BREVE ESTUDO SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A PRESERVAÇÃO DA CULTURA POMERANA NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202507070948


Ana Cristina Oliveira Neves1
Juciélen Albuquerque de Souza2
Robinson Brancalhão da Silva3


Resumo: O presente artigo aborda a trajetória dos pomeranos desde sua migração forçada da Europa até sua chegada ao Brasil, destacando os desafios enfrentados e os esforços realizados para a preservação de sua identidade cultural. A migração dos pomeranos ocorreu principalmente devido a conflitos geopolíticos na Europa, como a Conferência de Potsdam, que resultou na expulsão de populações germânicas, incluindo os pomeranos, de seus territórios de origem. No Brasil, os imigrantes enfrentaram condições adversas e isolamento, o que contribuiu para a manutenção de uma identidade coletiva e de práticas culturais específicas. O estudo também evidencia políticas públicas recentes, como a inclusão dos pomeranos no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e a criação do “Dia do Imigrante Pomerano” em Rondônia, como formas de valorização e reconhecimento oficial dessa etnia. Especial atenção é dada à comunidade de Espigão do Oeste – RO, onde a cultura pomerana permanece viva por meio de associações, festas tradicionais, língua e religião. O artigo ressalta a importância das políticas públicas no fortalecimento da identidade cultural e da memória dos povos tradicionais, como os pomeranos, no contexto brasileiro.

Palavras-chave: Pomerania; Migração; Preservação Cultural. 

1.  INTRODUÇÃO

As migrações internacionais sempre foram marcos importantes na construção das identidades culturais ao redor do mundo. No Brasil, a chegada de imigrantes europeus nos séculos XIX e XX contribuiu significativamente para a formação da diversidade étnica do país. Dentre esses grupos, os pomeranos representam uma comunidade com forte apego às suas tradições culturais, religiosas e linguísticas. Expulsos de suas terras natais devido a eventos históricos marcantes, como a redefinição de fronteiras na Europa pós-Segunda Guerra Mundial, esses imigrantes buscaram no Brasil novas oportunidades, mas se depararam com dificuldades socioeconômicas, discriminação e isolamento. Este artigo propõe uma reflexão sobre a importância da preservação da cultura pomerana no Brasil, com ênfase nas políticas públicas implementadas em prol do reconhecimento e valorização desse povo tradicional. Através da análise histórica e de ações recentes, como o Decreto nº 8.750/2016 e a lei que institui o Dia do Imigrante Pomerano em Rondônia, pretende-se compreender os mecanismos de resistência cultural e a busca por identidade em contextos de adversidade.

Trajetória dos Pomeranos até o Brasil

O processo migratório dos Pomeranos para o Brasil foi o resultado das condições socioeconômicas e políticas presentes na Europa do século XIX. Helmar Rölke em seu livro “Raízes da Imigração Alemã: história e cultura alemã no Estado do Espírito Santo” explica o processo de migração dos Pomeranos para o Brasil, essa obra retoma a memória da imigração alemã para o estado do Espírito Santo e traz elementos da cultura dos Pomeranos. O autor faz detalhamento sobre a situação social e política da Alemanha e do Brasil durante o período de imigração.

Helmar Rölke relata:

De 17 de julho a 02 de agosto do ano de 1945, foi realizada a Conferência de Potsdam, em que estavam presentes os mandatários Harry S. Trumann, dos Estados Unidos da América, Winston Churchill, da Inglaterra, e Josef Stalin, da União Soviética. Foi ali tomada a seguinte decisão: o norte da Prússia Oriental passou a pertencer à União Soviética. O restante da região, dentre está também a Pomerânia Oriental, passou a pertencer à Polônia. Os Rios Oder e Neisse, juntamente com a antiga capital da Pomerânia, Stettin, formaram a divisa da Polônia com a antiga República Democrática Alemã. A esta decisão seguiu-se outra: se os novos dominadores quisessem expulsar a população alemã dos territórios adquiridos, poderiam fazê-lo. Mas, desde que fosse a população alemã ao leste dos Rios Oder e Neisse. Dos originais 38.500 km² de terra pomerana, 31.301 km² passaram então para o domínio polonês. Os poloneses iniciaram um processo de expulsão, no qual 1,8 milhão de pomeranos tiveram que deixar suas terras. Durante a fuga, faleceram em torno de 500 mil pessoas, vítimas de fome e frio. (RÖLKE, 2016, p. 83/84).

Os pomeranos foram expulsos daquela região, procuraram abrigos em outros países, muitos deixaram de cultuar os costumes, as tradições e até mesmo a língua. 

FIGURA 1: Mapa da Pomerânia[4] no início do século XIX.

Fonte: http://www.povopomerano.com.br/pomerania4.php

Quando os Pomeranos decidiram vir para o Brasil, acreditavam que teriam grandes oportunidades, mas ao chegar se decepcionaram com as condições que encontraram, muitos foram cruelmente discriminados e perseguidos, em razão desses constrangimentos viviam isolados com condições mínimas de sobrevivência. O que provocou a aproximação entre os descendentes pomeranos foi o isolamento em que eles se encontravam desde a chegada ao Brasil.

Observamos que, segundo Pessoa, “O isolamento os unia cada vez mais. O que um possuía era de todos. A distância dos centros maiores e o isolamento geográfico proporcionavam uma forma de organização caracterizada pelo sistema de mutirão para o trabalho” (PESSOA, 1995, p. 77). Apesar das dificuldades, do grande isolamento e abandono em que os pomeranos se encontraram, acabaram por progredir econômica e demograficamente.

A migração no interior do Brasil foi movida por busca de terras férteis, uma vez que esses indivíduos viviam inicialmente da agricultura para o consumo, quando a fertilidade do solo se esgotava procuravam outra região para a produção de alimentos, neste período não existiam tantos fertilizantes e nem muito conhecimento sobre a agricultura, então o abandono de terras e consequentemente o apossamento, a queimada e o desmatamento se fazia necessário à sobrevivência.

Entre 26 e 29 de julho de 1911 o Brasil participou do Congresso Universal das Raças, realizado em Londres, sendo o único país da América Latina a participar. O Brasil foi representado por João Batista Lacerda (1846-1915), cientista de renome nacional.

A pintura Redenção de Cam (1895)  do artista espanhol Modesto Brocos (1852-1936), foi produzida após a abolição da escravatura e da instituição da República brasileira.

FIGURA 2: A pintura Redenção de Cam (1895)

A  pintura foi usada para ilustrar a tese de Lacerda sobre o “branqueamento”  através da mestiçagem, apresentado no Congresso Universal das Raças, em Londres, em 1911.

Um dos métodos utilizados pelo Governo brasileiro para “branquear” a população foi a imigração. O fenômeno migratório esteve sempre presente no mundo, marcando períodos significativos da história, no Brasil não foi diferente. Entre os séculos XIX e XX, diversos países da Europa enfrentaram crises sócio/econômicas, levando uma parcela de sua população a situações de miséria.

Interessado em seu povoamento, a República brasileira se aproveitou da situação que vivia alguns países do mundo e decidiu criar uma campanha que atraísse esses povos, com a finalidade de colonizar áreas maiores do território nacional e branquear a população, entre esses povos estavam os pomeranos.

Os imigrantes estrangeiros ao desembarcarem no Brasil se depararam com uma situação agradável, pois eram bem recebidos por uma espécie de agência municipal criada pelo governo da República para auxiliar os recém chegados, essa mesma tinha que causar boa impressão, pois o governo não queria perder esses estrangeiros para outras agências de iguais funções em outros portos como os de Buenos Aires e Rosário na Argentina.

Em sua busca por uma vida melhor e um pedaço de terra para trabalhar, esses imigrantes eram designados a trabalhar em grandes fazendas e se depararam com a sua exploração, causada na sua grande maioria por dívidas criadas junto ao próprio fazendeiro.

Os descendentes de pomeranos foram incluídos no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT, tendo o direito de ter um representante da sociedade civil, sendo um titular e dois suplentes como membros do referido Conselho. Assinado no dia 09 (nove) do mês de maio de 2016 (dois mil e dezesseis), pela então presidenta da República Dilma Rousseff, três dias antes de seu afastamento em decorrência do processo de impeachment, o DECRETO Nº 8.750, que institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT, órgão colegiado de caráter consultivo, atual componente da estrutura do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). 

Pomeranos no interior de Rondônia

O município de Espigão do Oeste no estado de Rondônia tem sua população constituída predominantemente de descendentes de pomeranos, uma vez que é a localidade em que se concentra a maior população deles na região norte do país.

A linguagem, a religião Luterana, as festas tradicionais, a culinária, e as demais manifestações culturais que ainda fazem parte do cotidiano dessa comunidade são essenciais para fortalecer a identidade dos descendentes pomeranos que habitam esta região. Mesmo com o passar do tempo, essa comunidade ainda mantém grandes vínculos com a agricultura, tradições, linguagem… Eles não deixam que esses traços tradicionais se percam, pois, no referido município existe uma associação (ASPOMER [5] – Associação Pomerana de Espigão do Oeste) que motiva, resgata e incentiva a preservação da cultura. 

É visível a necessidade que os descendentes pomeranos tiveram em criar uma identidade para a comunidade local, visto que em outras regiões do Brasil a tradição pomerana é mais intensa. Então a aproximação das comunidades pomeranas do sul do país com a comunidade de Espigão do Oeste – RO fez com que nesse grupo surgisse a ânsia de disseminar a sua identidade cultural.

FIGURA 3: Portal Pomerano em Espigão do Oeste – RO.

  Acervo do autor

É necessário analisar alguns documentos oficiais e os sentidos dados pelos próprios sujeitos, pois de acordo com a LEI Nº. 11.556/2011, de 01 de julho de 2011, o prefeito Célio Renato da Silveira declarou como Cidade-Irmã o município de Vila Pavão do estado do Espírito Santo, devido aos grandes laços de amizade entre a população dessas duas localidades.  

Recentemente os Pomeranos do Estado de Rondônia tiveram uma grande conquista, pois foi incluído no calendário oficial de Rondônia o “Dia do Imigrante Pomerano”. O governador do estado, Marcos José Rocha dos Santos, assinou o decreto de lei n° 5109/2021. O Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade pelos deputados na Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) e ficou definido o dia 28 de junho para tal comemoração.

CONSIDERAÇÕES  

A análise da trajetória dos pomeranos no Brasil revela um processo de resistência cultural marcado por desafios históricos e sociais. Mesmo diante do isolamento, da discriminação e das dificuldades de adaptação, a comunidade pomerana conseguiu manter viva sua herança cultural, especialmente em regiões como Espigão do Oeste, Rondônia. A criação de associações culturais, a celebração de tradições, a valorização da língua e da religião demonstram o compromisso dessa comunidade com sua identidade. As políticas públicas voltadas para os povos e comunidades tradicionais, como a inclusão dos pomeranos no CNPCT e a criação de datas comemorativas estaduais, representam avanços significativos na preservação da memória coletiva e no reconhecimento da diversidade cultural do Brasil. Contudo, ainda é necessário ampliar o acesso a recursos, incentivos e visibilidade para que a cultura pomerana, assim como outras culturas tradicionais, continue a se desenvolver e contribuir para o pluralismo cultural brasileiro.


[4] Região ao longo da costa do Mar Báltico entre os rios Oder e Vístula (atualmente entre a Alemanha e a Polônia). 

[5] A Associação Pomerana de Espigão do Oeste – ASPOMER foi fundada em 31/08/2011. Está localizada na Rua São Carlos nº 2346, Bairro Caixa D’água, Espigão do Oeste – Rondônia, CEP 76.974-000.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto n. 8750, de 9 de maio de 2016. Institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília, 9 de maio de 2016; 195º da Independência e 128º da República. 

FOERSTE, Erineu; BORN, Joachim; DETTMANN, Jandira Marquardt; Língua Pomerana na escola: práticas docentes e diversidade linguística. Revista Brasileira de Educação, 2019.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. Ed. SP: Atlas, 2008.

SCHWARCZ, L. K. M. Previsões são sempre traiçoeiras: João Baptista de Lacerda e seu Brasil branco. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.1, jan.-mar. 2011.

RÖLKE, Helmar. Raízes da Imigração Alemã: História e Cultura Alemã no Estado do Espirito Santo. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espirito Santo, 2016.

RONDÔNIA. LEI N° 5.109, DE 21 DE SETEMBRO DE 2021. Institui no Estado de Rondônia o Dia do Imigrante Pomerano.


1Discente do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública do Instituto Federal de Rondônia
Campus Porto Velho Zona Norte. e-mail: anacristina000111@gmail.com
2Discente do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública do Instituto Federal de Rondônia
Campus Porto Velho Zona Norte. e-mail: jucielen.albuquerque@gmail.com
3Docente do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública do Instituto Federal de Rondônia
Campus Porto Velho Zona Norte. e-mail: orientadortcc5.pvhzonanorte@ifro.edu.br