movimento sem causa e que, dadas as mesmas circunstâncias, dá-se sempre o mesmo resultado”31. Aristóteles, entretanto, não é considerado determinista, pois suas explicações estão mais relacionadas com a natureza das coisas, ou seja, com o que é característico das “substâncias, suas propriedade e atividades específicas”32 do que por suas relações causais. Já os estóicos33 procuram efetivamente compreender os fenômenos por suas relações causais34. A peculiaridade do determinismo estóico está em pensar uma cosmologia preordenada teleologicamente, atribuída a uma natureza divina.

Mas, ao contrário do que normalmente se difunde, esse determinismo não implica num fatalismo ou destino preconcebido, pela relação linear de causas e efeitos; nem mesmo os estóicos sustentavam isso ao afastar a ideia de relação causal como concatenação de causas e efeitos, mas apenas de causas. Nesse sentido ensina Dorothea Frede35:

“[…] O destino, isto é, o eterno desenvolvimento causal geral do universo, não é, portanto, clarificado pelos estóicos em termos de concatenação de causas e efeitos. Em vez disso, é definido como concatenação tão-somente de causas, isto é, de corpos que interagem entre si. Isso explica porque a palavra “efeito” não aparece na definição estóica de destino. O destino é sempre definido em termos de uma série de causas: há um nexo causal eterno, no qual causa dá origem a causa. Dada a coerência geral de todas as coisas no universo, compreende-se melhor o destino não como sequência linear, mas como rede de causas interativas.”

É por isso que o determinismo não pode ser descartado, porque haveria, simplesmente, uma desordem física ou mesmo orgânica, e uma provável evolução reversível dos fenômenos. Ao contrário do que pensa Prigogine36 uma compreensão determinista não pressupõe uma realidade estática e a existência de leis imutáveis que regeriam a natureza que seguiria uma evolução linear e irreversível. O que importa para o determinismo não é a capacidade de prever de forma absoluta o futuro, nem a irreversibilidade evolutiva ou a imutabilidade das leis da física, mas tão somente o fato de que os fenômenos são inevitavelmente produtos e produtores de relações causais. Para tudo há uma explicação racional, pois todas as coisas pertencem a uma teia de relações causais, embora complexa e dinâmica.

Não fosse assim, nenhum conhecimento, obra ou criação científica seria possível. Essa concepção determinista não se confunde com o nosso conhecimento, afinal, embora os acontecimentos sejam determinados em sua realidade, não quer dizer que sejam determináveis pelo nosso conhecimento. O determinismo real não afasta o indeterminismo gnosiológico (a ignorância tem suas causas, assim como o conhecimento e a mentira).

Karl Popper não contradiz o que se aqui sustentar, mas emprega definição distinta de determinismo e indeterminismo, deixando-nos, contudo, órfãos de um termo que expresse doutrina de que todos os eventos ocorrem por uma série de causas.

Ele defini o indeterminismo como “doutrina de que nem todos os eventos do mundo físico são predeterminados com absoluta precisão e em todos os detalhes infinitesimais”37. E completa que ele seria compatível com qualquer grau de regularidade e não implicaria na ideia de que existem eventos sem causas. E quanto ao determinismo, confundindo-o com fatalismo, entende que exigiria “uma predeterminação física completa e infinitamente precisa”.

Ora, não se discute a impossibilidade de se predeterminar com absoluta certeza eventos futuros. Toda previsão não passa de probabilidade. Mas isso não afasta o determinismo, pela ideia da necessidade do presente, de que tudo ocorre por causas eficientes, embora complexas.

Afastada da definição de determinismo a capacidade absoluta de previsão (ele não é predeterminismo, nem fatalismo), podemos definir acaso dentro de uma ótica determinista, como assim o fez Comte-Sponville38:

“[…] é uma determinação imprevisível e involuntária, que resulta do encontro de várias séries causais independentes uma das outras, como dizia Cournot, encontro que escapa por isso de qualquer controle como de qualquer intenção. Não é o contrário do determinismo: é o contrário da liberdade, da finalidade ou da providência.”

Se existe o acaso, não é porque nossa realidade seria indeterminada, mas, sim, às vezes imprevisível – em face de sua complexidade, dinamicidade e de nossas limitações cognitivas – e também involuntária, pois a sua existência decorre de causas que fogem ao nosso conhecimento e vontade. Se uma norma ou consequência jurídica, por exemplo, não atinge à sua finalidade ou não se concretiza, não é porque o direito estaria fora da relação empírica de causalidade, mas porque para a sua concretização há a necessidade de concorrência de outras séries causas complexas e independentes, como o grau de desenvolvimento cultural da comunidade a ela submetida, um ambiente propício, comprometimento das autoridades encarregadas de sua efetivação, dentre outras. 

Daí, porque os acasos e contingências, que também ocorrem na ordem político-jurídica, não deixam de fazer parte de nossa realidade determinada e necessária, fruto de relações causais, mesmo que complexas e dinâmicas.

Se as contingências e acasos não se contrapõem à necessidade do presente, qual seria, então, o espaço para as causas finais que regeriam os seres? O mesmo de todas as causas eficientes. A finalidade não é um sentido ou objetivo a priori que move os seres39. Ela não é causa de um ato volitivo, mas a sua expressão ou efeito. “Agimos para alcançar um fim”, reconhece Comte-Sponville40, “mas movidos por um desejo”, embora tenhamos ou não consciência dele, como percebeu Freud. E esse desejo decorre, por outro lado, de outras causas complexas e da mesma forma eficientes. É o que observou Spinoza41 ao afirmar que os homens se enganam ao se julgarem livres – querer livremente -, pois estão cônscios de suas volições, mas ignoram as causas que os fazem apetecer ou querer. O que Aristóteles compreendia por causa final nada mais é, portanto, do que uma causa eficiente como qualquer outra, mas como expressão de desejos e vontades sempre relativos e subjetivos.

O que se vem observando cada vez mais, contudo, é que o encadeamento das causas que produzem os fenômenos não é linear e harmônico como imaginavam os estóicos ou mesmo Spinoza, mas complexo, dinâmico e renovado.

O que ocorre, assim, não é a interrupção ou abertura dos nexos causais (tudo decorre de causas eficientes), mas a sua complexidade e constantes renovações, porque os seres em sua variedade não são apenas levados num movimento retilíneo e uniforme causado por fatores externos, mas também causante, pertencentes a uma eterna relação caótica com busca de estabilidade dinâmica. É por isso que é perfeitamente compatível a necessidade do presente com a liberdade, se esta for entendida como o poder que cada coisa possui de se impor em sua relação, embora não livremente, ou seja, não desprovida de causas.

Mas, se não há causas finais propriamente ditas, apenas eficientes, como aqui sustentado, se não há transcendência, o que distinguiria, então, o ser do dever-ser? Como bem compreendeu Kelsen42, da observação do que ocorre na realidade, não se conclui o que ela deva ser ou o que deve ser feito. Caso contrário, ao conhecer um fato, todos emitiriam necessariamente o mesmo juízo de valor, o que, entretanto, não ocorre. O dever-ser pressupõe, assim, não propriamente o conhecimento, mas o desejo ou vontade, um sentimento decorrente da nossa relação com o objeto e que nos faz emitir juízos de valor. É por isso que não há valores absolutos, apenas relativos.

Nesse sentido, escreve Kelsen43:

“Um sujeito pode ser levado por suas emoções a preferir a liberdade pessoal; outro, a segurança social; um, o bem-estar do indivíduo isolado; outro, o bem-estar da nação inteira. Não se pode provar por meio de nenhuma consideração racional que um está certo e o outro errado. Conseqüentemente, existem, a bem dizer, sistemas muito diferentes de moralidade e sistemas muito diferentes de Direito, ao passo que existe apenas um sistema natural. O que é bom segundo um sistema de moralidade pode ser mau em outro sistema de moralidade; e o que sob uma ordem jurídica é crime pode estar perfeitamente certo sob outra ordem jurídica. Isso significa que os valores que consistem na conformidade ou não-conformidade com uma ordem moral ou jurídica existente são valores relativos.”

É pelo valor que atribuímos às coisas por causa de nossos desejos, então, que criamos normas a serem seguidas, sejam éticas, morais ou político-jurídicas. Diferentemente do que sustenta Kelsen, contudo, não há outro sentido de valor (ou validade) que seria absoluto e corresponderia à mera conformidade com uma norma pressuposta. Bobbio44 também cai nesse equívoco ao sustentar a distinção entre juízo de validade e juízo de valor.

Isso, porque toda conclusão nesse sentido de conformidade do ato à norma decorre necessariamente de um juízo, sempre subjetivo. A nossa realidade não sustenta a visão romana originária do juízo como sensus communis (senso comum), como subsunção do universal no particular, dada a ausência de um critério lógico e universal para tanto, como bem observou Gardamer45. O senso comum deve ser entendido, não como verdade, nem algo universalmente válido ou racional, mas como mera e eventual comunhão de ideias por uma quantidade considerável de sujeitos pertencentes à comunidade.

Não se pode deixar de reconhecer que o juízo de validade de um ato jurídico no sentido Kelseniano e de Bobbio é resultado de vários atos complexos, como a interpretação do texto legal e do ato com ele supostamente compatível, a nossa própria consciência e posições éticas, sempre subjetivos e que levam em consideração todas as circunstâncias que os envolvem.  É por isso que não mais se discute, e a prática jurídica confirma, a existência de mais de uma interpretação possível dos textos normativos, considerando o caso concreto; afinal, quantos posicionamentos e decisões conflitantes!

A ideia de Kelsen de uma validade absoluta pressupunha, evidentemente, uma concepção realista da linguagem, qual seja, a reificação dos textos jurídicos, considerados como meras descrições de objetos ou coisas. Essa visão, entretanto, foi bem criticada por Wittgenstein em uma segunda fase de seu pensamento, quando, a partir de então, a linguagem passou a ser melhor compreendida pelo uso que dela fazemos e não como uma realidade em si mesma. A linguagem é um instrumento de comunicação. Expressa um conhecimento ou desejo de alguém (individual ou coletivo), e é fruto, por isso, de uma relação subjetiva, de um sentimento de quem conhece, deseja e comunica ou interpreta (tanto é que o seu sentido pode ser diferente tanto para o emissor quanto para o receptor), não se confundindo com a realidade que representa. Expressa um mero juízo, e em se tratando de proposição normativa, também de valor.

Sendo assim, não há como julgar de forma absoluta que um ato corresponda à norma pressuposta, se para tanto é necessária emissão de juízos subjetivos.

É curioso observar que a mesma crítica que Kelsen46 faz tão bem a Platão e aos jusnaturalistas vale contra si mesmo em sua concepção de validade objetiva. Assim critica:

“Para Platão o “saber” não é um fim em si mesmo. A ciência para ele – assim como para os pitagóricos – é somente política, e a filosofia apenas religião. O homem precisa do saber unicamente para agir de forma justa; por isso mesmo, importa ao filósofo conhecer somente o Bem, a divindade. Há todo um mundo a separar essa ciência platônica da ciência moderna, a cujos pressupostos fundamentais pretende buscar o saber unicamente pelo conhecimento, que o conhecimento não esteja voltado para um fim exterior a si próprio, e que seu produto não seja determinado pelas necessidades do querer e do agir – ou seja, pelas necessidades de dominar e de ser dominado.” (destaque nosso)

Ora, como a validade de uma norma jurídica (no sentido Kelseniado – positivismo normativista) depende da vontade do seu intérprete e aplicador (todo ato de interpretação e decisão é discricionário ou arbitrário – nunca resultado de uma operação meramente mecânica), ela não pode ser demonstrada cientificamente, pois, como bem sustentou acima o próprio Kelsen, esse conhecimento não pode ser “determinado pelas necessidades do querer e do agir”.

Por outro lado, a noção de valor sempre implica numa qualidade atribuída por um sujeito a um objeto. Agir conforme uma norma somente ocorre se antes há desejo de obedecê-la, ainda que para evitar alguma sanção, ou seja, se de alguma forma tal atitude nos tem valor. A sua concepção não se confunde com a nossa definição ou compreensão de um ato como moral (de acordo com certa comunidade) ou como jurídico (de acordo com certa autoridade estatal), onde bastaria o conhecimento. É por isso que com razão Husserl observou, segundo Karl Larenz47, que “a norma jurídica não vale como proposição do conhecimento, mas como proposição de vontade”.

Se decidimos com base numa norma pressuposta, ou se aplicamos uma sanção prevista em lei, assim o fazemos, não por mero conhecimento, mas principalmente, dentre outras causas, por desejo de fidelidade. É por isso que nos preocupamos constantemente com a legitimidade, e que sempre há a possiblidade de decisões arbitrárias movidas ou por atitudes paternalistas ou por interesses espúrios.

Daí, embora não tenha sido essa a intenção de Kelsen e Bobbio, a concepção de juízo de validade objetiva, ao contrário de garantir segurança jurídica (nunca foi e nunca será capaz de promovê-la), leva-nos a pensamentos totalizantes, dogmáticos, ao pretender criar uma ciência normativa absolutamente válida para todos. Afinal, como adverte Comte-Sponville48, se há uma “ciência da ação” (dentre as quais a jurídica), “que permite não apenas compreendê-la a posteriori mas julgá-la antecipadamente e impô-la a todos (já que a verdade é universal)”, não tem “por que se preocupar com a democracia”, e também, consequentemente, com a composição mais satisfatórias das partes em litígio, de forma menos traumática; bastaria a aplicação cega da verdade normativa, supostamente compreensível cientificamente. E não se diga que tal ciência se distinguiria da política. O magistrado ao julgar uma lide, antes e acima de tudo, tem o escopo (ou pelo menos deveria ter) de compô-la da maneira mais satisfatória e democrática possível, considerando os interesses e peculiaridades que envolvem as partes, criando soluções que nem sempre estão previstas em nossos textos normativos. É por isso que cada vez mais se vem estimulando as conciliações que vêm se mostrando mais eficazes à promoção da paz social.

Mas, se como já vimos anteriormente, do conhecimento de um ser, e até mesmo do texto normativo, não decorre de forma absoluta o que devemos fazer e o seu valor, ou sua interpretação, como pensar, então, tais ordens numa mesma realidade, sem transcendência ou criação de uma dimensão meramente abstrata de natureza lógico-formal?

Ora, primeiramente devemos pensar a realidade como complexas relações entre seres múltiplos, partindo o nosso conhecimento e valores dessas mesmas relações empíricas e peculiares entre cada um de nós e o objeto cognoscível ou valorado. Partindo dessa premissa, todo juízo, seja de fato ou de valor, é subjetivo, pois reflete uma relação específica. Isso não quer dizer, entretanto, que toda a verdade é subjetiva. A verdade não se confunde com nossos juízos, mas com a própria realidade, sendo irrelevante, para tanto, a impossibilidade de se conhecer uma realidade em si. Das nossas próprias sensações temos consciência de que as coisas existem independentemente de nós, e que podemos comunicá-las de forma que outras pessoas as compreendam, mesmo que tenham, com elas, também uma relação peculiar e, portanto, subjetiva; senão, seria impossível distinguirmos a verdade da mentira e não haveria desenvolvimento científico ou cultural pelo acréscimo de nosso conhecimento. Assim, embora nossos juízos (expressos através da linguagem) sejam subjetivos, isso não quer dizer que não se possa expressar ou representar uma realidade objetiva.

Mas aqui há uma questão fundamental: como pensar um dever-ser subjetivo como pertencente a fatos objetivos? Ora, simplesmente refletindo sobre a relação causal empírica que levou uma norma a ser emitida em certo sentido, pois essa relação pode muito bem ser compreendida, sem que, com isso, necessariamente concordemos com sua validade. Por exemplo: podemos compreender racionalmente como, por fatores ambientais e histórico-culturais, um magistrado decidiu de certa forma. A sua decisão foi causada por inúmeros fatores, dentre os quais o fato dele pertencer a uma família tradicional ou “moderna”, conservadora ou progressista, a uma religião ou filosofia específica, e ao seu grau de instrução e comprometimento social, dentre outras infindáveis causas ainda mais complexas e muitas vezes ignoradas, inclusive de natureza ambiental e biológica. Essa compreensão não quer dizer que compactuamos com essa posição ou decisão, pois todos nós temos, da mesma forma, específicas relações causais, de diversas ordens, que nos constituem e nos levam a interpretar e emitir juízos e normas distintas. Isso não impede, evidentemente, de comungar, aqui e ali, dos mesmos sentimentos ou valores; apenas que tanto a divergência quanto o acordo decorrem de causas complexas, dinâmicas e necessárias.

Tudo se submete, assim, ao princípio da causalidade, ao contrário do que defendeu Kelsen ao pretender criar uma separação entre o princípio da causalidade que regeria os seres e o da imputabilidade a que estariam submetidos os sistemas normativos.

Se distinguimos o ser do dever-ser não é porque este último não estaria submetido ao princípio da causalidade, mas pelo fato do primeiro poder ser descrito objetivamente ou racionalmente (embora isso nem sempre seja possível, dada a subjetividade de nossos juízos, ainda que meramente cognitivos), e o segundo expressar juízos de valores impostos ou aceitos que decorrem de relações específicas. Assim, embora um ato ético, moral ou político-jurídico possa ser descrito ou reconhecido de forma objetiva (basta conhecermos a cultura de certa comunidade), ele não atenderá necessariamente aos valores que defendemos ou nele consignamos. Por exemplo: se observamos que dada sociedade considera moral o ato de punir um transgressor com a mesma consequência da agressão (lei de Talião – lexlalionis – prevista no código de Hamurabi elaborado por volta de 1700 a.C.), se alguém agir dessa forma, podemos considerá-lo atuando conforme a respectiva moral, embora não compactuemos com o mesmo valor. Da mesma forma, podemos descrever um ato como político-jurídico, por ser emitida por uma autoridade legislativa ou judiciária, embora o consideremos arbitrário ou injusto. A norma moral ou político-jurídica, portanto, não é descrita por seu valor, sempre relativo, mas pelo que é, como decorrente da sua aceitação significativa em uma dada comunidade ou da manifestação ou decisão de uma autoridade estatal.

Lourival Vilanova49 também cai no equívoco Kelseniano ao distinguir dois tipos de causalidade: física (da natureza) e normativa, dividindo o direito em duas dimensões, uma factual e outra como objetivação de significados normativos. Assim, a causalidade física, seja natural ou sociológica, compreenderiam as relações que efetivamente se dão na realidad50, enquanto a normativa se daria no plano meramente abstrato, dado certo fato jurídico, deve se dar certo efeito (consequência jurídica). A justificativa para essa distinção é a de que no plano normativo não haveria nenhuma relação necessariamente empírica entre a ocorrência do fato jurídico e a correspondente consequência jurídica ou efeito previsto em lei.

Entretanto, afastar o princípio da causalidade em qualquer âmbito normativo, ou criar para ele um específico, desconectado com qualquer outro, porque o seu comando pode não ser eficaz em determinadas situações é não perceber adequadamente o seu poder e a complexa relação causal que o envolve.

A norma jurídica é um ato comunicativo (e empírico, como qualquer outro) de uma autoridade estatal; ela surge por diversas causas e de diversas ordens (científico-econômicas, políticas, morais e éticas) que concorreram para a sua existência. Não consigo vislumbrar o direito, ou qualquer outra ordem normativa, como um imperativo hipotético, ao contrário do que sustenta Kant e Kelsen, mas como um imperativo concreto, real, atual e decorrente de causas necessárias, embora complexas e concorrentes. Como um comando pode ser hipotético? Ou ele existe, foi emitido por alguém, ou não. O que é hipotético não é o mandamento, mas eventualmente algum fato juridicamente qualificado ou hipótese de incidência. Dada nossa memória e experiência, observamos que fatos semelhantes ocorrem ao longo do tempo, e para evitá-los ou estimulá-los, emitimos concretamente, aqui e agora, prescrições normativas.  Se surgir certo fato, cuja ocorrência é provável (de acordo com nossa experiência), devemos nos comportar de determinada forma ou a autoridade competente deve aplicar alguma sanção. Esse comando, ressalte-se, é atual e concreto – e não abstrato e hipotético -, e decorre de diversas causas como qualquer outro fenômeno. Inclusive, nem sempre uma norma rege situações que hipoteticamente se darão no futuro. Ela também pode muito bem dar soluções jurídicas a fatos já ocorridos, quando, por exemplo, autoriza uma ajuda financeira a certa comunidade atingida por uma catástrofe natural.

Esse ser concreto do direito, da sua criação, também foi percebida pelas correntes do idealismo objetivo e da fenomenologia. Husserl, por exemplo, via o direito, não como mera abstração, mas condicionado a seu espaço-tempo histórico, cujo pensamento foi assim externado por Karl Larenz51:

“O modo de ser do Direito (positivo) é a sua vigência. A vigência jurídica é «um ser de espécie peculiar» (RKr., pág. 8). É «espacio-temporalmente condicionada», «produto de processos voluntários históricos e irrepetíveis», e «permanece enraizada na realidade temporal de que brota». Por força da sua «vigência», o Direito vincula todos aqueles que pertencem ao seu âmbito histórico de vigência. O ser «vigente» um Direito significa, em primeiro lugar, que ele representa a directriz determinante do comportamento voluntário dos sujeitos jurídicos destinatários da norma. Significa, além disso, que tem a força de «se sobrepor a atitudes voluntárias de inobservância» (RKr., pág. 13). O Direito, na medida em que vigora, é «dentro do seu âmbito de vigência uma parte da realidade social objetiva – quer dizer, uma parte da realidade social que se contrapõe, como norma, á vontade individual. Esta realidade social não é menos real que as coisas da natureza; é apenas um modo diferente» (RKr., pág. 13).”

O que se precisa ainda ter em mente é que há apenas um princípio de causalidade ou teia de relações causais em que tudo está envolvido, tantos os atos considerados involuntários, meramente físicos, caóticos, quanto os atos de organização ou voluntários; pois todos eles estão intrinsicamente relacionados, influenciando-se uns aos outros. Como bem percebeu Spinoza, a vontade tem suas causas; ninguém deseja livremente, mas porque sua compleição físico-orgânica, criação, cultura, experiência, assim o fizeram desejar. O poder e a vontade não existem apenas por outras causas meramente psicológicas, éticas ou cognitivas, mas também por nossas específicas compleições físico-orgânicas. Se desejamos algo é porque antes possuímos um certo corpo e tendência a buscar, nele, certo equilíbrio físico-químico que nos mantenha vivos, saudáveis e nos dê prazer, considerando a nossa realidade, limites e poder.

Se pessoas têm juízos valorativos diversos, com posições políticas, morais ou éticas distintas, não é por que parte delas seriam iluminadas ou dotadas de boa índole inata, e outras não. É porque participaram de relações e experiências específicas que os fizeram sentir e desejar dessa forma. E se mudamos os nossos sentimentos, desejos e opiniões, é porque a dinâmica de nossas relações assim nos possibilita.

O que se deve ter em mente é que a norma não tem o poder, por si só, de fazer com que as pessoas ajam de acordo com ela ou que a autoridade aplique a sansão nela prevista; ela é apenas uma concausa que depende de outras causas externas, como diriam os Estóicos, para a eficácia de seu comando. Se o direito é socialmente útil e utilizado por praticamente todas as comunidades sócio-políticas é porque se viu nele um importante instrumento ou ordem capaz de mover, ou melhor, motivar os homens, para que certos atos sejam praticados ou evitados. Mas nossos atos não são necessariamente movidos pela ordem jurídica, pois o são também por outros interesses, de ordem econômica, moral ou ética, que nem sempre são, com aquela, compatíveis. 

Daí porque o fato de uma norma, seja jurídica ou de outra ordem, não ser eficaz em dadas situações não a exclui das relações causais empíricas a que estão submetidas todos os seres, mas apenas que nem sempre tem o poder suficiente de produzir o efeito desejado em face de obstáculos de outras ordens que eventualmente lhe sobrepõem. É por isso que se diz, no jargão popular, que há leis que pegam e outras não, e se vem, diante disso, cada vez mais percebendo a importância de se emitir normas de um modo que se torne mais eficaz, considerando os aspectos histórico-culturais da comunidade a ela submetida.

Com isso, pretendo sustentar que os fenômenos normativos são regidos pelo mesmo princípio da causalidade como qualquer outro psíquico-físico-químico, embora não linear ou necessariamente harmônico, como já foi aqui destacado. Daí não haver transcendência a completar e dar consistência a qualquer sistema, nem mesmo os normativos ou ideais. E mesmo que houvesse alguma forma de transcendência, não vejo como lhe poderíamos ter acesso com nossas limitações sensoriais e cognitivas.

Nenhum pretenso sistema, portanto, escapa ao aqui já mencionado teorema de Gödel, nem mesmo os normativos, por sua inconsistência e incompletude.

1.4 Inconsistência e incompletude do “sistema” jurídico

Um “sistema” jurídico que se pretenda consistente somente pode ser assim concebido de modo parcial e arbitrário, afastando-o do caos em que está inserido, pois para pensá-lo, teríamos de fundá-lo, ou num fugaz ideal, sempre relativo a um sujeito ou grupo que o sustenta, mas que não reflete necessariamente o da totalidade, haja vista a multiplicidade e variedade sempre dinâmica das relações, ou numa inteligibilidade distinta da de cada um de nós, mas que seria, justamente por isso, impossível de ser compreendida. Daí a ilusão de Kelsen ao imaginar ser cientificamente possível descrever uma norma jurídica como válida dentro de um sistema coerente, quando tais normas nada mais são do que expressões de poder de uma multiplicidade de autoridades com pensamentos e visões muitas vezes conflitantes, tendo várias delas vividos em épocas e culturas diferentes; e também daqueles que imaginam um sistema jurídico axiológico, universalmente válido, perfeitamente apreensível através de um raciocínio lógico ou mesmo teleológico-sistemático.

Quando se pretende interpretar e aplicar uma norma jurídica ao caso concreto, procurando considerar certa harmonia com as demais normas do ordenamento jurídico (interpretação sistemática), não é porque existe de fato um sistema jurídico objetivamente válido e consistente, mas por um sentimento/desejo de justiça, ou seja, de que seja garantida, na medida do possível, uma maior igualdade de direitos. O próprio Canaris52, inclusive, reconhece que a adequação racional ou valorativa de seu pretenso sistema teleológico, que lhe daria coerência, no final das contas, provém do princípio da igualdade53, que nada mais é do que esse nosso sentimento de justiça. É um trabalho, portanto, de ordenação, visando ao atendimento de nossos interesses sempre relativos e dinâmicos, e não à descrição ou exposição de um ideal objetivamente válido.

As ideias não transcendem aos sujeitos pensantes, nem são imanentes aos objetos de conhecimento e desejo: hão de ser pensadas na relação entre sujeito e objeto. Se por um lado a verdade é objetiva e se confunde com a própria realidade, pois existe independentemente de quem a conheça, por outro, somente a conhecemos por representação54. Afinal, percebe Comte-Sponville55, “se só houvesse representações”, ou melhor, se as verdades fossem meras representações, “o que elas representariam”? É por isso que quaisquer fenômenos ou fatos são compreendidos ou desejados sempre na relação entre o sujeito e objeto, sendo ilusória qualquer pretensão dogmática ou de valores objetivos e universais.

Todo e qualquer fenômeno, portanto, não está fora ou além da percepção, compreensão e valoração de cada um de nós, com nossas limitações e impotências, numa realidade sempre múltipla e dinâmica. E é por isso que devemos compreender o direito, não como um sistema consistente e ideal, fora de nosso alcance e incompatível com a complexidade de nosso mundo e sociedade, mas como ordenações (porque certa conservação e manutenção de medidas político-jurídicas são importantes para a estabilização social e segurança jurídica) e atos (porque também se exige certa criatividade da autoridade, inclusive, judiciária, para um resultado mais satisfatório) que visam à solução de nossos mais variados problemas sociais.

Por outro lado, além da inconsistência do “sistema” jurídico aqui sustentada, podemos observar a sua incompletude. É que a criação de uma lei, a sua alteração e até mesmo o seu complemento através de decisões judiciais, tendo em vista o caso específico, somente podem advir com a interferência de outras ordens que não a jurídica: não encontramos nas normas processuais e materiais estabelecidas todas as razões que levam o legislador e o magistrado a legislar e decidir de certa forma.

A “norma como ordem”, sustenta Friedrich Müller56, “não oferece mais do que um quadro para uma série de possibilidades decisórias logicamente equivalentes”, como já reconhecia Kelsen, o que não discrepa muito do pensamento de Viehweg, defendido por Tércio Ferraz Júnior57, de que o direito seria uma disciplina dogmática, pois compreendido e aplicado dentro dos marcos da ordem vigente, sem que isso implique no afastamento de certa margem de interpretação.

Percebe-se, entretanto, diferentemente do que defende Friedrich Müller e Viehweg, que não há qualquer garantia de que o legislador ou o magistrado emita norma jurídica vigente, geral ou concreta, dentro de sua margem de discricionariedade – quantas normas e decisões arbitrárias! -, mesmo com força cogente.

Vejo, inclusive, dificuldades na idealização dos enfoques zetético e dogmático de uma ciência. Embora possamos eventualmente distinguir o que seria verdade (realidade objetiva) e o que seria fruto de nossos desejos expressos em normas (sempre subjetivos e relativos), não imagino como nosso conhecimento e valores possam estar submetidos de alguma forma ao princípio da inegabilidade dos pontos de partida, nem mesmo as ordens normativas. Nada garante, afinal, que alguém agirá conforme algum princípio normativo, por mais inegável ou universal possa parecer. Por outro lado, se a própria ciência dita “exata” se encontra em constante e interminável processo de refutação e constatação, como bem ressaltou Karl Popper58, quanto mais os nossos ideais sempre relativos e decorrentes de nossos interesses e necessidades circunstanciais. Se agimos conforme alguma norma moral ou jurídica (embora nem sempre atuamos dessa forma), não é por estas pertenceram a alguma ciência dogmática, mas por desejo e fidelidade à nossa cultura, decorrente, porque não, de algum interesse nem sempre egoísta.

Mas o que importa aqui é expor que a ordem político-jurídica, como qualquer outra, não é pura, isolada e completa, mas que necessariamente sofrerá intervenções das outras ordens, como a tecnocientífica, moral e ética.

O que devemos, portanto, não é defender a existência de um sistema propriamente dito, como vimos, epistemologicamente impossível de ser concebido diante da nossa complexa realidade, mas pensar as diferenças e relações entre os diversos fenômenos naturais ou culturais que vivenciamos, e agir sempre buscando, na medida do possível e dentro das nossas limitações, ao atendimento de nossos anseios e solução de nossos problemas, tanto individuais quanto sociais. Afinal, a ininterrupta e dinâmica relação entre caos e organização que movem os seres, dentre os quais estamos incluídos, e constitui a própria realidade – o devir (ser em movimento) – faz-nos pensar que no final das contas a nossa ciência e ordens normativas éticas, morais e político-jurídicas decorrem, não de uma metafísica ou mundo isolado das ideias, mas de nossas sensações, raciocínios e ideias culturalmente construídas de forma gradativa e ininterrupta, embora às vezes inconstante, com retrocessos e avanços. Não há sistemas, mas certo poder sempre parcial, limitado e dinâmico de organização, e, porque não, também de criatividade e improvisação, já que o caos nos contém e faz intrinsicamente parte da nossa realidade.     

2. APORIAS PRÁTICAS DOS SISTEMAS

O pensamento sistemático não sofre apenas restrições epistemológicas ou teóricas, mas também de ordem prática.

Há certa visão de que somente um pensamento complexo, totalizante, e, portanto, sistemático, poderia melhor refletir adequadamente a nossa realidade. Mas é não compreender como a simplicidade está de algum modo inserido em nosso poder de organização.

De fato, há uma complexidade do real praticamente inconcebível, pois, para conhecê-lo, teríamos de mergulhar num abismo sem fundo. Mas nosso poder de organização, do qual a inteligibilidade faz parte, impõe-nos agir com simplicidade: complexidade das relações ou causas que nos fazem olhar, simplicidade do olhar; basta-nos abrir os olhos. O mesmo ocorre com o pensamento. “A inteligência é a arte de reduzir o mais complexo ao mais simples, e não o contrário”, defende Comte-Sponville59, sem que tenhamos de ser simplórios ou falsos.

A simplicidade não implica em pensarmos as coisas como seres separados de suas relações com os outros e o todo. É o que nos faz agir sem a necessidade de planejamentos, cálculos e operações intermináveis, que nos impediriam simplesmente de viver. Distinguir, separar, unificar, planejar e finalmente agir são atos, evidentemente, indispensáveis à nossa vida, mas como fazê-los sem essa nossa capacidade de simplificação? Como agir sem selecionar e restringir o nosso objeto de conhecimento e desejo? A simplicidade não é falsidade. Diferentemente, é o que nos possibilita pensar, comunicar e agir com mais fluidez.

Não se discute, por exemplo, a complexidade do direito. Mas como poderíamos viver numa comunidade política sem selecionarmos as nossas necessidades e interesses, e organizarmos uma estrutura mais ou menos eficaz dentro de nossas limitações biológicas e histórico-culturais?

A análise do direito como sistema, assim, além de epistemologicamente problemática, dificulta e emperra por demais o nosso pensamento político-jurídico, pois esforços são empreendidos em questões vazias de propósitos.

Não me parece salvar o pensamento sistemático de suas aporias, tanto teóricas quanto práticas, a construção de sistemas jurídicos abertos, externos e móveis, como defendem alguns jusfilósofos como Karl Larenz60, que assim expõe:

“(…) já não nos é lícito acreditar que é hoje possível um conhecimento definitivo, nem mesmo daquilo que nas actuais condições seria justo “em si”, ou indubitavelmente correto. É-nos, em todo o caso, lícito acreditar que nos chega à mão, aqui e ali, um pedaço do fio cujo fim é para nós oculto. Sendo assim, então para a ciência do Direito como também para a filosofia “prática” (quer dizer, a ética e a filosofia do Direito), a única espécie de sistema ainda possível é o sistema “aberto” e, até um certo grau “móvel” em si, que nunca está completo e pode ser continuamente posto em questão, que torna clara a “racionalidade intrínseca”, os valores directivos e os princípios do Direito.”

Mas, nesse caso, parece-me não ser mais adequado se falar em sistema, cuja pretensão de abertura e mobilidade retira-lhe a sua tradicional concepção: a ideia de que cada elemento que o integra se torna essencial à sua coesão e dele depende61.

Outros filósofos também perceberam a dificuldade do pensamento sistemático, tendo Condillac62 criticado diversos sistemas filosóficos que seriam demasiadamente especulativos ao não serem elaborados por uma linguagem que refletisse de forma adequada aquilo que se pretende investigar (embora ele mesmo não tivesse afastado a noção de sistema63).

Canaris64, analisando diferentes conceitos de sistema, captara entre eles uma ideia em comum de unidade e ordem: unidade “no sentido de um ou vários pontos de referência centrais”; e ordem “no sentido de uma conexão sem hiatos, da compatibilidade lógica de todos os enunciados”.

Mas o conceito de unidade que seria um dos elementos do sistema, por exemplo, da forma como definido por Canaris – como um ou vários pontos de referência centrais -, tendo em vista que no universo tudo está de alguma forma relacionado entre si, perde sentido e alcance. Restaria, então, a ordem. Mas, não como compatibilidade lógica dos enunciados – afinal, trata-se de pensar a realidade e não os signos linguísticos, além do que, uma boa retórica nunca foi critério de veracidade -, mas como compreensão do fenômeno como uma unidade, assim considerada como possuidora de características ou qualificações próprias.

O mais adequado, portanto, seria estudar o direito, como qualquer outro fenômeno, não como um sistema propriamente dito, mas como uma ordem, onde o objeto de análise é visto como uma unidade, ou seja, “com características e lógica próprias”65, ainda que se relacione com outras ordens distintas e delas sofra interferências.

É mais ou menos como percebeu Luhmann ao pensar os fenômenos, incluído o jurídico, como “sistemas” (melhor seria ordens) autorreferenciais autopoiéticos, ou seja, unidades que embora sofram repercussão de elementos externos ou ambientais são capazes de delimitar-se através da própria reprodução66.

Vê-se que cada vez mais a análise dos objetos como sistema tem a ver com sua concepção como ordem – unidade autônoma e sua relação com os ambientes externos que a influenciam e por ela são influenciadas – e não como parte de uma engrenagem compreensível pela análise a partir do todo em que faz parte (modelo cartesiano ou teleológico), como se vivêssemos em um mundo estritamente mecânico, ideal e previsível.

Essa ordem, contudo, não deve ser confundida com sistema. Neste último, já se constrói previamente a ideia de um todo harmonicamente formado pelas partes que o compõem e lhe dão sustentação, completude e consistência. Já a ordem é vista, não a partir de um todo, mas pelas relações dinâmicas que caracterizam o objeto de estudo e que influenciam e são influenciadas por fatores externos ou outras ordens que com ele se relacionam. Na ordem, o objeto é selecionado, analisado e submetido a um propósito, com simplificação, embora não de forma simplória, das suas relações dinâmicas pertinentes, e não como parte ilusoriamente compreensível somente a partir de um todo impossível de ser preconcebido.

Ainda que admitida a existência do chamado efeito borboleta, pensado por Edward Lorenz, segundo o qual “um simples bater de asas de borboleta hoje na Amazônia pode causar amanhã um furacão na Flórida”67, que procura levar as relações causais a suas últimas consequências, não vejo como isso poderia justificar a elaboração de pensamentos como sistema, a partir do todo. O fato de que tudo se relaciona de alguma forma entre si não significa que essas relações sejam harmônicas, estáticas, previsíveis e lineares. E é justamente por isso que se torna utópica a pretensão de qualquer doutrina totalizante.

Um pensamento que se pretenda propriamente sistemático (partindo do todo), seria, como adverte Comte-Sponville68, “um castelo de cartas: se você tirar uma, todo o resto desmorona. É que cada carta só se sustenta no lugar graças ao conjunto, e o sustenta”. Assim, cada sistema filosófico somente subsiste na medida em que todos os elementos que o integram lhe deem sustentação. Mas, se no processo de discussão e conhecimento, qualquer desses elementos é revisto, ou cai por terra todo o arcabouço sistemático elaborado, ou, como é mais comum, procura-se remodular o respectivo sistema, mais para manter sua consistência formal do que melhor descrever a realidade.

Essa aporia do pensamento sistemático também se pode observar na tentativa, para mim frustrante, de conceber o sistema ainda que se levando em conta nossas limitações cognitivas e questões problemáticas. Viehweg69 descreve duas formas de pensamento sistemático, onde uma predomina o enfoque no sistema e outra no problema. Na primeira, o sistema é pressupostamente válido e os problemas dele decorrentes, como de suas lacunas ou aporias, ou são solucionados pelos elementos ou princípios que o integram ou são postos de lado até ulterior e eventual solução, até então não percebida; em ambos os casos, de qualquer forma, o sistema mantém-se intacto. Na segunda, se um sistema não for capaz de solucionar algum problema dele decorrente, buscar-se-á em outro a solução perseguida.

Há de convir que ambos os procedimentos em nada nos acrescentam, nem ajudam no processo de conhecimento; ao contrário, dificultam-no na medida que nos levam a nos apegar a certas premissas e conclusões em nome de um ou outro sistema que nos pareceriam de início corretos, dispersando-nos da realidade mesma que nos cerca.  Afinal seria mais conveniente procurarmos defender “racionalmente” um sistema, já tão difícil de ser concebido por se iniciar pela ideia que apresenta do todo, do que constantemente passarmos de um a outro, e assim sucessivamente, até, quem sabe, ao infinito, já que nosso conhecimento nunca será totalmente satisfeito diante das nossas limitações e complexidade dinâmica do real. Mas não é só isso. O pensamento sistemático parece ser mesmo um obstáculo ou peso sobre o desenvolvimento cultural, pois enquanto a cultura nos une pela pretensão de universalidade, os sistemas nos separam, na medida em que propõem uma verdade ou ideologia distinta entre eles.

Não devemos estudar os fenômenos, portanto, com um enfoque nos sistemas jusfilosóficos, normalmente tendenciosos por pretenderem científico o que é meramente ideológico, além de muitas vezes mal compreenderem e deturparem os fatos pela necessidade de adequação a uma ou outra corrente, por mera conveniência ou exigência de sistematização; mas, sim, pelos sentidos que nos apresentam, e que, às vezes, são capazes de melhor esclarecer-nos acerca de nossa vida, inclusive em sociedade, onde o direito tem papel fundamental. Kelsen vale mais pelas brilhantes ideias que externou a respeito do fenômeno político-jurídico, com inigualável contribuição ao fortalecimento da legitimidade do poder estatal, do que por seu sistema que somente o fez se distanciar da realidade.

3. CRÍTICA AO DIREITO COMO SISTEMA

É com esse espírito crítico que Jhering70 já vislumbrava o falseamento da realidade promovida pela jurisprudência dos conceitos71, que via o direito como um sistema lógico, tendo assim se manifestado com bastante lucidez:

“A nossa teoria do direito, e isto não pode ser mais claro, ocupa-se mais da balança do que da espada da justiça; o exclusivo do ponto de vista, puramente científico, sob o qual ela considera o direito e que faz, em resumo, que o apresente não pelo seu lado real, como noção de poder, mas antes pelo seu lado puramente lógico, como sistema de regras abstratas, – imprimiu quanto a mim, a toda a sua concepção do direito, um caráter que de forma alguma concorda com a rude realidade.”

É verdade que os atuais defensores da análise do direito como sistema já reconhecem as dificuldades dessa empreitada, mas sustentam sê-la de importância ao menos prática. Canaris72, por exemplo, entende que a noção de sistema jurídico seria indispensável, tanto para a teoria da nulidade das normas contrárias ao sistema, imprescindível à manutenção de sua coerência, quanto para o preenchimento das lacunas das leis, como meio de manter a sua unidade valorativa.

Mas como já foi dito anteriormente, a ideia de sistema completo e consistente é ilusória. Afinal, em todo o fenômeno, do qual o jurídico faz parte, há o caos e a organização, não sendo possível concebê-lo apenas neste último aspecto, a não ser incorrendo em reducionismo e, portanto, em falsidade.

Uma norma jurídica, portanto, não pode ser reconhecida dentro de um pretenso sistema teleológico; o que implicaria num totalitarismo ideológico e dogmático, que nada tem a ver com a objetividade e isenção valorativa indispensável a qualquer ciência. A verdade da ordem jurídica não está na sua validade ou idealização. O poder político do qual as normas jurídicas emanam é dissimilado, disperso em pessoas com experiências, percepções, interesses e posicionamentos distintos; como então desconsiderar tais divergências que, inclusive, causam mandamentos muitas vezes conflitantes, e, portanto, não “sistemáticos”, embora vigentes? É justamente por isso que precisamos das autoridades, e a ninguém é dado o direito de se eximir das sanções por elas impostas, ainda que consideradas arbitrárias.

Kelsen73, com sua perspicácia, pensou nessa aporia e deu-lhe uma solução bastante interessante e elucidativa. Entretanto, ao invés de nos levar a uma concepção de direito como verdade, e não como mera ideologia, assim não o fez para manter intacto o seu pretenso sistema. Para ele, toda norma jurídica, embora não respeite o estatuto hierarquicamente superior, é vigente ou válida até que eventual decisão judicial a anule; o mesmo vale para esta decisão que venha a ser submetida ao Tribunal. Toda a nulidade, seja a que grau for, tem, assim, natureza constitutiva ou, melhor, constitutiva negativa ou desconstitutiva, e não meramente declaratória, embora a decisão anulatória possa impor ressarcimento pelos danos causados na vigência da norma anulada, ou melhor, conferir efeitos ex-tunc (termo técnico-jurídico). Isso, justifica, porque num “estado em que todos estão autorizados a declarar toda norma, ou seja, tudo o que se apresenta como norma, como sendo nula, é quase que um estado de anarquia”. Mas e se a norma arbitrária não vier a ser anulada, como considerá-la válida? Kelsen74 responde, então, quanto à decisão judicial, que se operará a res judicata, ou seja, o próprio “sistema” a convalidará pela preclusão.

Mas isso não nos esclarece nada a respeito da validade da norma jurídica, que continua a depender da subjetividade de quem a emite, interpreta, aplica ou afasta por nulidade. Ao contrário, somente nos faz perceber que, no final das contas, a vigência de uma norma sempre decorre de uma autoridade que a emite, como percebeu Austin75, mesmo pela res judicata; até porque, neste último caso, será a última decisão proferida por uma autoridade judicial não mais passível de recurso ou anulação que vigorará.    

Pensar cientificamente a ordem jurídica não é concebê-la, portanto, num sistema ideal teleológico, tanto epistemologicamente impossível quanto ilusório (a verdade não se confunde com nossos desejos subjetivos), mas como fenômeno com características e lógicas próprias que sempre sofrerão inevitavelmente influências de outras ordens, já que o universo é ao mesmo tempo uno e múltiplo; toda a diversidade de coisas se relaciona e interage.  Não há pureza em qualquer ordem, inclusive a jurídica, ou melhor, político-jurídica.

Atuamos, assim, movidos por diversas causas ou razões, sejam éticas, morais ou político-jurídicas; afinal, podemos agir por amor, dever moral ou jurídico. Muitas vezes agimos por egoísmo (amor a si próprio) em detrimento de nosso dever moral ou jurídico; por dever moral em detrimento de algum desejo particular ou norma jurídica; ou, ainda, por dever jurídico em contraposição a algum interesse pessoal ou mesmo convicção moral distinta.  Mas também divergimos muitas vezes sobre o que julgamos ser, em determinado caso, ético, moral ou juridicamente válido (legítimo e justo), mas cuja solução sempre dependerá da reflexão, sentimento e posicionamento de cada um de nós. Isso não impede, e é até mesmo o que justifica, já que vivemos em sociedade e dependemos uns dos outros, a nossa pretensão de convencimento e de imposição de sanções a quem não age conforme nosso juízo; sempre através de um sucessivo e ininterrupto embate com retóricas e imposições de poder, em que cada ato é julgado por cada um de nós pertencentes a esse mundo complexo, relativo e dinâmico.

Não devemos, portanto, confundir as diversas ordens científica e normativas, mas também não deixar de pensarmos a sua necessária relação.

A única qualidade da norma que nos faz reconhecê-la como jurídica, de forma objetiva, decorre da autoridade política de quem a emite, e não o seu conteúdo.

Não se desconhece aqui um paradoxo a ser pensado. É que nessa nossa realidade há uma constante luta para que certas soluções sejam tomadas pelas autoridades, cujas decisões se revestem de natureza político-jurídica. Assim, embora não seja o conteúdo da norma o que a define como jurídica, é em nome desse conteúdo, ou seja, pelos interesses envolvidos e nosso sentimento de justiça, que lutamos para que ela seja emitida em certo sentido, embora nem sempre o seja.

A emissão de uma norma, ainda em vigor, por uma autoridade estatal, portanto, basta para defini-la como jurídica, mas esta não nos teria nenhum valor se não expressasse nossos desejos, interesses e sentimentos de justiça.

Não se deve confundir, assim, como normalmente se faz, vigência com validade da norma jurídica. A vigência reflete a verdade do direito, ou seja, é o que nos faz reconhecer uma norma como jurídica, distinguindo-a das demais ordens normativas. Se um comando obrigatório, autorizador ou permissivo é emitido ou reconhecido pelo Estado através de suas autoridades com força vinculante à comunidade a ele submetida, independentemente desse mandamento ser ou não também ético ou moral, é considerado jurídico.

O positivismo jurídico não é, portanto, uma teoria da validade ou hermenêutica, como se pretende (positivismo stricto sensu76), mas científica (positivismo latu sensu77), onde o direito é definido como “produto de atos de vontade da autoridade”78, sempre mutável e empiricamente observável.

A validade da norma jurídica (ainda que no sentido Kelseniano e como juízo de validade segundo Bobbio), por outro lado, não reflete a verdade do direito – quantas divergências, legítimas ou não -, mas um ideal político culturalmente construído, sempre relativo, subjetivo e limitado (que não poderia, por isso, formar qualquer ciência, muito menos um sistema), embora universalizável (pretendemos e buscamos a sua aceitação por todos, mesmo que isso nem sempre seja possível).

Kelsen restringe essa concepção de validade ao seu método da estrutura escalonada da ordem jurídica, mas por que não estendê-la, sem a falsa ilusão de objetividade, a toda e qualquer ideia de justiça que nós temos? Afinal é por esse sentimento mais amplo que pugnamos pela interpretação e aplicação da norma num certo sentido.

Pelo que vimos, portanto, é inconcebível pensarmos o direito como sistema. Podemos compreendê-lo, entretanto, como ordem, não apenas considerando seu poder de organização, mas também o caos em que se insere. Compreender o direito como mero ideal consistente, completo e puro seria ridículo79, como diria Pascal, pois seria confundir as diversas ordens que compõem a nossa realidade, além de desconsiderar suas necessárias relações. Seria ridículo, por exemplo, recusarmos cumprir uma determinação judicial por considerá-la juridicamente nula ou inválida. O poder estatal nos fará cumpri-la por bem ou por mal, não deixando de impor sua força cogente por contrariar nossa consciência ética ou moral. Isso não impede, obviamente, dela recorrermos, procurando demonstrar a sua invalidade (ilegitimidade ou injustiça), mas ela somente deixará de viger se outra autoridade superior a anular ou reformar.

E é por isso que, embora devamos distinguir as ordens, não podemos pensá-las isoladamente, sem suas relações. O direito é dinâmico, pois constantemente modificado, tanto pelo legislador quanto pela jurisprudência, necessariamente pela interferência de outras ordens normativas que nos fazem pensar como alterar a realidade a fim de melhor atender aos nossos desejos e interesses. É por isso que devemos pensá-lo, tanto como fato – fenômeno real objetivo (direito como normas vigentes ou verdade -, mesmo se inconsistentes e incompletas) -, de forma científica, quanto como valor, ou seja, como ordem político-ideológica sempre relativa (não dogmática) e culturalmente construída com lutas e retóricas, nunca universal, embora universalizável (direito como normas válidas ou valor).

4 E NO LUGAR DOS SISTEMAS, QUE MÉTODO?

Nos tópicos anteriores foi esboçada uma crítica à exposição dos fenômenos como sistemas, especialmente o jurídico, ou seja, a partir de um todo supostamente consistente e completo, pelas impossibilidades teóricas e dificuldades práticas mencionadas.

Isso não impede, evidentemente, que expressemos nossas ideias e posicionamentos, mas que pelo menos os façamos sem ilusões e sem nos perdermos numa complexidade sem fim e propósito.

Para isso, devemos, primeiramente, deixar de imaginarmos que a realidade e nossos valores podem ser perfeitamente compreendidos e aderidos, bastando, para tanto, a utilização de métodos adequados. A teoria dos sistemas, a tópica, o modelo Kelseniano da estrutura escalonada do direito, a teoria da argumentação e do discurso, mesmo que adotadas, nunca foram nem serão garantias de decisões juridicamente válidas ou sequer razoáveis. Nunca vi, por exemplo, algum magistrado julgar uma lide, por mais discutível que seja, reconhecendo assim o fazer sem respeitar a razão, a razoabilidade e os comandos das normas hierarquicamente superiores até a constituição. E mesmo assim, quantas divergências!

O método não é garantia de obtenção do resultado a que visa, como se o conhecimento ou valores defendidos decorressem logicamente de sua utilização. Ele não é o caminho ou meio para alcançar determinado fim, como equivocadamente define J. Ferrater Mora80. Ele é a própria “marcha do pensamento” ou exposição de ideias, “que não tem regra, ou que não tem outra regra senão ela própria”, como define Comte-Sponville81.

É o que bem percebeu Spinoza82:

“O verdadeiro método não consiste em procurar o sinal pelo qual se reconhece a verdade após a aquisição das idéias; o verdadeiro método é o caminho pelo qual a própria verdade, ou as essências objetivas das coisas, ou suas idéias (todos esses termos têm a mesma significação) são procurados na devida ordem […] Donde resulta que o método nada mais é que o conhecimento reflexivo ou a idéia da idéia; e, não havendo idéia de uma idéia se a idéia não é dada antes, não haverá pois método se uma idéia não for dada antes. O bom método é, por conseguinte, aquele que mostra como o espírito deve ser dirigido de acordo com a norma da idéia verdadeira dada.”

Daí parece-me necessária uma inversão do pensamento político-jurídico. Devemos afastar a ideia de que partindo de métodos e regras de interpretação e aplicação das normas, quaisquer que sejam, encontraremos decisões juridicamente válidas (Kelsen), materialmente ou procedimentalmente legítimas (Montesquieu, Luhmann) -, racionais (Windscheid, Binding, Kohler), razoáveis (Recasens Siches), corretas (Alexy) ou consensuais (Habermas), afastadas e imunes às atividades políticas carregadas de subjetivismos e desconsiderando nossas complexas e dinâmicas relações.

Nada contra as organizações de ideias, utilizações de métodos, mas não se deve fazer deles algo absoluto, válidos por si só e cuja utilização decorreria necessariamente uma solução, conclusão ou decisão veraz ou válida. Não é por acaso que se mostra insatisfatório o método argumentativo lógico-formal-dedutivo de um pretenso sistema jurídico completo e consistente, e da mesma forma a tópica (há ainda quem defenda serem ambos complementares83).

Embora a tópica seja mais aceitável por partir de um problema prático e não de uma metafísica, ela também não é suficiente por trabalhar com noções de lugares-comuns, auditórios e consensos, que não passam de hipóteses vazias que somente adquirem sentido por suas ideias preconcebidas. Além do mais, é bastante questionável a correspondência entre a razão ou razoabilidade com eventual formação de consenso ou maioria.

É por isso que qualquer método jusfilosófico empregado e defendido, embora justificado por sua suposta racionalidade, cientificidade ou expressão de uma realidade linguístico-formal, nada mais é do que a exposição de pensamento, decisão ou comando que se repute politicamente útil, legítimo e justo. Ele não pode ser avaliado em si mesmo, mas apenas pelo conteúdo cognitivo ou valorativo que representa – se for compreensível e cativante (capaz de convencer por sua veracidade e valor).

Não é por acaso que Viehweg, segundo Atienza84, reconhece que no final

““a grande aporia fundamental […] encontra sua formulação na indagação sobre o ordenamento justo” (Viehweg, 1964, pág. 132), de que “os conceitos que aparentemente são de pura técnica jurídica […] só adquirem seu verdadeiro sentido a partir da questão da justiça (pág. 134) ou de que “os princípios de Direito […] só proporcionam resultados efetivamente aceitáveis quando ligados à idéia de justiça” (pág. 139)”.

Esse reconhecimento foi também feito por Chaïm Perelman, cujo pensamento foi assim externado por Atienza85:

“O raciocínio jurídico não é nem “uma simples dedução silogística” e nem tampouco, a “mera busca de uma solução equitativa”, mas sim a “busca de uma síntese na qual se leve em conta, ao mesmo tempo, o valor da solução e a sua conformidade com o Direito (ibid., pág. 114). Ou, dito de outra forma, a conciliação dos valores de equidade e segurança jurídica, a procura de uma solução que seja “não apenas de acordo com a lei como também equitativa, razoável e aceitável (ibid, pág. 178).”

Iludem-se aqueles, como Atienza86, que sustentam a criação de método ou elemento de controle que pudesse discutir racionalmente as questões de justiça, quando na verdade, as exposições pertinentes somente podem ser dadas se já tivermos em mente nosso sentimento do que seria justo ou injusto. A dificuldade está em se aceitar que a justiça possa ser defendida mesmo não sendo absoluta, universalmente válida e nem mesmo estática, mas, sim, como mera ideia subjetiva, considerando as circunstâncias ou problemas concretos e mutáveis que nos são postos à solução. O fato da justiça não ser um ideal objetivo, mas um mero sentimento subjetivo e dinâmico, não nos impede de querer satisfazê-la ou concretizá-la segundo nossa compreensão, desejos e interesses que se pretendam, se não universais, ao menos universalizáveis.

É por isso que o ato de decidir juridicamente uma lide, ao contrário do que se defende, não é técnico-científico, mas político, assim como o de legislar e administrar a burocracia estatal. Afinal, assim como o magistrado, o parlamento e o chefe do poder executivo também têm seu poder limitado, e nem por isso suas atividades deixam de ser consideradas políticas. Não há ciência do direito, a não ser quando estudado como fenômeno social pela sociologia jurídica, mas atividades político-jurídicas.

As diversas escolas e correntes jusfilosóficas advogam a utilização de métodos que, no final das contas, nada mais são do que expressões de posicionamentos político-ideológicos. Embora o positivismo normativista tenha procurado afastar qualquer tipo de subjetivismo em seu método da estrutura escalonada da ordem jurídica, percebe-se que ele é normalmente empregado e aceito, não por sua suposta cientificidade ou racionalidade linguístico-objetiva (irreal e ilusória), mas pelo reconhecimento da importância de se respeitar as autoridades hierarquicamente organizadas em nosso corpo político-social, resguardando-se até certo ponto a legitimidade, e, consequentemente, a paz social. Afinal, a hierarquia ou “fundamento de validade” das normas jurídicas nada mais representam do que a própria hierarquia político-institucional.

O mesmo vale para todas as correntes, inclusive hermenêuticas, que se distinguem, principalmente, por conferir prevalência a certos valores políticos defendidos. As mais formalistas e racionalistas (escola da exegese, jurisprudência dos conceitos, positivismo legal racionalista, positivismo normativista) privilegiam a segurança jurídica em detrimento de uma solução mais criativa, representando, assim, uma política mais estável e conservadora, mas que muitas vezes não conseguem acompanhar, com satisfatoriedade, as mudanças culturais e científicas, e exigências de nossa sociedade. Já outras consideradas mais subjetivistas, “irracionalistas” e sociológicas, como o movimento do direito livre ou alternativo, por outro lado, privilegiam a criatividade das soluções jurídicas em detrimento de uma maior segurança jurídica, representando uma política que, embora mais progressista, é, por outro lado, mais instável, já que dificulta a previsibilidade das consequências dos atos decorrentes das relações jurídicas.

A atividade do jurista e do magistrado não é, portanto, meramente racional, cognitiva, cujo método empregado os levaria a uma conclusão ou decisão juridicamente válida. É, em sua essência, político-ideológica (preferencialmente não dogmática), pois, no fundo, nada mais pretende fazer ou faz do que submeter a comunidade a determinados desejos e interesses.

Com propriedade, Alf Ross87 percebe a impossibilidade do conhecimento (através da ciência), por si só, causar ou motivar uma ação, incluída a decisão judicial. Toda ação é necessariamente motivada por fatores subjetivos ou “irracionais” (desejos, interesses), embora o conhecimento dos fatos envolvidos seja indispensável para quem pretenda agir com responsabilidade e compromisso. Um magistrado pode conhecer todos os dispositivos legais pertinentes ao caso concreto a ele submetido, mas somente decidirá de acordo com suas convicções e sentimentos de justiça, ao impor soluções que considere compor mais satisfatória e legitimamente a lide. Isso, se pressupormos a honestidade do magistrado, pois nada impede que este julgue submetido a interesses espúrios, infiel à nossa cultura político-jurídica de legitimidade e justiça, mas cuja decisão será também, de qualquer forma, político-jurídica, ou seja, vigente, até, pelo menos, eventual anulação/revogação por outra autoridade judiciária superior.

Há quem entenda, no entanto, necessária a distinção entre ordem jurídica e política. Castanheira Neves88 fala, assim, da importância de condicionar o político pelo jurídico, especialmente, num estado democrático de direito. A preocupação é que os critérios político-ideológicos sejam utilizados de uma maneira tal que venham a eliminar o próprio direito. Não se trataria mais, então, na hipótese “de uma dimensão política do direito, nem de critérios políticos da metodológica realização do direito, mas exclusivamente de política e de realização de uma política89. Indispensável seria, então, uma metodologia estritamente jurídica, onde se utilizaria uma axiologia e normatividade próprias em que o direito veria garantida a sua autonomia intencional90.

Mas isso reflete certo preconceito, por um lado, e até mesmo, ingenuidade, por outro, com desconsideração do real significado da política.

Preconceito, porque faz propagar conotação pejorativa da política, quando, na verdade, esta tem a ver tão somente com o exercício de poder indispensável à manutenção de todo e qualquer estado, não se confundindo com qualquer conteúdo valorativo que ela possa representar. É através da política que são tomadas medidas impostas à respectiva comunidade, sem às quais nenhum problema social mais complexo seria resolvido. Sendo assim, qualquer autoridade, seja legislativa, administrativa ou judiciária, exerce uma atividade política pelo simples fato de exercer um poder capaz de se fazer impor aos cidadãos a ele submetidos.

A tentativa de separar o direito da política também incorre, por outro lado, em ingenuidade, ao imaginar ser possível a construção de uma metodologia ou axiologia própria à ordem jurídica, distinta da política, como se seu suposto conhecimento tivesse o poder de limitar a ação das autoridades. Mas um poder somente pode ser limitado por outro poder, e, num estado, com significativa estabilidade política, isso ocorre dentro de sua própria estrutura hierarquizada; daí os órgãos de controle estatal e tribunais que servem justamente para limitar os abusos que por ventura sejam cometidos por alguma autoridade. Sem essa estrutura, o poder se tornaria absoluto e seu único limite seria não mais de ordem político-jurídica, mas a própria consciência ético-moral da própria autoridade, o que é bastante frágil e insuficiente, pois, como toda ordem normativa, não depende do nosso mero conhecimento, mas principalmente da nossa vontade.

Poder-se-ia contrapor, evidentemente, seguindo o positivismo lógico, que o direito envolveria, não o exercício de poder, mas uma linguagem lógico-formal e hipotética, que refletiria o dever-ser cientificamente cognoscível, dentro de certa margem de discricionariedade. Assim, a sua compreensão não teria a ver com a efetiva manifestação de uma autoridade, mas com uma “ciência dos signos, estrita e pura”, como diria Suassure91, levada a efeito por Kelsen em sua teoria pura do direito. Segundo essa teoria da linguagem, também sustentada numa primeira fase por Wittgenstein, a própria proposição mostraria o seu sentido, bastando encontrar a sua essência92; o que não discrepa de Suassure que, ao distinguir a fala da língua, consignou que esta última, sistema abstrato, permitiria encontrar uma verdadeira “ciência dos signos em sentido estrito”93.

Não se discute, evidentemente, que uma proposição ou frase nos possa fazer sentido, independentemente do fato comunicado existir efetivamente. Quando falamos, por exemplo, o jantar está na mesa, isso nos faz sentido mesmo que seja mentira (o sentido não está no referente). Mas o sentido também não está nem nos sons emitidos (significantes), nem nas ideias enunciadas (significado), isoladamente, mas em suas relações, ou seja, por suas associações. O sentido, assim, não é nem uma substância (corpo), nem um fato (entidade concreta), mas uma relação94. Uma palavra somente nos faz sentido pela relação do seu significante (expressão oral) com o seu significado (ideia que representa), sendo que este último (significado), consequentemente, também apenas faz sentido pelas mesmas relações dos signos que o constituem, e, assim, sucessivamente.

É por isso que nenhuma ciência é construída pelo sentido que sua teoria ou ideia nos faz, e, sim, por sua veracidade, senão, não haveria diferença entre ela (ciência) e uma fábula ou ficção qualquer; afinal, nada impede que uma superstição nos faça sentido, ou melhor, é justamente o sentido a sua força ao pretender completar lacunas decorrentes de nossas limitações cognitivas, o que a ciência não faz, ou pelo menos evita fazer além de certo limite. Da mesma forma, a política não nos teria nenhum valor se não expressasse nosso desejo, preferencialmente, de legitimidade, utilidade e justiça. Até porque, não faria a menor lógica perdermos tempo com nossos esforços e retóricas, por uma determinada decisão judicial, se antes e acima de tudo, não fosse para a satisfação de nossos anseios e interesses. A atividade jurídica, portanto, é eminentemente política, e não meramente hermenêutica. Caso contrário, todas as decisões judiciais se equivaleriam, já que igualmente dotadas de sentido.

É necessário, portanto, ter em mente que o direito não se confunde com uma linguagem (simbólica), embora se sirva dela para se manifestar. Afinal, ninguém se exime de interpretar um texto normativo obscuro, contraditório ou omisso em certos pontos, pois sabemos que o que vale, ou melhor, o seu sentido, não está no discurso, mas no fim social pretendido pelo regramento da conduta humana. É por isso que na atividade jurídica nossas posições decorrem de nossas concepções de legitimidade, utilidade e justiça, embora nem sempre estejam claramente expressas em nossa linguagem, às vezes, inclusive, de forma propositada.

É por isso que nenhuma ciência dos signos é possível, já que a verdade e nossos valores independem do seu sentido, e, sim, de sua existência real e de nossos sentimentos. Daí Wittgenstein ter abandonado a ideia de linguagem como figuração da realidade, compreendendo-a pelo uso que dela fazemos95.

Que uso, então, fazemos da linguagem jurídica? O uso político. Mas não o que represente necessariamente uma ideologia dogmática ou sistemática. Se a política serve, ou pelo menos deveria servir, para a solução de nossos reais problemas e conflitos sociais, sempre complexos e mutáveis, muitas vezes conciliáveis, outras não, é assim que deve ser encarada a nossa ordem jurídica, ou melhor, político-jurídica.

Nada de métodos, então, preconcebidos. Princípios, normas e regras construídas historicamente devem ser utilizadas e aperfeiçoadas na medida em que sejam eficazes para as soluções de nossos problemas, e não encaradas como ideais ou dogmas a serem cegamente seguidas, incompatível com nossa realidade complexa, mutável e muitas vezes imprevisível.

Isso me faz lembrar a sabedoria do movimento cínico iniciado na Grécia, cujo maior ícone era Diógenes o cínico ou “cão”, como era conhecido, tão renegado e subvalorizado por toda uma tradição idealista-formal que passou a prevalecer.

Uma das principais virtudes desse movimento era evitar o julgamento de questões que transcendiam o seu entendimento96, e toda a sua filosofia era pensada em função da ética, ou seja, da busca da felicidade.  Ao contrário de Platão, nada de elaboração de pensamento metafísico distante da experiência, e sim, de ideias derivadas diretamente da prática social97. Daí o reconhecimento por parte de Diógenes do caráter provisório da sua filosofia98 e a recusa de quaisquer sistemas, seja de pensamento, seja de controle social99.

Embora pouco mencionada, vimos ressurgir várias dessas ideias cínicas (no sentido filosófico e não pejorativo) após a desilusão com os diversos pensamentos idealista-formais e totalizantes da era moderna, mas sem dar àquele movimento cínico o crédito merecido. Sinto que normalmente temos certa barreira em reconhecer e valorizar uma sabedoria antiga, para além da sua conotação histórica, talvez influenciados pela dialética hegeliana (tese-antítese-síntese) que nos leva a imaginar uma evolução linear do pensamento. O que importa, entretanto, é a consciência de que toda nossa teoria deveria levar em consideração nossos limites e campos de observação e, principalmente, nossas necessidades práticas, sem nos perdermos na elaboração de sistemas ilusórios e estéreis.

O movimento do realismo jurídico também tem essa visão pragmática do direito, de percebê-lo, não como um ideal, mas como se realiza concretamente como atividade política. Entretanto, como veremos a seguir, tal movimento, em suas duas correntes (realismo psicológico ou escandinavo e comportamentista ou norte-americano), às vezes torna o direito, ora bastante incerto e indeterminado, ora reduzido a apenas uma de suas expressões, e faz decorrer de sua visão da realidade um método ou ideologia valorativa que extrapola o mero campo de observação empírica, o que contraria a sua própria essência.

Dentro do realismo jurídico, como vimos, há duas correntes distintas: a do realismo psicológico (escandinavo) e a do comportamentista (norte-americano).

Na primeira, esclarece Alf Ross100, a realidade do direito estaria nos fatos psicológicos que estão por trás da sua aplicação. Para “comprovar se o direito é vigente, temos que proceder a certas investigações sócio-psicológicas”, sejam decorrentes da consciência popular, sejam da dos juristas profissionais. Tais fatores culturais seriam uma “predição do que os tribunais provavelmente decidirão”101.  Ora, tal definição do direito é vaga, imprecisa e mais se parece com o exercício de futurologia. Se o direito é uma atividade psicológica, assim também são todas as outras de ordem normativa, como a ética e a moral, não sendo suficiente para a sua qualificação ou identificação a mera compreensão dos fatores sócio-psicológicos envolvidos. Nesse sentido, critica Alf Ross:

“A objeção principal ao realismo jurídico psicológico é que consciência jurídica individual é um conceito que pertence à psicologia do indivíduo. Ao vincular o conceito de direito vigente à consciência jurídica individual, esse ramo do realismo converte o direito num fenômeno individual que se acha num mesmo plano ao da moral. Basta que pensemos em problemas como aborto, traição, aplicação de impostos a cooperativas ou liberdade comercial, para constatarmos quão diversificada pode ser a consciência jurídica, inclusive entre os juristas.”

É por isso que para se diferenciar das demais ordens normativas, o direito só pode ser compreendido e identificado como tal pela fonte da qual emana, qual seja, a autoridade estatal. Por outro lado, como expressão de atividade política o direito não deve ser visto como fatores psicológicos pré-condicionados, se justamente evolve a utilização de retórica, visando à adoção de soluções, tanto legislativas quanto judiciárias, para nossos problemas sociais, nem sempre percebidas e consideradas até então. É uma atividade complexa e dinâmica que pretende alterar uma realidade indesejável, ou manter uma desejável, e não simplesmente expô-la ou compreendê-la.

Na corrente comportamentista ou norte-americada há certa inversão em relação à psicológica ou escandinava. Enquanto nesta última o “direito é aplicado porque é vigente” (a decisão judicial é pré-condicionada por fatores psicológicos), naquela o “direito é vigente porque é aplicado” (a decisão judicial torna real, ou melhor, cria a própria norma jurídica)102. É por isso que no realismo comportamentista se sustenta que o magistrado primeiro já forma a sua decisão política, para só depois procurar justifica-la através de textos normativos. Entretanto, essa metodologia limita o direito ao decidido pela autoridade judiciária, desconsiderando arbitrariamente as normas emitidas pelas demais autoridades, tanto legislativas quanto administrativas, e não reflete necessariamente a realidade jurídica. Não vejo, por exemplo, como desconsiderar como pertencente ao direito a norma legislativa vigente que proíbe a passagem de veículo em sinal vermelho, sob pena de multa, e que ela se torna eficaz toda vez que alguém a obedece, mesmo sem lide submetida ao poder judiciário. Também não compreendo como fazer da realidade jurídica um método ou ideologia valorativa. Não se discute que eventualmente o magistrado possa primeiro decidir a solução a ser adotada para só depois justifica-la, mas como não pensar também na possibilidade empírica deste empreender pesquisa e leitura atenta dos textos normativos, das retóricas desenvolvidas pelos advogados das partes, para somente então formar seu convencimento, surgindo daí decisão que nem sempre reflita necessariamente a sua posição política particular ou originária, mas a que entenda ser mais legítima.

Por outro lado, não se deve, evidentemente, negar a importância dada ao realismo jurídico de se saber como os juízes julgam, as suas reais motivações e pensar as melhores estratégias de convencimento a serem utilizadas, para que seja aumentada a possibilidade de vitória em juízo. Porém, o sucesso não é tudo, como bem defendeu o pragmático William James que repudiava o que chamou de “a deusa sem-vergonha do Sucesso”103. Antes e acima de tudo há um interesse a defender que só nos tem valor pelo desejo ou finalidade que representa e não por sua mera vitória político-jurídica.

Embora reconheça equívocos em algumas teses do realismo jurídico, não posso deixar de compactuar com sua visão do direito como realidade política empírica, pois reflete adequadamente nossas complexas e dinâmicas relações de poder, muitas vezes conflituosas. As concepções racionais e dogmáticas de nossos ideais mascaram nossas intolerâncias e autoritarismos, e obscurecem nossa compreensão dos reais conflitos de interesses, impedindo a adoção de soluções mais satisfatórias para as partes envolvidas, na medida do possível.

Nesse sentido e para finalizar, vale destacar a seguinte crítica de Claude Lefort, exposto por Luciano Oliveira104, também válida para os juristas e autoridade judiciárias:

“Para exprimir o que quero dizer, vou recorrer de novo a uma citação um tanto longa de um de seus intérpretes. Diz ele: “Todo o pensamento político ocidental é dominado pelo pressuposto, freqüentemente implícito, [de que] existe uma solução racional para o problema da convivência humana. (…) Segundo esse approach, a concepção de uma solução harmoniosa, justa, portadora de paz civil e de amizade entre os membros da coletividade é, em princípio, possível”. Numa palavra, estamos falando da “boa sociedade”. Ora, sem que isso signifique uma celebração da “má sociedade”, o pensamento de Lefort, ainda segundo o seu intérprete, erige-se contra esse projeto: “O sonho racionalista de uma sociedade reconciliada consigo própria e liberta do conflito é, no melhor dos casos, uma utopia inconsistente alimentada por alguns pensadores sem o pé na realidade efetiva; no pior dos casos, um projeto mortífero cuja realização leva necessariamente ao esmagamento da sociedade em seu conjunto”.”

5. CONCLUSÃO

Os sistemas filosóficos e jusfilosóficos vêm se mostrando inadequados e quase sempre perdidos em sua complexidade, como foi aqui demonstrado. Aqui e ali ouvimos falar em crise cultural, particularmente, de natureza ética, moral, e até mesmo político-jurídica, cujas ideias não estariam nos satisfazendo no mesmo ritmo do nosso desenvolvimento tecnológico. Mas isso, parece-me, tem mais haver com a crise de certas ideologias ou pensamentos por demais sistemáticos e dogmáticos, normalmente mais atraentes e em moda, por venderem mais sonhos do que realidade.

Não me admira que essa preferência por sistemas complexos e totalizantes, em detrimento da simplicidade, que renega a importância da retórica – equivocadamente deturpada por ser considerada enganadora, promotora da falácia, e não como arte de convencimento, tão importante e salutar em nossa sociedade plural -, e confunde a realidade com nossos ideais, vem afastando cada vez mais as pessoas da filosofia. Isso é extremamente grave, pois as discussões e reflexões filosóficas em toda e qualquer área do conhecimento humano são fundamentais para melhor pensarmos as soluções de nossos mais variados problemas individuais e sociais.

Se procuramos, então, traçar ideias que as façamos considerando, não um mundo ideal e ilusório, mas essa nossa realidade mesma, complexa, dinâmica e caótica, os interesses conflitantes e nossos limites. Não podemos negar que os fenômenos decorrem de causas eficientes (embora nem sempre conhecidas), mas nem todas elas dizem respeito ou estão de acordo com nossos desejos, conscientes ou não, que somente as integram uma ínfima parte.

A Tykhe105ou Fortuna (da cultura helênica) deve ser mais levada em consideração em nossas teorias. Negá-la ou simplesmente desconsiderá-la seria como tratar de um mundo irreal. Isso faz com que muitas de nossas teses tenham pouca eficácia naquilo que pretendem, justamente por não se adequar às nuances e intempéries da vida em que estão submetidas. É verdade que uma ideia não existe apenas para descrever uma realidade, mas também para alterá-la em prol de algum fim desejado. Contudo, ela somente terá eficácia se puder ser implementada de fato nessa mesma realidade complexa e imprevisível.

Nada de sistemas, portanto. E também nada de métodos preconcebidos. Pensar os fenômenos, do qual o direito faz parte, é refletir sobre sua definição, o que nos faz reconhecê-los e distingui-los dos demais, sobre suas relações e sempre visando ao nosso desenvolvimento cultural, cujos interesses são relativos e mutáveis.

Daí, devemos pensar a ordem jurídica: naquilo que nos faz reconhecê-la como tal, distinguindo-a das demais, ou seja, como comandos ou normas obrigatórias, autorizadoras ou permissivas emitidas ou reconhecidas pela autoridade estatal – cuja pluralidade nos pode levar a divergências, mas que não deixam, por isso, de ser igualmente vigentes -, com força vinculante à comunidade a ela submetida (direito como normas vigentes ou verdade); em sua relação com as demais ordens, tanto científica (já que devemos nos submeter à realidade dos fatos) quanto normativas (já que nossas autoridades sofrem influências da nossa cultura ética e moral);  e em seu valor, como expressão de nossos desejos, interesses e ideais, sempre subjetivos e relativos, embora universalizável (direito com normas válidas ou valor), pois, no fundo, a sua atividade é sobretudo política, e não meramente hermenêutica.

Esses pensamentos não se constroem a priori, nem decorrem de métodos preconcebidos, de natureza lógico-formais, mas estão em constante processo de aperfeiçoamento e transformação que nunca findará enquanto existir a humanidade. A interpretação ou ação político-jurídica mais conservadora ou progressista, e os termos e limites de cada uma, vai depender das nossas circunstâncias e necessidades históricas, sempre mutáveis e retoricamente defendidas.

Abaixo, portanto, toda a pretensão de uma ciência ou saber dogmático, e com ele, todos os sistemas de pensamento.


1COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003, p. 219-220.
2BÜLLESBACH, Alfred. Princípios de teoria dos sistemas. In: KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried (Orgs.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 2002, p. 409: “As teorias dos sistemas (ou sistêmicas) visam compreender a sociedade em conjunto (na sua totalidade)”.
3CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Editora Cultrix, p. 260: “As propriedades sistêmicas são destruídas quando um sistema é dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados. Embora possamos discernir partes individuais em qualquer sistema, a natureza do todo é diferente da mera soma de suas partes”.
4HELFER, Inácio. O caos em Kant. In: CIRNE-LIMA, Carlos; HELFER, Inácio; ROHDEN, Luiz (Orgs.). Dialética, caos e complexidade. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004, p. 178.
5OLIVEIRA, Armando Lopes de. Estruturas do Universo. In: CIRNE-LIMA, Carlos; HELFER, Inácio; ROHDEN, Luiz (Orgs.). Dialética, caos e complexidade. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004, p. 22: “Por outro lado, complexidade, fractais e caos, sob o ponto matemático e físico, poderiam ser encarados como subtítulos de uma disciplina mais genérica, à qual se atribuísse o nome de Dinâmica de Sistemas Não Lineares, englobando aplicações as mais diversas, não apenas em ciência do tipo física, química e biologia, mas ainda em meteorologia e diferentes ramos da engenharia, medicina e ciências econômicas.
O estudo da complexidade, dos fractais e do caos só se tornou prático e eficiente com o advento dos computadores de grande porte, conquanto envolva sistemas de equações diferenciais não lineares, destituídas de soluções exatas, mas admitindo soluções aproximadas, pela utilização de processos numéricos iterativos longos, na maioria dos casos inexequíveis com os recursos do tipo papel e lápis.
6PRIGOGINE, I.; STENGERS, I.; NICOLIS, G..Controlo/retroação. In: GIL, Fernando (coordenador responsável). Enciclopédia Einaudi – 26. Sistema. Portugal: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993, p. 150: “A possibilidade de definir um estado ou uma série de estados privilegiados num sistema constitui a condição mínima para que se possa afirmar que nele se exerce um controlo. Não se controla qualquer estado ou qualquer sucessão de estados, controlam-se estados particulares, quer essa particularidade resulte de uma escolha tecnológica, quer tenha uma origem puramente natural.
O caso do equilíbrio termodinâmico é, a este respeito, exemplar: com efeito, é sabido que o conjunto dos processos elementares no seio de um sistema termodinâmico em equilíbrio contribui para manter o estado de equilíbrio apesar de perturbações contínuas, tanto interiores como exteriores. A idéia de controlo pode assim ser associada à de equilíbrio termodinâmico”.
7Ibidem, p. 155: “No caso de retroação negativa, que iremos descrever, as idéias de controlo e de retroação associam-se imediatamente: o desvio entre os valores predeterminado e efetivo de um parâmetro age como causa sobre um dispositivo cujo efeito é reduzir este desvio; trata-se de, pois, de regular, de estabilizar um certo tipo de funcionamento ou de estado, de compensar as evoluções que afastam o sistema do ponto preestabelecido, de corrigir as perturbações acidentais”.
8Ibidem, p. 155-156: “A retroação é positiva enquanto um determinado desvio medido pelo receptor age como causa num dispositivo onde o efeito é de aumentar o próprio desvio”.
9CAPRA, Fritjof, op. cit., p. 264: Aqui importa destacar a distinção que Fritjof Capra faz entre equilíbrio e estabilidade, pois enquanto esta última é dinâmica e tem haver com a durabilidade e persistência do organismo, aquele sempre está em contínuo processo de cessação.
10EPICURO. Antologia de textos. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 17.
11SPINOZA. Ética. In: Os Pensadores – Spinoza Vol. II. São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 117.
12Ibidem, p. 17: Além do prazer do gozo e da alegria, Epicuro também defende o prazer da ausência de perturbação e dor que seria estável e sereno (ataraxia).
13REGNER, Anna Carolina K. P. Caos, complexidade, criatividade: a natureza como sistema – um estudo de caso. In: CIRNE-LIMA, Carlos; HELFER, Inácio; ROHDEN, Luiz (Orgs.). Dialética, caos e complexidade. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004, p. 270: “O “regular” e o “natural”, a caracterizar a “legalidade” da natureza, marcam igualmente aquelas pautas a que Darwin se refere como tendências”.
14SERRES, Michel. O nascimento da física no texto de Lucrécio: correntes e turbulências. São Paulo: Editora UNESP/EdUFSCar, 2003, p. 213.
¹⁵GLEISER, Marcelo. Criação Imperfeita: Cosmo, Vida e o Código Oculto da Natureza. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, p. 288.
¹⁶HELFER, Inácio. Op. cit., p. 179-180.
¹⁷TELLES JÚNIOR, Goffredo. Direito Qüântico: Ensaio sobre o Fundamento da Ordem Jurídica. 8ª edição. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 204: “A desordem não é a ausência de ordem, mas ausência de uma certa ordem”.
¹⁸PASCAL, Blaise. Pensamentos. In: Os Pensadores. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 53.
¹⁹Ibidem, p. 54.
²⁰Ibidem, p. 55.
²¹PASCAL, p. 55.
²²Ibidem, p. 55.
²³CIRNE-LIMA, Carlos. A herança de Platão. In: CIRNE-LIMA, Carlos; HELFER, Inácio; ROHDEN, Luiz (Orgs.). Dialética, caos e complexidade. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004, p. 83.
²⁴MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento. In: PENA-VEIGA, Alfredo; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do (Orgs.). O Pensar Complexo – Edgar Morine a Crise da Modernidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Garamond Ltda., 1999, p. 26.
²⁵COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 555.
²⁶MELO, Adélio. O Princípio da razão suficiente – limites e conjecturas. Porto, 1992, p. 150-151. Disponível a partir de: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1787.pdf >. Acesso em: 27 fev. 2010: Esse princípio implica que “nenhum fato pode ser tomado como verdadeiro ou existente, nem algum enunciado como verídico, sem que haja uma razão suficiente para ser assim e não de outro modo”, exigindo-se para o seu conhecimento a compreensão dessas causas ou razões.
²⁷Ibidem, p.154.
²⁸Se assim entendermos por uma ação desprovida de causas eficientes.
²⁹COMTE-SPONVILLE, André. O Ser-Tempo. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000ª, p. 111.
³⁰COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 157: “Doutrina segundo a qual tudo é determinado, isto é, submetido a condições necessárias e suficientes, que são, elas próprias, determinadas. Nesse sentido, o determinismo nada mais é que uma generalização do princípio da causalidade. É uma ou várias cadeias de causas a que nada escapa, nem ele mesmo: podemos agir sobre ele, modifica-lo, mas não sair dele. É o labirinto das causas, ou melhor, dos efeitos”.
³¹FREDE, Dorothea. Determinismo estóico. In: INWOOD, Brad (org.). Os estóicos. São Paulo: Odysseus Editora, 2006, p. 202.
³²Ibidem, p. 202.
³³Ibidem, p. 212-213.
³⁴Assim, os estóicos distinguem causa antecedente ou externa (que estão fora do nosso poder) da causa principal ou interna (que estão em nosso poder), sustentando daí que só o que depende de nós poderia ser considerado bem ou mal, e somente o nosso agir virtuoso traria a felicidade.
³⁵Ibidem, p. 210.
³⁶PRIGOGINE, I.; STENGERS, I.; NICOLIS, G..Sistema. In: GIL, Fernando (coordenador responsável). Enciclopédia Einaudi – 26. Sistema. Portugal: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993, p. 181.
³⁷POPPER, KARL RAIMUND. Textos escolhidos/Karl Popper. In: Davi Miller (organização e tradução). Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2010, p. 251.
³⁸COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 9.
³⁹CAPRA, p. 282: “A nova teoria dos sistemas”, ensina Fritjof Capra, “não admite um plano evolutivo previamente estabelecido”.
⁴⁰COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 253.
⁴¹SPINOSA, p. 94.
⁴²KELSEN, Hans. O que é Justiça? 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998a, p. 140.
⁴³ Ibidem, p. 141.
⁴⁴BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006, p. 136-137.
⁴⁵GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I. 7ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, Bragança Paulista/SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p. 69.
⁴⁶KELSEN, 1998a, p. 197.
⁴⁷LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 155.
⁴⁸COMTE-SPONVILLE, André. Valor e verdade. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008, p. 39-40.
⁴⁹VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. Recife: Edição OAB-PE, 1985, p. 34-35.
⁵⁰Ibidem, p. 35.
⁵¹LARENZ, p. 156-157.
⁵²CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3ª Ed. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 2002, p. 18.
⁵³LOTUFO, Renan (Coord.). Sistema e Tópica na Interpretação do Ordenamento. Barueri/SP: Manole, 2006, p. 9: “A unidade do sistema reconduz, como a ordenação valorativa, ao princípio da igualdade, que exige, de um lado, a ausência de contradições na ordem jurídica (a coerência referida por Bobbio) e de outro, critérios e princípios gerais e abstratos, que garantam que a ordem do Direito não se disperse numa multiplicidade de valores singulares e desconexos, o que lhe exige a fixação de critérios relativamente pouco numerosos”.
⁵⁴COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 515. Schopenhauer ao dizer que o mundo seria sua representação, pois não saberia nada dele, salvo o que percebia ou pensava, confunde a realidade com o seu conhecimento pelo sujeito cognitivo.
⁵⁵Ibidem, p. 515.
⁵⁶MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito I. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 27.
⁵⁷FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 1ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1989, p. 48-50.
⁵⁸POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 2ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, p. 42.
⁵⁹COMTE-SPONVILLE. Pequeno tratado das grandes virtudes. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p. 166.
⁶⁰LARENZ, p. 241.
⁶¹COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 555: Sistema (système) – Um conjunto ordenado, em que cada elemento é necessário à coesão do todo e dela depende. Assim, fala-se do sistema nervoso, do sistema solar, de um sistema informático… Em filosofia, diz-se com maior freqüência de um conjunto de ideias, “mas enquanto consideradas na sua coerência mais do que na sua verdade”, como diz Lalande”.
⁶²MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia – Tomo I (A-D). 1ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p. 529.
⁶³CONDILAC. Tratado dos sistemas. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 3: “Um sistema não é outra coisa que a disposição das diferentes partes de uma arte ou ciência numa ordem onde elas se sustentam todas mutuamente e onde as últimas se explicam pelas primeiras. Aquelas que dão razão às outras chamam-seprincípios e o sistema é tão perfeito quanto os princípios o são no menor número: é mesmo desejável que se reduza a um só”.
⁶⁴LARENZ, p. 234.
⁶⁵ COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 427.
⁶⁶LOSANO, Mário G. Sistema e estrutura no direito – vol. 3 – Do século XX à pós-modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 423-424.
⁶⁷OLIVEIRA, Armando Lopes de. Estruturas do Universo. In: CIRNE-LIMA, Carlos; HELFER, Inácio; ROHDEN, Luiz (Orgs.). Dialética, caos e complexidade. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004, p. 16.
⁶⁸COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 556.
⁶⁹VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudencia – Uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 34-36.
⁷⁰JHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953, p. 27.
71LARENZ, p. 23: A jurisprudência dos conceitos, que teve Puchta como precursor, professava que o ideal do sistema lógico jurídico “seria atingido, quando no vértice se coloca o conceito mais geral possível, em que se venham a subsumir, como espécies e subespécies, todos os outros conceitos, de sorte a que cada ponto da base possamos subir até ele, através de uma série de termos médios e sempre pelo caminho de eliminação do particular”
72CANARIS, p. 235-241.
73KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998b, p. 230.
74Ibidem, p. 229.
75ALEXY, Robert. Conceito e Validade do direito. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009, p. 21: “[…] Austin define o direito como totalidade dos comandos de um soberano” (autoridade) “que são reforçados por sanções”.
76DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 85.
77Ibidem, p. 78.
78Ibidem, p. 79.
79COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 524: “ridículo (ridicule) – Ninguém prova que deve ser amado, expondo ordenadamente as causas do amor; seria ridículo, escreve Pascal (Pensamentos, 298-283). (..)  O que é ridículo é confundir ordens diferentes, no caso a ordem do coração e a ordem do espírito ou da razão. Era o início do fragmento: “O coração tem sua ordem, o espírito tem a dele, que é por princípio e demonstração. O coração tem outra.” Tente demonstrar racionalmente a alguém que ele deve amar você: o riso ou o desdém dessa pessoa darão razão a Pascal, e quem sabe ela até o cite: “O coração tem suas razões, que a razão não conhece” (Pensamentos, 423-277; ver também o fragmento 110-282). Mesma coisa para o rei que diz: “Sou forte, logo todos devem me amar.” Seu discurso é falso e tirânico, nota Pascal (Pensamentos, 58-332); ele confunde a ordem da carne, em que o rei reina e em que a força prevalece, com as ordens do coração e do espírito, em que nem a realeza nem a força são nada. (…) Assim, o ridículo não é apenas o que presta ao riso (nem todo cômico é ridículo): é o que presta ao riso confundindo ordens diferentes, ou por confundi-las.
80MORA, 2001, p. 1962.
81COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 388.
82Ibidem, p. 389.
83BRITO, Alexis Augusto Couto de. Princípios e Topoi: A Abordagem do Sistema e da Tópica na Ciência do Direito. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Sistema e Tópica na Interpretação do Ordenamento. Barueri/SP: Manole, 2006, p. 200.
84ATIENZA, Manuel. As razões do direito – Teorias da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 54-55.
85Ibidem, p. 77.
86ATIENZA, p. 55.
87ROSS, Alf. Direito e justiça. 1ª edição. São Paulo: Edipro, 2003, p. 346.
88CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta – Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros – Volume 2º. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 380.
89Ibidem, p. 410.
90CASTANHEIRA NEVES, p. 413.
91WARAT, Luis Alberto. O direito e sua linguagem. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 20.
92CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein – Linguagem e mundo. 1ª ed. São Paulo: Annablume, 1998, p. 52-53.
93WARAT, p. 20.
94COMTE-SPONVILLE, André. Viver. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000b, p. 193.
95CONDÉ, 1998, p. 109 e 120.
96GOULET-CAZÉ, Marie-Odile; BRANHAM, R. Bracht (Orgs.).Os cínicos – o movimento cínico na Antiguidadee o seu legado. São Paulo: Edições Loyola, 2007, p. 35.
97Ibidem, p. 103.
98Ibidem, p. 105.
99Ibidem, p. 106.
100ROSS, Alf. Op. cit., p. 97-98.
101LLOYD, Dennis. A idéia de lei. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p. 271.
102ROSS, p. 99.
103LLOYD, p. 266.
104OLIVEIRA, Luciano. Claude Lefort – o paradoxo da democracia como oposição à boa sociedade. In: ALMEIDA FILHO, Agassiz; CAMPOS BARROS, Vinícius Soares de (Orgs.). Novo manual de ciência política. São Paulo: Editora Malheiros, 2008, p. 547.
105GOULET-CAZÉ, Marie-Odile; BRANHAM, R. Bracht (Orgs.), 2007, p. 67-68: “Também é Kyria, senhora do mundo”. “Quando Filêmon a invoca, ele fala de toautomaton (o acidental), enquanto Menandro fala de taprospiptonta (as coisas que acontecem)”.

6. REFERÊNCIAS

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¹Procurador Federal – Advocacia-Geral da União.