CONVERSÃO DE PRISÃO PREVENTIVA PARA DOMICILIAR DAS MÃES DELITUOSAS, COMO PROTEÇÃO AFETIVA DOS FILHOS MENORES NA FASE PRÉ-PROCESSUAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11416022


Ana Lúcia Pinheiro da Silva Gama¹;
Queldimar Monteiro da Silva²;
Orientador: Raviny Lopes do Nascimento³.


RESUMO

O texto discursivo do presente artigo traz para o cenário científico acerca da conversão de Prisão Preventiva para Prisão Domiciliar das mães delituosas, como proteção afetiva dos filhos menores na fase pré-processual, visto que no território brasileiro na espera das decisões judiciais, o réu permanece privado da sua liberdade até sair a sentença final. Porém, trata-se de mulheres que mesmo cometendo um ato que infringe o ordenamento jurídico são mães, desse modo a pergunta investigativa consistiu-se em: quais as implicações e os benefícios da conversão da prisão das mães delituosas em medidas alternativas como forma de proteger o bem-estar emocional e afetivo de seus filhos menores durante a fase pré-processual? O objetivo geral foi analisar as implicações e os benefícios da conversão da prisão das mães delituosas em medidas alternativas como forma de proteger o bem-estar emocional e afetivo de seus filhos menores durante a fase pré-processual. A metodologia adotada seguiu os procedimentos para inserção da abordagem qualitativa, com objetivo descrito pela revisão de literatura e as legislações que tratam sobre o objeto temático. Conclui-se que ainda se faz primordial uma legislação mais humanizada sobre essa mulher, mãe, que cometeu o ato contra a sociedade e perdeu a liberdade, porém encontra-se na fase pré-processual.

Palavras-chave: Prisão preventiva; Prisão domiciliar; Mães delituosas; Pré-processual; Filhos menores.

ABSTRACT

This paper aims to analyze the applicability of the conversion from Pre-trial Detention to House Arrest related to criminal mothers, as an affective protection of minor children in the pre-procedural phase in Brazil, since the awaits for the final court decision sometimes makes the defendant remains in prison during the investigation and initial phases of the criminal prosecution. However, it is argued that it is about women who, even if they commit an act that violates the legal system, they are mothers. Thus, the investigative question is: what are the implications and benefits of converting the imprisonment of criminal mothers into alternative measures as a way to protect the emotional and affective well-being of their minor children during the pre-trial phase? The general objective was to analyze the implications and benefits of converting the imprisonment of criminal mothers into alternative measures as a way to protect the emotional and affective well-being of their minor children during the pre-trial phase. The methodology followed the procedures for the insertion of the qualitative approach, with the objective described by the literature review and the legislation that deals with the thematic object. It is concluded that it is still essential to have legislation that cares about this woman, mother, but who committed the act against society and was left without liberty but is in the pre-procedural phase.

Keywords: Pre-trial detention; House arrest; Criminal mothers; Pre-procedural; Minor children.

1 INTRODUÇÃO

Ao pensar no âmbito jurídico, o entendimento sobre a privação de liberdade feita pelos sistemas prisionais, remete a inserção da retirada do convívio social dos sujeitos ao realizar algum ato criminal que inferem os princípios legais instituídos nacionalmente independente do gênero que cometeu tal transgressão.

Tão logo, o estudo tem como premissas discutir aportes sobre a conversão da prisão das mulheres que são mães, havendo a necessidade do estabelecimento da prisão domiciliar como medida de proteção afetiva para seus filhos menores durante a fase pré-processual.

Entende-se por fase pré-processual no Direito Penal brasileiro, a fase investigatória em que antecede a instauração do processo para posterior julgamento. Seria basilar que as respectivas mães pudessem acompanhar os seus filhos em casa, mesmo havendo ciência dos delitos cometidos e que haverá uma sentença, trata-se de uma cautelar.

O princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, versa que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, essas mães acusadas ainda não possuem sentença condenatória e são retiradas do cerne familiar, muitas vezes única fonte de renda e cuidado com os filhos menores.

Com o advento da Lei nº 12.403/2011, a prisão processual passou a ser apenas uma das espécies de gênero “medidas cautelares pessoais” (Zago et al., 2023). Possibilitando o cumprimento da pena de forma mais humanizada.

Desse modo, é importante destacar a necessidade de alterações em relação ao sistema penitenciário especificamente para as mulheres, que em casos da maternidade deveriam efetivar a privação da liberdade pelo cumprimento domiciliar, visto que em certos casos ainda nem ocorreu a condenação.

Esse formato prisional é uma prática no qual, segundo (Costa et al., 2023):

O juiz com o intuito de proteger o próprio processo penal decreta a prisão processual, não sendo ela uma antecipação da condenação, ela busca justamente assegurar a correta aplicação da lei penal.

Ademais, ao buscar pelas redações atuais, verifica-se que o Código de Processo Penal elencou em seu artigo 318, algumas hipóteses em que o juiz poderá substituir a prisão preventiva em domiciliar. A Lei nº 13.257/16, conhecida como ‘Lei da Primeira Infância’, de 08 de março de 2016, inseriu mais duas hipóteses a este rol, quais sejam: gestantes e mulheres com filhos de até 12 (doze) anos de idade incompletos (Brasil, 2016).

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu uma decisão em 2018 que concedeu a ordem de conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar a todas as mulheres gestantes, puérperas ou mães com crianças menores de 12 anos sob sua responsabilidade, desde que não tenham cometido crimes violentos contra seus descendentes.

Diante do contexto exposto a pergunta investigativa que impulsionou a busca de resposta foi ordenada em: Quais as implicações e os benefícios da conversão da prisão das mães delituosas em medidas alternativas como forma de proteger o bem-estar emocional e afetivo de seus filhos menores durante a fase pré-processual?

Sendo que, o objetivo geral perfaz uma ação para analisar as implicações e os benefícios da conversão da prisão das mães delituosas em medidas alternativas como forma de proteger o bem-estar emocional e afetivo de seus filhos menores durante a fase pré-processual.

Enquanto os objetivos específicos foram ordenados para:

  • identificar os tipos de prisões no ordenamento jurídico brasileiro;
  • contextualizar a importância da família à criança;
  • discorrer sobre a aplicabilidade da prisão domiciliar durante a fase pré-processual;

Trata de uma temática de relevância social e científica para doutrinadores do direito, acadêmicos e profissionais que se debruçam pelo objetivo temático, bem como para todos os futuros bacharéis em direito.

Assim, de forma sequenciada estruturou o artigo para fundamentar ao leitor a compreensão das discussões, os materiais e métodos encontrados que referendam todo suporte teórico.

2 MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa seguiu os procedimentos de um estudo com abordagem qualitativa, com o objetivo exploratório-descritivo em estudos que discorram sobre o objeto temático através da revisão de literatura.

Para tanto, o método de pesquisa foi o dedutivo proposto pelos filósofos racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz (Marconi; Lakatos, 2003), a partir dos princípios gerais de Direito e do Direito penal e processual penal, para dar resposta ao caso concreto a ser debatido.

No que concerne a coleta de dados, a busca avançada ocorreu em Revistas Científicas e Jurídicas que tenham publicado em língua portuguesa, no recorte temporal de 2003 a 2023, além de livros e legislações que regulamentam os princípios do ordenamento jurídico brasileiro.

3 RESULTADOS

Ao realizar o levantamento, selecionou-se artigos que tenham sido publicados no período de 2003 a 2023 que dialogam sobre os tipos de prisões no ordenamento jurídico brasileiro, como forma de construção em linha do tempo sobre a importância da família à criança e a aplicabilidade da prisão domiciliar durante a fase pré-processual.

Tão logo, verifica-se que, conforme narra, (Costa et al., 2023):

A população carcerária feminina vem crescendo gradativamente com o passar dos anos, ao adentrarem ao sistema prisional, as mulheres recebem tratamento semelhante ao dos homens, em grande parte das vezes sendo submetidas a tortura e vivendo em situações desumanas.

Discorrer acerca do sistema penitenciário brasileiro é ter inicialmente nesse processo o entendimento de revelar significativas informações que se apresenta como um rol de descasos referente às políticas públicas na área penal. Além disso, é preciso enfatizar a história desses modelos edificados e aplicados nos presídios que temos no país na contemporaneidade.

A origem do conceito de prisão como pena teve seu início em mosteiros no período da Idade Média, o propósito de punir os monges e clérigos que não cumpriam com suas funções, quando estes faltavam com suas obrigações eram coagidos a se recolherem em suas celas e se dedicarem à meditação e à busca do arrependimento por suas ações, ficando, dessa forma, mais próximos de Deus, inspirados com a ideia, os ingleses construíram em Londres o que foi considerada a primeira prisão destinada ao recolhimento de criminosos (Machado; Souza; Souza, 2013, p. 202).

Ademais, a denominada House of Correction, foi construída no período de 1550 a 1552, mas o conceito de seu funcionamento se difundiu de forma acentuada no século XVIII (Mirabete; Fabbrini 2012, p. 235). Os contextos históricos apontam que inúmeros séculos as prisões tinham como finalidade a custódia e tortura.

Para tanto, é salutar compreender que os comportamentos sociais mudaram, e os sistemas prisionais, assim como as legislações precisam ser refeitas para atuar com os quesitos legais, porém dentro da finalização dos julgamentos, principalmente no que tange as mulheres que precisam resguardar os aportes afetivos aos filhos, enquanto prioridade essencial para o desenvolvimento de um cidadão.

Conforme descreve, (Tamalone, 2022):

Pois, é notório que as prisões domiciliares são previstas na lei penal desde 1984 que sofreu recentes alterações, sendo a mais relevante a prevista no Estatuto da Primeira Infância, com o objetivo fundamental de proteção da criança de até 7 anos de idade.

Ainda de acordo com a descrição feita pela referida autora referente as recentes alterações no Estatuto da Primeira Infância:

A prisão domiciliar foi admitida para mulheres gestantes, mulheres grávidas em qualquer período gestacional e para mães com filhos de até 12 anos de idade, justamente para a possibilidade de proteção da primeira infância da criança, para que ela não tenha contato com o ambiente insalubre, cruel e sem condições ambientais e estruturais dos cárceres brasileiros.

Partindo desses resultados iniciais, promoveu-se as discussões de forma ampla pela revisão de literatura.

4 DISCUSSÃO

4.1 Tipos de prisões no ordenamento jurídico brasileiro

Neste debate sobre o encarceramento feminino no Brasil, verifica-se que as raízes históricas que remontam à Constituição Imperial de 1824 e ao Código Criminal de 1830. Sobre este período que remonta às Ordenações Filipinas, que determinava crimes e penas que seriam aplicadas no Brasil.

Telles afirma o seguinte:

Punições severas e cruéis, inexistência do princípio da reserva legal e do direito de defesa, penas arbitradas desproporcionalmente pelos juízes, e desiguais, conforme o status do apenado, e punição de delitos religiosos e absurdos, como a heresia e o benzimento de animais. Pena de fogo em vida, de ferro em brasa, de mãos cortadas, de tormentos, além, é claro, da transmissão da infâmia aos descendentes do criminoso, revelam o grau de crueldade e desumanidade desse direito (Teles, 2006, p.27)

É somente a partir do século XVIII, que se inicia a reforma do sistema punitivo, onde são introduzidas regras consideradas inovadoras para a época, como a proibição de castigos cruéis, a restrição de penas à pessoa do infrator e a exigência de condições dignas nas prisões (Sena, 2008).

Assim, ao chegar no século XVIII a pena privativa de liberdade passa a ser inserida no rol de punições do Direito Penal. Gradativamente ocorre o banimento das penas desumanas e a pena de prisão passa a exercer um papel de punição de fato, e passa a ser tratada como a humanização das penas, e os atos de violência são delimitados por regras com a punição da liberdade em regime fechado (Brasil, 2019),

Nas descrições realizadas por Bitencourt (2017, p. 460), verifica-se que:

Até fins do século XVIII a prisão serviu somente à contenção e guarda de réus para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, a pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.

Entretanto, a realidade prisional do Brasil não estava adaptada para essa nova realidade, devido à falta de condições em que os presos viviam, diante de tal necessidade iniciaram os primeiros projetos do que se tornariam as penitenciárias.

Ao retornamos na Constituição do Império do Brasil de 1824, em seu artigo 179, encontramos a proclamação da inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos Brasileiros, ocorrendo à liberdade, a segurança individual e a propriedade. Atestando a abolição dos açoites, torturas e as penas cruéis restantes (Brasil, 1824).

Eles refletiam a influência do Iluminismo Penal e da Escola Clássica do Direito Penal, que enfatizavam a prevenção e a reabilitação dos infratores. No entanto, o cenário começou a mudar com a ascensão da Escola Positivista no final do século XIX e início do século XX, introduzindo a ideia de que o comportamento criminoso estava ligado a características individuais. Isso levou à criação do perfil do criminoso, inclusive das mulheres, que passaram a ser vistas como menos evoluídas biologicamente.

A introdução do Código Penal de 1940 representou uma fusão dessas abordagens, enfatizando a individualização das penas. Além disso, o Código Penal de 1940 trouxe a primeira menção ao cumprimento de penas em instituições específicas para mulheres. Nesse sentido, o art. 29, § 2º, do Código Penal de 1940, salienta que “[…] as mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta dele, em secção adequada de penitenciária ou prisão comum, ficando sujeitas a trabalho interno” (Brasil, 1940).

Isso levou alguns estados a construírem prisões exclusivas para mulheres. À medida que as oportunidades de emprego fora de casa cresceram no início do século XX, mulheres que não se enquadram nos estereótipos tradicionais passaram a ser vistas como desviantes. A pesquisa revela que muitas mulheres foram detidas por desordem, demonstrando como o Estado punia aquelas que não se conformavam com os padrões aceitos (Pereira, 2020).

A história do encarceramento feminino no Brasil, portanto, reflete uma evolução complexa, desde ideais liberais até abordagens positivistas, culminando na criação do Código Penal de 1940 e na percepção em evolução das mulheres na sociedade, influenciando quem era considerado “desviante”.

No sistema jurídico brasileiro, as prisões são divididas em duas fases distintas: a prisão provisória, que ocorre antes da condenação do acusado, e a prisão como sanção penal, que acontece após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória. As medidas cautelares, parte desse sistema, são categorizadas em medidas cautelares pessoais e patrimoniais reais. As medidas cautelares pessoais incluem a prisão preventiva e medidas alternativas à prisão, enquanto as patrimoniais reais estão previstas em diferentes artigos do Código de Processo Penal.

Essas medidas cautelares são caracterizadas por sua instrumentalidade hipotética, acessoriedade, preventividade, sumariedade e provisoriedade, de acordo com a abordagem de Gustavo Badaró. No entanto, essas características não são exclusivas das medidas cautelares, e é necessário analisar sua presença globalmente para determinar sua natureza cautelar. No contexto das medidas cautelares pessoais, existem três modalidades de prisões cautelares: prisão em flagrante delito, prisão temporária e prisão preventiva.

A prisão preventiva é considerada uma medida extrema e só deve ser aplicada quando não houver alternativa menos gravosa, de acordo com o artigo 282 do Código de Processo Penal (Brasil, 1941):

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (Brasil, 1941).

Todavia, ao contextualizar sobre os tipos de prisões e as preventivas como cautelas em casos de mulheres grávidas, tornar-se-á salutar prover discussões da importância da figura materna, mesmo tendo cometido um delito, os ensinamentos para os filhos são extremamente notórios para os aspectos socioemocional do sujeito, para atuar dentro dos princípios da dignidade humana pela formação familiar.

4.2 A importância da família à criança

Dentro do escopo legal, a Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 227 atribuiu à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade absoluta de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem uma série de direitos, dentre eles a convivência familiar e comunitária, aliás assim diz nossa constituição cidadã:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Brasil. 1988).

Além da Carta Magna de 1988, têm-se a redação do artigo 4º da Lei nº 8.069/90 conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, que rememora o mandamento constitucional de proteção à convivência familiar e comunitária nos seguintes termos:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (Brasil. 1990).

Diante dos aportes legais, Baranosk ressalta que “direitos fundamentais são os direitos adquiridos pelo fato de ser humano, direitos inerentes a natureza humana, há necessidade deles para viver dignamente como cidadãos. ” (2013, p. 04). O autor amplia que dentre os direitos estão aqueles da convivência familiar que não podem ser violados, enquanto direito constitucional da dignidade da pessoa humana, ademais “a negação desse direito fundamental, que é a convivência familiar, seria, por conseguinte, a negação da condição de cidadania de uma criança ou um adolescente” (Baranosk, 2013, p. 4).

Tão logo, o direito a família, precisa ser analisado em situações em que as mães cometem delitos. Daniela Marques, aponta a importância da presença de uma pessoa, nos cuidados de uma criança ao dizer que:

Nos primeiros dias, meses e anos de vida de um ser humano, acontece uma ligação intensa e importantíssima entre a criança e o seu cuidador. É nesse curto período que o alicerce para a construção de todo o comportamento será construído e influenciará as outras áreas da vida. (Marques, 2016).

Quando ocorre o distanciamento da mãe, algumas rupturas tornam-se lacunas no campo socioemocional, fazendo uma formação lacuna que interfere em diversos aspectos na vida destes sujeitos. Marques (2016) narra, que as consequências da falta de cuidados contínuos de uma pessoa podem acarretar o desenvolvimento de uma criança, causando alguns prejuízos de ordem cognitiva, intelectual e emocional:

As crianças que nascem e crescem em abrigos ou que nos primeiros anos de vida passam muito tempo longe da mãe, em locais onde os cuidadores são poucos e não interagem de forma intensa e próxima, não terão aquela correspondência mental que o tempo com a mãe exclusivo ofereceria. A fase oral então é prejudicada, o crescimento neurológico nos primeiros três anos da mesma forma, o que acaba, como consequência, interferindo nas áreas que se formarão. (Marques, 2016).

Cunha (2018), também aponta que a separação de mães e filhos decorrentes do cárcere mostra-se como uma drástica ruptura no desenvolvimento digno das crianças, haja vista a família ser a primeira instituição responsável pelo cuidado da criança.

4.3 Proteção afetiva

Para falar sobre a proteção afetiva, primeiramente é necessário um resgate utilizado sobre afetividade pelos teóricos que defendem a “afetividade” como pressupostos para vida social e emocional, mas que segue conciliados com os aspectos legais.

Nesse sentido, alguns termos precisam ter aclaramentos para melhor compreensão e sentido nas discussões que tratam sobre “proteção” e “afetividade”. Assim, inicia-se ressaltando sobre a proteção enquanto ato ou efeito de amparar, de defender contra algo ou alguém que possa causar dano, seja por fatores físicos, emocionais, legais, sociais ou ambientais.

No Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA homologado pela Lei 8069 de 1990 menciona sobre proteção relacionada ao público que apresenta maior vulnerabilidade em detrimento dos demais cidadãos que são os menores de idade.

A doutrina da proteção integral, enquanto paradigma nuclear do ECA, é ancorada em diretrizes internacionais estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Convenção sobre os Direitos das Crianças (CDC) em 1989, ratificada pelo Brasil no decreto n. 99.710/1990 (Brasil, 1990), que estabelece direitos para crianças e adolescentes, relacionados à proteção (contra a violência e a exploração, entre outras), à provisão (educação, saúde, alimentação etc.), à participação e à proteção específica (quando é parte de população vulnerável, como indígenas ou pessoa com deficiência) (Brasil, 1990).

E, como princípios: a não discriminação (artigo 2º), o melhor interesse da criança (artigo 3º), o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento (artigo 6º) e o direito de opinar, ser ouvida e levada a sério (artigo 12º), considerando-se sua idade e maturidade (Brasil, 1990).

A “proteção integral” implica “cuidados e responsabilidades”, prerrogativas a serem asseguradas pela sociedade e pelo Estado às crianças e aos adolescentes, de maneira a “operacionalizar a proteção de seus Direitos Humanos” (Nogueira Neto, 2007, p. 31).

Todavia, não basta somente proteger deve ser realizada uma conciliação com afeto, nesse sentido para referendar sobre a afetividade recorre-se aos psicólogos Wallon, Piaget e Vygotsky. Assim, por meio de Wallon (1995), a afetividade é considerada como as manifestações psíquicas precoces na vida das crianças, estando ligada aos movimentos ou às gesticulações. O seu desenvolvimento se dá por meio da interação dos aspectos orgânicos e sociais, impossíveis de serem dissociados, já que exercem funções complementares e recíprocas.

Doravante, Piaget (1975), traz a afetividade inserindo as faixas etárias:

Dos dois aos doze anos da vida humana, vários domínios da afetividade sofrem modificações com o desenvolvimento da cognição: os interesses e os valores, os sentimentos pessoais, as brincadeiras etc. Até os dois anos, aproximadamente, as emoções e sentimentos gerados do contato do bebê com a mãe são centrados no próprio corpo da criança, constituindo esquemas afetivos globais.

Na teoria de Piaget, a afetividade é caracterizada como um instrumento propulsor das ações, estando a razão a seu favor. Por conseguinte, Vygotsky (2001), frisa que a emoção constitui uma base afetiva para compreender de forma adequada o pensamento humano e tendo este autor concebido a pessoa como um todo (abordagem holista), não separou o afetivo do cognitivo.

A vida emocional está conectada a outros processos psicológicos e ao desenvolvimento da consciência de um modo geral. Ou seja, o indivíduo é o resultado do desenvolvimento de vários processos, afetivo, mental, cognitivo e físico, tanto interno como externo (Vygotsky, 2001).

Com as contribuições dadas pelos teóricos, relembra-se que as definições de afetividade vislumbram conceitos que dialogam diferentemente do senso comum, como sempre receber um sim, ou só vivenciar sentimentos positivos, mas, se refere à capacidade da pessoa de ser envolvida e influenciada positiva ou negativamente tanto por sensações externas como internas.

Tão logo, a proteção afetiva dos menores que perfaz os aportes desta pesquisa, e destacada como a ação que resguarda uma proteção integral do campo socioemocional. Por isso, a importância da relação afetiva entre mãe e filho diante de uma privação de liberdade em detrimento de delitos ocasionados.

4.4 Aplicabilidade da prisão domiciliar durante a fase pré-processual

Conforme Araújo Neto (2014, p. 01), o “cumprimento da pena tem por objetivo refrear a ação delituosa, porém, também tem o propósito de mostrar à sociedade que o crime não compensa”, tendo como finalidade punir e reintegrar o criminoso no seio social.

Entretanto a intencionalidade da pena situa-se na defesa social pela proteção de bens jurídicos considerados imprescindíveis para a convivência em sociedade, sendo este o fim do Direito Penal, e a pena, o dispositivo legal utilizado para as medidas e princípios de segurança.

Diante desta tratativa, o número progressivo de gestantes e mães nas prisões brasileiras, causam um grande desarranjo, tanto na vida dessa mulher, como na vivência de seus familiares e principalmente na rotina dos filhos. Um levantamento feito por um sistema de informações de estatística do Sistema Penitenciário Brasileiro, INFOPEN (Brasil, 2014), informa que, 74% das mulheres que estão presas possuem filhos, e isso evidencia que um número considerável de crianças não tem uma vivência diária com suas mães.

Contudo, ao olhar para a Lei de Execuções Penais, existe a possibilidade de concessão da prisão domiciliar com personalidade de pena em sua aplicação às mulheres quando tratar-se das seguintes situações: condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; condenada gestante (Costa et al., 2023).

Diante disso, faz-se necessário ainda, conforme cita, (Costa et al., 2023):

A aplicação de concessão da prisão domiciliar em casos de filhos que dependem exclusivamente das mães mesmo não possuindo deficiência e sendo esses maiores uma vez que hoje, a adolescência é considerada estendida até os 24 anos de idade em decorrência do fato de jovens estarem optando por estudar por um período mais longo, não só até a faculdade.

Não obstante, se faz primordial fazer aclaramento em relação a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, que alterou dispositivos relativos à prisão processual e demais medidas cautelares, regulamentou, nos arts. 317 e 318 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva domiciliar, elegendo como situações cabíveis aquelas em que o investigado (ou alguém sob os seus cuidados) estivesse em situação de extrema vulnerabilidade (Brasil, 2011).

Além disso, a prisão domiciliar é uma modalidade especial de cumprimento da prisão preventiva, estabelecida pela Lei nº 12.403/2011. Ela pode ser aplicada a indivíduos que atendam a determinados critérios, como idade avançada, debilidade extrema de saúde, cuidados especiais com crianças menores de 6 anos, gestantes, mulheres com filhos menores de 12 anos ou homens que sejam os únicos responsáveis por cuidar de crianças menores de 12 anos, desde que não tenham cometido crimes violentos ou contra seus próprios filhos ou dependentes.

No entanto, a aplicação dessa medida depende da análise do juiz e das circunstâncias de cada caso. Portanto, as medidas cautelares no sistema jurídico brasileiro desempenham um papel crucial na preservação de direitos e na garantia da ordem pública, mas devem ser aplicadas com critérios rigorosos, observando-se os princípios da proporcionalidade e da legalidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegar nas palavras finais deste estudo, verifica-se como é salutar trazer para o campo científico discussões desta natureza, principalmente na área do Direito, no qual ainda muitas legislações precisam ser repensadas, especificamente aquelas envoltas as questões pré-processual.

Nesse sentido, o objeto temático ainda tornar-se-á um desafio, pois ao pensar na identidade social de um cidadão, verifica-se uma dependência interligada aos fatores protetivos e afetivos, pois não basta ter carinho e atenção, é necessário entender as questões socioemocionais, uma vez que as emoções e lembranças formam os campos mentais dos sujeitos.

Destarte, frisa-se que a infância é uma etapa fundamental para o desenvolvimento do ser humano e a adolescência não é considerada como uma simples passagem para a vida adulta, mas é um momento em que o sujeito se confronta com a realidade para resguardar a identidade social, no qual a presença da mãe contextualiza todos os aparatos para fundamentar o exercício de cidadania sem danos específicos da afetividade, mas com muita proteção.

Sendo assim, ao concluir delineia-se que as mães delituosas deveriam ter direito a prisão domiciliar no período pré-processual na tratativa de cuidar e amparar os seus filhos, mesmo com um cenário de futura privação de liberdade, uma vez que muitas destas mulheres são o alicerce financeiro, afetivo e emocional de suas famílias.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO NETO, João Lopes de. Regimes prisionais adotados no Brasil. 2014. Disponível em: http://www.webartigos.com. Acessado em: 12 abr. 2024.

BARANOSKI JUNIOR, Geraldo. Convivência familiar como um direito fundamental para a criança e ao adolescente. 2015. Disponível em: http://www.simposiodedireitouepg.com.br/2015/selecionados.php>. Acesso em 15 de abr. 2024.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

BRASIL. Constituição do Império do Brasil de 1824. Brasília. 1824.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 1940.

BRASIL. Lei de Execução Penal nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Brasília. 1984.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: 1988.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1990.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. Brasília, DF: Presidência da República, 2011.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016. Brasília, DF: Presidência da República, 2016.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN MULHERES – jun., 2014. Brasília, 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 143.461. São Paulo, 2018. Ministro Relator: Ricardo Lewandowski. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=503414&ori=1. Acesso em: 18 de setembro de 2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mês da Mulher: em 2018, STF autorizou prisão domiciliar para gestantes e mães. Brasília, 2018. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=503414&ori=1#:~:t ext=M%C3%AAs%20da%20Mulher%3A%20em%202018,em%20todo%20o%20territ %C3%B3rio%20nacional. Acesso em: 14 de set. 2023.

COSTA, Ana Clara de Sousa. A prisão domiciliar e a necessidade de adequação à mulher presa. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9. n.11. nov. 2023.

CUNHA, Rogerio Sanches. Manual de direito penal. 6.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.

MACHADO Ana Elise Bernal. SOUZA, Ana Paula dos Reis. SOUZA, Mariani Cristina de. Sistema Penitenciário Brasileiro: origem, atualidade e exemplos funcionais. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 10, n. 10, 2013.

MARCONI, M. A; LAKATOS, E. M. Fundamentos da Metodologia Científica. São Paulo: Editora Atlas, 2003.

MARQUES, Daniela. A importância da presença da mãe nos primeiros anos de vida. Disponível em: http.: //www.educandonacontramao.com.br/2016/06/17. Acesso em: 20 de abr. 2024.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual De Direito Penal, V. 1. São Paulo: Editora Atlas. 2012.

NOGUEIRA NETO, Wanderlino. Promoção e Proteção dos Direitos Humanos de Geração. 2007. Disponível Em: Http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/file/publi/xtras/direitos_humanos_de_geraca o.Pdf. Acesso em 20 Abr. 2024.

PEREIRA, Brenda Berkaier Pimenta Dutra. Encarceramento Feminino E O Princípio da Dignidade Humana. 2020. Disponível em <

https://www.unifacvest.edu.br/assets/uploads/files/arquivos/5be2c-pereira,-brendapi menta-dutra.-encarceramento-feminino-e-o-principio-da-dignidade-humana.-lages,unifacvest,-2020..pdf> Acesso em: 18 de set. de 2023.

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Tradução: Cabral, A.Oiticica, C.M. 2. Ed. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: INL. 1975.

SENA, Virdal. Sistema penitenciário brasileiro. 2008.

TALAMONE, Rose. Prisão domiciliar para as mulheres grávidas e com filhos de até 12 anos tem como objetivo principal a proteção da primeira infância. Jornal da USP, ago. de 2022. Disponível em:

https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/serie-mulheres-e-justicaprisao-domiciliar-p ara-as-mulheres-gravidas-e-com-filhos-de-ate-12-anos-tem-comoobjetivo-principal-aprotecao-da-primeira-infancia/. Acesso em: 20 abr. 2024.

TELES, Ney Moura. Direito penal: Parte Geral I. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

VYGOTSKY, L. S. A Construção do pensamento e da linguagem. Martins Fontes. 2001.

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1995.

ZAGO, Marcelo; ROLIM, Flávio; CURY, Nafêz I. Processo Penal Decifrado. (Coleção Decifrado). [Local da Editora]: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559646487. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559646487/. Acesso em: 26 de maio. 2024.


¹Acadêmico de Direito. E-mail: annapinheiro8329@gmail.com. Artigo apresentado a UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito Porto Velho/RO, 2024.
²Acadêmico de Direito. E-mail: kelzinhamonteiro1674@gmail.com. Artigo apresentado a UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito Porto Velho/RO, 2024.
³Professor Orientador. Professor do curso de Direito. E-mail: raviny.nascimento@gruposapiens.com.br