LIFE AND NATURE SCIENCES: TEACHING PROPOSAL FOR MULTISERIAL CLASSES IN THE FIELD
CIENCIAS DE LA VIDA Y LA NATURALEZA: PROPUESTA DIDÁCTICA PARA CLASES MULTISERIALES EN EL CAMPO
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202503150933
Vanessa Aparecida da Silva Cruz
Penha Souza Silva
RESUMO
Dentre as muitas ações no âmbito das escolas campo, citamos a organização em classes multisseriadas, que reúne, em uma mesma sala, alunos de diferentes séries, orientados por um único professor. A heterogeneidade presente nessas turmas, articulada a fatores identitários, como o ambiente, a cultura, a produção, os espaços sociais e geográficos etc. precisam ser considerados na elaboração de políticas e práticas educativas específicas para esse contexto. Os docentes veem nessa diversidade um problema e entendem que a solução é fazer planejamentos distintos para cada grupo. Obviamente que o professor terá dificuldades com essa organização. Outra questão é a negligência ao ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com maior valorização ao ensino de Língua Portuguesa e Matemática. Nesse sentido, esta pesquisa foi realizada em classes multisseriadas do campo em dois municípios de Minas Gerais: Aricanduva e Teófilo Otoni sob a perspectiva metodológica da pesquisa-ação. Aplicamos o Modelo de Ensino de Ciências com o intuito de subsidiar o trabalho dos docentes na busca de estratégias que promovam a interação dos alunos de diferentes níveis, usando a heterogeneidade em favor da prática pedagógica. Além disso, levamos em conta, os princípios da Educação do Campo, a dinâmica e organicidade das classes multisseriadas.
Palavras-chave: Educação do Campo – classes multisseriadas – modelo de ensino – heterogeneidade – prática docente.
ABSTRACT
Among the many actions in the field of rural schools, we mention the organization in multi-grade classes, which brings together, in the same room, students from different grades, guided by a single teacher. The heterogeneity present in these classes, linked to identity factors, such as the environment, culture, production, social and geographical spaces, etc., need to be considered in the elaboration of specific educational policies and practices for this context. Teachers see this diversity as a problem and understand that the solution is to make different plans for each group. Obviously, the teacher will have difficulties with this organization. Another issue is the neglect of science teaching in the early years of elementary school, with greater emphasis on teaching Portuguese and Mathematics. In this sense, this research was carried out in multiserial classes in the field in two municipalities in Minas Gerais: Aricanduva and Teófilo Otoni under the methodological perspective of action research. We apply the Science Teaching Model in order to subsidize the work of teachers in the search for strategies that promote the interaction of students at different levels, using heterogeneity in favor of pedagogical practice. In addition, we take into account, the principles of Rural Education, the dynamics and organicity of the multiserial classes.
Keywords: Rural Education – multi-grade classes – teaching model – heterogeneity – teaching practice.
RESUMEN
Entre las múltiples acciones en el ámbito de las escuelas rurales, se menciona la organización en clases multigrado, que reúne, en un mismo salón, a alumnos de diferentes grados, guiados por un solo docente. La heterogeneidad presente en estas clases, ligada a factores identitarios como el medio ambiente, la cultura, la producción, los espacios sociales y geográficos, etc., deben ser considerados en la elaboración de políticas y prácticas educativas específicas para este contexto. Los profesores ven esta diversidad como un problema y entienden que la solución es hacer planes diferentes para cada grupo. Evidentemente, el profesor tendrá dificultades con esta organización. Otro problema es el descuido de la enseñanza de las ciencias en los primeros años de la escuela primaria, con mayor énfasis en la enseñanza del portugués y las matemáticas. En este sentido, esta investigación se llevó a cabo en clases multiseriales de campo en dos municipios de Minas Gerais: Aricanduva y Teófilo Otoni bajo la perspectiva metodológica de la investigación acción. Aplicamos el Modelo de Enseñanza de las Ciencias con el fin de subsidiar el trabajo de los docentes en la búsqueda de estrategias que promuevan la interacción de los estudiantes en los diferentes niveles, utilizando la heterogeneidad a favor de la práctica pedagógica. Además, tenemos en cuenta los principios de la Educación Rural, la dinámica y organicidad de las clases multiseriales.
Palabras clave: Educación Rural – clases multigrado – modelo de enseñanza – heterogeneidad – práctica docente.
Introdução
O Movimento da Educação do Campo é caracterizado por um conjunto de ações políticas e teórico-metodológicas protagonizadas pelos Povos do Campo em torno da luta pelo direito à Educação, que se integra à luta pela terra, tida como território de trabalho e vida. Tal movimento surgiu em meados da década de 80 e envolveu movimentos sociais, organizações sindicais, igrejas, universidades, organizações não governamentais e governamentais nos debates e práticas acerca da garantia do acesso dos sujeitos do campo ao conhecimento universalmente produzido.
Dentre as muitas ações no âmbito das escolas campo, citamos a organização em classes multisseriadas, que reúne, em uma mesma sala, alunos de diferentes séries, orientados por um único professor. Isso ocorre em função do baixo número de alunos em cada ano/série e das longas distâncias entre as comunidades, constituindo um contexto marcado pela diversidade. Essa heterogeneidade presente em qualquer outra forma de organização do ensino, articulada a fatores identitários, como o ambiente, a cultura, a produção, os espaços sociais e geográficos, etc., precisam ser considerados na elaboração de políticas e práticas educativas para a Educação do Campo em classes multisseriadas.
A organização das turmas em um formato de multi sériamente foi uma forma encontrada, pelos gestores dos municípios com escolas menores, de manter os alunos do campo em suas comunidades, ou seja, evitar o direcionamento dos estudantes para escolas nucleadas1 ou para escolas na área urbana. Apesar dessa ação propositiva alcançada pela luta do Movimento da Educação do Campo, muitas limitações ainda persistem. É o que se pode perceber com a frequente ação de fechamento de escolas no campo, especialmente, as de classes multisseriadas. Dados do Censo Escolar 2003 e 2012 do Ministério da Educação e Cultura (MEC), pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), apontam que, em Minas Gerais, no ano de 2003, havia 6.749 escolas no campo. Em 2012, esse número caiu para 4.773 escolas, o que demonstra um total de 1.976 fechadas nesse período. Esses dados explicitam uma contradição, pois, enquanto inúmeras políticas públicas foram implementadas no processo de luta da Educação do Campo, as ações foram ineficientes para garantir a manutenção das escolas do/no campo.
Diante do exposto é possível entender que as escolas com classes multisseriadas foram implementadas como uma tentativa de baratear o custo e manter os alunos em suas comunidades. Isso não significa que essas escolas não têm desempenhado um papel importante na formação dos alunos que vivem no campo.
Sabe-se que a diversidade está presente em qualquer grupo, porém, nas turmas multisseriadas, essa situação torna-se mais evidente por concentrarem, no mesmo espaço e ao mesmo tempo, crianças de idades muito díspares, compreendendo alunos da Educação Infantil aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º e 2º ciclos)2. Muitos professores e mesmo a comunidade escolar responsabilizam a multisseriação pelo fracasso escolar nessas turmas. Muitos docentes veem a heterogeneidade como um problema que prejudica, principalmente, o ensino das crianças mais novas – os que demandam mais atenção –, mas, também, a aprendizagem dos mais velhos, que acabam não tendo tarefas ou atividades específicas que os ajudem a progredir (Molinari, 2009).
A dinâmica e as dificuldades de organização do tempo de docência em classes multisseriadas serviram como ponto de partida para pensarmos na elaboração de atividades para o ensino de Ciências nessas turmas, considerando os pressupostos da Educação do Campo e os objetivos do ensino de Ciências nos anos iniciais propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s). Considerando esse contexto, apresentamos um Modelo de Ensino como proposta de atividade para o ensino de Ciências, cuja pretensão é auxiliar o trabalho dos docentes em turmas multisseriadas, buscando usar a heterogeneidade em favor da prática docente, pois a diversidade presente nessas classes permite uma inter-relação entre as diferentes faixas etárias e de conhecimentos. As atividades foram elaboradas considerando o ensino de Ciências numa perspectiva mais dialógica, consequentemente, visando contribuir para o aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem dos alunos dessas classes.
A nossa escolha em desenvolver atividades para o ensino de Ciências considerou dois aspectos: primeiro, o fato de termos formação na área de Química e Biologia e, segundo, por considerar ser fundamental o trabalho com essas áreas do conhecimento, que tem a função de “colaborar para a compreensão do mundo e suas transformações, situando o homem como indivíduo participativo e parte integrante do Universo” (Parâmetro Curricular Nacional [PCN], 1997, p.15). Um segundo aspecto se refere à prática bastante comum entre os professores das turmas multisseriadas priorizarem o ensino das áreas de Língua Portuguesa e Matemática, de forma que a alfabetização/letramento e o raciocínio lógico-matemático são os tópicos que desencadeiam os principais objetivos dos planejamentos dos docentes. O ensino das demais disciplinas fica a desejar, uma vez que não tem a devida importância dentro dos roteiros de ensino e da carga horária a elas destinadas. Os anos de experiência em escolas com classes multisseriadas nos dão subsídios para fazer essa afirmação. Assim, a disciplina de Ciências e de outras áreas do conhecimento, também não são sistematicamente estudadas nos anos iniciais de escolarização.
Durante os anos de docência em classes multisseriadas foi possível observar e vivenciar que o trabalho com as disciplinas de Geografia e História, por exemplo, era desenvolvido poucas vezes durante um bimestre. Era comum, inclusive, abordar conteúdos relacionados às demais disciplinas (excetuando-se Língua Portuguesa e Matemática) no último dia de aula da semana ou apenas no final do mês, quando era preciso desenvolver algum tema que pudesse ser avaliado ao final dos bimestres. O mesmo acontecia com os conteúdos de Ciências da Vida e da Natureza, Artes, Educação Física e Ensino Religioso.
Questionando aos colegas professores por que os conteúdos da área de Ciências eram menos trabalhados nas salas multisseriadas, as respostas se concentraram nas dificuldades de leitura pelos alunos, trazendo a ideia de que os alunos não-alfabetizados apresentam dificuldades de entender os conteúdos e/ou que para o processo de ensino-aprendizagem dessas disciplinas, a leitura de textos é indispensável. Falta de capacitação? Falha na formação? Ausência de material didático? Descaso do poder público na formação continuada? Talvez esse conjunto.
Nesse sentido, os problemas centrais que desencadearam esta pesquisa foram:
1) Quais as limitações e as possibilidades que as atividades propostas apresentam como instrumento orientador da prática pedagógica dos professores de classes multisseriadas do campo, considerando principalmente a heterogeneidade e a dinamicidade dessa forma de organização do ensino?
2) Quais temas devem ser considerados pelos educadores de classes multisseriadas do campo em seus planejamentos de ensino, considerando os princípios da Educação do Campo? Dessa forma, a relevância deste trabalho é de natureza profissional e acadêmica, na busca pela produção de conhecimentos e novos questionamentos necessários para estudos em pesquisas posteriores. Ao mesmo tempo, esta dissertação contribui para a área social e educativa da vida no campo, pois o material produzido poderá possibilitar aprimoramento na prática pedagógica dos professores da Educação do Campo.
Partimos então, do objetivo geral de apresentar um Modelo de Ensino de Ciências que possa subsidiar o trabalho do professor nas classes multisseriadas no sentido de oportunizar que ele repense e avance na sua prática docente e, consequentemente, no processo de ensino-aprendizagem.
De forma mais específica, buscou-se contribuir para a construção de práticas docentes na perspectiva da Educação do Campo; fortalecer o desenvolvimento de propostas pedagógicas e metodologias adequadas às classes multisseriadas; e estimular o desenvolvimento de atividades e conteúdos que demonstrem compromisso com a construção de formas sustentáveis de produção da vida no campo e na cidade.
O ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Considerando-se a prática de aulas tradicionais nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é necessária a discussão sobre as relações mútuas entre a Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), implicando em uma tentativa para dar sentido aos conhecimentos escolares, potencializados em suas utilidades e funcionalidades em outros âmbitos. Essa tendência prioriza um trabalho docente que se volte às demandas cotidianas da sociedade contemporânea, especialmente aquelas vinculadas às práticas sociais do/no campo, colocando em evidência as identidades (socioculturais, políticas, de gêneros, de etnias) e preconizando os direitos e deveres dos povos do campo.
Os sujeitos do campo se depararam, na escola e em suas vivências diárias, com conhecimentos referentes à ciência e à tecnologia que, muitas vezes, são considerados supremos, inquestionáveis, fixos e verdadeiros com relação aos saberes que esses indivíduos adquirem de gerações anteriores. Goldschmidt (2012) aponta que partindo desses conhecimentos que os alunos já possuem, é necessário construir a ideia de que a Ciência é provisória, pois está constantemente criando novos significados. Nesse sentido, concordamos com a citada autora:
O ensino de ciências nos Anos Iniciais deve permitir ao aluno a compreensão do conhecimento científico, não como verdade única e inquestionável, mas como saber que permitirá ampliar suas concepções prévias com conhecimentos científicos, tornando importante a ampliação de metodologias apropriadas e motivadoras (Goldschmidt; 2012, pp.24-15).
É desejável que o professor de turmas multisseriadas, como orientador e facilitador da aprendizagem, adote um material educativo (livros didáticos e paradidáticos, por exemplo) que seja significativo para os alunos do campo, à medida que possibilite a construção do raciocínio científico e a compreensão dos fenômenos e objetivos científicos por meio das relações que se estabelecem com outros saberes (Goldschmidt, 2012).
Afastando-nos da prática de aulas tradicionais nas classes multisseriadas do campo, em que o ensino de Ciências se restringe à apresentação de conceitos, os quais são memorizados ao longo de uma sequência de exercícios e não estabelecem relação com o cotidiano do aluno, acreditamos que seja necessária a discussão sobre as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), pois é uma esta abordagem que busca dar sentido aos conhecimentos escolares, potencializando suas utilidades e funcionalidades em outros âmbitos. Essa tendência prioriza um trabalho docente que se volte às demandas cotidianas da sociedade contemporânea, especialmente aquelas vinculadas às práticas sociais do/no campo, colocando em evidência as identidades (socioculturais, políticas, de gênero, de etnia) e preconizando os direitos e deveres dos povos do campo.
O professor dessas turmas, ao trabalhar os conteúdos de Ciências, pode estimular os seus alunos a realizarem reflexões sobre as implicações sociais em relação à Ciência e à Tecnologia. Consideramos que a abordagem CTS pode contribuir para isso, pois a Educação Infantil e o Ensino Fundamental são bases de toda bagagem de conhecimentos que o cidadão vai adquirindo durante sua vida. É nesse período que o aluno vai descobrir e redescobrir.
Diante do exposto, percebe-se que ensino de Ciências nas turmas multisseriadas não pode ser negligenciado e o que se tem percebido, muitas vezes, é uma prática docente essencialmente pautada em um conjunto de conceitos desconectados que não têm significado nem para os professores e nem para os alunos. Nesse contexto, Pacheco (1996) destaca que o ensino de Ciências tem se caracterizado pelo excesso de informações e pela ênfase em sua memorização.
As singularidades observadas nas escolas do campo caracterizam os sujeitos presentes nesse contexto e a diversidade histórico-cultural ali contida. Pensando mais especificamente nas classes multisseriadas, deparamos-nos com a heterogeneidade desses grupos, implicando uma qualificação dos materiais destinados a esses alunos.
Tomando o ensino de Ciências da Vida e da Natureza como referência, percebe-se o compromisso político pedagógico dessa área do conhecimento em articular a diversidade característica nessas turmas em que se encontram alunos com diferentes faixas etárias e níveis de aprendizagem, no mesmo espaço e ao mesmo tempo, com uma prática curricular capaz de propor um projeto de campo que contribua com a organização do tempo didático nas turmas multisseriadas do/no campo. Conforme apontam alguns pesquisadores
Há que se destacar a intencionalidade maior da formação por área de conhecimento a fim de contribuir com a construção de processos capazes de desencadear mudanças na lógica de utilização e, principalmente, de produção do conhecimento no campo. A ruptura com as tradicionais visões fragmentadas do processo de produção do conhecimento e com a disciplinarização da complexa realidade socioeconômica do meio rural na atualidade, é um dos desafios postos à Educação do Campo. (Molina & Freitas, 2011, p.28)
Dessa forma, apresentaremos as características de nossa proposta de ensino.
A atividade apresentada é um Modelo de Ensino, proposto por Aguiar Júnior (2001), a partir do qual fizemos adequações, considerando as características peculiares das turmas multisseriadas. Esse modelo baseia-se nas três etapas piagetianas de construção de conhecimentos: as tríades dialéticas que Piaget denominadas INTRA, INTER e TRANS e busca servir como instrumentos de análise para a estruturação e a avaliação do ensino em classes multisseriadas, considerando as teorias do conhecimento e da aprendizagem que se denominam construtivistas.
Recorrendo à epistemologia genética, este modelo busca extrair dela elementos que ajudem o professor a identificar os níveis de estruturação do conhecimento para que, a partir disso, o professor das classes multisseriadas possa fazer seus planejamentos didáticos (Aguiar Júnior, 2001).
O primeiro nível, o intra, refere-se às primeiras abordagens de um conhecimento. As relações estabelecidas ainda não são suficientes quando se considera as habilidades previstas ao objeto do conhecimento em questão. Esse primeiro nível é caracterizado por uma fase bastante inicial do processo de aprendizagem e está sujeito a modificações. Mesmo ainda sendo um nível frágil e primitivo, é uma fase fundamental para que se inicie a compreensão dos fenômenos.
O segundo nível, o inter, parte das construções elaboradas no nível anterior, uma vez que a partir da observação, o indivíduo começa a fazer relações entre as leituras que fez durante as observações. Nesse nível se estabelecem relações de multiplicação daquilo que foi identificado/observado no nível anterior. Essas relações se estabelecem entre as variáveis quem deixam de receber um tratamento isolado. A partir disso, o indivíduo reorganiza as capacidades que serviam como instrumento para sua compreensão anterior do sistema. Enquanto no nível precedente o sujeito busca explicar “o modo de ser” dos fenômenos, neste nível, já se dimensiona um processo percorrido, determinando o estado inicial e o estado final de um fenômeno.
No terceiro elemento da tríade, o trans, o sujeito integra as relações e transformações do nível anterior, englobadas e justificadas em uma estrutura de totalidade. Aqui a compreensão é alargada, pensando em quantidade, mas também é mais articulada, já que constata, prevê e demonstra regularidades. Os conceitos que representam o mundo, as relações desses conceitos entre si e a estrutura teórica é que dão coerência às teorias científicas. Assim, o real é introduzido num conjunto de ideias elaboradas pelos indivíduos que já não se restringem ao acréscimo de informações novas àquelas que se possuía em nível anterior, havendo um redimensionamento e uma estruturação de uma elaboração completa e nova, graças ao caminho percorrido nos níveis anteriores.
Em cada nível apresentado são consideradas habilidades as quais contemplam os aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais (PCN, 1997).
As habilidades conceituais designam o que o indivíduo deve saber. Não são conhecimentos isolados, estão integrados em uma rede de conhecimentos que o indivíduo possui pela sua interação com o mundo ou entre os próprios conceitos. Quanto maior for sua rede de conceitos construídos em situações anteriores, maior será a capacidade de se atrelar aos novos conceitos, às elaborações atuais de forma significativa. De acordo com Zabala (1999), a aprendizagem significativa não é uma aprendizagem acabada, pois envolve a contribuição daquele que aprende, seu interesse, os conhecimentos prévios e sua experiência pessoal.
As habilidades de natureza procedimental são aquelas que caracterizam o que indivíduo deve saber fazer, sem se restringir apenas ao ato de realizar determinada tarefa, mas fazendo reflexões e análises de como realizá-las (Coll & Valls, 1998 como citado em Ulasowicz & Peixoto, 2004). Essas ações coordenadas culminam na execução de uma meta. Aqui se revela a maneira de saber fazer ou agir de forma eficiente, não pressupondo procedimentos arbitrários, mas, sim, ordenados e sistemáticos para o cumprimento de uma meta, aplicando de forma significativa o que se aprendeu.
Já as habilidades atitudinais são a intenção ou a predisposição para a ação, o que se deve ser. Doganis & Theodorakis (1995) como citado em Ulasowicz & Peixoto (2004) consideram que a atitude possui três elementos, os quais são interligados: componente cognitivo (conhecimentos e crenças), afetivo (sentimentos e preferências) e de conduta (ações manifestas e declarações de intenção).
Coll (1998) destaca que a aprendizagem dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais não é realizada nem se efetiva separadamente, mas por inter-relações. Dessa forma, planejar o ensino considerando os objetivos que devem ser alcançados, buscar metodologias e estratégias mais adequadas, selecionar e apontar conteúdos pertinentes à realidade daquela comunidade e daqueles alunos são decisões bastante complexas para nós professores, especialmente os de classes multisseriadas, que precisam, ainda, pensar em elementos como: heterogeneidade e especificidades do campo. Atividades que considerem esses elementos permitem uma maior abrangência de possibilidades para se conceber os processos de ensino-aprendizagem e, consequentemente, a ação docente.
Esse Modelo de Ensino não pretende ser entendido e/ou seguido como um método ou técnica de ensino, já que propõe flexibilidades quanto às escolhas metodológicas e ações pedagógicas com constantes reflexões e avaliações dos princípios que o orientam. (Aguiar & Filocre, 1999). Além disso, propõe parâmetros que permitem a realização de diagnósticos acerca do nível de conhecimento dos alunos, propicia refletir sobre as ações e os objetivos para que se possa aprimorar, (re)planejar a prática pedagógica e instrumentalizar a produção de diversas formas de avaliação coerentes aos objetivos e prática metodológica, num processo de reflexão-ação-reflexão.
Esse Modelo de Ensino sugere, portanto, uma proposta de atividade que busca fornecer instrumentos teóricos que auxiliem o professor de classes multisseriadas a (re)agrupar os alunos, já que a organização que aqui se propõe, fundamentada nas tríades dialéticas piagetianas, considera os níveis de conhecimentos em que os alunos se encontram, independente da faixa etária, do ano de escolarização ou da organização em série ou ciclo. Nesse caso, o professor precisará estabelecer um processo avaliativo para determinar o nível de cada aluno de sua turma.
Dessa forma, propomos um Modelo de Ensino que servirá como instrumento para planejamento e avaliação da aprendizagem nas classes multisseriadas, já que a aprendizagem é considerada a partir de um processo gradual de reorganização e estruturação de conhecimentos que vão sendo acrescentados em cada nível de aprendizagem.
Percurso metodológico
Os caminhos para a realização desta pesquisa tiveram início após a conclusão da dissertação de mestrado e da nossa participação no Programa Escola da Terra3, no qual os professores participantes do curso concebiam “as classes multisseriadas como um mal necessário”. Em nossa pesquisa de mestrado, voltamos o olhar para a prática pedagógica nas turmas multisseriadas, elaboramos um Modelo de Ensino para ser aplicado nessas classes, mas não o desenvolvemos. Posteriormente, atuando nesse programa de formação continuada de professores do campo, surgiu a oportunidade de aplicarmos esse Modelo de Ensino em dois municípios com diferentes realidades. Para isso mantivemos nosso foco na organização das escolas em classes multisseriadas, pensando nas análises de aspectos teórico-metodológicos.
Nesse sentido, optamos pelo uso da pesquisa-ação como instrumento metodológico, a qual representa uma estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que possibilita a utilização de nossas pesquisas para aprimorar nossa própria prática de ensino e, em decorrência, o aprendizado de nossos alunos. Tripp (2005, p. 447) define que “pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação que utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática”. É importante ressaltar que a pesquisa-ação prescinde tanto da ação nas áreas da prática quanto da pesquisa, de modo que, em maior ou menor medida, terá características tanto da prática cotidiana quanto da pesquisa científica.
É importante que se reconheça a pesquisa-ação como um dos inúmeros tipos de investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação (Tripp, 2005, p. 446).
Considerando o “ciclo básico da investigação ação” (Tripp, 2005), fizemos o monitoramento das principais dificuldades apontadas por professores das turmas multisseriadas em dois municípios mineiros: Aricanduva e Teófilo Otoni. A seleção desses municípios foi feita a partir da participação desses municípios no Programa Escola da Terra e nos quais atuamos como formadoras dos profissionais dessas localidades. Consideramos assim, que o contato e acesso à dinâmica dos docentes seriam facilitados pela integração propiciada pelo curso de formação.
Como dito antes, a dificuldade de organização do tempo didático nessas turmas, devido a heterogeneidade de faixa etária, de nível de conhecimento, de propostas curriculares foi o principal fator apontado pelos docentes como dificultador do/no processo de ensino-aprendizagem. Conversamos com os professores desses municípios e 9 docentes se dispuseram a participar da pesquisa (4 docentes de Aricanduva e 5 de Teófilo Otoni). Essas professoras (todas mulheres) foram convidadas para que juntas, desenvolvêssemos as atividades propostas no Modelo de Ensino. Aplicamos as atividades nas 9 turmas multisseriadas, com períodos variáveis, dependendo dos aspectos pedagógicos, da quantidade de alunos em cada sala e das escolhas curriculares feita por cada docente da turma. Participamos e atuamos diretamente na orientação dos docentes e alunos na execução de parte das atividades. Obviamente que a execução da proposta não se esgotou em períodos pré-determinados, mas ao contrário, as professoras continuaram desenvolvendo atividades em momentos posteriores, estendendo por todo o semestre letivo, em alguns casos.
Monitoramos a todo momento e descrevemos os efeitos da prática de aplicação do Modelo de Ensino. Gravamos áudios durante a aplicação das atividades e fizemos anotações de campo. Com base nesses instrumentos de coleta de dados e de observação, fizemos a avaliação com cada uma das professoras que se dispuseram a participar conosco desse desafio.
Finalmente nos reunimos para avaliar os resultados da ação e planejarmos uma melhora na prática.
Orientações e sugestões didáticas para a elaboração, aplicação e avaliação do Modelo de Ensino
Fizemos três reuniões com as nove professoras participantes da pesquisa antes de iniciarmos a aplicação do Modelo de Ensino com os alunos. Exploramos o processo elaboração das atividades, desde a concepção e princípios que sustentam essa proposta, até as ideias prévias que tínhamos sobre como poderia ser a aplicação em sala de aula. Nesses encontros, ouvimos as professoras, conhecemos alguns aspectos de suas práticas, a natureza das interações entre os alunos e dos alunos com a professora.
Levamos em conta nessa sugestão, que este Modelo de Ensino desenvolve um dos fundamentos que visam contribuir para um trabalho que considere a diversidade em turmas multisseriadas: otimizar a interação dos grupos de estudantes (considerando o nível de conhecimento) com os conceitos científicos, além de promover discussões em sala de aula que contribuam com a fundamentação do ponto de vista dos alunos, considerando aqui as abordagens sociais, econômicas, éticas e políticas sobre o tema em estudo. Esse é um dos desafios da prática docente no sentido de conceber e desenvolver estratégias de mediação entre os processos individuais e sociais com os processos de construção do conhecimento.
A) Por que ensinar este tópico?
B) O que ensinar a partir deste tópico?
C) Como ensinar?
D) Como avaliar?
Os tópicos acima apresentados, acompanham o Modelo de Ensino com orientações metodológicas que buscam sugerir e orientar os docentes na elaboração, aplicação e na avaliação dessa proposta de atividade. Os itens acima descritos, buscam promover um exercício de reflexão pelos professores acerca da escolha dos conteúdos e habilidades que precisam ser trabalhados com os alunos do campo e especialmente, os de classes multisseriadas.
O essencial nessa abordagem é a ideia de que conhecemos e estruturamos o conhecimento em seus movimentos, em suas provisoriedades. Isso implica a recursividade no currículo, em que as noções não são apenas revisitadas em diferentes contextos e em diferentes momentos do processo educacional, mas apreendidas em diferentes níveis de compreensão. O conhecimento não se dá por meros acréscimos de elementos a serem simplesmente compostos entre si, mas em totalidades engendradas em suas superações (Piaget, 1976).
Esclarecemos que a escolha do eixo temático foi feita com base nas sugestões apontadas por educadores ainda na elaboração da dissertação, em que relataram grande dificuldade de trabalhar com esse eixo, apontado como difícil pelos alunos e como necessário pelos professores. Os docentes descreveram ainda, que a formação inicial em Pedagogia ou Normal Superior, não oferece formação específicas para esses conteúdos, mas apenas metodologia em todas as áreas do conhecimento.



Discussões e análises
A primeira pergunta que nos fazemos é sobre a organização do tempo didático nas turmas multisseriadas a partir da aplicação do Modelo de Ensino. A dinâmica e a (re)organização dos conteúdos e grupos de alunos facilitou o desenvolvimento das aulas? Em que aspectos o Modelo de Ensino contribuiu para o ensino de conceitos científicos? Em que aspectos precisa ser aprimorado? Pensando no agrupamento por níveis de conhecimentos, quais implicações se diferenciam das práticas docentes costumeiras? O que se pode perceber com relação ao comportamento dos alunos: houve interações? Houve avanço de um nível de conhecimento para os outros?
De acordo com nossas observações, anotações de campo, conversas com os docentes envolvidos nesta pesquisa, podemos identificar fatores específicos que se alteraram na rotina das classes multisseriadas a partir da alteração da rotina da prática docente. Observamos que ao longo da semana em que as atividades foram sendo desenvolvidas, os alunos adquiriram autonomia e se organizavam em grupos, demonstrando interesse pela dinâmica proposta. Percebemos que os grupos de alunos buscavam a aprendizagem coletiva e individual, de modo que quando algum aluno não conseguia executar determinada atividade, os demais se voltavam para aquele colega com o intuito de colaborar no entendimento do que era solicitado e contribuir para aprendizagem dos conteúdos. Observamos essas atitudes eram comuns em pelo menos 5 das 9 turmas acompanhadas. Os alunos sabiam o significado de estarem em cada um dos níveis, entendendo também que a aprendizagem implicaria em avançar para níveis posteriores. Com frequência, os alunos perguntavam para nós, pesquisadoras e docentes, quando é que poderiam ir para os grupos seguintes. Isso demonstra que esclarecer para os alunos qual e como a proposta seria desenvolvida estimulou-os a avançar para os níveis seguintes considerando necessário adquirir novas habilidades.
Os conceitos, atitudes e procedimentos foram construídos progressivamente, de maneira que todos os grupos avançaram de um nível anterior para um nível posterior, considerando que, apesar de os alunos estarem agrupados de acordo com o nível de conhecimento, cada aluno desenvolveu as habilidades de modo individual, em tempos próprios de cada sujeito. Com essa diversidade de tempos de aprendizagem, as interações entre os alunos de um mesmo grupo, dava-se de forma colaborativa, na qual as dificuldades e aprendizagens eram identificadas pelos discentes do grupo e com a ideia de coletividade, procuravam trabalhar de maneira colaborativa.
Realizamos uma conversa inicial em todas as classes sobre o tópico: “Produção de Alimentos” para entendermos o conhecimento que as turmas já tinham a respeito do tema. Os alunos demonstraram que tinham ideias prévias sobre o tema, especialmente com relação às habilidades procedimentais, como por exemplo, nos processos necessários para a preparação do queijo. Porém, não concebiam os conceitos científicos envolvidos na temática, como por exemplo, os alunos de todas as turmas que estavam agrupados nos níveis 1 e 2 não entendiam ou não conseguiam demonstrar esse entendimento sobre o processo de fermentação do leite para a fabricação do queijo, desconsideravam a necessidade de atividade dos micro-organismos. Não compreendiam por exemplo, que existem transformações físicas e químicas nesse processo; também não demonstraram conhecer a relação entre a produção do leite e derivados como atividade econômica familiar ou local.
Ao final do nosso período de acompanhamento das turmas que variou de uma a duas semanas, voltamos com os questionamentos feitos em nossos primeiros contatos com as turmas. Procuramos compreender se as habilidades conceituais e atitudinais dos alunos (justamente sobre as que demonstraram menos conhecimento) avançaram, se já conseguiam elaborar algumas ideias e compreender conceitos envolvidos no tópico em questão. Verificamos que especialmente os alunos que iniciaram no nível INTER e progrediram para o nível TRANS, demonstraram conseguir relacionar as habilidades de cada nível, além de integrarem as diferentes áreas do conhecimento a partir do eixo central que trabalhamos: recursos tecnológicos. Nesse sentido, consideramos que sejam necessárias outras análises para discutir as possíveis causas de maior assimilação dos conteúdos pelos alunos que iniciaram o processo no nível 2.
Com o uso do Modelo de Ensino, percebemos que a organização do tempo pelos docentes ficou mais equitativa entre os grupos, já que o tema tratado era único, variando as habilidades e o abordagem em cada nível. As professoras conseguiram dar atenção a todos os grupos de modo que nenhum deles se manteve ocioso e tinham atividades para se dedicarem em todo o tempo, ainda quando nós, pesquisadoras, não participávamos diretamente da atividade. Três docentes indicaram que não concordavam em agrupar alunos alfabetizados com alunos não-alfabetizados, pois os não-alfabetizados ficariam “prejudicados”. Insistimos na organização que propusemos e as docentes aceitaram o desafio de reagrupamento e assim, discutíamos os resultados ao final de cada aula. Ao final de uma semana, as docentes se disseram “surpresas” com a interação entre os alunos alfabetizados e não-alfabetizados. Relataram que “mesmo os alunos sendo alfabetizados foram capazes de acompanhar a turma”.
Isso nos leva ao entendimento de que alguns docentes têm a ideia pré-concebida de que para aprender conteúdos das áreas de Ciências, Geografia, História, Arte, Literatura é necessário que os alunos saibam ler e escrever com autonomia.
Quanto à análise feita pelos docentes, o primeiro aspecto apontado como positivo foi a maior interação entre os alunos, independente da faixa etária ou do nível de conhecimento. Das 9 docentes, 7 delas disseram que o envolvimento dos alunos com os conteúdos foi superior ao que comumente presenciam. Todas as docentes descreveram a “melhora na disciplina” dos alunos, no sentido de que não foi necessário “perder” tanto tempo chamando atenção por causa de “conversas paralelas”. Nós, pesquisadoras, entendemos que, como os alunos estavam sentados em grupos, a “conversa paralela” apontada pelas docentes como dificultador do processo de ensino-aprendizagem, continuou acontecendo entre os alunos de um mesmo grupo e em muitas vezes, voltada para as atividades propostas. Dessa forma, podemos compreender que as docentes não consideraram a comunicação entre os alunos de um mesmo grupo como “conversa paralela”. Quando os alunos de um determinado grupo buscavam interação com outros grupos, algumas docentes chamavam a atenção dizendo para o aluno voltar para o seu grupo de origem. Seis docentes consideraram que o Modelo de Ensino propiciou o desenvolvimento de conceitos científicos de forma “mais leve” e “mais prazerosa” para os discentes e para as próprias docentes. Quatro docentes ressaltaram que o Modelo de Ensino possibilitou ir além do trabalho sistemático de “textos e questionários” e da necessidade levar os alunos a “decorar definições” de conceitos. As nove docentes disseram que o tempo didático na classe multisseriada foi melhor organizado sob essa perspectiva e que a partir da organização dos alunos em grupo, a heterogeneidade não é vista como um dificultador do ensino e da aprendizagem.
As docentes apontaram aspectos que precisam ser repensados e/ou aprimorados para a elaboração e aplicação de novos modelos de ensino. As nove professoras consideraram difícil elaborar um Modelo de Ensino, especialmente nas áreas de Ciências, Geografia, História, Arte e Educação Física. Destacaram que precisariam do auxílio de outros docentes formados nessas áreas, pois não possuem “conhecimentos aprofundados” sobre conteúdos dessas disciplinas. Além disso, esclareceram que o Modelo de Ensino exige tempo para ser elaborado e que provavelmente, gastariam mais tempo nessa elaboração do que para os planos de aula que fazem rotineiramente.
Não realizamos avaliação escrita sistemática, optamos pela avaliação processual ao longo do desenvolvimento do Modelo de Ensino, a progressão dos alunos de nível para outro foi um critério que pautou nossa avaliação. Além disso, fizemos uma aula final com caráter avaliativo, usando dinâmicas que abordaram os conteúdos estudados e conversa informal com os alunos.
Considerações finais
Conforme mencionado, o objetivo desta pesquisa é apresentar um conjunto de atividades – Modelo de Ensino – para serem desenvolvidas com os alunos de classes multisseriadas, considerando os princípios da Educação do Campo – o Protagonismo, a Escola de Direito e o Projeto de Campo e Sociedade – e os pressupostos que orientam o ensino de Ciências para os anos iniciais.
A área do conhecimento Ciências da Vida e da Natureza colabora para esses princípios à medida que integra as dimensões de transformações que escolas rurais devem incorporar para que se tornem escolas do campo. Dessa forma, o ensino de Ciências para os anos iniciais prevê o reconhecimento do homem como parte do universo e como indivíduo, a compreensão e valoração dos modos de intervir na natureza e de utilizar seus recursos, para a compreensão dos recursos tecnológicos que realizam essas mediações, para a reflexão sobre questões éticas implícitas nas relações entre ciência, sociedade e tecnologia (PCN, 1997).
Um Projeto de Campo que busque dialogar com as identidades campesinas pode desenvolver conteúdos ligados a temas como: agroecologia, soberania alimentar, uso sustentável dos recursos naturais, relação campo/cidade, luta contra qualquer forma de discriminação e contra o trabalho infantil, uso dos agrotóxicos, preservação das sementes crioulas, entre outros tópicos que estejam relacionados aos modos de vida no campo e contribuam para a construção de novas práticas nas quais impere a igualdade e a solidariedade.
Sendo assim, precisamos avançar em nossas reflexões, entendendo que as ações coletivas afirmam os sujeitos em suas histórias, em contraposição à visão negativa acerca dos povos do campo. Sujeitos que lutam contra a visão folclorizada de sua cultura, muitas vezes reforçada nos currículos, nas práticas, nos livros didáticos (Arroyo, 2009). Sujeitos protagonistas, de direitos, de projetos e não ignorantes a serem explorados.
Nosso objetivo não foi traduz em fazer um conjunto de atividade para o ensino de ciências para nas classes multisseriadas, mas sim instrumentalizar os professores dessas classes com um material teórico-metodológico de forma que, a partir disso, eles sejam capazes de produzir o seu próprio material, considerando o contexto no qual trabalham. A partir do trabalho desenvolvido nas nove classes multisseriadas, concluímos que será preciso um acompanhamento dos professores na elaboração de novos modelos de ensino e, caso seja uma estratégia que se torne viável, os docentes poderão elaborar suas propostas com adequações para cada realidade.
As limitações desta pesquisa não param por aqui. Percebemos ser desafiadora a complexa tarefa de integrar as teorias à prática docente dos professores de classes multisseriadas. Percebemos que este é um exercício que exige estudo e dedicação por parte dos pesquisadores e autores de materiais didáticos para esse tipo de organização de ensino. Não queremos cair na rotineira situação em que o produto de nosso trabalho seja quimérico ao fazer pedagógico dos professores de classes multisseriadas. Pelo contrário, queremos que as abordagens didáticas sejam inovadoras, mas que seja algo passível de ser amplamente utilizado nas salas de aula.
Portanto, entendemos que o Modelo de Ensino é uma estratégia de ensino possível de ser desenvolvida nas classes multisseriadas considerando os aspectos pedagógicos, teóricos e estruturais. Porém, parece-nos não ser plausível o uso contumaz dessa proposta, sendo mais indicado que seja desenvolvida em um dado momento, para trabalhar um certo conceito, a partir de uma determinada abordagem que o professor entenda a necessidade de um trabalho integrado entre os diferentes grupos de alunos.
De toda maneira, a realização desta pesquisa possibilitou uma reconfiguração em nossas pesquisas que envolvem a prática docente, pois permitiu que nos apropriássemos de conhecimentos que servirão como ferramentas para análise e planejamento de estudos futuros. Além disso, permitiu a criação de condições favoráveis que nos ajudem a avançar na produção de atividades para as classes multisseriadas, a partir dos desafios e possibilitados conhecidos até o momento. Dessa forma, seguimos com o ideal de transformar as dificuldades em possibilidades de mudanças (não muito rápidas e definitivas), em práticas inclusivas e emancipatórias.
1A nucleação corresponde a um processo, na prática, de fechamento ou desativação de escolas geralmente unidocentes (multisseriadas), seguido pelo transporte dos alunos para escolas maiores, melhor estruturadas e abrangendo ciclo ou ciclos completos, funcionando como núcleo administrativo e pedagógico (Brasil, 2007).
2Na escola estruturada em ciclos o trabalho educacional é norteado pelas idades da vida e da formação humana, desde o planejamento, passando pela elaboração das atividades, os conhecimentos selecionados, até a intervenção do educador no processo de ensino-aprendizagem. Assim, a organização em ciclos não tem como prioridade evitar a reprovação ou aprimorar o fluxo dos alunos no sistema seriado, mas tomada realização humana” (Arroyo, 1999).
3O Escola da Terra é um programa do Ministério da Educação para a formação continuada de professores em serviço em escolas do campo (Brasil, 2014).
Referências
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