CONTROLE DE JORNADA NAS CONDIÇÕES DE TELETRABALHO À LUZ DA DOUTRINA E NORMAS TRABALHISTAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8047797


Vandelia Batista Ribeiro1
Murilo Braz Vieira2


RESUMO

O presente artigo visa demonstrar como surgiu o teletrabalho, resultado das inovações tecnológicas e da globalização da economia, abordando o seu contexto histórico, quais os elementos que o caracterizam, e como se deu a previsão legal dessa modalidade na legislação brasileira. O instituto de teletrabalho, vem crescendo no Brasil e no mundo e ganhando uma importância cada vez maior, principalmente pelas vantagens e comodidades que proporciona. No entanto, é uma modalidade de laboro relativamente nova e com características bem peculiares em relação ao modelo de trabalho tradicional, sendo perfeitamente previsível que haja dúvidas quanto aos seus regramentos, como por exemplo, como é feito o controle de jornada, que será também objeto de estudo deste artigo.

Palavras-chave: Controle de Jornada. Normas Trabalhistas. Teletrabalho.

ABSTRACT

This article aims to demonstrate how telework emerged, a result of technological innovations and the globalization of the economy, approaching its historical context, what elements characterize it, and how this modality was legally foreseen in Brazilian legislation. The teleworking institute has been growing in Brazil and in the world and gaining increasing importance, mainly due to the advantages and amenities it provides. However, it is a relatively new type of work and with very peculiar characteristics in relation to the traditional work model, and it is perfectly predictable that there will be doubts about its rules, such as, for example, how the working hours are controlled, which will also be the subject of study for this article.

KEYWORDS: Journey Control. Labor Standards.Telework.

INTRODUÇÃO

Nos últimos tempos do século XX e início do XXI, o mundo pós-moderno passou por transformações que revelou novas formas de interação entre as pessoas, aumentando ainda mais a complexidade da dinâmica social.

Como consequência dessa evolução, houve o evidente processo de modernização e aperfeiçoamento das técnicas de gestão empresarial, que substituíram os procedimentos tradicionais por novas formas de trabalho o teletrabalho se destaca como um dos mais difundidos, graças à disseminação dos modernos meios de comunicação e à popularização do acesso à Tecnologia da Informação.

A modalidade de trabalho denominada teletrabalho apresenta-se como uma realidade na atualidade recebendo destaque principalmente após o advento de uma pandemia mundial causada pelo vírus covid 19 onde essa forma de trabalho contribuiu consideravelmente na gestão das relações de trabalho e emprego.

Nesse panorama de crescente economia global e de avanços tecnológicos, uma nova forma de trabalho, com características peculiares, obviamente acarreta dúvidas relacionadas aos regramentos jurídicos cabíveis para tal modalidade como por exemplo a questão relacionada ao controle da jornada de trabalho.

Entender como o teletrabalho é prestado e diferenciá-lo da maneira tradicional, constitui um dos pontos mais importantes por quem adota essa prática de trabalho, pois implica em uma forma de laboro com características totalmente diferentes.

Dessa forma, faz-se necessário conhecer quais são os elementos que caracterizam o teletrabalho, em quais pontos ele se diferencia do modo tradicional e principalmente pontuar como se dá o controle de jornada no teletrabalho, objeto de estudo do presente artigo.

Portanto, verificar como são estabelecidas as relações no teletrabalho entre o empregado e o empregador de forma que sejam mantidos os direitos trabalhistas já instituídos em lei e como as normas jurídicas recepcionaram o teletrabalho, sem prejuízo para ambas as partes, é primordial para um conhecimento mais aprofundado sobre o tema.

Diante do contexto cabe ressaltar que essa pesquisa apresenta como objetivo apontar as principais características do teletrabalho, realizar um recorte histórico e apontar os elementos dessa categoria bem como a resolução da hipótese central: “De que forma as Garantias dos Direitos Trabalhistas na posição de Teletrabalho são mantidas no que diz respeito a jornada de Trabalho”.

Ademais o presente artigo foi divido em quatro partes de abordagem sendo: o primeiro capítulo destinado ao histórico do teletrabalho e como esse se tornou uma modalidade veemente presente nos dias atuais seguido pelo segundo capítulo que objetiva analisar o teletrabalho na legislação brasileira e as alterações promovidas na legislação para contemplá-lo.

Após esses tópicos, no terceiro capítulo é descrito as características do teletrabalho e no último capítulo é realizado uma explanação sobre o controle da jornada de trabalho no teletrabalho, desde a forma como é feita esse controle (se é permitido o controle, quando que pode e quando não é permitido o controle de jornada,) bem como o que tem dito a jurisprudência a respeito do assunto.

Cabe salientar que para o presente estudo, será utilizada a pesquisa bibliográfica, objetivando debater pontos importantes a respeito do teletrabalho, com uma análise sobre o aspecto legal, considerando a CLT, doutrina e a jurisprudência aplicável ao tema. Para embasamento da pesquisa os ensinamentos dos doutrinadores: Sergio Pinto Martins, Carlos Henrique Bezerra Leite, Rogério Renzetti dentre outros serão utilizados por trazerem valiosos conceitos, características e ensinamentos na área.

1. BREVE HISTÓRICO DO TELETRABALHO

A origem do teletrabalho remonta a meados do século XIX, nos Estados Unidos, com a utilização do telégrafo. Nessa época, os operadores podiam trabalhar remotamente, desde que tivessem acesso às infraestruturas necessárias.

Sobre este contexto histórico Sérgio Pinto Martins ressalta que “a origem do trabalho a distância é a utilização do telégrafo em 1857, nos Estados Unidos, na Companhia Estrada de Ferro Penn, que passou a usar o equipamento para gerenciamento do pessoal que trabalhava distante do escritório central. (Martins. 2023. p. 500).

No entanto, o termo “teletrabalho” só foi criado na década de 1970, durante a crise do petróleo. Como bem destaca Maurício Godinho Delgado:

Uma conjugação de fatores verificou-se nessa época. De um lado, uma crise econômica iniciada alguns anos antes, entre 1973/74 (a chamada crise do petróleo), que não encontrou resposta eficaz e rápida por parte das forças políticas então dirigentes. A crise abalava a higidez do sistema econômico, fazendo crescer a inflação e acentuando a concorrência interempresarial e as taxas de desocupação no mercado de trabalho. A par disso, agrava o déficit fiscal do Estado, colocando em questão seu papel de provedor de políticas sociais intensas e generalizantes. (Delgado, 2019, p. 112).

Diante deste cenário o teletrabalho se destaca como uma nova forma de prestação laborativa. De acordo com Delgado:

De outro lado, um processo de profunda renovação tecnológica, capitaneado pela microeletrônica, robotização e microinformática. Tais avanços da tecnologia agravaram a redução dos postos de trabalho em diversos segmentos econômicos, em especial na indústria, chegando causar a ilusão de uma próxima sociedade sem trabalho. Além disso, criavam ou acentuavam formas de prestação laborativa (como o teletrabalho e o escritório em casa – home-office), que pareciam estranhas ao tradicional sistema de contratação e controle empregatícios. (Delgado. 2019. p. 112).

Em 1976, Jack M. Nilles publicou a obra “The Telecommunications Transportation Trade-Off” onde foi responsável por introduzir o termo “telecommuting” para descrever essa nova forma de trabalho, o teletrabalho como “processo de levar o trabalho aos funcionários em vez de levar estes ao trabalho.” (Melo, 1999, Pg.11).

A referência à obra de Nilles destaca que na década de 70, o teletrabalho surge como uma alternativa para resolver problemas de trânsito e infraestrutura inadequada. Com a tecnologia disponível, tornou-se viável trabalhar fora da empresa, em casa, por exemplo. Mais de um século depois da primeira experiência de trabalho remoto com telégrafo, o teletrabalho se firmou como uma forma de trabalho moderna.

Conforme a perspectiva de Nilles, o conceito de teletrabalho consiste em levar as atividades laborais até os trabalhadores, ao invés de exigir que estes se desloquem para o local de trabalho central. Isso pode envolver uma frequência de trabalho fora do escritório central, em um ou mais dias da semana, podendo ser realizado em casa ou em um centro de tele serviço.

Para Nilles, o termo teleserviço engloba todas as alternativas que substituem as viagens ao trabalho por meio de tecnologias de informação, como telecomunicações e computadores.

Com a Globalização e a Revolução Tecnológica da Informação, ocorridas no final do século XX e início do século XXI, o teletrabalho se consolidou na sociedade contemporânea como um reflexo dessas inovações permitindo conexões à distância de forma global, retirando as barreiras de tempo e espaço. Dessa forma, o teletrabalho se tornou uma realidade presente em muitas empresas, permitindo que trabalhadores realizem suas atividades de forma remota, sem a necessidade de estarem fisicamente presentes na empresa.

Ao longo das últimas décadas, o teletrabalho tem se tornado uma modalidade cada vez mais relevante de prestação de serviços em diversos países, inclusive no Brasil. Em julho de 1999, foi criada a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT, após o primeiro Congresso Brasileiro de Teletrabalho – CBT possuindo como missão:

Divulgar e promover o Teletrabalho em todas as suas formas e aplicações, apoiando e incentivando o seu desenvolvimento nas áreas tecnológica, econômica, política e social, com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores, conciliando-a com maior flexibilidade de atuação das empresas e organizações e propiciando um melhor equilíbrio  entre  tecnologia,  meio-ambiente, trabalho, produtividade, custos, bem-estar e inclusão social. Site institucional  (SOBRATT- Cartilha  de Orientação ao Teletrabalho).

Além disso, em 2011, a redação do artigo 6º das Consolidações das Leis do Trabalho foi alterada pela Lei nº 12.551, reconhecendo o teletrabalho como uma modalidade de trabalho válida. Já em 2017, a Reforma Trabalhista, aprovada pela Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, entrou em vigor, trazendo mais regulamentações sobre o teletrabalho.

Com a pandemia do COVID-19, o teletrabalho ganhou força, impulsionado pelo isolamento social obrigatório, com isso, houve uma repentina necessidade das empresas e seus funcionários começarem a adotar o teletrabalho como forma de dar continuidade ao trabalho.

A partir de 05/09/2022, passou a ser vigente a Lei 14.442/2022, que apresenta aspectos de grande importância para trabalhadores e empregadores no Brasil em relação à regulamentação do trabalho realizado com o auxílio da tecnologia, como internet, notebook, celular, programas de computador, entre outros, e que é realizado total ou parcialmente fora da sede ou filial do empregador.

Diante deste breve histórico do teletrabalho, o subtítulo seguinte irá tratar sobre essa modalidade de trabalho frente a legislação brasileira.

2. TELETRABALHO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O antigo artigo 6º da CLT, redigido em 1943, dispunha que “não haveria distinção entre o trabalho realizado na sede do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que houvesse relação de emprego estabelecida”. Isto já indicava que o local de trabalho não era relevante, desde que houvesse relação empregatícia estabelecida, mesmo quando o trabalho era realizado remotamente.

Com o avanço das tecnologias de comunicação e a mudança rápida na forma de prestação de serviços, o legislador precisou atualizar a redação do artigo, que havia sido mantida por quase 70 anos.

A alteração foi introduzida pela Lei 12.551/2011 e equiparou o trabalho realizado à distância aos demais tipos de trabalho, desde que atendidos os requisitos da relação de emprego. Além disso, o parágrafo único equiparou os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão aos meios pessoais e diretos, para fins de subordinação jurídica.

Art. 6º – Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011).
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011).

No entanto, ainda existiam algumas questões pendentes relacionadas ao trabalho remoto, tais como a inclusão explícita dessa modalidade no contrato de trabalho e a responsabilidade pelos custos de equipamentos e infraestrutura necessários para a prestação dos serviços.

O uso de meios telemáticos e informatizados que promovam a produtividade e conectividade entre as partes envolvidas na relação de trabalho deve estar previsto em contrato escrito. Conforme cita o art. 75- D da CLT.

As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

Sendo também este o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região TRT- 2 – SP podendo ser visualizado na jurisprudência abaixo:

DESPESAS COM TELETRABALHO. Considera – se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências da empresa ré, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. Em regra, nos termos do art. 2º da CLT, os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador, uma vez que é de responsabilidade exclusiva da empresa os prejuízos do empreendimento, consoante preceitua o princípio da alteridade. Todavia, há permissivo no art. 75-D da CLT para que as partes pactuaram livremente, em contrato individual escrito, a responsabilidade pelas despesas com aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto. Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região. Relatora Maria de Fátima da Silva. TRT- 2: 56.2021.5.02.0204 SÃO PAULO. Desembargadora. Maria de Fátima da Silva. 

Entende-se por meios telemáticos a utilização de plataformas de vídeo – conferências, e-mail, mensagens instantâneas dentre outros. A respeito dessa ciência dispõe Sergio Pinto Martins:

Telemática é a ciência que trata da manipulação e utilização da informação por meio do uso combinado de computador e meios de telecomunicação. É a utilização do computador em rede, de modem, e-mail, notebook, tablet, smartphone, cloud computing (acesso a banco de dados virtuais), logmein (computador acessado por meio de celular ou tablet), icloud (dados que podem ser colocados no computador-mãe da Apple e acessados de qualquer lugar por computador ou celular). (Martins, 2023, p. 109).

Para Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante:

Na relação de emprego, o risco da atividade econômica é do empregador (art. 2º, CLT). Por conta disso, a aquisição de equipamentos (hardwares e softwares), bem como as despesas de sua manutenção, é de responsabilidade exclusiva do empregador. Com as alterações da CLT, o legislador prevê que tais despesas, inclusive as despesas de infraestrutura (mobiliário, espaço físico, energia elétrica, rede de internet etc.), e seu reembolso serão previstas de forma escrita no contrato (art. 75-D) ou em aditivo.    A exigência de cláusula escrita não altera a responsabilidade do empregador por todas as despesas decorrentes da prestação de serviços e, muito menos, transfere os custos da produção ao empregado. (Neto e Cavalcante, 2019, p.1187). 

A Reforma Trabalhista trazida pela Lei 13.467/2017 introduzindo na CLT o capítulo II-A que regulamenta o Teletrabalho e, mais recentemente a lei 14.442/2022 define o teletrabalho como aquele realizado predominantemente fora das dependências do empregador, com o uso de tecnologias de informação e comunicação que não se caracterizam como trabalho externo.

O renomado doutrinador Sergio Pinto Martins destaca o conceito de teletrabalho na atualidade da seguinte forma:

Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo (art. 75-B, caput, da CLT). (MARTINS, 2023, p.500).

A adoção dessa modalidade deve constar expressamente no contrato de trabalho. Seguimos com o subtítulo descrevendo as características do teletrabalho.

3. CARACTERÍSTICAS DO TELETRABALHO

O legislador, buscando adequar às normas às novas realidades do mercado de trabalho, trouxe com a reforma trabalhista, as principais características inerentes ao teletrabalho disponível no caput do art 75-B da CLT, quais sejam: a prestação do serviço, na maior parte do tempo, fora das dependências do empregador; a utilização de tecnologias de informação e de comunicação para sua prestação e; não possua natureza de trabalho externo.

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo.

Sobre a duração da jornada de trabalho segue-se o que preceitua o artigo 58 da CLT dispondo ser de 8 horas. Art. 58 – A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

Bezerra leite acrescenta ainda: “o disposto na Constituição da República de 1988 (art. 7º, XIII) estabelece o limite máximo da duração do trabalho normal diário (até 8 horas) e semanal (até 44 horas), facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Dessa forma, tem-se que a CLT estabeleceu como requisito para a configuração da atividade laboral a utilização de meios telemáticos de comunicação, com a condição de que a parte preponderante seja realizada fora das dependências da empresa. Além disso, é exigido a distinção em relação ao trabalho externo.

Ao caracterizar o teletrabalho como um laboro realizado fora das dependências da empresa, não significa que toda prestação de serviços com essa característica seja considerada como teletrabalho como bem destaca o doutrinador Sergio Pinto Martins:

Todo teletrabalho é considerado trabalho a distância, mas nem todo trabalho a distância pode ser considerado teletrabalho. O trabalho em domicílio também é um trabalho a distância, mas pode usar tecnologia ou não. As costureiras não usam tecnologia ou aparelhos eletrônicos para trabalhar. Logo, não é teletrabalho, mas trabalho a distância.  (Martins, 2023, pg. 505).

Importante ressaltar também que, caso haja necessidade de comparecimento do empregado à dependência da empresa, mesmo que de modo habitual, não desconfigura o teletrabalho, é o que dispõe o § 1º do art. 75-B da CLT.

§ 1º – O comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto.

Portanto, com o objetivo de evitar a restrição do conceito de teletrabalho, não é sempre necessário que a atividade laboral seja realizada tão somente distante do local de trabalho.

Para a execução dessa modalidade de trabalho é necessário a utilização de meios eletrônicos, sendo que a comunicação tem de ser realizada por meios telemáticos, compondo assim outra obrigatoriedade que não se aplica às demais modalidades de laboro.

O teletrabalho não pode ter características de trabalho externo. Neste ponto esclarecemos que o trabalho externo é definido como aquele realizado fora do alcance direto do empregador, distante da estrutura administrativa, na qual não é viável manter um controle preciso das horas trabalhadas. Ademais, é indispensável a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do empregado, desta condição especial de atividade externa.

Adiciona-se às características descritas acima, as demais condições trazidas no Capítulo II-A da CLT, especificadas no art. 75-C, caput, que estabelece a exigência de constar expressamente a condição de teletrabalho no contrato individual de trabalho.

O parágrafo 1º do aludido artigo, traz a possibilidade de realizar “a transição entre o regime presencial e o teletrabalho, desde que haja um acordo mútuo entre as partes devidamente registrado em aditivo contratual”. Já o parágrafo 2º estabelece que o empregador tem o poder de determinar, sem necessidade de anuência do trabalhador, o retorno deste ao ambiente empresarial.

Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do instrumento de contrato individual de trabalho.
§ 1º – Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

Com relação ao art. 75-D da CLT, é possível observar que não há transferência das despesas relacionadas à atividade para o empregado, uma vez que essas são de responsabilidade do empregador. Apenas se estabelece a necessidade de prever o reembolso das despesas em contrato escrito.

Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.

Um aspecto frequentemente negligenciado no trabalho remoto é a prevenção de doenças e acidentes de trabalho. Por essa razão, o art. 75-E estabelece de forma explícita que “o empregador deverá instruir os empregados de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.”

Por fim, é importante destacar também, as especificidades estabelecidas quanto à jornada de trabalho que deverão ser observadas no teletrabalho que será objeto de estudo da seção seguinte.

4. CONTROLE DE JORNADA

O tempo pactuado com o empregador para a realização da atividade remunerada é um dos conceitos de jornada de trabalho. Podemos trazer ainda o entendimento do doutrinador Bezerra Leite.

Jornada de trabalho possui sentido mais restrito que o de duração de trabalho, abrangendo especificamente o tempo em que o empregado esteja não só efetivamente trabalhando como também colocando a sua força de trabalho à disposição do tomador do seu serviço, por um período contratual ou legalmente fixado, tal como ocorre com o tempo de prontidão ou de sobreaviso. (LEITE, 2023, P. 258).

Acrescenta ainda Bezerra Leite o texto da Carta Magna:

A Constituição da República de 1988 (art. 7º, XIII) estabelece o limite máximo da duração do trabalho normal diário (até 8 horas) e semanal (até 44 horas), facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. (Leite. 2023, Pg. 258).

O art. 6º da CLT assim dispõe: “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.”, quais sejam, pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade.

Contudo, no teletrabalho, observa-se que, o pressuposto da subordinação tende a ser mitigado, em virtude da sua forma de prestação que se dá fora do ambiente da empresa o que pode dificultar o controle de jornada por parte do empregador.

Nesse sentido, o parágrafo único do art. 6º da CLT, inserido em 2011 pela Lei 12.551, estabelece que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

Por conseguinte, a jornada se mostra passível de controle pelo registro de entrada e saída do ambiente virtual, pela adoção de sistema de ponto remoto, pelo emprego de software específico, dentre outras possibilidades.

Em contramão ao exposto acima, surgiu a ideia de que não seria mais necessário controlar a jornada do teletrabalhador, uma vez que ele não estava mais sob a supervisão direta do empregador, o que foi reforçado pela literalidade do art. 62 III da CLT, inserido pela lei 13.467/2017.

Deste modo, a exclusão do teletrabalhador da obrigatoriedade de cumprimento de jornada de trabalho, implicava na ausência de direitos como o adicional de horas extras, adicional noturno e os intervalos intrajornada e interjornada,

No entanto o instituto da jornada de trabalho representa uma garantia do trabalhador e, em observância a alguns princípios que regem o direito do trabalho como o princípio da irrenunciabilidade ou da indisponibilidade de direitos e o princípio da proteção, a estipulação de uma jornada de trabalho é um direito do trabalhador.

Segundo norteia Luciano Martinez:

O princípio da indisponibilidade dos direitos ou da irrenunciabilidade de direitos baseia-se no mandamento nuclear protetivo segundo o qual não é dado ao empregado dispor (renunciar ou transacionar) de direito trabalhista, sendo, por conta disso, nulo qualquer ato jurídico praticado contra essa disposição. Tal proteção, que, em última análise, visa proteger o trabalhador das suas próprias fraquezas, está materializada em uma série de dispositivos da CLT, entre os quais se destaca o seu art. 9º. Essa atuação legal impede que o vulnerável, sob a •miragem do que lhe seria supostamente vantajoso, disponha dos direitos mínimos que à custa de muitas lutas históricas lhe foram assegurados nos termos da lei.” (MARTINEZ, 2022, p.320)

Nesse contexto, a Lei 13.467/2017, representou um retrocesso social, ao impor ao teletrabalhador um laboro sem controle de jornada, ou seja, sem limites de tempo e horários para a sua realização, permitindo que explorações fossem cometidas com o amparo legal e que direitos já assegurados por lei, como horas extras, adicionais noturnos, intervalos intrajornada e interjornada, fossem ignorados.

Ademais, não se justifica, o não controle de jornada no teletrabalho, pois, os avanços tecnológicos permitem que todas as atividades, mesmo aquelas predominantemente realizadas fora do ambiente de trabalho, sejam passíveis de controle de jornada. Ignorar essas evoluções implica em não reconhecer a realidade atual e suas possibilidades.

Em termos de jurisprudência, o Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região TRT-1 – RJ considerou constitucional o art. 62, III, da CLT, desde que houvesse justificativa válida para a ausência de controle:

TELETRABALHO. HORAS EXTRAS. O art. 62 da CLT exclui do âmbito de incidência das normas de proteção da jornada de trabalho os empregados em regime de teletrabalho. Contudo, à semelhança do que ocorre com os empregados que exercem atividade externa, aos quais somente não se aplicam as regras atinentes à duração da jornada de trabalho se a atividade for incompatível com a fixação de horário de trabalho, os teletrabalhadores estão excluídos do regime de proteção se não houver nenhuma forma de controle do tempo de trabalho. (TRT-1 – RO: 20215010203 RJ, Relatora: MARIA HELENA MOTTA, Data de Julgamento: 16/11/2021, Sexta Turma, Data de Publicação: 23/11/2021) Desembargadora. Maria Helena Mota.

Como se observa no julgado acima, a decisão baseou -se na inexistência de alguma forma de controle de jornada, portanto, a interpretação dada ao caso em questão não considerou apenas o que estava descrito na legislação.

No entanto, a interpretação de alguns doutrinadores como Luciano Martinez (2018), na obra “Reforma Trabalhista: Entenda o que Mudou Clt Comparada e Comentada”, a exclusão dos trabalhadores dessa modalidade é justificável, vejamos:

A inserção dos teletrabalhadores nas exceções trazidas pelo art. 62 da CLT justifica-se nos fatos de o serviço do teletrabalhador ser executado a distância, fora do lugar no qual o resultado do labor é esperado e de o empregador não poder fisicamente fiscalizar a execução da prestação de serviços.” (MARTINEZ, 2018, p.199).

Diante da controvérsia de opiniões a respeito do tema, a forma encontrada para resolver tal polêmica foi apresentar alternativas para a prestação de serviços no teletrabalho, dessa vez incluindo os colaboradores no controle de jornada.

A MP.1.108/2022, garantiu uma maior flexibilidade nas contratações, alterando a redação do Inciso III do art. 62 da CLT que passou a excluir do controle de jornada apenas os trabalhadores em regime de teletrabalho cuja prestação de serviço se dê por produção ou tarefa.

No regime de teletrabalho por produção ou tarefa, a proposta é que o funcionário seja remunerado com base na quantidade de trabalho realizado ou na quantidade de tarefas atribuídas a ele pelo empregador.

Quanto aos demais empregados pelo regime em questão, estes deverão estar abrangidos pelo controle de jornada, fazendo jus aos direitos decorrentes da extrapolação da jornada normal do trabalho. Por conseguinte, cabe aos empregadores a adoção de ferramentas digitais para registrar com precisão o horário de início e término da jornada dos teletrabalhadores.

Por fim, a MP 1.102/2022 deu origem à Lei 14.442, promulgada em setembro de 2022 que regulamenta o teletrabalho e altera regras do auxílio-alimentação, promovendo uma maior segurança jurídica aos trabalhadores.

CONCLUSÃO

A Reforma Trabalhista de 2017, trouxe a regulamentação do teletrabalho através da inserção do Capítulo II-A, nos arts. 75-A e 75-E, da CLT e do inciso III, do art. 62. Neste se excluiu o teletrabalhador de auferir direitos decorrentes do controle de jornada. Embora a Reforma Trabalhista tenha excluído o teletrabalho do controle rígido de jornada, é importante considerar que a ausência desse controle gerou desafios tanto para o empregador quanto para o empregado.

No entanto, observou -se que a jurisprudência manifestou pela interpretação de que, caso houvesse o controle de jornada por parte do empregador, os empregados estariam aptos a perceber os direitos inerentes à sobrejornada.

Por conseguinte, a MP 1.102/2022 que posteriormente deu origem à lei 14.442/2022, trouxe alternativas para prestação de serviços nessa modalidade, dessa vez, com a previsão de controle de jornada para os teletrabalhadores que não trabalham por produção ou tarefa.

A inclusão dos teletrabalhadores na modalidade de produção ou tarefa proporcionou maior clareza e proteção para os trabalhadores envolvidos nesse tipo de regime, permitindo que saiam da informalidade e sejam reconhecidos como empregados.

No entanto, é importante reconhecer que o sistema de remuneração por produção ou tarefa pode resultar em incertezas e instabilidade financeira para os trabalhadores. A natureza variável dessas modalidades de organização pode levar a uma falta de previsibilidade e dificuldades para garantir uma renda consistente.

Desse modo, é essencial que se sintam seguros e que assegurem uma remuneração adequada, de acordo com o trabalho realizado, evitando assim a precarização desses profissionais.

Outrossim, é evidente que o instituto de jornada de trabalho constitui um direito de extrema importância para o trabalhador, uma vez que representa um elemento crucial para assegurar a equidade e a garantia de seus direitos.

Nesse sentido, a Lei 14.442/2022, ao regulamentar a jornada de trabalho nessa modalidade, busca proporcionar uma fixação justa da jornada de trabalho, indispensável para que o trabalhador tenha seus direitos respeitados e preservados.

Ademais, o controle de jornada no teletrabalho é um desafio que exige equilíbrio e adaptação. É necessário buscar soluções que possam conciliar a flexibilidade dessa modalidade com a necessidade de garantir condições dignas de trabalho, respeitando os direitos e o bem-estar dos trabalhadores.

Por fim, a colaboração entre os diversos atores envolvidos, incluindo legisladores, empregadores e trabalhadores, é fundamental para encontrar o caminho adequado e promover um ambiente laboral saudável e produtivo no teletrabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região. Relatora Maria de Fátima da Silva. TRT- 2: 56.2021.5.02.0204 SÃO PAULO. Desembargadora. Maria de Fátima da Silva.

TRT-1 – RO: XXXXX20215010203 RJ, Relatora: MARIA HELENA MOTTA, Data de Julgamento: 16/11/2021, Sexta Turma, Data de Publicação: 23/11/2021) Desembargadora. Maria Helena Mota.


1Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade Objetivo – IEPO; Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC, Palmas – TO, Email: olavobenicio@gmail.com.
2Mestre em Prestações Jurisdicionais e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins, Brasil (2015), Professor da Faculdade Serra do Carmo, Palmas – TO.