REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10251134
Luana Soido Teixeira e Silva
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo, apresentado como trabalho avaliativo à disciplina “Teoria Geral do Direito”, ministrada pelo Professor Plínio Valente Ramos Neto. Tem como objetivo elucidar alguns pontos a respeito da Teoria de John Rawls, sobretudo pela análise de duas obras de sua autoria: “Uma Teoria da Justiça” e “O Liberalismo Político”.
Apresenta-se conceitos como justiça como equidade – teoria contratualista de Rawls; equilíbrio reflexivo; posição original e véu da ignorância; consenso sobreposto; razão pública e privada; e a distinção entre o racional e o razoável na perspectiva de John Rawls.
2 JUSTIÇA COMO EQUIDADE – TEORIA CONTRATUALISTA DE JOHN RAWLS
John Rawls, em sua obra “Uma Teoria da Justiça”, publicada em 1971, trata em seu Capítulo I sobre a justiça como equidade. A ideia de equidade proposta por Rawls baseia-se em um modelo de instituição o qual deveria fomentar e aplicar o valor da justiça e dessa forma minimizar as discrepâncias sociais, sendo pactuada anteriormente às instituições, como forma contratual1.
Assim, a proposta de Rawls, na primeira parte de sua obra, é propor uma teoria constratualista, nos moldes de Kant, Rousseau e Locke, apresentando a sua concepção de justiça como resultado de um consenso original que estabelece princípios para a estrutura básica da sociedade.2
Nesse sentido, para isso era necessário que os integrantes deveriam estar num estado de igualdade, cobertos pelo denominado véu da ignorância. Nesse estágio ninguém definiria valores de justiça os quais propusessem vantagens para certos indivíduos em detrimento dos outros, visto que por ninguém saber o porvir, a escolha de valores genéricos determinaria um estágio inicial onde todos adquiririam o bem-estar3 e assim aduz que
uma vez que todos estão numa situação semelhante e ninguém pode designar princípios para favorecer sua condição particular, os princípios da justiça são o resultado de um consenso ou ajuste equitativo. […] A essa maneira de considerar os princípios da justiça eu chamarei de justiça como equidade.4
É preciso, de acordo com John Rawls, que a sociedade seja regulada por uma concepção política de justiça a fim de promover os justos termos de cooperação entre seus membros. Tal concepção política de justiça – a justiça como equidade – caracteriza a sociedade bem-ordenada como aquela na qual todos aceitem e saibam que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que elas satisfazem, esses princípios5.
3 EQUILÍBRIO REFLEXIVO
John Rawls desenvolve o conceito de equilíbrio reflexivo. Segundo o autor, a escolha dos princípios de justiça na posição original não se dá de maneira completamente desvinculada do mundo da vida, mas é feita, por meio da tradição da comunidade, por um senso de justiça refletido em “juízos ponderados”.
Assim, recorrendo à experiência histórica, os princípios universais são confrontados com os juízos ponderados de justiça, fazendo com que entre estes e aqueles haja um “equilíbrio reflexivo”.
Nesse ínterim, de acordo com Rawls, o equilíbrio reflexivo representa a tentativa de acomodar num único sistema, tanto os pressupostos filosóficos razoáveis impostos aos princípios, quanto os nossos juízos ponderados sobre justiça.
4 POSIÇÃO ORIGINAL E VÉU DA IGNORÂNCIA
Como dito, Rawls se vincula a ideia de contratualismo, e o faz com o intuito de propor condições para que a sociedade tenha suas instituições sociais balizadas por padrões de justiça.6
Para tanto ele propõe um estado de ignorância original hipotético (ou o que Rawls chama de véu da ignorância), assim, todas as decisões sobre pactuações sociais que sejam tomadas para a escolha de princípios orientadores de justiça devem ser feitas de forma a garantir que todos tenham liberdades básicas e bens sociais primários.7
A ignorância no momento da pactuação do contrato primeiro possibilita que as partes não tenham conhecimento das consequências políticas, jurídicas e sociais de suas escolhas exatamente no momento em que se estabelecem as regras que regerão a sociedade em termos de justiça.8
Em sua teoria, a posição original corresponde ao “estado de natureza” na teoria tradicional do contrato social proposta pelos contratualistas clássicos. Dadas essas condições, Rawls entende que a situação contratual é uma situação equitativa, de modo que essa equanimidade da situação de escolha é transferida para o “objeto” que é escolhido – os princípios de justiça da teoria da justiça como equidade.9
O véu da ignorância proposto por Rawls seria um dispositivo imaginário, que funcionaria como um limitador da informação dos partícipes do contrato, e por meio desse artifício estariam garantidas as condições para o consenso sobre os princípios da justiça.10
Tal véu teria sua aplicação gradativa em quatro estágios. O primeiro estágio, em que as partes na posição original escolheram os princípios de justiça, posteriormente, elas passam a uma convenção constitucional. Nela, de acordo com os princípios escolhidos, elas escolhem uma constituição e estabelecem os direitos e liberdades básicas dos cidadãos. O terceiro estágio é o da legislação, em que se considera a justiça das leis e políticas (policies); as leis promulgadas, para serem justas, devem satisfazer tanto os limites impostos pela constituição quanto os princípios de justiça originalmente escolhidos. O quarto e último estágio é o da aplicação das regras e casos particulares pelos juízes e outras autoridades.11
Dessa forma, as partes só terão pleno conhecimento da situação em que se encontram no último estágio, qual seja, o da aplicação das regras aos casos particulares em que estão inseridas.
Tanto a posição original, quanto o véu da ignorância são artifícios teóricos que permitem que a construção teórica de Rawls no fundo trata-se de uma defesa da equidade, para que possa ser escolhida uma concepção de justiça que abrange a todos os indivíduos, levando em consideração que após levantado o véu, aparecerão todas as diferenças possíveis de se existir entre os seres humanos.
5 CONSENSO SOBREPOSTO
John Rawls, ainda, procura responder às objeções a respeito da possibilidade da ideia de unidade social baseada em um consenso sobreposto relativo a uma concepção política de justiça.
Entende-se que consenso sobreposto seria um assentimento de todos os cidadãos a respeito dos elementos constitucionais essenciais e das questões de justiça básica.12
Teria como função tomar a noção de sociedade bem-ordenada mais realista e condizente com os fatos históricos e sociais apresentados nas sociedades democráticas, através do pluralismo razoável (diversidade de opiniões dos cidadãos com relação às escolhas políticas, religiosas e morais).13
Independente dessa diversidade, a concepção política condizente aos elementos constitucionais essenciais pode ser possível, se atingido um ponto de vista comum entre todos.
O consenso sobreposto implica em uma concepção política de justiça como um ponto de vista independente de doutrinas ou concepções particulares, seu foco central está na noção de que há ideias fundamentais de uma sociedade democrática compartilhadas pelos demais cidadãos sem ter como pressupostos seus interesses individuais. Através do consenso sobreposto podemos chegar a uma sociedade bem ordenada.14
6 RAZÃO PÚBLICA E PRIVADA
Relacionando-se com o conceito de consenso sobreposto, John Rawls insere em sua doutrina a chamada “razão pública”, que pode ser traduzida como a forma de argumentação apropriada para cidadãos iguais que, como um corpo coletivo, impõem normas uns aos outros apoiados em sanções do poder estatal.15
É a razão dos cidadãos enquanto compartilham a situação de cidadania e seu objeto é o bem público em uma concepção pública de justiça que tem uma base pública de justificação. Delimita, pois, a razão pública em três sentidos: (i) é a razão do público, isto é, a razão dos cidadãos enquanto compartilham de uma situação de igual cidadania; (ii) seu objeto é o bem público e as questões de justiça fundamentais; (iii) a natureza e o conceito são públicos , determinados pelos princípios expressos pela concepção de justiça política.16
Os limites impostos à razão pública circunscrevem as questões políticas aos “elementos constitucionais essenciais”, quer dizer, somente os valores políticos devem resolver as questões fundamentais, por exemplo, estabelecer o direito ao voto.17
Outra objeção no que diz respeito à razão pública, é que seus limites não se aplicam às deliberações e reflexões individuais (razão privada) sobre as questões políticas. O ideal de razão pública aplica-se aos fóruns oficiais que são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.18
Rawls distingue, então, a razão pública da razão privada (não-pública). Um primeiro esclarecimento ressalta que há apenas uma razão pública e muitas razões nãopúblicas, como as razões das diversas associações: igrejas, universidades, sociedades científicas e grupos profissionais.19
As razões privadas são sociais, fazendo parte do horizonte da cultura de fundo de uma sociedade, compreendendo as diversas razões da sociedade civil, contrastando com a cultura política pública. Utilizam critérios e métodos diferentes e dependem da maneira de interpretar a natureza, o problema e o objetivo de cada associação e as condições com que procuram alcançar os seus fins.20
7 RACIONAL E RAZOÁVEL
Rawls, em sua Conferência II sobre O Liberalismo Político, discorre sobre a problemática da concepção de cidadãos e suas faculdades no âmbito político, e a explicação fundamental desse papel, a dos conceitos de razoabilidade e racionalidade.
Trata das capacidades dos cidadãos e suas representações, de como indivíduos razoáveis fundamentam um pacto de convivência, cujo fim é tornar harmônica a diversidade de doutrinas razoáveis proferidas pelos cidadãos, encontrando assim um consenso sobreposto acima de toda e qualquer diferença particular.
Ou seja, a estrutura da sociedade é regulada por uma noção de justiça e de pessoa e o foco de um consenso sobreposto pressupõe a distinção entre razoável e racional.
O racional corresponde à motivação pelos interesses superiores e à capacidade em efetivar e exercer as faculdades morais, bem como desenvolver a própria concepção do bem, portanto no âmbito privado. Diz respeito às razões para fazer algo, mesmo não sendo sempre redutíveis ao interesse próprio, são tomados somente pela perspectiva individual do agente.21
Se dirige, portanto, ao particular, aplicando-se à realização de fins e interesses particularmente seus; ou em como estes serão adotados, promovidos e priorizados; e também à escolha dos meios mais eficientes para tal.
O razoável diz respeito ao público, refere-se às motivações para fazer algo compartilhado por pessoas que professam concepções de bem que são distintas. Ele tem uma dimensão política e compartilhada que o racional não possui, possibilitando a cooperação social.22
Portanto, os dois conceitos são importantes na perspectiva da justiça como equidade. Duas ideias distintas e independentes que não derivam uma da outra, mas que são complementares para dar o sentido de justiça. Uma refere-se ao âmbito universal e outra ao particular e não podem se isolar por que um agente razoável carece de fins próprios, assim como um agente racional carece de um sentido de justiça.23
CONCLUSÃO
Pode-se, portanto, concluir que os princípios da justiça idealizados por Rawls são as liberdade públicas ou direito fundamentais. Para o autor, uma sociedade bem ordenada compartilha de uma concepção pública – razão pública – de justiça que regula a estrutura básica da sociedade. Com base nisso, Rawls formulou a teoria da justiça como equidade, embasada nos conceitos de consenso sobreposto e equilíbrio reflexivo.
REFERÊNCIAS
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FRONZA JUNIOR, Edegar. Razoabilidade e racionalidade a partir da obra O liberalismo político de John Rawls. Revista Espaço Acadêmico. n. 194. Julho/2017. Disponível em: https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistaestudosfilosoficos/RAZOABILIDADE%20E%20RACIONALIDADE% 20A%20PARTIR%20DA%20OBRA.pdf. Acesso em dez. 2017.
LEITE FILHO, Antonio Henriques Lemos. Reforma agrária e justiça social no campo: elementos para uma abordagem a partir da teoria da justiça de John Rawls. Disponível em: < https://mestrado.direito.ufg.br/up/14/o/Versão_Final4_1_.pdf >. Acesso em dez. 2017.
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