REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202511301044
Hellen Maria Scisinio Dias Peres
Orientador: Profª. Esp. Cláudia Carvalho de Almeida Cavalcante
RESUMO
A presente pesquisa aborda os conflitos familiares e suas repercussões no desenvolvimento infantil, sob uma perspectiva psicológica integrativa. O objetivo central consiste em investigar como as dinâmicas familiares modulam o desenvolvimento emocional, psicomotor e cognitivo comportamental da criança. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica exploratória, privilegiando a análise crítica e o diálogo entre diferentes referenciais teóricos da psicologia, em vez da coleta de novos dados tese defendida sustenta que a insegurança nos vínculos familiares favorece a formação de crenças de vulnerabilidade, que se manifestam de forma mais evidente no corpo por meio da inibição motora, da evitação e da timidez. A criança constrói sobre si mesma e sobre o mundo comportamentos observáveis entre a vivência familiar. Nesse sentido, o estudo articula o desenvolvimento infantil, integrando as contribuições de Henri Wallon, com seu conceito de diálogo tônico, e de John Bowlby, com a teoria do apego, às ferramentas da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Os resultados indicam que o corpo se configura como palco privilegiado onde as incertezas oriundas dos laços familiares ganham forma e movimento. A inibição psicomotora, caracterizada por rigidez corporal, retraimento e economia de movimentos, é compreendida como expressão somática das crenças de vulnerabilidade. Por fim, o estudo sugere a relevância de intervenções integradas, que combinem técnicas psicomotoras voltadas ao resgate da autonomia corporal com estratégias cognitivas destinadas à flexibilização de crenças de incapacidade. Essa abordagem amplia as possibilidades de atuação clínica e destaca a importância da inclusão dos pais no processo terapêutico, promovendo resiliência e segurança no desenvolvimento infantil.
Palavras-chave: desenvolvimento infantil;psicomotricidade; teoria do apego; TCC infantil; estilos parentais.
ABSTRACT
This study addresses family conflicts and their repercussions on child development from an integrative psychological perspective. The main objective is to investigate how family dynamics shape the child’s emotional, psychomotor, and cognitive-behavioral development. The methodology adopted was an exploratory bibliographic review, privileging critical analysis and dialogue among different psychological theories rather than the collection of new empirical data. The central thesis argues that insecurity within family bonds fosters the formation of vulnerability beliefs, which manifest most visibly in the body through motor inhibition, avoidance, and shyness. The beliefs children construct about themselves and the world act as mediators between family experiences and observable behaviors. To support this argument, the study integrates psychomotricity and developmental perspectives, combining Henri Wallon’s concept of tonic dialogue and John Bowlby’s attachment theory with the practical framework of Cognitive Behavioral Therapy (CBT). The findings highlight the body as the primary stage where uncertainties born in family ties take shape and movement. Psychomotor inhibition, characterized by rigidity, withdrawal, and reduced spontaneity, is interpreted as the somatic expression of vulnerability beliefs. Finally, the analysis emphasizes the relevance of integrated interventions. Psychomotor techniques can restore bodily autonomy and spontaneity, while cognitive strategies can restructure dysfunctional beliefs of incapacity. This dual approach expands clinical possibilities and underscores the importance of including parents in the therapeutic process. Through psychoeducation and modification of parenting styles, families can actively promote resilience, security, and autonomy in children, thereby mitigating the negative impact of family conflicts on child development.
Keywords: child development; psychomotricity; attachment theory; child CBT; parenting styles.
1 INTRODUÇÃO
Encarar o desenvolvimento infantil é mergulhar em um processo vibrante e dinâmico, no qual a criança constrói ativamente sua compreensão sobre si mesma e sobre o mundo. Essa construção é profundamente marcada pelas interações ao seu redor, tendo a família como seu primeiro e mais impactante universo relacional. É nesse ninho familiar que a criança vivencia os afetos, absorve as regras sociais e começa a definir os traços de sua personalidade. O foco desta pesquisa está em investigar de que modo as dinâmicas familiares, seus laços, cuidados e conflitos, refletem no desenvolvimento infantil.
Este estudo se apoia em uma perspectiva dupla. De um lado, uma abordagem com raízes na psicomotricidade e no desenvolvimento, que enxerga o corpo como tela principal para a expressão das seguranças e inseguranças afetivas. Do outro, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), que oferece ferramentas para investigar os mecanismos cognitivos (pensamentos, crenças e esquemas) que surgem dessas experiências familiares e moldam o comportamento da criança.
A Relevância Teórica deste trabalho reside em sua proposta de integração, buscando preencher uma lacuna importante ao costurar os fios das teorias de Wallon e Bowlby com a Terapia Cognitivo-Comportamental. Essa lente integrativa permite mapear os ciclos de pensamentos e comportamentos que perpetuam as dificuldades da criança. A TCC, em particular, oferece um mapa claro de como a superproteção é internalizada na forma de crenças de desamparo ou vulnerabilidade.
A Relevância Clínica sugere um modelo de avaliação mais rico para o psicólogo, que investiga tanto a história vincular da criança quanto seus padrões cognitivos atuais. Isso abre caminho para intervenções mais cirúrgicas e integradas, que podem aliar técnicas psicomotoras para dar vazão à expressão corporal e estratégias cognitivo-comportamentais para reestruturar pensamentos disfuncionais. A Relevância Social incentiva a criação de materiais psicoeducativos direcionados aos pais, promovendo ativamente a resiliência e a autonomia.
O interesse para este tema surgiu de observações no campo de estágio, onde crianças com inibição psicomotora frequentemente verbalizavam pensamentos automáticos negativos, como “Eu não consigo”, “É muito difícil” ou “E se eu cair?”. Tais cognições pareciam ecoar as preocupações e ansiedades de seus pais.
Diante disso, o problema central que este trabalho se propõe a investigar é a relação de mútua influência entre a qualidade do ambiente familiar, a arquitetura do sistema de crenças infantil e as manifestações na expressão emocional e psicomotora da criança.
O Objetivo Geral é: Investigar, sob uma ótica integrativa, como as dinâmicas familiares modulam o desenvolvimento emocional, psicomotor e cognitivo-comportamental da criança.
Os Objetivos Específicos apresentados a pesquisa será analisar sobre a estrutura da conexão entre afeto e motricidade com base nos estudos de Henri Wallon e John Bowlby, esclarecer como o modelo cognitivo-comportamental explica a transformação de vivências familiares em crenças e padrões de comportamento na criança, examinar criticamente os diferentes estilos parentais, traçando paralelos tanto com a qualidade do apego quanto com a formação de esquemas cognitivos específicos emapear a relação entre crenças de desamparo/vulnerabilidade e manifestações de inibição psicomotora, como o medo e a timidez.
2 METODOLOGIA
Para responder esta pesquisa, o estudo percorreu o caminho da revisão bibliográfica exploratória. Com a justificativa pela necessidade de criar um diálogo real e profundo entre diferentes visões da psicologia. Em vez de apenas citar autores, buscou-se uma análise crítica e interpretativa capaz de costurar conceitos distintos, compondo, assim, um modelo de compreensão que fosse integrado, coerente e clinicamente útil.
Este trabalho propõe a integração entre abordagens . Começa na psicomotricidade e no desenvolvimento humano para, em seguida, juntar com a Terapia Cognitivo- Comportamental (TCC). A intenção principal reside em unir as contribuições clássicas de Henri Wallon com seu olhar para o diálogo tônico e a emoção e a Teoria do Apego de Bowlby, com a estrutura prática da TCC. O objetivo foi encontrar os pontos de encontro entre essas teorias para oferecer ferramentas aplicáveis à clínica infantil, especialmente no tratamento da inibição.
O levantamento bibliográfico foi cuidadoso ao buscar tanto as fontes primárias indo direto às obras originais de Wallon e Bowlby e aos manuais de referência da TCC quanto fontes secundárias. Estas últimas incluíram produções acadêmicas recentes, como artigos, teses e dissertações, garantindo que a discussão estivesse atualizada e conectada com o que se produz hoje.
Para localizar esse material, a busca em bases de dados e bibliotecas virtuais foi guiada por descritores essenciais. Foram utilizados termos como “desenvolvimento infantil”, “psicomotricidade”, “teoria do apego”, “TCC infantil”, “estilos parentais”, “crenças centrais” e “inibição psicomotora”. Essas palavras-chave serviram como bússola para rastrear e selecionar os textos mais relevantes para a construção deste estudo.
3 CATEGORIZAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE AFETIVIDADE, MOTRICIDADE E COGNIÇÃO
Quadro 1
| CATEGORIA | OBJETIVO RELACIONADO | INDICADORES ANALÍTICOS CHAVE |
| Vínculo Afetivo e Expressão Motora | Aprofundar a conexão entre afeto e motricidade com base nos estudos de Henri Wallon e John Bowlby. | Qualidade do apego (seguro/inseguro); Fluidez ou bloqueio da expressão corporal; Reações emocionais diante da separação. |
| Estilos Parentais e Formação de Crenças | Examinar estilos parentais e sua relação com apego e esquemas cognitivos | Estilo parental predominante (autoritário, permissivo, etc.); Crenças centrais da criança (ex.: “sou incapaz”); Tipo de reforço e modelagem de comportamento |
| Cognições Disfuncionais e Comportamento | Esclarecer como a TCC explica a transformação de vivências em crenças/padrões. | Esquemas cognitivos ativados; Pensamentos automáticos negativos; Relação entre cognição e comportamento observado. |
| Inibição Psicomotora como Expressão de Vulnerabilidade | Mapear a relação entre crenças de desamparo/vulnerabilidade e inibição. | Timidez excessiva, retraimento; Rigidez corporal; Evitação de desafios motores; Discurso autorreferente negativo (“não consigo”, “vou cair”). |
Fonte: O autor (2025).
A análise dos dados teóricos foi guiada por quatro categorias centrais, que funcionam como eixos interpretativos que conectam os autores, os conceitos-chave e as manifestações observáveis no desenvolvimento infantil.
4 DISCUSSÃO E RESULTADOS
O artigo é apresentado em três capítulos principais, defendendo a tese central de que a insegurança no vínculo leva à formação de crenças de vulnerabilidade que se manifestam no corpo por meio da inibição motora, da evitação e da timidez.
4.1 A BASE DE TUDO: VÍNCULO, AFETO E MOVIMENTO
O foco é demonstrar como a segurança afetiva se estabelece como condição primordial para que a criança se sinta livre para se expressar e desbravar o mundo.
A Teoria do Apego (Bowlby, 1989) estabelece o conceito de “base segura”, que fornece a confiança para a exploração motora. A segurança afetiva “autoriza” a criança a mover-se. Se o vínculo é inseguro, a criança gasta recursos na monitorização do cuidador e na gestão da angústia, o que impede a exploração motora livre.
Henri Wallon (1979), através do conceito de “diálogo tônico”, explica como a segurança é transmitida fisiologicamente pelas trocas afetivas através do tônus muscular. O tônus é encarado como a expressão mais íntima das emoções. A síntese destas perspectivas estabelece que a segurança afetiva permite uma motricidade fluida e espontânea; o vínculo inseguro leva à tensão muscular , resultando na inibição da exploração.
Para aprofundar essa compreensão, é imperativo detalhar a conexão entre Bowlby e Wallon. Segundo a Teoria do Apego, a figura do cuidador deve atuar como uma ‘base segura’, fornecendo a confiança indispensável para a exploração motora. A dinâmica é clara: a segurança afetiva ‘autoriza’ a criança a mover-se. Se o vínculo é inseguro, a criança gasta seus recursos na monitorização do cuidador, impedindo a exploração livre.
4.2 A CONSTRUÇÃO DO OLHAR: FAMÍLIA, CRENÇAS E COMPORTAMENTOS
Este capítulo volta-se para o modelo da TCC, investigando como os estilos parentais funcionam como um campo de aprendizagem que forma as crenças da criança sobre si mesma e a realidade. Os Estilos Parentais (Baumrind, 1971) são “fontes de dados” que a criança utiliza para construir o seu modelo do mundo, e estão associados aos esquemas mentais desadaptados.
O Modelo Cognitivo (Beck) explica que as interpretações repetitivas de vivências familiares se solidificam em crenças centrais. O modelo postula que não é a situação que causa a emoção, mas a interpretação (pensamento) dela. A TCC demonstra como a criança constrói ativamente o significado, dando um nome (cognição) à sensação tônica (emoção) que experiencia.
Essas crenças se solidificam em Esquemas Iniciais Desadaptativos (Young, 2008).O estudo foca no Esquema de Vulnerabilidade ao Dano ou à Doença a crença irracional de que “O mundo é perigoso” ou “Eu sou frágil e incapaz de me proteger”. Este esquema pode ser formado pela frustração crónica da exploração motora, resultante de duas rotas parentais:
Rota Autoritária: O cuidador critica a ação motora, levando à crença “Eu sou incompetente e frágil”.
Rota da Superproteção: O cuidador ansioso impede fisicamente a criança, levando à crença “Eu não consigo; preciso de ajuda”.
Em ambos os cenários, o “diálogo tônico” espontâneo (Wallon) foi cronicamente interrompido, e a ansiedade sentida no tônus muscular recebe o rótulo cognitivo de “Vulnerabilidade”.
Expandindo a análise sobre esses mecanismos, os Estilos Parentais (Baumrind) funcionam como verdadeiras ‘matrizes de aprendizagem’ para a formação dessas crenças. Sob a ótica da TCC e do Modelo Cognitivo (Beck), a criança constrói ativamente o significado de suas experiências.
Na Rota Autoritária, ao ser criticada, a criança internaliza a voz punitiva, gerando a crença ‘Eu sou incompetente’. Já na Rota da Superproteção, a ansiedade dos pais valida a ideia de que o mundo é perigoso, gerando a crença de dependência (‘Não consigo sozinho’). Em ambos os casos, a vivência familiar modela a cognição: a criança aprende a duvidar de sua capacidade motora, solidificando os Esquemas Iniciais Desadaptativos que ditarão seu comportamento futuro.
4.3 O CORPO COMO PALCO: DA CRENÇA À INIBIÇÃO PSICOMOTORA
O capítulo final defende a tese central: a insegurança no vínculo abre portas para a formação de crenças de vulnerabilidade que encontram no corpo sua via de expressão mais visível, através da inibição motora, da evitação e da timidez. O corpo se revela o palco principal onde as incertezas nascidas nos laços familiares ganham forma e movimento.
A inibição psicomotora é um distúrbio no ajustamento tônico-postural, caracterizada por falta de espontaneidade, timidez e rigidez corporal. Jean Le Boulch (1982) define a inibição como um comportamento tímido, onde a criança tem uma “economia” de movimento e falta de espontaneidade ligada à “presença de ansiedade”. Vítor da Fonseca (2008) a descreve como uma “perturbação” na organização psicomotora, uma “falta [que] barra o agir da criança”. A conexão com a TCC é que a inibição psicomotora é a estratégia de enfrentamento de “evitação do esquema” manifestada no corpo. O Esquema de Vulnerabilidade (Young) leva à estratégia desadaptativa de “fuga, a evitação”. A inibição motora está ligada ao “medo de agir por receio dos resultados de sua ação, que imagina serem negativos”. A inibição psicomotora é a memória somática do vínculo inseguro.
O percurso é: o Esquema de Vulnerabilidade (Young) é ativado… Consequência fisiológica é a tensão muscular… e rigidez tônica… O comportamento resultante é a Inibição Psicomotora.
Nesse contexto, a inibição psicomotora confirma-se como a materialização somática do Esquema de Vulnerabilidade (Young). O corpo da criança ‘fala’ o que a crença dita, apresentando o que Le Boulch define como ‘economia de movimentos’ ligada à ansiedade.
Diante disso, as implicações clínicas apontam para a necessidade de intervenção integrada. A TCC verbal tradicional pode ser insuficiente se a memória do medo estiver gravada no corpo. É necessário aliar a Terapia Psicomotora (PMT), que oferece o ‘aprender fazendo’. Ao criar circuitos onde a criança vivencia sucessos corporais, o terapeuta oferece uma ‘contraprova somática’ ao esquema. Enquanto a TCC flexibiliza as crenças de incapacidade, a psicomotricidade resgata a autonomia funcional, provando ao corpo, através da experiência concreta, que ele não é frágil.
5 MAPEAMENTO TEÓRICO DA VULNERABILIDADE
Quadro 2
| DOMÍNIO ANALISADO | AUTOR DE REFERÊNCIA | CONCEITO CHAVE | MANIFESTAÇÃO OBSERVÁVEL |
| Expressão Afetiva | Wallon (1979) | Diálogo Tônico | Tônus muscular fluido / Tensão muscular e rigidez. |
| Contexto Cognitivo | Beck (2022) | Modelo Cognitivo | (ex: autoritário) que geram “regras”. |
| Crença Central | Young (2008) | Esquema de Vulnerabilidade | Crença irracional: “O mundo é perigoso” / “Eu sou frágil”. |
| Manifestação Somática | Le Boulch (1982) / Fonseca (2008) | Inibição Psicomotora | “Economia de movimento”, falta de espontaneidade, rigidez postural. |
Fonte: O autor (2025).
O corpo é o palco principal onde as incertezas familiares ganham forma. A inibição psicomotora é a memória somática do vínculo inseguro.
Implicações Terapêuticas: Se o esquema é pré-verbal e armazenado somaticamente, a TCC tradicional focada na reestruturação cognitiva verbal pode ser insuficiente. “Nesse contexto, a integração terapêutica propõe uma mudança de paradigma na intervenção clínica. Enquanto a TCC tradicional buscaria reestruturar a crença de vulnerabilidade através do questionamento socrático verbal indagando à criança, por exemplo, quais evidências sustentam o seu medo de cair , a abordagem psicomotora oferece uma ‘contraprova’ vivencial e imediata. Ao estruturar circuitos motores adaptados onde a criança vivencia o sucesso corporal, o terapeuta não apenas debate intelectualmente a crença de incapacidade, mas refuta-a através da ação direta. Dessa forma, o corpo, que antes validava a fragilidade através da inibição, passa a registrar memórias somáticas de competência, permitindo que a reestruturação cognitiva se ancore em uma nova realidade fisiológica, e não apenas na linguagem.” A tese exige a Integração da Terapia Psicomotora (PMT) com a Terapia do Esquema (SFT). A PMT utiliza o “aprender fazendo” e a “consciência corporal” para permitir aos pacientes corrigir a experiência somática (o “saber como”), em vez de apenas desafiar a crença verbal (o “saber que”). O tratamento deve, portanto, provar ao corpo que ele não é frágil.
6 SUPERANDO O DUALISMO: ABORDAGENS TERAPÊUTICAS INTEGRADAS
Quadro 3
| ASPECTO TERAPÊUTICO | ABORDAGEM TCC/ESQUEMA PADRÃO | ABORDAGEM INTEGRADA (TCC/ESQUEMA + PSICOMOTRICIDADE) |
| Foco Primário | Reestruturação cognitiva; diálogo verbal. | Consciência corporal; “aprender fazendo”. |
| Tratamento da Emoção | Identificação e regulação cognitiva do afeto. | Regulação de afeto orientada para o corpo (somaticamente). |
| Tratamento do Esquema (Ex: Vulnerabilidade) | Desafiar a validade da crença (o “saber que”). | Corrigir a experiência somática (o “saber como”). |
| Tratamento da Inibição | Visto como “evitação” (comportamento a ser mudado, ex: exposição). | Visto como “tensão tônica” (estado fisiológico a ser re regulado). |
| Objetivo Final | Paciente pensa de forma diferente. | Paciente desenvolve um Adulto Saudável |
Fonte: O autor (2025).
Implicação Principal: O tratamento eficaz não deve se limitar a desafiar verbalmente a crença, mas precisa, simultaneamente, provar ao corpo que ele não é frágil.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória investigativa percorrida por esta revisão bibliográfica não apenas confirma, mas reforça a centralidade do ambiente familiar na formação integral da subjetividade infantil. A análise detida dos referenciais teóricos permite concluir que a influência parental transcende o cuidado básico, manifestando-se em múltiplos e profundos níveis: inicia-se na fundação da segurança emocional (base segura), perpassa a arquitetura dos sistemas de crenças sobre si e sobre o mundo, e culmina na estruturação de padrões comportamentais que a criança levará para a vida adulta.
Nesse cenário, o corpo deixa de ser visto como um coadjuvante biológico e revela-se como o palco principal onde as certezas e, crucialmente, as incertezas nascidas nos laços familiares ganham forma, tônus e movimento. Estabeleceu-se aqui uma linha de continuidade clara: o percurso patológico muitas vezes se inicia em um “diálogo tônico” (Wallon) disfuncional e ansioso, solidifica-se cognitivamente através da formação de um Esquema de Vulnerabilidade ao Dano ou Doença (Young) e, finalmente, materializa-se na inibição psicomotora (conforme descrita por Fonseca e Le Boulch). A inibição, portanto, não é apenas um déficit motor, mas a estratégia de evitação e medo “tornada corpo”.
As implicações clínicas que emergem desta reflexão apontam para a necessidade imperativa e a potência de intervenções integradas e transdisciplinares. Conclui-se que o tratamento eficaz não pode limitar-se a desafiar verbalmente as crenças desadaptativas; é preciso, simultaneamente, provar ao corpo através da vivência concreta que ele não é frágil. O modelo proposto sugere que o psicólogo clínico deve aliar técnicas psicomotoras, visando o resgate da autonomia e da fluidez corporal, com estratégias cognitivas focadas na flexibilização de crenças de incapacidade. Somente assim ataca-se a raiz do problema tanto em sua vertente mental quanto somática.
Por fim, ressalta-se a urgência de incluir as figuras parentais no processo terapêutico. Não apenas como informantes, mas para que assumam seu papel como agentes de mudança, através da psicoeducação e da modificação de estilos parentais, promovendo ativamente a resiliência, a segurança e a autonomia de seus filhos diante dos desafios do desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
BECK, J. S. Terapia Cognitivo-Comportamental: teoria e prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2022.
BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Tradução de Vera Regina M. de S. Ribeiro. Porto Alegre: Artmed, 1989.
FONSECA, V. da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FRIEDBERG, R. D.; McCLURE, J. M. A prática clínica de terapia cognitiva com crianças e adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2004.
GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
SALVO, C. G. de; SILVA, A. M. R. da; LOUREIRO, S. R. Estilos parentais e transtorno de ansiedade na infância e adolescência. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 35, n. 6, p. 218-224, 2008.
WALLON, H. As origens do caráter na criança. Tradução de Patrícia Junqueira. 6. ed. São Paulo: Difel, 1979.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu; Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
YOUNG, J. E.; KLOSKO, J. S.; WEISHAAR, M. E. Terapia do esquema: guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed, 2008.
