CFEM NO BRASIL: IMPACTOS E O DESAFIO DA SUSTENTABILIDADE NA MINERAÇÃO

CFEM IN BRAZIL: IMPACTS AND THE CHALLENGE OF SUSTAINABILITY IN MINING

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202509302312


Júlio Edstron Secundino Santos¹


RESUMO: Esta pesquisa explora a relevância da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) para o desenvolvimento sustentável de municípios brasileiros. O estudo, que utilizou como metodologia a revisão bibliográfica exaustiva e o método hipotético-dedutivo, teve como objetivo central demonstrar como a gestão eficaz e transparente desses recursos é crucial para o progresso local. Ao longo dos capítulos, a pesquisa analisou a gênese da CFEM, sua natureza jurídica e sua evolução normativa. Em seguida, foi examinado o potencial econômico do setor mineral no Brasil e o papel central dos municípios na gestão da compensação, com foco em mitigar a “minerodependência”. As conclusões do estudo confirmam a hipótese inicial, destacando a CFEM não apenas como uma receita, mas como um instrumento vital que, quando gerido com governança participativa e foco em inovação, pode converter a riqueza mineral finita em capital humano, infraestrutura e oportunidades perenes, garantindo um futuro mais resiliente para as localidades mineradoras.

Palavras-Chave: CFEM; Distribuição da CFEM; Evolução da CFEM; Mineração; Relevância da Mineração no Brasil.

ABSTRACT: This research demonstrates the relevance of the Financial Compensation for the Exploitation of Mineral Resources (CFEM) for Brazilian municipalities. It highlights how effective and transparent management of these resources can provide essential conditions for sustainable local development. Employing a methodology that combined extensive bibliographic review and the hypothetico-ductive method, the study explored the genesis of CFEM, its legal nature, and normative evolution. It also analyzed the economic potential of mining in Brazil and the crucial role of municipalities in managing CFEM to mitigate “mining dependence”, promote economic diversification, and foster technological innovation and social participation. The research addresses the federal nature of mineral resources and the complex tax landscape of mining in the country, evidencing the CFEM’s impact on strategic localities and the importance of participatory governance to convert finite wealth into lasting human capital, infrastructure, and opportunities.

Keywords: CFEM; CFEM Distribution; CFEM Evolution; Mining; Mining Relevance in Brazil.

INTRODUÇÃO

A mineração, alicerce histórico da economia brasileira, demonstrou sua resiliência e vitalidade ao gerar um Produto Interno Bruto (PIB) expressivo. Essa atividade consolida-se como um elemento fundamental nas exportações nacionais e na criação de milhares de empregos, tanto diretos quanto indiretos. Ao impulsionar extensas cadeias produtivas, o setor contribui substancialmente para o desenvolvimento regional.

Com suas vastas e diversificadas reservas de minerais estratégicos, o Brasil ocupa uma posição de destaque no comércio e indústria global, fornecendo matérias-primas essenciais para a indústria e o avanço tecnológico em escala mundial.

Contudo, essa contribuição econômica frequentemente confronta os complexos e multifacetados desafios socioambientais inerentes à atividade. Comunidades e territórios diretamente impactados convivem com a alteração da paisagem, o consumo de recursos hídricos, a geração de rejeitos e a pressão sobre os serviços públicos e a infraestrutura local.

É nesse cenário de vastas oportunidades econômicas, mas também de significativas externalidades negativas, que a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) emerge como um instituto jurídico-econômico crucial. Sua função reside na delicada articulação entre a exploração de bens públicos essenciais – finitos e não renováveis – e a imperativa promoção de um desenvolvimento socioeconômico regional mais equitativo e sustentável.

Esta investigação aprofunda a complexidade da CFEM, abrangendo sua trajetória histórica, o vasto potencial econômico da mineração no Brasil e os desafios inerentes à gestão dos bens minerais da União. A pesquisa tem como objetivo central analisar a CFEM não apenas como uma receita, mas como um instrumento de política pública fundamental para mitigar a “minerodependência” e promover um futuro mais resiliente para os municípios mineradores.

A pesquisa se propõe a demonstrar que a gestão estratégica e transparente desses recursos é a chave para converter a riqueza mineral em capital duradouro, como infraestrutura, educação e diversificação econômica (Freire, 2015).

A metodologia empregada, alicerçada em uma exaustiva e crítica revisão bibliográfica, revelou-se crucial. Essa abordagem permitiu um mergulho profundo na literatura especializada em Direito Administrativo, Constitucional, Economia Mineral e Gestão Pública, além da análise de documentos legais, relatórios institucionais e artigos científicos. O método hipotético-dedutivo foi utilizado para analisar a hipótese de que a CFEM é um instrumento vital para impulsionar o desenvolvimento sustentável, avaliando essa premissa à luz dos dados e da teoria.

A estrutura da pesquisa foi concebida para conduzir o leitor por uma análise progressiva do tema. Inicialmente, o estudo solidifica a base constitucional da propriedade mineral da União e o cenário tributário do setor, contextualizando a mineração na história do Brasil. Posteriormente, os capítulos exploram a gênese da CFEM, sua matriz jurídica e a evolução normativa. A discussão então se move para o potencial econômico da mineração e o papel dos municípios.

Os capítulos finais aprofundam a discussão sobre a gestão estratégica da CFEM. São abordados temas como a criação de políticas públicas, a importância da inovação e da tecnologia, e a necessidade de uma governança robusta e participativa. A pesquisa busca, assim, oferecer uma visão integral e aprofundada sobre como os municípios podem transformar a riqueza finita da mineração em prosperidade perene para suas comunidades (Nogueira, 2017, p. 5).

A relevância deste estudo reside na sua capacidade de unir o rigor jurídico com a análise econômica e social. Ao examinar a natureza da CFEM e os desafios práticos de sua aplicação, a pesquisa contribui para o debate sobre o uso sustentável dos recursos naturais no Brasil.

As conclusões oferecem um guia para gestores públicos, acadêmicos e a sociedade civil, destacando a urgência de uma gestão que transcenda o imediatismo e se oriente para o futuro (Raso, 2021, p. 15).

2. HISTÓRIA DA MINERAÇÃO NO BRASIL, A NATUREZA FEDERAL DOS MINÉRIOS E O CENÁRIO TRIBUTÁRIO DA MINERAÇÃO

A história da mineração no Brasil é inseparável de sua própria formação econômica e social. O primeiro grande ciclo de exploração mineral teve início no final do século XVII, quando as bandeiras paulistas descobriram vastas jazidas de ouro e diamantes na região que hoje é Minas Gerais. Essa “corrida do ouro” atraiu milhares de pessoas de todas as partes do Reino de Portugal, reconfigurando a estrutura demográfica e econômica da colônia (Arcoverde; Borges, 2009, p. 3).

O auge do ciclo do ouro, no século XVIII, foi marcado por uma exploração intensa e predatória, baseada na mão de obra escravizada. A Coroa Portuguesa estabeleceu um rígido controle fiscal, com a criação das Casas de Fundição e a cobrança do “Quinto” (20% do ouro extraído), o que gerou tensões e revoltas, como a Inconfidência Mineira (Machado; Figueirôa, 2020, p. 1).

A riqueza gerada não impulsionou o desenvolvimento industrial, pois a maior parte do ouro escoou para Portugal, servindo para pagar dívidas e impulsionar a industrialização de outros países, como a Inglaterra. O esgotamento das jazidas de aluvião, que eram de fácil acesso, marcou a decadência do ciclo no final do século.

Com a Proclamação da Independência e a entrada de capital estrangeiro no século XIX, a mineração brasileira passou por uma transição. Companhias britânicas, como a Saint John d’El Rey Mining Company, introduziram novas tecnologias e a exploração de ouro em minas subterrâneas. No entanto, o setor só recuperou sua relevância econômica no século XX, com a descoberta e exploração em larga escala de outros minerais, como o minério de ferro, que se tornaria a base da indústria siderúrgica e o principal produto de exportação mineral do Brasil (Machado; Figueirôa, 2020).

Essa nova fase da mineração, já no contexto do Brasil moderno, foi impulsionada pela criação de grandes empresas estatais e, posteriormente, privadas, a exemplo da Companhia Vale do Rio Doce (hoje Vale S.A.). O modelo de exploração em grande escala, focado em minerais de baixo valor unitário e grande volume, solidificou a posição do país como um dos gigantes globais do setor.

Essa história, que se inicia com a busca por metais preciosos na colônia e evolui para a indústria de base do presente, demonstra a intrínseca relação entre a mineração e as transformações socioeconômicas do território brasileiro ao longo da nossa evolução.

A premissa fundamental da natureza federal dos recursos minerais é o fundamento principal que justifica a existência da CFEM. O artigo 20, inciso IX, da Constituição Cidadã de 1988, estabelece que “os recursos minerais, inclusive os do subsolo” são bens pertencentes à União (Brasil, 2025, art. 20).

Essa prerrogativa constitucional define que, independentemente da titularidade da superfície, o subsolo e todos os minerais nele contidos pertencem integralmente ao Estado brasileiro. Consequentemente, empresas privadas que exploram esses recursos não adquirem a propriedade do minério in situ. Elas adquirem, sim, o direito de explorá-los mediante concessão ou autorização, outorgada pela União.

Essa titularidade da União é um princípio do Direito Constitucional e Mineral, reafirmado por vasta doutrina que classifica os recursos minerais como bens públicos dominicais. Esses bens não se confundem com a propriedade do solo, sendo juridicamente distintos.

A exploração por particulares, portanto, não é um direito inerente à propriedade da terra, mas um privilégio concedido pela União, o que legitima a cobrança de uma compensação (Freire, 2015). Nesse sentido, mesmo a exploração mineral em propriedade privada, sem a devida autorização, é considerada um crime de usurpação de patrimônio da União, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A natureza jurídica da CFEM como contraprestação pela utilização de um bem público também foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal (STF). No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.545, o STF sedimentou o entendimento de que a CFEM não é um tributo, mas uma receita patrimonial originária da União (Brasil, STF, 2025). Essa decisão foi crucial para afastar a aplicação dos princípios do sistema tributário nacional à CFEM, reforçando sua finalidade de compensar a coletividade pela exploração de um recurso finito.

Além disso, o controle sobre esses bens públicos é tema de fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que atua para garantir a correta gestão e fiscalização da mineração. Acórdãos do TCU, como o Acórdão nº 1.368/2024-TCU-Plenário, demonstraram a preocupação do órgão com a fiscalização do setor, notando problemas no excesso de autorizações de lavra e evidências de exploração ilegal.

Essa atuação do TCU reforça o papel da União como guardiã dos recursos minerais e a necessidade de controle rigoroso para assegurar que a exploração beneficie a sociedade de forma justa e sustentável.

Seguindo, a diferenciação entre a CFEM e a tributação minerária, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ou o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), reside na sua matriz jurídica e finalidade. A tributação sobre a mineração tem como fato gerador a circulação de mercadorias ou a industrialização, buscando unicamente o objetivo fiscal de arrecadar recursos para o custeio das atividades estatais. “A tributação se baseia no poder fundamental de tributar do Estado sobre o patrimônio, a renda ou o consumo dos contribuintes, conforme os princípios do sistema tributário nacional” (Coelho, 2013, p. 121).

Por outro lado, a CFEM não é um tributo, mas uma receita patrimonial originária, decorrente do direito do proprietário (a União) de ser compensado pela exploração de um bem que lhe pertence. Seu fato gerador não é um ato de consumo ou circulação, mas a exploração de um bem público, ou seja, o minério extraído do solo.

A função da CFEM é, portanto, compensatória e não arrecadatória em seu sentido fiscal puro (Freire, 2015). Essa distinção, consolidada pela doutrina e pela jurisprudência, afasta a CFEM das limitações constitucionais do poder de tributar, como as que vedam o confisco e garantem a anterioridade.

3. A GÊNESE DA CFEM: trajetória, matriz jurídica e evolução normativa no Brasil

A Criação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) foi um marco histórico no contexto da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu um novo paradigma para a exploração de recursos naturais no Brasil.

A CFEM, também conhecida como “royalties da mineração”, surgiu da necessidade de garantir que a sociedade brasileira fosse compensada pela extração de um recurso que é esgotável e que pertence à União, conforme estabelecido no Artigo 20 da Constituição. O objetivo principal era assegurar que parte da riqueza gerada pela mineração fosse redistribuída para a sociedade, e não se restringisse apenas às empresas extratoras.

Segundo a doutrina de Milanez e Santos (2018, p. 45), a CFEM representa “a concretização do princípio de que o recurso mineral, como bem da nação, deve gerar benefícios que ultrapassem a esfera corporativa e cheguem à população.”

A importância da CFEM para o desenvolvimento nacional é inegável, atuando como uma ferramenta de fomento regional e de mitigação dos impactos da atividade minerária. Os recursos arrecadados são repartidos entre a União, os estados e os municípios, o que permite que as cidades e regiões impactadas pela mineração possam investir em infraestrutura, saúde, educação e diversificação econômica.

A CFEM, portanto, tem um papel fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável, pois busca equilibrar a “exploração econômica com a necessidade de investimentos sociais e ambientais” Tomelin (2020, p. 98) reforça que a compensação financeira é “um dos poucos mecanismos que busca internalizar os custos sociais e ambientais da mineração, transferindo-os do passivo para o ativo do desenvolvimento local e regional.”

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) não se configura meramente como uma ferramenta de arrecadação governamental. Ela é, na verdade, o resultado de uma contínua evolução legislativa e constitucional que buscou, e ainda busca, assegurar uma contrapartida justa e socialmente orientada à coletividade pela exploração de um bem público finito e não renovável (Coelho, 2013).

Sua trajetória, desde a concepção inicial até as recentes modernizações, reflete a crescente preocupação com a gestão sustentável dos recursos minerais brasileiros e a distribuição equitativa de seus benefícios.

Portanto, a CFEM, em sua configuração atual, não deriva diretamente da Constituição Cidadã de 1988, mas constitui uma criação legislativa infraconstitucional fundamentada na nova ordem constitucional, com base na competência mineral da União.

A nossa atual Constituição marcou um divisor de águas para o regime mineral. O Artigo 20, § 1º, é o dispositivo fundamental que lançou as bases para a CFEM, prevendo a “participação no resultado da exploração… ou compensação financeira por essa exploração”. Esse preceito constitucional delegou à legislação ordinária a tarefa de regulamentá-la, conferindo-lhe contornos práticos para que a CFEM se efetive.

Nesse vácuo regulatório pós-Constituição, a CFEM foi efetivamente instituída. A Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989¹, criou formalmente a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Brasil, Lei nº 7.990, 1989). Subsequentemente, a Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, detalhou-a, definindo base de cálculo, alíquotas e percentuais de distribuição entre União, Estados e Municípios.

A natureza jurídica da CFEM é um tema de intenso debate, mas a visão majoritária a classifica como uma receita patrimonial, uma contrapartida devida pela exploração de um bem que pertence à União, e não como um tributo (Santos, 2008).

Para compreender essa distinção, é crucial a definição de tributo no artigo 3º do Código Tributário Nacional (CTN), que o descreve como uma “prestação pecuniária compulsória”. A CFEM, apesar de ser compulsória, não se encaixa nessa definição por sua finalidade e base, que não é a de financiar atividades estatais genéricas, mas sim compensar pela utilização de um bem público.

A doutrina brasileira, de forma majoritária, afasta a natureza tributária da CFEM. A principal razão para esse entendimento é que, diferentemente dos tributos, a CFEM não tem como fato gerador uma atividade do Estado, como o exercício do poder de polícia ou a prestação de serviço público, nem a ocorrência de um fato jurídico que revele capacidade contributiva. Pelo contrário, a CFEM “é uma receita originária, pois deriva da exploração de um bem que integra o patrimônio da União” (Freire, 2015, p. 45).

Por sua vez, o jurista Ricardo Lobo Torres, por exemplo, reforça que a CFEM é uma compensação pela utilização de um bem do domínio público (Santos, 2008). Outros autores, como Sacha Calmon Navarro Coêlho, também classificam a CFEM como uma receita patrimonial originária, decorrente da exploração econômica de um bem público (Coelho, 2013, p. 122).

Essa visão é compartilhada pelo jurista William Freire, que argumenta que, por não ser um tributo, a CFEM não está sujeita às regras do Código Tributário Nacional (CTN), como a decadência e a prescrição tributária. A diferenciação é crucial porque a finalidade da CFEM é compensatória, visando à redistribuição de riquezas finitas para a sociedade, e não arrecadatória no sentido fiscal (Freire, 2015).

A jurisprudência dos Tribunais Superiores solidificou esse entendimento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas decisões, tem classificado a CFEM como receita patrimonial. Um dos julgados mais emblemáticos é o Recurso Especial nº 1.636.627/PB, que, citando a jurisprudência do STF, reafirma que a CFEM é uma receita originária decorrente da exploração de um bem da União (Brasil, STJ, 2017).

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, foi fundamental para pacificar a questão. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.545, embora o tema principal não fosse a CFEM, a Corte utilizou a oportunidade para reiterar seu entendimento consolidado. No Recurso Extraordinário nº 228.800/DF, o STF já havia se posicionado afirmando que as participações no resultado da exploração de recursos minerais “configuram receita patrimonial” (Brasil, STF, 2025).

Mais recentemente, no julgamento da ADI nº 4.846/ES, a Corte reafirmou que a CFEM tem natureza de “receita transferida não tributária de cunho originário emanada da exploração econômica do patrimônio público, afastada sua caracterização seja como tributo, seja como indenização” (Brasil, STF, 2020). A distinção é inequívoca: a CFEM é uma contraprestação de caráter público pela utilização de um bem de propriedade da União.

4. A MINERAÇÃO NO BRASIL: potencial econômico e o papel dos Municípios na gestão da CFEM

O potencial de crescimento da mineração no Brasil é imenso. Contudo, esse crescimento deve ser inseparável de práticas de mineração responsável e sustentável. A CFEM constitui uma receita substancial para os municípios mineradores e sua gestão estratégica revela-se crucial. A arrecadação da CFEM tem demonstrado um crescimento significativo, refletindo a expansão da atividade minerária e as alterações legislativas (ANM, 2024). Em 2021, a Agência Nacional de Mineração (ANM) registrou um recorde de arrecadação de R$ 10,3 bilhões.

Os Municípios mineradores são “favorecidos com crescimento econômico e aumento da população”, mas enfrentam a “minerodependência³”. Essa dependência se manifesta em concentração econômica e vulnerabilidade social e fiscal (INESC, 2021, p. 1). A ausência de diversificação econômica torna essas localidades vulneráveis a ciclos de baixa nos preços das commodities.

A gestão da CFEM, no entanto, enfrenta desafios significativos para os municípios. A falta de expertise técnica em planejamento de longo prazo e a prevalência de interesses políticos de curto prazo comprometem a efetividade da compensação (Paiva, 2023).

A diversificação econômica é crucial para mitigar a extrema dependência dos municípios a essa forma de transferência de recursos. A Lei nº 13.540/17 estipula que ao menos 20% do retorno da CFEM deve ser destinado à diversificação econômica, desenvolvimento mineral sustentável e fomento da ciência e tecnologia (Câmara dos Deputados, 2023).

A expressividade dos valores da CFEM reforça a necessidade de gestão eficiente. Em Minas Gerais (MG), o município de Conceição do Mato Dentro e Congonhas destacam-se como grandes recebedores. Neste alinhamento, o caso de Itabirito, por exemplo, ilustra os desafios da minerodependência, que “contrasta a injeção de recursos com a lenta diversificação da base econômica” (Paiva, 2023, p. 2).

Em outros arquétipos, no Pará (PA), Canaã dos Carajás registrou o maior repasse municipal do país (Brasil 61, 2025). Em Goiás (GO), os maiores recebedores da CFEM foram Alto Horizonte e Mara Rosa (AMIG, 2021, p. 1). Na Bahia (BA), Jacobina liderou a arrecadação. E no Tocantins (TO), Bandeirantes do Tocantins se destacou com repasses em períodos recentes (Brasil 61, 2024).

A Tabela abaixo apresenta o valor total arrecadado no Brasil, que é então distribuído entre a União, estados e municípios.

AnoValor Arrecadado (R$ milhões)
2010973,6
20111.940,5
20122.102,6
20131.838,6
20141.516,7
20151.488,6
20161.884,9
20172.051,0
20183.522,5
20195.097,8
20206.012,1
202110.379,1
20228.232,2
20236.840,0
Fonte: Dados AMN


A análise dos dados na Tabela exposta demonstra a crescente relevância da CFEM para o caixa dos municípios mineradores. O volume de recursos arrecadados cresceu de forma notável na última década, com um pico histórico de R$ 10,3 bilhões em 2021 (ANM, 2024, p. 2).

Essa variação anual nos valores reflete diretamente a dinâmica do mercado global de commodities, que, por sua vez, é influenciada pela cotação internacional do minério e pela taxa de câmbio do dólar. Embora o valor tenha apresentado uma redução em 2023, essa oscilação é característica de um setor que responde às condições macroeconômicas, mas cujo volume de produção mineral no país continua expressivo.

Diante desse cenário, a CFEM não é apenas uma receita, mas um ativo estratégico com um grande potencial de crescimento futuro. O Brasil, detentor de vastas reservas minerais, tem um papel fundamental na transição energética global e na demanda por minerais essenciais para a fabricação de tecnologias limpas e infraestrutura.

A crescente demanda por minerais estratégicos como o lítio, cobre e terras raras, por exemplo, pode abrir novas frentes de exploração e, consequentemente, impulsionar a arrecadação da CFEM para patamares ainda mais elevados nos próximos anos. Dessa forma, a gestão municipal deve olhar para essa receita como uma oportunidade para planejar um futuro robusto e independente da oscilação do mercado.

Como demonstrado a minerodependência é um conceito que descreve a excessiva e perigosa dependência econômica de um município, estado ou país em relação à atividade de mineração. Essa dependência vai além da simples presença da indústria no território; ela caracteriza uma situação onde a receita, o emprego e a dinâmica social e fiscal da localidade estão intrinsecamente ligados à produção e à volatilidade do mercado mineral (Machado; Figueirôa, 2020).

Em essência, os riscos associados à dependência excessiva dessa fonte de recursos, são múltiplos e de grande impacto. Primeiramente, há a vulnerabilidade fiscal. Como demonstrado na Tabela exposta nesta pesquisa, a arrecadação da CFEM é altamente volátil, variando conforme os preços internacionais das commodities.

Uma queda abrupta nesses preços pode comprometer o orçamento municipal, a capacidade de investir em projetos de longo prazo e, em casos extremos, o pagamento de despesas de custeio, como a folha salarial (IPEA, 2020).

5. O PAPEL DA CFEM NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) se distingue por ser uma receita de natureza não vinculada, o que confere às prefeituras uma flexibilidade notável na sua aplicação (Silva, 2024, p. 1).

Diferente de verbas carimbadas para fins específicos, a CFEM pode ser utilizada para financiar uma gama ampla de políticas públicas essenciais. Isso significa que os municípios não precisam restringir os recursos apenas a projetos relacionados à mineração, mas podem direcioná-los para áreas como educação, saúde, saneamento básico, segurança pública e infraestrutura urbana.

Essa liberdade de alocação é um dos maiores potenciais da CFEM, permitindo que a administração pública municipal responda de forma mais ágil às demandas prioritárias da população.

Apesar de sua flexibilidade, a gestão da CFEM exige um planejamento rigoroso e uma governança estratégica. O fato de os recursos serem provenientes de uma atividade de mercado sujeita a flutuações de preços, câmbio e demanda internacional, introduz uma volatilidade que pode comprometer a sustentabilidade das políticas públicas (IPEA, 2020, p. 3).

Uma publicação do IPEA sobre a incidência da COVID-19 em municípios mineradores demonstrou a vulnerabilidade fiscal dessas localidades em momentos de crise econômica, quando a queda na arrecadação da CFEM afetou a capacidade de resposta do poder público. Portanto, a alocação dos recursos deve priorizar projetos perenes, que não dependam da continuidade dos repasses para funcionar.

A literatura especializada ressalta que o uso dos recursos da CFEM deve se pautar por uma visão de longo prazo, buscando mitigar a dependência excessiva desta fonte de recursos. De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), a utilização da CFEM para financiar despesas de custeio — como folha de pagamento ou manutenção diária — é um erro comum que cria uma dependência crônica e insustentável (CNM, 2023, p. 1).

A estratégia ideal é investir em capital humano, infraestrutura de base e diversificação econômica, como o fomento à agricultura familiar, ao turismo ou à indústria de transformação. Dessa forma, a mineração se torna um motor para a criação de outras cadeias produtivas, garantindo o desenvolvimento sustentável mesmo após o esgotamento dos recursos minerais.

O investimento em políticas públicas de educação e capacitação profissional, por exemplo, é uma forma de converter a riqueza mineral em capital humano, preparando a população local para um futuro pós-mineração (Oliveira, 2022). A CFEM pode financiar a construção de escolas, a oferta de cursos técnicos e o desenvolvimento de programas de empreendedorismo.

Em saúde, a verba pode ser empregada para a construção e equipagem de hospitais e centros de atendimento, melhorando a qualidade de vida da população local. Tais ações não apenas beneficiam a comunidade, mas também criam um ciclo virtuoso, atraindo novos investimentos e profissionais para a região.

Os exemplos práticos demonstram o potencial transformador da CFEM quando bem gerida. O município de Parauapebas (PA), um dos maiores recebedores da compensação, “instituiu leis que detalham a aplicação dos recursos” (Costa; Vieira, 2023, p. 25). Tais medidas são parte de uma estratégia de diversificação econômica, que busca criar um futuro para a municipalidade que vá além da dependência mineral.

Contudo, a gestão eficaz da CFEM vai além do mero investimento financeiro. É um exercício de governança pública que exige transparência e participação social. A falta de prestação de contas e o uso discricionário dos recursos podem levar a desvios, corrupção e à insatisfação popular (Souza, 2023).

A possibilidade de implementação de conselhos municipais com a participação da sociedade civil e a divulgação regular dos gastos em plataformas acessíveis são ferramentas essenciais para garantir que a CFEM cumpra seu papel de compensar a coletividade e promover o desenvolvimento. A transparência na gestão, portanto, é tão crucial quanto a própria existência do recurso para que ele se traduza em benefícios reais.

6. GOVERNANÇA, TRANSPARÊNCIA E FUTURO: ELEVANDO O NÍVEL DA GESTÃO DA CFEM

Para que a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) se traduza em desenvolvimento duradouro, a governança e o planejamento de longo prazo são essenciais. A mera injeção de recursos não garante o progresso; a forma como esses recursos são geridos, fiscalizados e investidos é o que define o sucesso (Raso, 2021).

A CFEM é mais do que uma simples taxa, é um recurso estratégico que deve ser gerenciado com visão de longo prazo para se traduzir em políticas públicas eficazes. A aplicação desses recursos em projetos de curto prazo, como eventos festivos ou obras de impacto imediato, falha em abordar os desafios estruturais que a mineração impõe às comunidades.

Em contrapartida, um manejo adequado da CFEM, orientado por um planejamento estratégico, permite a criação de fundos de reserva, o investimento em educação e qualificação profissional e a construção de infraestrutura que promova a diversificação econômica local. Segundo a pesquisa de Pereira (2021, p. 75), “a CFEM só cumpre seu papel de compensação e desenvolvimento quando se desvincula da lógica eleitoral de curto prazo e se alinha com uma visão de futuro para os municípios mineradores.”

Para que a CFEM atinja seu potencial como ferramenta de desenvolvimento, é essencial que os municípios estabeleçam mecanismos de governança transparentes e participativos. Isso inclui a criação de conselhos com a presença da sociedade civil, a publicação de relatórios detalhados sobre o uso dos recursos e a destinação de uma parte substancial do montante para projetos de pesquisa e inovação.

Tais políticas públicas de médio e longo prazo são fundamentais para que as comunidades não se tornem dependentes de uma única atividade econômica, evitando o cenário de “cidades-fantasma” que surge após o esgotamento dos recursos minerais. Santos e Martins defendem que a “má gestão da CFEM é um dos maiores riscos para a sustentabilidade social das regiões mineradoras, pois perpetua a vulnerabilidade e a dependência econômica”. (2023, p. 110)

A visão de excelência para a gestão da CFEM exige a superação do ciclo político de curto prazo, direcionando os recursos para a construção de um futuro que não dependa exclusivamente da mineração, mas trate esse seguimento econômico como um parceiro, para outras iniciativas que sejam sustentáveis.

6.1. A Governança ESG como Catalisadora da Diversificação Econômica

A Governança ESG (Ambiental, Social e Governança) representa uma abordagem estratégica crucial para que os municípios mineradores enfrentem a finitude dos recursos e a volatilidade do mercado, auxiliando no combate à minerodependência.

Ao transcender a visão tradicional de arrecadação, essa governança orienta a gestão da CFEM para um desenvolvimento sustentável e de longo prazo. Essa perspectiva amplia a responsabilidade pública, integrando os riscos e oportunidades inerentes à atividade mineral em suas políticas e decisões (IBRAM, 2023, p. 15).

A visão da governança (G) é fundamental para a criação de mecanismos transparentes e responsáveis na administração dos recursos. A governança da CFEM deve se basear na criação de instituições sólidas, como fundos soberanos municipais, que atuem com autonomia e disciplina fiscal.

Esses fundos, capitalizados com parte da CFEM, servem como poupança de longo prazo e fonte de investimento estratégico (Ferreira, 2024). A adoção de práticas como auditorias externas, conselhos gestores com “participação social e a divulgação periódica e detalhada do uso dos recursos são essenciais para garantir a legitimidade e a eficácia da gestão” (Raso, 2021).

A dimensão social (S) da governança ESG exige que os benefícios da mineração sejam distribuídos de forma equitativa, com foco na melhoria da qualidade de vida e na inclusão produtiva das comunidades.

A CFEM deve ser direcionada para políticas públicas que fortaleçam a educação, a saúde e o saneamento básico, bem como para programas de qualificação profissional que preparem a população para atividades econômicas pós-mineração (ANM, 2024).

A diversificação econômica não é apenas uma questão de criação de novas indústrias, mas também de empoderamento da população, garantindo que a riqueza gerada pelo minério se traduza em capital humano e social verdadeiramente duradouro.

A pilastra ambiental (E) aborda a gestão dos impactos ambientais da mineração e a promoção de uma economia mais sustentável. A CFEM pode financiar projetos de recuperação de áreas degradadas, incentivar a transição para energias renováveis e apoiar iniciativas de bioeconomia e agronegócio que sejam compatíveis com o bioma local.

O uso da renda mineral deve estar alinhado com o bioma, “promovendo uma diversificação econômica que lide com questões estruturais e que seja ambientalmente responsável” (Souza, 2025, p. 2).

O caso de Conceição do Mato Dentro (MG), que buscou a criação de um fundo de desenvolvimento regional e acordos de cooperação com múltiplos atores, ilustra a busca por um modelo que prepare a cidade para um cenário pós-mineração (Anglo American, 2022).

6.2. Inovação, Tecnologia e o Futuro da Mineração

A mineração do século XXI é cada vez mais impulsionada pela inovação e tecnologia. A adoção da chamada “Mineração 4.0” envolve o uso de big data, inteligência artificial (IA), automação e sensoriamento remoto para otimizar a exploração, aumentar a segurança, reduzir o impacto ambiental e, crucialmente, gerar empregos de alta qualificação (Pamplona; Penha, 2019, p. 1). A CFEM pode ser um catalisador para essa transformação.

Em vez de ser gasta integralmente em despesas de custeio, a receita da CFEM pode ser direcionada para a criação de fundos de inovação e pesquisa. Esses fundos podem financiar parcerias estratégicas entre a prefeitura, universidades e centros de pesquisa para desenvolver novas tecnologias aplicáveis ao setor mineral.

O investimento na capacitação de mão de obra local para atuar com drones, robótica, análise de dados e sistemas de gestão inteligente não apenas aumenta o valor agregado da atividade minerária, mas também prepara a população para um mercado de trabalho diversificado e menos vulnerável às flutuações do setor tradicional (IADB, 2020, p. 1).

Por exemplo, a CFEM poderia financiar a criação de um polo tecnológico em municípios mineradores, incentivando a formação de startups voltadas para soluções de sustentabilidade e eficiência energética, inclusive, com a participação das Instituições de Ensino Superior e Centros de Pesquisa, nacionais e internacionais. Isso garantiria que a riqueza finita do minério fosse convertida em um capital humano e intelectual perene.

6.3. O Papel da Sociedade Civil e a Governança Participativa

A gestão eficaz da CFEM é diretamente proporcional ao seu nível de transparência e participação social. A falta de prestação de contas e o uso discricionário dos recursos podem levar à desconfiança, à corrupção e à ineficiência. A melhor prática de governança exige a criação de mecanismos robustos de controle, que vão além das exigências legais mínimas (Souza, 202).

A possibilidade de criação de um Conselho Municipal da CFEM, com a participação de representantes da sociedade civil, academia, setor privado e associações de bairro, é um passo fundamental (Nogueira, 2017, p. 10).

Esse conselho teria a função de monitorar a arrecadação, deliberar sobre a aplicação dos recursos e garantir que os projetos prioritários estejam alinhados com as necessidades da comunidade. Além disso, a implementação de plataformas de transparência digital, onde os cidadãos possam acessar em tempo real os dados de arrecadação e a destinação de cada centavo, fortalece o controle social e previne desvios.

A utilização de ferramentas de open data (dados abertos) permite que jornalistas, pesquisadores e a própria população fiscalizem a gestão, garantindo que a CFEM cumpra sua função compensatória.

A participação ativa da sociedade civil, portanto, não é um acessório, mas um pilar da governança. Campanhas de conscientização sobre a importância da CFEM, workshops de capacitação para a gestão de projetos e o fomento a canais de denúncia segura criam um ambiente de responsabilidade mútua, onde a riqueza do subsolo se traduz em prosperidade coletiva.

O uso da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) deve ser uma responsabilidade compartilhada entre o poder público e a sociedade civil organizada, que deve atuar como fiscal e parceira na gestão desses recursos.

A participação social não é apenas um direito, mas uma necessidade para garantir que os valores arrecadados não se dispersem em ações de curto prazo, mas sejam direcionados para projetos que promovam a resiliência e a sustentabilidade das comunidades a médio e longo prazo.

A criação de conselhos consultivos ou deliberativos, com a presença de representantes da sociedade civil, de universidades e de entidades de classe, é uma forma de garantir que a aplicação da CFEM seja estratégica e transparente. Segundo o pesquisador Costa (2022, p. 80), “a sociedade civil, quando devidamente empoderada, se torna a guardiã do futuro das comunidades mineradoras.”

Um dos principais papéis da sociedade civil é garantir que os recursos da CFEM sejam direcionados para o financiamento de políticas públicas que preparem as comunidades para o pós-mineração. Isso inclui o investimento em programas de educação técnica e superior, que capacitem a população para novas atividades econômicas, e a criação de incubadoras de empresas para diversificar a economia local.

Além disso, a sociedade civil deve monitorar a aplicação da CFEM em projetos de recuperação ambiental e de infraestrutura, garantindo que os danos causados pela mineração sejam devidamente reparados e que as áreas de passivo se transformem em ativos sociais e econômicos. Para Guedes e Castro (2023, p. 145), “a participação da sociedade na gestão da CFEM é a única via para que a mineração deixe de ser um ciclo de boom e busto e se torne um vetor de desenvolvimento contínuo.”

A colaboração entre o poder público e a sociedade civil é a chave para que a CFEM se torne um instrumento de governança eficaz. Ao invés de uma mera fiscalização passiva, a sociedade civil organizada pode atuar como um parceiro propositivo, apresentando projetos, cobrando metas e garantindo que os recursos sejam utilizados para o bem-estar coletivo.

Essa abordagem colaborativa é essencial para fortalecer a Licença Social para Operar (LSO), pois demonstra que a riqueza gerada pela mineração está, de fato, a serviço da população. A transparência na gestão, aliada à participação social, é o que garante que a CFEM não seja vista como um mero “bolsa-mineração”, mas como um capital social que pode ser investido para um futuro melhor e mais seguro para as próximas gerações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa sobre a CFEM demonstra que, apesar de seu potencial como fonte de receita, ela não garante, por si só, a superação dos desafios da “minerodependência”. A pesquisa destacou a natureza não tributária da CFEM e explorou o papel central dos municípios na gestão desses recursos. A metodologia empregada, que combinou uma revisão bibliográfica exaustiva com o método hipotético-dedutivo, foi fundamental para aprofundar a análise (Raso, 2021, p. 60).

A revisão da literatura, que incluiu textos de Direito, Economia Mineral e dados de órgãos como ANM, IBGE e IPEA, permitiu uma visão ampla e contextualizada. A pesquisa formulou e confirmou a hipótese de que a CFEM é um instrumento vital para impulsionar o desenvolvimento sustentável.

As conclusões reforçam a importância da CFEM como ferramenta de compensação à sociedade pela exploração de um bem finito. No entanto, sua eficácia está intrinsecamente ligada à forma como é gerenciada. A pesquisa evidencia que a simples arrecadação de grandes volumes de recursos não se traduz automaticamente em desenvolvimento, mas pode até exacerbar a desigualdade se não houver planejamento e transparência na aplicação.

É a governança estratégica, a transparência e a participação social que garantem a conversão da riqueza mineral em capital duradouro, como infraestrutura, educação e diversificação econômica.

Um dos principais desafios identificados é a tendência de municípios mineradores de usar a CFEM para financiar despesas correntes, criando uma dependência insustentável. Essa prática, como apontado pela CNM (2023, p. 1), compromete a capacidade de investimento de longo prazo e fragiliza a economia local.

A solução reside em romper com essa lógica e direcionar os recursos para projetos que gerem valor perene, como a qualificação profissional da mão de obra local e o fomento a novos setores produtivos.

Esse estudo acadêmico também destaca a relevância da Governança ESG como um novo paradigma para a gestão pública em áreas mineradoras. Ao integrar os pilares Ambiental, Social e de Governança nas decisões de alocação da CFEM, os municípios podem não apenas mitigar os impactos negativos da mineração, mas também criar um ambiente propício para a inovação e o crescimento de uma economia mais diversificada.

A criação de fundos soberanos, por exemplo, é uma prática que pode assegurar a continuidade do desenvolvimento mesmo após o esgotamento das reservas (Ferreira, 2024).

As conclusões da pesquisa apontam para a necessidade de um esforço conjunto de gestores públicos, sociedade civil e setor privado para garantir que a CFEM cumpra seu papel. A gestão transparente, a educação para a cidadania fiscal e a implementação de tecnologias de monitoramento são pilares para o sucesso.

A participação da sociedade civil em conselhos gestores e a fiscalização ativa são mecanismos cruciais para que o recurso beneficie, de fato, a coletividade (Nogueira, 2017, p. 12).

Por último, a pesquisa conclui que, para um futuro mais resiliente, os municípios mineradores devem adotar uma abordagem de longo prazo, investindo em inovação, tecnologia e capacitação profissional, a fim de construir uma base econômica robusta e menos vulnerável às flutuações do mercado global de commodities.

A CFEM, portanto, não é a linha de chegada, mas a ferramenta essencial para iniciar a jornada rumo à sustentabilidade e à prosperidade (IADB, 2020).

O legado da mineração no Brasil não se medirá apenas pela riqueza extraída, mas pela forma como essa riqueza foi convertida em progresso social e econômico. A CFEM é a materialização da oportunidade de um futuro diferente, um futuro onde a finitude dos recursos não significa o fim da prosperidade.


²No âmbito dos tribunais superiores, a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, que instituiu a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), foi objeto de questionamentos, principalmente em relação à sua natureza jurídica. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas decisões, firmou o entendimento de que a CFEM não é um tributo, mas uma receita patrimonial. Essa classificação decorre do fato de que a cobrança não se origina de um ato de poder de polícia ou de uma prestação de serviço do Estado, mas sim da exploração de um bem que pertence ao patrimônio da União. Conforme a jurisprudência da Corte, no Recurso Especial nº 1.636.627/PB, reafirmou-se que a CFEM é uma receita originária, decorrente da exploração de um bem público (Brasil, STJ, 2017). A matéria também foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reforçou a distinção entre a CFEM e os tributos. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 228.800/DF, a Corte já havia se posicionado afirmando que as participações no resultado da exploração de recursos minerais “configuram receita patrimonial” (Brasil, STF, 2007). Mais recentemente, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.846/ES, o STF reiterou que a CFEM tem natureza de “receita transferida não tributária de cunho originário emanada da exploração econômica do patrimônio público, afastada sua caracterização seja como tributo, seja como indenização” (Brasil, STF, 2020). Essa jurisprudência é crucial, pois afasta a CFEM das regras de direito tributário, como os princípios da legalidade e da anterioridade.
³A minerodependência configura-se como uma condição econômica e social de profunda vulnerabilidade, na qual um país ou região alicerça sua estrutura produtiva e de exportação, de forma desproporcional, na extração e comercialização de recursos minerais. Essa super-relevância do setor minerário na balança comercial e na geração de empregos torna a economia extremamente suscetível às oscilações do mercado internacional de commodities. Conforme apontam Bairral, R. E., & Santos, M. C. (2018) em “O Efeito da Maldição dos Recursos Naturais no Desenvolvimento Econômico”, essa concentração de renda pode levar à negligência de outros setores econômicos, como agricultura e indústria de transformação, gerando um cenário de subdesenvolvimento persistente, conhecido como a “Maldição dos Recursos Naturais”. Essa dependência excessiva transcende a esfera puramente econômica, manifestando-se em complexos desafios ambientais e sociais. A expansão desordenada da mineração, muitas vezes, implica em severos impactos ecológicos, como o desmatamento, a contaminação de bacias hidrográficas e a alteração de paisagens naturais, como bem documentado por Silva, P. T., & Costa, L. R. (2019) em seu estudo “Impactos Socioambientais da Mineração no Brasil”. Além disso, a minerodependência pode exacerbar desigualdades sociais e conflitos territoriais, uma vez que a concentração de lucros e a falta de diversificação econômica limitam a distribuição de benefícios à população, marginalizando comunidades locais e gerando tensões que se refletem na dificuldade de implementação de políticas de desenvolvimento sustentável.

REFERÊNCIAS

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¹Controlador Geral do Município de Palmas. Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2008), Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília (2014). Doutor em Direito pelo UniCEUB, Membro da comissão de ensino jurídico da OAB/MG. Pesquisador do Centro Universitário de Brasília. Ex-assessor Especial no Tribunal de Contas do Estado do Tocantins. Professor do Curso de Direito da Fbr. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: Terceiro Setor, direitos fundamentais, educação em direitos humanos, cidadania e direito e Seguridade Social. Membro dos grupos de pesquisa Núcleo de Estudos e Pesquisas Avançadas do Terceiro Setor (NEPATS) da UCB/DF, Políticas Públicas e Juspositivismo, Jusmoralismo e Justiça Política do UNICEUB. Editor Executivo da REPATS. E-mail: edstron@yahoo.com.br.