REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202508311130
Rafaela de Azevedo Villar Pinto
Orientador: Evandro Fabiani Capano
RESUMO
O artigo analisa os aspectos jurídicos do marketing de influência digital, com ênfase na responsabilidade de influenciadores na promoção de produtos e serviços. Aborda a publicidade enganosa, a ausência de rotulagem adequada, a responsabilidade civil e penal, além dos mecanismos de autorregulamentação, como o CONAR. Por meio da análise de casos concretos, conclui-se que os influenciadores devem ser responsabilizados de forma objetiva quando causarem danos ao consumidor, sendo necessária a criação de normas específicas para o setor.
Palavras-chave: marketing de influência; responsabilidade civil; publicidade; CONAR; influenciadores.
ABSTRACT
This article examines the legal aspects of influencer marketing, focusing on influencers’ liability in promoting products and services. It addresses misleading advertising, lack of content labeling, civil and criminal responsibility, and self-regulation through institutions like CONAR. Based on case studies, the research concludes that influencers can be objectively held liable, reinforcing the need for specific regulation in the digital marketing field.
Keywords: influencer marketing; civil liability; advertising; CONAR; digital influencers.
Introdução
A ascensão dos influenciadores digitais como protagonistas de campanhas publicitárias representa uma das transformações mais marcantes na dinâmica da comunicação de consumo no século XXI. Com o advento das mídias sociais e a consolidação da internet como principal canal de interação e informação, personalidades antes anônimas passaram a exercer significativa influência sobre o comportamento e as decisões de compra de milhões de seguidores. Essa nova configuração de mercado alterou profundamente os parâmetros da publicidade tradicional, dando origem a práticas comerciais muitas vezes marcadas pela informalidade, pela ausência de transparência e, em diversos casos, pela violação dos direitos dos consumidores.
Nesse cenário, emergem questões jurídicas relevantes sobre os limites éticos e legais da atuação desses agentes da publicidade contemporânea. A ausência de vínculos formais com marcas, o uso dissimulado da persuasão comercial em postagens pessoais e a prática reiterada de recomendações sem a devida sinalização de conteúdo patrocinado colocam em xeque os pilares fundamentais do Código de Defesa do Consumidor. Em muitos casos, a linha entre uma opinião pessoal e uma ação publicitária deliberada torna-se tênue, dificultando o controle e a responsabilização das condutas ilegais ou abusivas praticadas no ambiente digital.
A centralidade do influenciador digital como vetor de consumo também impõe novas demandas quanto à sua responsabilidade civil, sobretudo diante de situações que envolvam publicidade enganosa, falsas promessas e a divulgação de produtos ou serviços potencialmente lesivos à saúde ou à integridade do consumidor. A lógica da objetivação da responsabilidade, amplamente aceita na doutrina e na jurisprudência, mostra-se especialmente pertinente no contexto da sociedade da exposição, onde a credibilidade e a confiança do público são capitalizadas como ativos mercadológicos. Como destacam Gasparotto, Freitas e Efing (2019), o influenciador não apenas recomenda, mas molda comportamentos e induz escolhas, razão pela qual deve assumir os riscos de sua atuação.
Diante da complexidade desse novo ecossistema comunicacional, ganha destaque o papel da autorregulamentação publicitária, capitaneada por entidades como o CONAR, e dos códigos de conduta setoriais, como o desenvolvido pela ABRADi. Esses mecanismos, ainda que não possuam força vinculante, têm contribuído para estabelecer balizas mínimas de transparência, rotulagem e ética nas relações entre marcas, agências e influenciadores. Contudo, a eficácia desses instrumentos depende do comprometimento dos diversos atores envolvidos e, sobretudo, da capacidade de adaptação às novas formas de consumo, cada vez mais interativas, segmentadas e voláteis.
A discussão sobre os aspectos jurídicos do marketing de influência, portanto, ultrapassa a análise meramente normativa. Trata-se de refletir criticamente sobre a adequação dos institutos clássicos do Direito às práticas comunicacionais do presente, sobre os desafios de garantir a proteção do consumidor em ambientes digitais fluidos e sobre a responsabilidade daqueles que, intencionalmente ou não, atuam como promotores de marcas, produtos e ideias. É nesse ponto de interseção entre direito, tecnologia e consumo que se insere o presente estudo, comprometido em analisar as implicações legais da atuação dos influenciadores digitais e propor reflexões a partir de casos concretos e referenciais doutrinários.
1. PUBLICIDADE ENGANOSA E FALSAS PROMESSAS NA ATUAÇÃO DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS
O avanço das mídias sociais trouxe profundas transformações para o ambiente da comunicação comercial, especialmente no que tange à forma como produtos e serviços são promovidos ao público. A publicidade tradicional, que antes se limitava aos meios impressos, rádio e televisão, cedeu espaço a formas mais dinâmicas e segmentadas de marketing, sobretudo aquelas protagonizadas por influenciadores digitais. Esses agentes atuam diretamente na formação da opinião de seus seguidores e, muitas vezes, exercem maior poder de persuasão do que os próprios veículos de comunicação tradicionais. No entanto, essa nova modalidade de divulgação não está isenta dos riscos jurídicos, especialmente quando envolve a veiculação de informações falsas ou enganosas.
A publicidade enganosa é amplamente rechaçada pelo ordenamento jurídico brasileiro, em especial pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que, em seu artigo 37, proíbe expressamente qualquer forma de publicidade enganosa ou abusiva. Trata-se de uma infração que se configura sempre que a mensagem publicitária for capaz de induzir o consumidor em erro quanto às características, composição, preço, qualidade, quantidade ou quaisquer outros atributos do bem ou serviço anunciado. No contexto do marketing de influência, esse tipo de prática tem se tornado recorrente, especialmente quando os influenciadores, em busca de monetização ou parcerias comerciais, promovem produtos sem o devido cuidado com a veracidade das informações transmitidas.
A atuação dos influenciadores não pode ser dissociada de responsabilidade, já que muitos deles se valem de sua credibilidade e do vínculo emocional estabelecido com sua audiência para validar produtos e serviços. Conforme destaca Gasparatto et al. (2019), o influenciador digital ocupa posição de vantagem frente ao consumidor, o que justifica a atribuição de responsabilidade objetiva por eventuais danos decorrentes da publicidade veiculada. Em outras palavras, ainda que o influenciador não tenha a intenção de causar dano, a simples omissão ou negligência no fornecimento de informações corretas pode configurar conduta ilícita, com consequências jurídicas importantes.
Essa responsabilidade é reforçada pela jurisprudência e pela doutrina contemporânea, que apontam para a necessidade de um maior dever de diligência por parte dos influenciadores ao promoverem marcas ou produtos em suas plataformas. Como afirmam Barbosa, Silva e Brito (2019), ao aceitarem vincular sua imagem a determinado produto, os influenciadores devem buscar todas as diligências necessárias para assegurar que a publicidade seja lícita, sendo corresponsáveis pelos danos eventualmente causados ao consumidor. Trata-se de uma exigência baseada nos princípios da boa-fé objetiva e da proteção da parte mais vulnerável da relação de consumo.
A problemática da publicidade enganosa ganha contornos ainda mais delicados quando se considera o alcance massivo das redes sociais e a vulnerabilidade dos seguidores, muitos dos quais são jovens ou mesmo adolescentes. As consequências de uma falsa promessa divulgada por um influenciador vão além do prejuízo material, podendo afetar a saúde, a autoestima e o bem-estar do consumidor. Portanto, é imprescindível que tanto influenciadores quanto as marcas anunciais compreendam que a comunicação digital não está à margem da legislação, devendo ser exercida com responsabilidade, transparência e respeito ao consumidor.
1.1 A Publicidade Enganosa sob a Perspectiva do Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei nº 8.078/1990, é a principal norma de proteção jurídica ao consumidor no Brasil e desempenha papel fundamental na repressão de práticas publicitárias abusivas e enganosas. Conforme disposto no artigo 37, §1º do CDC, publicidade enganosa é aquela “inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”. Essa definição inclui tanto conteúdos deliberadamente falsos quanto omissões relevantes que distorçam a percepção do consumidor.
No contexto dos influenciadores digitais, a configuração da publicidade enganosa é particularmente sensível, já que muitas ações promocionais se revestem de naturalidade e espontaneidade, dificultando sua identificação como conteúdo publicitário. Quando um influenciador promove um produto alegando, por exemplo, resultados garantidos ou benefícios sem comprovação, está infringindo diretamente as normas consumeristas. A ausência de verificação das informações veiculadas e o uso de linguagem hiperbólica são elementos recorrentes nas práticas enganosas, ainda que não intencionais.
“Ao associar sua imagem a um produto ou serviço, o influenciador assume a responsabilidade de garantir que as informações transmitidas são verdadeiras e não induzem o consumidor a erro” (Gasparotto et al., 2019, p. 72).
Além disso, o CDC estabelece em seu artigo 38 que “o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”. Isso significa que, em caso de questionamento judicial, tanto o fornecedor quanto o influenciador (se configurado como agente publicitário) devem apresentar elementos que comprovem a veracidade das alegações feitas. A inversão do ônus probatório representa importante mecanismo de proteção ao consumidor, especialmente diante da vulnerabilidade informacional típica das relações digitais.
1.2 As Promessas de Ganhos Fáceis e o Apelo ao Consumo Instantâneo
Um dos aspectos mais problemáticos da publicidade praticada por influenciadores digitais diz respeito às promessas de “dinheiro fácil” ou de conquistas rápidas, especialmente em nichos como apostas, investimentos, emagrecimento e estética. Tais promessas exploram a emoção do público-alvo e, em muitos casos, a fragilidade de consumidores em situações de vulnerabilidade socioeconômica. O discurso persuasivo, aliado à credibilidade do influenciador, contribui para a construção de uma falsa expectativa que pode resultar em frustração e perdas materiais.
Casos como o da plataforma Blaze ilustram bem esse fenômeno, em que influenciadores promoveram jogos de azar online com promessas de rentabilidade e mudança de vida. Segundo Delgado (2024), a atuação desses influenciadores extrapola a esfera ética ao legitimar uma atividade que, além de juridicamente controvertida, se apoia em falsas expectativas. O marketing de influência, nesse caso, assume uma função de validação social, conferindo aparência de segurança e sucesso a práticas potencialmente enganosas.
“Na maioria das publicidades se menciona ‘renda extra’ ou até mesmo se demonstra o ganho de ‘dinheiro fácil’, conduzindo diversos espectadores a jogarem ou fazerem apostas, que infelizmente acabam perdendo dinheiro” (Delgado, 2024).
Esse tipo de publicidade, além de violar o direito à informação adequada, pode ser enquadrado como abusiva, conforme dispõe o artigo 37, §2º do CDC: “É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”. Influenciadores que utilizam sua posição para induzir esse comportamento devem ser responsabilizados, mesmo que compartilhem a autoria com marcas e plataformas.
1.3 A Relação entre Influência e Responsabilidade Jurídica
A natureza híbrida da atuação dos influenciadores digitais — ora como consumidores, ora como anunciantes — cria um desafio jurídico singular: até que ponto eles podem ser responsabilizados pelos produtos ou serviços que divulgam? A resposta a essa questão envolve uma análise dos princípios contratuais e consumeristas, com especial atenção à teoria da responsabilidade objetiva. Influenciadores que atuam de forma profissional, com contratos publicitários e remuneração, enquadram-se como fornecedores no sentido lato do CDC, nos termos do artigo 3º.
Conforme exposto por Barbosa, Silva e Brito (2019), a responsabilidade dos influenciadores digitais deve ser objetiva, pois decorre do risco da atividade. Ao publicarem um conteúdo promocional, ainda que em tom informal, assumem para si o encargo de zelar pela veracidade e segurança da informação. Tal responsabilidade é solidária com a marca ou empresa anunciada, conforme previsto no artigo 14 do CDC, que trata da prestação de serviços e da reparação de danos ao consumidor.
“Restou determinada a imputação de responsabilidade civil objetiva aos influenciadores digitais, vez que, ao aceitarem vincular sua imagem e fama, em sua plataforma digital, à determinado produto ou serviço, devem buscar todas as diligências necessárias” (Barbosa; Silva; Brito, 2019, p. 2).
A jurisprudência recente tem reconhecido essa interpretação. O caso da influenciadora Virgínia Fonseca, condenada por não garantir a entrega de produto promovido em suas redes sociais, evidencia que os tribunais já consideram os influenciadores como parte da cadeia de consumo. Quando há falha na prestação do serviço ou no fornecimento do produto, o influenciador que participa da promoção pode ser responsabilizado, independentemente de dolo, bastando a existência do dano e o nexo causal.
2. TRANSPARÊNCIA E ROTULAGEM DAS PARCERIAS COM INFLUENCIADORES DIGITAIS
A transparência na relação entre influenciadores digitais, marcas e consumidores tornou-se uma exigência central no debate jurídico e ético acerca do marketing de influência. O vínculo comercial, muitas vezes dissimulado sob a forma de “indicações espontâneas”, pode induzir o público ao erro e comprometer a confiança na mensagem publicitária. É nesse contexto que surge a necessidade de rotulagem clara das publicações patrocinadas, como medida essencial para garantir a integridade das relações de consumo e a observância dos princípios que regem o direito do consumidor, como a boa-fé objetiva e a informação adequada.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso III, assegura ao consumidor o direito à informação clara, precisa e ostensiva sobre os produtos e serviços ofertados. Essa norma se aplica também às publicações em redes sociais que contenham conteúdo publicitário, ainda que veiculadas de maneira informal ou aparentemente espontânea. Nesse sentido, o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais, lançado pelo CONAR, enfatiza que qualquer relação comercial entre o influenciador e o anunciante – ainda que não envolva remuneração financeira direta – deve ser devidamente identificada como publicidade (CONAR, 2021).
“O conteúdo deve ser claramente identificado como publicidade em qualquer hipótese. Cuidados ainda maiores são recomendados quando o público-alvo envolve crianças e adolescentes. O influenciador é responsável por conhecer e cumprir as normas aplicáveis” (CONAR, 2021, p. 2).
Além do CONAR, o Código de Conduta da ABRADi também se destaca por orientar agências e anunciantes sobre as boas práticas no uso da influência digital. O documento sugere expressamente a utilização de marcas ou hashtags como #publi, #ad, #parceria ou #promo, inseridas de forma visível logo no início da publicação, com o objetivo de evitar qualquer dúvida quanto à natureza comercial do conteúdo. Essa recomendação visa não apenas à adequação ética das campanhas, mas também à proteção do consumidor diante de eventuais práticas enganosas. Ainda segundo a ABRADi (2020), as agências devem formalizar os contratos com influenciadores, preferencialmente por escrito, como meio de garantir segurança jurídica a todas as partes envolvidas.
A ausência de transparência em publicações pagas pode acarretar sanções tanto no âmbito da autorregulamentação – com a atuação do CONAR – quanto no campo da responsabilidade civil. Quando o consumidor não é capaz de identificar que está diante de uma publicidade, o desequilíbrio informacional compromete a liberdade de escolha, o que pode configurar prática abusiva ou enganosa. Como salientam Gasparotto et al. (2019), “a transparência não é apenas uma exigência ética, mas sim um dever jurídico decorrente da legislação consumerista”. A omissão deliberada da natureza publicitária do conteúdo pode ser interpretada como má-fé, ampliando a responsabilização do influenciador e da empresa contratante.
Portanto, a rotulagem adequada das publicações patrocinadas representa uma medida indispensável à legalidade e à credibilidade do marketing de influência. Não se trata de uma mera formalidade, mas de um compromisso com a transparência e com o respeito à autonomia do consumidor. A conformidade com as normas estabelecidas pelo CONAR, ABRADi e pelo próprio Código de Defesa do Consumidor deve ser encarada como um dever inafastável pelos profissionais da comunicação e, sobretudo, pelos influenciadores que decidiram se posicionar como agentes publicitários nas redes sociais.
2.1 A Obrigatoriedade de Identificação Clara do Conteúdo Publicitário
A identificação do conteúdo publicitário nas publicações feitas por influenciadores é um dos pilares da publicidade responsável no ambiente digital. A distinção entre opinião pessoal e promoção comercial deve ser clara para o consumidor, de forma a garantir sua autonomia de decisão. Quando essa distinção é suprimida ou mal sinalizada, a publicidade torna-se dissimulada, o que pode configurar violação ao direito de informação, protegido pelo artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.
O Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais, elaborado pelo CONAR em 2021, estabelece critérios objetivos para a caracterização da publicidade e orienta que qualquer relação comercial — ainda que não envolva pagamento em dinheiro — deve ser rotulada como conteúdo patrocinado. As hashtags como #publi, #ad, #parceria ou #promo devem estar visíveis logo no início da postagem. A ausência dessa identificação pode ser considerada prática enganosa e está sujeita à atuação do Conselho de Ética do CONAR, além da responsabilização civil e administrativa.
“O conteúdo deve ser claramente identificado como publicidade em qualquer hipótese […] ficando também o influenciador incumbido do conhecimento e conformidade com as normas aplicáveis” (CONAR, 2021, p. 2).
Em muitos casos, a dificuldade em perceber que uma publicação é publicitária decorre da linguagem informal adotada pelos influenciadores, que mimetizam o cotidiano e a espontaneidade em suas divulgações. Essa estratégia, embora eficaz do ponto de vista mercadológico, precisa ser compatibilizada com as exigências legais e éticas da comunicação.
A transparência não pode ser sacrificada em nome do engajamento.
2.2 O Papel das Agências e a Formalização Contratual das Parcerias
A atuação das agências de publicidade e assessoria digital também é central no processo de profissionalização do marketing de influência. Uma das recomendações mais relevantes do Código de Conduta da ABRADi (2020) é que os contratos entre influenciadores e marcas sejam formalizados por escrito, ainda que as parcerias envolvam apenas brindes, permutas ou convites. A informalidade nas relações contratuais tem sido uma das principais causas de litígios envolvendo influenciadores e consumidores prejudicados.
Ao estabelecer um contrato formal, as partes definem obrigações, limites de atuação e responsabilidade pelas informações divulgadas. Isso permite que o influenciador atue com maior segurança jurídica e que a marca possa assegurar a conformidade da campanha com os parâmetros legais. Em caso de descumprimento, o contrato serve como prova e instrumento de proteção recíproca. A falta dessa formalização, por outro lado, fragiliza todas as partes e amplia os riscos legais.
Além disso, o contrato pode prever cláusulas específicas sobre o cumprimento das diretrizes do CONAR e do Código de Defesa do Consumidor, responsabilizando o influenciador por eventuais desvios de conduta ou omissões relevantes. O próprio Código do CONAR (2024) estabelece, em seu capítulo IV, que todos os envolvidos na atividade publicitária — incluindo os produtores de conteúdo — devem atuar em conformidade com as normas do setor, sendo corresponsáveis pelas peças divulgadas.
Essa corresponsabilidade reforça a ideia de que o marketing de influência não deve ser tratado como uma atividade informal, mas como uma modalidade legítima e profissional de comunicação publicitária. A formalização e a clareza contratual são medidas fundamentais para garantir o equilíbrio e a legalidade nas relações comerciais entre marcas, agências e influenciadores.
2.3 Consequências da Omissão de Transparência nas Publicações
A omissão quanto à natureza publicitária de uma postagem realizada por influenciadores pode gerar uma série de consequências jurídicas e reputacionais. Em termos legais, a veiculação de conteúdo comercial sem a devida identificação pode configurar publicidade enganosa por omissão, conforme prevê o artigo 37, §1º do CDC. Nessa hipótese, o influenciador pode ser responsabilizado objetivamente pelos danos causados ao consumidor que, enganado, adquire produtos ou serviços confiando em uma suposta experiência pessoal do criador de conteúdo.
A jurisprudência brasileira já reconhece a equiparação entre publiposts e anúncios tradicionais, como no caso da influenciadora Virgínia Fonseca, cuja condenação no Tribunal de Justiça do Paraná reforçou a ideia de que a autoridade e o prestígio da imagem pública podem induzir o consumidor a erro. O juiz do caso considerou que a falha na entrega de um produto promovido pela influenciadora configurava violação aos deveres de boa-fé e transparência, mesmo que ela não fosse a fornecedora direta do bem.
“O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) enquadra a atividade dos influenciadores digitais nas redes sociais, através dos publiposts, como anúncios publicitários”
, afirmou o acórdão citado no caso.
Além das consequências jurídicas, a ausência de transparência compromete a reputação do influenciador, podendo gerar perda de seguidores, rescisão de contratos com marcas e exposição negativa na mídia. A credibilidade, que é o maior capital de um influenciador, depende diretamente da confiança do público. Assim, ocultar o caráter publicitário de uma publicação não é apenas uma infração legal — é uma estratégia que mina o próprio valor de mercado do influenciador a longo prazo.
3. RESPONSABILIDADE CRIMINAL POR CONTEÚDOS ILÍCITOS OU DANOSOS DIVULGADOS POR INFLUENCIADORES
A crescente influência que criadores de conteúdo exercem nas redes sociais amplia não apenas seu alcance, mas também sua responsabilidade, inclusive na esfera penal. A atuação de influenciadores digitais ultrapassa o campo da liberdade de expressão quando seus conteúdos incentivam práticas ilícitas, disseminam informações falsas, promovem discursos de ódio ou violam direitos fundamentais de terceiros. Nesse sentido, torna-se imprescindível discutir em que medida essas condutas podem ensejar responsabilidade criminal, sobretudo diante do impacto direto que essas manifestações exercem sobre o comportamento do público.
O ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de dispositivos penais capazes de alcançar as condutas ilícitas praticadas por influenciadores, como a incitação ao crime (art. 286 do Código Penal), a apologia de fato criminoso (art. 287), e a propagação de informações falsas que provoquem alarme social, pânico ou desinformação, que pode ser enquadrada em crimes contra a paz pública. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei nº 13.834/2019, que trata das fake news em ano eleitoral, também trazem previsões relevantes sobre a responsabilização por conteúdos compartilhados de forma imprudente ou dolosa nas plataformas digitais.
“O influenciador digital, ao divulgar produto ou serviço sem a devida diligência, ou ao promover conteúdo que implique ofensa a direitos de terceiros, pode ser responsabilizado não apenas civilmente, mas também criminalmente, a depender da gravidade do dano e da intenção manifesta na conduta” (Gasparotto et al., 2019, p.78).
A responsabilização criminal de influenciadores tem ganhado destaque especialmente em situações de grande repercussão social, como a divulgação de “receitas caseiras” para tratamento de doenças, incitação à automedicação, indução a padrões estéticos nocivos à saúde ou à integridade psicológica, e até a propagação de discursos discriminatórios. Em casos assim, além das sanções previstas no Código Penal, a responsabilização pode se estender ao campo do Direito do Consumidor, quando o conteúdo resultar em lesão a interesses coletivos ou difusos. É o caso, por exemplo, de influenciadores que promovem produtos milagrosos sem comprovação científica, gerando riscos concretos à saúde dos consumidores.
A jurisprudência ainda caminha com certa cautela na criminalização de condutas de influenciadores, muito em razão da dificuldade de aferição do dolo específico e da delimitação entre opinião pessoal e discurso de interesse público. No entanto, como aponta Karhawi (2021), a reputação digital desses agentes, construída por meio da legitimação do público e do mercado, exige que suas manifestações sejam acompanhadas de um dever ampliado de cuidado. Quando esse dever é negligenciado de forma grave, abre-se espaço para a atuação repressiva do Estado, especialmente quando há repercussão social relevante ou danos concretos a grupos vulneráveis.
É necessário, portanto, que influenciadores compreendam que sua visibilidade não os exime das consequências legais de seus atos. Ao contrário, quanto maior a audiência e o grau de confiança do público, maior será a sua responsabilidade diante da sociedade. A responsabilização criminal não deve ser banalizada, mas tampouco ignorada, sobretudo quando o conteúdo compartilhado extrapola os limites da legalidade e da ética. A atuação responsável no ambiente digital é hoje condição indispensável para a manutenção de um ecossistema comunicacional seguro, transparente e juridicamente equilibrado.
3.1 Condutas Típicas e Tipificação Penal: O Que Pode Ser Considerado Crime?
A responsabilidade criminal dos influenciadores digitais começa a ganhar maior atenção à medida que seus conteúdos deixam de ser meramente opinativos ou informativos e passam a integrar ativamente campanhas de marketing e divulgação de práticas ou produtos potencialmente ilícitos. A legislação penal brasileira prevê diversos tipos penais que podem ser aplicáveis à conduta de influenciadores, ainda que o Código Penal não trate diretamente da atividade digital. Entre os principais crimes, destacam-se a incitação ao crime (art. 286), a apologia ao crime (art. 287), o estelionato (art. 171), a propaganda enganosa (art. 67 do CDC) e a lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998).
Casos como o da plataforma Blaze, em que influenciadores promoveram jogos de azar não regulamentados sob a promessa de ganhos fáceis, têm sido analisados à luz do artigo 50 da Lei de Contravenções Penais, que tipifica como infração a exploração de jogos de azar. A novidade nesses casos é a associação da imagem pública do influenciador com atividades que, embora aparentemente legalizadas, carecem de regulamentação específica e podem ensejar danos financeiros significativos a seus seguidores.
“Ao aceitar realizar uma ação de divulgação para determinado serviço ou produto, assume para si, o influenciador, a responsabilidade ética de evitar a difusão de práticas enganosas, abusivas ou que possam ferir os direitos do consumidor ou outros diplomas legais de nosso ordenamento jurídico” (Delgado, 2024).
A conduta torna-se mais grave quando se demonstra que o influenciador agiu com dolo, ou seja, com intenção de enganar ou omitir informações relevantes. No entanto, mesmo sem dolo, o risco jurídico é real, pois a responsabilidade penal pode se estender à forma culposa, especialmente quando há negligência no dever de diligência, verificação e rotulagem. O entendimento mais moderno reconhece que o alcance massivo e o impacto social da atuação desses agentes exigem um padrão mais elevado de cautela.
3.2 Crimes Contra a Ordem Econômica e Lavagem de Dinheiro no Ambiente Digital
A atuação de influenciadores digitais também tem sido associada a crimes contra a ordem econômica, especialmente na promoção de rifas não autorizadas, sorteios de alto valor e esquemas financeiros duvidosos. Um exemplo emblemático é o do influenciador Wesley Alemão, investigado por suposto envolvimento com lavagem de dinheiro através de rifas online de carros de luxo. A prática consistia na arrecadação de valores por meio de sorteios que, segundo as investigações, serviriam como fachada para legalizar recursos de origem ilícita.
A lavagem de dinheiro está tipificada na Lei nº 9.613/1998 e consiste em ocultar ou dissimular a origem de bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente de crime. Quando o influenciador utiliza sua imagem para promover sorteios que não têm autorização legal, além de violar normas da Receita Federal e da Caixa Econômica Federal (responsável pela fiscalização de loterias), ele pode ser enquadrado nesse tipo penal, sobretudo se os valores movimentados não forem compatíveis com sua renda declarada. “Eles sempre ganhavam e as pessoas que achavam que iam ganhar só eram lesadas”, explicou o delegado responsável pela operação que investigou Wesley e outros influenciadores (apud Delgado, 2024).
É importante destacar que a simples divulgação de uma prática potencialmente ilícita já pode ser interpretada como participação no crime, especialmente quando há indícios de que o influenciador tinha conhecimento da ilegalidade. Além disso, o uso de contas falsas, “laranjas” ou intermediários para receber os valores das rifas também pode configurar agravantes legais. A responsabilização penal nesses casos é reforçada pela posição privilegiada que os influenciadores ocupam na sociedade e pelo impacto direto que suas ações têm sobre o público.
3.3 A Fragilidade na Fronteira entre Opinião e Publicidade: Liberdade de Expressão versus Discurso Ilícito
Um dos argumentos mais comuns usados por influenciadores em sua defesa é o de que estariam apenas exercendo sua liberdade de expressão ao compartilhar opiniões ou experiências pessoais. No entanto, essa linha de argumentação tem sido relativizada pelo Judiciário, especialmente quando se comprova que a publicação possuía caráter publicitário ou resultou em lucro para o criador de conteúdo. A liberdade de expressão é um direito constitucional (art. 5º, IX, da CF/88), mas não é absoluto, devendo ser exercido com responsabilidade e em conformidade com outros princípios constitucionais, como a proteção ao consumidor e à ordem econômica.
A jurisprudência tem avançado no sentido de considerar os influenciadores como agentes de publicidade quando existe relação comercial, mesmo que disfarçada. Como afirma Karhawi (2021), a atuação dos influenciadores digitais é legitimada pelo mercado e pelo público, o que impõe a eles uma responsabilidade ampliada. A confiança que possuem junto aos seus seguidores, muitas vezes construída ao longo de anos, é um fator de risco quando utilizada para veicular conteúdo ilícito, enganoso ou antiético.“Ser influenciador digital é ser legitimado pelos públicos e pelo mercado” (Karhawi, 2021, p. 153).
Dessa forma, o argumento da “opinião pessoal” não pode ser utilizado como escudo para a prática de atos ilícitos. Quando há remuneração, permuta ou qualquer tipo de vantagem envolvida, o conteúdo deixa de ser uma simples opinião e passa a ser publicidade — sujeita, portanto, às normas legais e éticas da comunicação. A distinção entre liberdade de expressão e discurso publicitário é fundamental para delimitar os limites da atuação penal do Estado e preservar tanto os direitos individuais quanto os coletivos.
4. DIRETRIZES E AUTORREGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE INFLUÊNCIA DIGITAL
Em meio ao crescimento exponencial do marketing de influência e à insuficiência de uma legislação específica que regulamente de forma detalhada essa atividade, a autorregulamentação tem se consolidado como um importante mecanismo de controle ético e jurídico no setor. Organizações como o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e entidades representativas do mercado digital, como a ABRADi, elaboraram diretrizes próprias para orientar a conduta de agências, anunciantes e influenciadores. Essas iniciativas, embora de natureza não vinculativa, desempenham um papel fundamental na construção de padrões mínimos de ética, transparência e responsabilidade na publicidade digital.
O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, atualizado em 2024, dedica capítulos específicos às responsabilidades de todos os envolvidos na cadeia de comunicação comercial, incluindo os influenciadores digitais. O documento reforça que a publicidade deve ser honesta em sua apresentação, verdadeira em seu conteúdo e facilmente identificável pelo público. A ênfase na transparência não se dá apenas por razões éticas, mas também pela necessidade de preservar a confiança do consumidor nas mensagens veiculadas no ambiente online. Assim, mesmo nos casos em que não há remuneração financeira direta, mas há intenção comercial, a identificação da publicação como publicidade é exigida.
“Cabe ao anunciante e sua agência envidar os maiores esforços e adotar as melhores práticas para informar o influenciador sobre os cuidados que devem acompanhar a divulgação e zelar pelo cumprimento das regras, ficando também o influenciador incumbido do conhecimento e conformidade com as normas aplicáveis” (CONAR, 2021, p. 2).
Já o Código de Conduta da ABRADi se propõe a preencher lacunas regulatórias existentes no Brasil, ao trazer orientações práticas sobre a contratação de influenciadores e a necessidade de formalização contratual, mesmo nos casos de remuneração indireta. Entre suas recomendações, destaca-se o uso de identificadores explícitos como #publi, #ad ou #parceria logo no início da publicação. A ABRADi também ressalta a importância de que todos os envolvidos respeitem as normas legais e éticas vigentes, mesmo quando não há previsão contratual escrita, recomendando que “a ética digital seja um valor intrínseco às ações de comunicação” (ABRADi, 2020).
A atuação do CONAR nos últimos anos também tem sido marcada por decisões significativas no campo do marketing de influência, com recomendações para alteração ou suspensão de anúncios que não cumprem com os requisitos de clareza e veracidade. Dados de 2020 mostram que mais de 70% dos processos abertos na entidade envolviam peças publicitárias veiculadas na internet, sendo a maioria delas protagonizadas por influenciadores digitais. Esses números reforçam a relevância da autorregulamentação como instrumento de correção de condutas, especialmente num contexto em que a fiscalização estatal nem sempre é célere ou eficaz.
Portanto, a autorregulamentação, ainda que não substitua a legislação estatal, exerce um papel crucial na delimitação de responsabilidades e no estímulo à prática publicitária responsável. Trata-se de um modelo que se baseia no compromisso coletivo dos atores do setor com a integridade da comunicação comercial, promovendo um ambiente mais seguro para consumidores e mais sustentável para marcas e influenciadores. O respeito às diretrizes estabelecidas por entidades como CONAR e ABRADi é, assim, uma forma de preservar a credibilidade do marketing de influência e garantir sua compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Consumidor.
4.1 O Papel do CONAR na Regulação da Publicidade Digital
O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) tem desempenhado papel central na tentativa de normatizar as práticas publicitárias realizadas nas redes sociais. Embora não possua caráter vinculante legal, sua autoridade ética é reconhecida pelo mercado e frequentemente considerada pela jurisprudência nacional. Com a explosão do marketing de influência, o CONAR passou a concentrar esforços em acompanhar a evolução dos meios digitais, inclusive lançando, em 2021, o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais.
Esse guia define como publicidade qualquer conteúdo que envolva promoção de produto ou serviço, compensação financeira (ou mesmo por permuta) e ingerência sobre o conteúdo por parte do anunciante. O CONAR deixa claro que, mesmo nos casos em que não haja pagamento explícito, a existência de relação comercial exige a rotulagem clara da postagem. A ausência de transparência caracteriza infração ética e pode ser objeto de processo junto ao Conselho de Ética.
“Cabe ao anunciante e sua agência envidar os maiores esforços e adotar as melhores práticas para informar o influenciador sobre os cuidados que devem acompanhar a divulgação e zelar pelo cumprimento das regras, ficando também o influenciador incumbido do conhecimento e conformidade com as normas aplicáveis” (CONAR, 2021, p. 2).
O número de processos instaurados pelo CONAR relacionados a influenciadores digitais tem crescido consideravelmente. Apenas em 2020, mais de 70% das representações julgadas envolviam peças veiculadas na internet, muitas das quais protagonizadas por criadores de conteúdo. Isso demonstra a relevância da autorregulamentação nesse campo e a necessidade de constante atualização normativa para lidar com a velocidade das transformações digitais.
4.2 O Código de Conduta da ABRADi e os Parâmetros Éticos para o Marketing de Influência
A ABRADi (Associação Brasileira de Agentes Digitais) lançou em 2020 seu próprio Código de Conduta para influenciadores, como tentativa de preencher as lacunas deixadas pela legislação tradicional e garantir segurança jurídica às relações publicitárias. O documento propõe diretrizes claras sobre boas práticas, transparência, contratação, responsabilidade compartilhada e a necessidade de profissionalização do setor.
Dentre os principais pontos do código, destaca-se a recomendação expressa de que toda relação comercial entre marca e influenciador deve ser formalizada por contrato. Além disso, orienta que as postagens devem ser devidamente identificadas com hashtags como #publi, #ad, ou #parceria, de forma visível e compreensível para qualquer seguidor. A ABRADi ainda defende que influenciadores sejam treinados sobre as normas legais e éticas que regem a publicidade.
“A transparência é elemento essencial da publicidade digital. Sem ela, há desequilíbrio na relação com o consumidor e prejuízo à credibilidade do mercado de influência” (ABRADi, 2020).
A importância da atuação da ABRADi reside na sua capacidade de orientar, educar e fomentar uma cultura de responsabilidade no ambiente digital. Ao propor um código de conduta que possa ser adotado voluntariamente por influenciadores e agências, a entidade promove a ética e a autorregulação como estratégias eficazes de governança no mercado digital — especialmente num país ainda carente de normativas específicas para o setor.
4.3 Limites da Autorregulamentação e Propostas de Avanço Legislativo
Embora a autorregulamentação tenha papel essencial na organização ética do marketing de influência, ela encontra limites evidentes. Em primeiro lugar, por não possuir força coercitiva, sua aplicação depende da adesão voluntária dos agentes do setor. Ainda que decisões do CONAR tenham peso reputacional, não têm poder para impor sanções pecuniárias ou forçar a reparação de danos. Em segundo lugar, a rápida transformação das mídias digitais dificulta a atualização constante dos códigos de conduta, tornando muitas regras obsoletas diante de novas práticas.
Além disso, a ausência de uma legislação federal específica sobre a atuação de influenciadores gera insegurança jurídica para marcas, agências e consumidores. Atualmente, o marco legal que rege a publicidade digital é difuso, fundamentando-se no Código de Defesa do Consumidor, no Marco Civil da Internet, no Código Civil e na jurisprudência esparsa. Isso dificulta a uniformização de critérios e o julgamento de casos concretos com maior celeridade e previsibilidade.
“A responsabilidade jurídica dos influenciadores digitais se mostra como uma questão complexa, envolvendo as mais diversas áreas do Direito, que pende de normas específicas” (Delgado, 2024).
A criação de um marco regulatório federal específico para o marketing de influência tem sido tema de discussão entre juristas e legisladores. Tal proposta incluiria diretrizes obrigatórias de rotulagem, responsabilidade objetiva e solidária, regras para sorteios e rifas digitais, e penalidades administrativas em caso de descumprimento. A regulamentação clara e eficaz seria um passo importante para proteger o consumidor e conferir segurança jurídica aos profissionais da comunicação digital.
5. ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS ENVOLVENDO PROBLEMAS JURÍDICOS COM INFLUENCIADORES
A crescente profissionalização dos influenciadores digitais no cenário brasileiro trouxe consigo não apenas oportunidades de negócios, mas também uma série de desafios jurídicos que exigem reflexão crítica e regulamentação mais eficaz. A popularização dos “publiposts” e ações de marketing nas redes sociais transformou pessoas comuns em veículos publicitários de amplo alcance, o que, por consequência, conferiu a esses indivíduos uma nova gama de responsabilidades, tanto no campo ético quanto no jurídico.
O ambiente digital tem sido palco de inúmeros litígios e investigações envolvendo influenciadores que, por diferentes razões, ultrapassaram os limites da legalidade ao promoverem produtos e serviços. Muitas vezes, a informalidade nas contratações, a ausência de rotulagem adequada e a negligência com a verificação de licitude do conteúdo promovido acabam gerando graves prejuízos a consumidores e terceiros. Isso evidencia a necessidade de que influenciadores tenham consciência do risco jurídico inerente à sua atividade.
Os casos analisados a seguir ilustram como diferentes aspectos da atuação de influenciadores — seja na promoção de plataformas ilegais, na possível prática de lavagem de dinheiro ou na venda frustrada de produtos — podem ensejar responsabilidade civil e penal. Em todos eles, observa-se a aplicação dos princípios do Código de Defesa do Consumidor, especialmente no que se refere ao dever de informação e à responsabilidade objetiva dos fornecedores de conteúdo publicitário, mesmo quando exercido de forma aparentemente informal.
Outro ponto de destaque é a compreensão, cada vez mais consolidada no Judiciário, de que os influenciadores exercem função análoga à de anunciantes tradicionais e, portanto, devem respeitar os mesmos limites legais que regem a publicidade no Brasil. A jurisprudência recente tem reforçado que a popularidade e a influência exercida sobre o público não eximem o influenciador de responsabilidade legal, tampouco o colocam em posição de isenção frente à ética publicitária.
A seguir, serão apresentados três casos emblemáticos: o da plataforma Blaze, que gerou polêmica por envolvimento com jogos de azar promovidos por celebridades; o de Wesley Alemão, investigado por suspeita de lavagem de dinheiro por meio de rifas online; e o de Virgínia Fonseca, condenada judicialmente por promover produto não entregue ao consumidor. Cada um desses casos traz à tona diferentes nuances do problema e contribui para o amadurecimento do debate jurídico em torno do marketing de influência.
5.1. O Caso Blaze: A Influência Digital e os Limites da Legalidade
O caso Blaze ganhou repercussão nacional ao envolver uma plataforma de apostas online promovida por diversos influenciadores de renome, como Neymar Jr., Felipe Neto, Viih Tube e Mel Maia. A empresa, responsável pelo popular “jogo do aviãozinho”, prometia ganhos fáceis e renda extra por meio de apostas virtuais. Com campanhas agressivas nas redes sociais, a Blaze teve sua base de usuários ampliada em mais de 300%, alavancando receitas a partir de promessas potencialmente enganosas.
Ocorre que a exploração de jogos de azar em território nacional, quando não regulada, configura conduta ilícita. Assim, ao promoverem uma plataforma cuja legalidade é questionável, os influenciadores se colocam em posição delicada frente ao ordenamento jurídico. A Justiça, diante de denúncias, determinou o bloqueio de mais de R$ 100 milhões da Blaze e iniciou investigação contra os divulgadores do serviço, sob suspeita de estelionato e publicidade enganosa.
“Os investigados se valiam da condição de influenciadores digitais pegando capilaridade que têm para transformar a vida de ostentação em lucro […] faziam jogos online que a banca sempre ganhava. Eles sempre ganhavam e as pessoas que achavam que iam ganhar só eram lesadas”,
afirmou o delegado responsável pelo caso.
Segundo Delgado (2024), ao aceitar promover um produto ou serviço, o influenciador assume a responsabilidade ética e jurídica de verificar sua legalidade e segurança. A omissão nesse sentido pode ensejar responsabilização objetiva, com base nos princípios do Código de Defesa do Consumidor. Como se trata de atividade publicitária, ainda que disfarçada de conteúdo pessoal, incide sobre o influenciador o dever de zelo com a informação transmitida. Especialistas apontam que o caso Blaze escancara a fragilidade regulatória do setor e reforça a necessidade de normas específicas que coíbam a promoção de serviços potencialmente lesivos ao consumidor.
5.2 O Caso Wesley Alemão: Rifas Digitais e Lavagem de Dinheiro
Outro exemplo emblemático de uso irregular da influência digital envolve Wesley Alemão, produtor musical e influenciador detido em 2022 durante uma operação que investigava lavagem de dinheiro através de rifas online. A acusação principal girava em torno da suposta utilização de sorteios de carros de luxo como fachada para a legalização de recursos oriundos de atividades criminosas, inclusive com indícios de ligação com o PCC.
A Polícia Civil apurou que os veículos rifados eram usados para movimentar grandes quantias de dinheiro sem origem comprovada, levantando suspeitas de organização criminosa.
Embora Wesley tenha negado qualquer envolvimento ilícito, as investigações se estenderam a outras produtoras e perfis digitais que utilizavam mecânicas semelhantes.
O episódio lança luz sobre uma prática comum nas redes sociais: sorteios e rifas promovidos por influenciadores como forma de atrair engajamento e gerar lucros. No entanto, quando não regulamentadas, essas ações podem se tornar veículos de práticas ilícitas, ensejando responsabilidade penal e administrativa.
A ausência de regulamentação específica para sorteios digitais favorece esse tipo de conduta, dificultando a fiscalização. No entanto, mesmo diante da omissão legislativa, o influenciador pode ser responsabilizado com base em normas penais já existentes, como o artigo 171 do Código Penal (estelionato) e a Lei nº 9.613/1998 (lavagem de dinheiro). O caso demonstra a importância da cautela e da verificação jurídica antes de realizar qualquer ação promocional envolvendo prêmios, especialmente em grande escala.
5.3 O Caso Virgínia Fonseca: Publicidade e Responsabilidade Civil na Venda Não Concretizada
O caso da influenciadora Virgínia Fonseca também merece destaque por representar um precedente importante no reconhecimento da responsabilidade civil por “publiposts” realizados por influenciadores. A influenciadora foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Paraná após promover a venda de óculos que levavam seu nome, os quais não foram entregues à consumidora.
A cliente, atraída pela popularidade de Virgínia e sua ampla exposição nas redes sociais, realizou a compra diretamente por meio de link divulgado pela influenciadora. Após o pagamento, o produto nunca foi enviado, e a tentativa de resolução via Procon restou infrutífera. O juiz responsável entendeu que a reputação da influenciadora gerou expectativa legítima no consumidor e, por isso, ela deveria ser responsabilizada.
“O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), organização não governamental que visa promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial, enquadra a atividade dos influenciadores digitais nas redes sociais, através dos publiposts, como anúncios publicitários”
, destacou o acórdão.
Na decisão final, a Justiça determinou o pagamento de R$2.130 à consumidora, reconhecendo o dano material decorrente da não entrega. O caso reforça a jurisprudência segundo a qual os influenciadores não podem se isentar de responsabilidade por produtos ou serviços promovidos em seus canais, mesmo quando não sejam os fornecedores diretos. Assim, a atividade publicitária exercida por influenciadores deve ser tratada com o mesmo rigor aplicado a empresas anunciantes tradicionais, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.
Conclusão
A análise dos aspectos jurídicos do marketing de influência revela que, embora se trate de uma atividade relativamente nova no cenário jurídico nacional, seus efeitos e impactos sobre o consumidor são absolutamente concretos, exigindo atenção redobrada do Direito. A atuação de influenciadores digitais extrapola a mera liberdade de expressão e alcança uma dimensão comercial estruturada, caracterizada por contratos, relações publicitárias, remuneração e, principalmente, influência sobre as decisões de compra e comportamento de milhões de pessoas. Nesse contexto, a responsabilidade desses agentes precisa ser analisada com o mesmo rigor jurídico aplicado às empresas tradicionais do mercado publicitário.
O presente trabalho evidenciou que práticas como publicidade enganosa, omissão de rotulagem, promoção de conteúdos ilícitos e falha na prestação de serviços têm ocorrido com frequência no universo digital, muitas vezes sob o manto da informalidade ou da suposta espontaneidade. Entretanto, conforme demonstrado, a informalidade não isenta o influenciador da responsabilidade jurídica pelas suas ações. Ao contrário: a partir do momento em que há um vínculo comercial — mesmo não formalizado — e uma contraprestação (financeira, em produtos ou benefícios indiretos), a publicação perde seu caráter opinativo e passa a integrar o campo da comunicação comercial, sujeita às regras do Código de Defesa do Consumidor e da autorregulamentação publicitária.
Os casos concretos analisados, como os episódios envolvendo a plataforma Blaze, Wesley Alemão e Virgínia Fonseca, ilustram com clareza os riscos jurídicos que emergem da atuação irresponsável de influenciadores. No caso Blaze, a promoção de jogos de azar não regulamentados escancarou não apenas a omissão estatal em fiscalizar o setor, mas também o desconhecimento (ou descaso) de alguns influenciadores sobre os limites legais da publicidade. A situação de Wesley Alemão, por sua vez, revela o uso da influência digital como possível fachada para esquemas ilícitos, como lavagem de dinheiro — prática que pode atrair consequências penais severas. Já a condenação de Virgínia Fonseca consolida a jurisprudência no sentido de que o influenciador digital integra a cadeia de fornecimento e deve ser responsabilizado solidariamente por prejuízos decorrentes da má prestação de serviços.
Além disso, este estudo demonstrou que os instrumentos de autorregulamentação, como o Código do CONAR e o Código de Conduta da ABRADi, desempenham um papel relevante na normatização ética da atividade, mas não são suficientes para garantir proteção integral ao consumidor. Por não possuírem força coercitiva, esses mecanismos dependem da adesão voluntária dos agentes do mercado e da boa vontade em cumprir padrões éticos. Embora tenham grande valor simbólico e contribuam para educar o setor, é preciso reconhecer seus limites e avançar em direção a uma regulamentação estatal mais clara, específica e eficiente.
Portanto, é inegável que os influenciadores digitais possuem responsabilidade jurídica objetiva e solidária pelas publicações que realizam, sobretudo quando atuam como verdadeiros anunciantes. A ausência de uma legislação específica não implica um vácuo normativo, pois o arcabouço jurídico atual — composto pelo CDC, Código Penal, Marco Civil da Internet e princípios constitucionais — já oferece mecanismos eficazes de responsabilização. Contudo, a dispersão das normas e a ausência de tipificação própria dificultam a uniformização das decisões judiciais e abrem margem para interpretações divergentes, o que compromete a segurança jurídica de todas as partes envolvidas.
Diante desse cenário, é urgente que o legislador brasileiro avance na construção de um marco regulatório específico para o marketing de influência, com regras claras sobre rotulagem, responsabilidade civil e penal, sorteios, publicidade de produtos sensíveis (como apostas, medicamentos, suplementos), entre outros pontos críticos. Esse marco deve preservar a liberdade de expressão, mas também proteger o consumidor da desinformação e da manipulação emocional promovida por discursos persuasivos disfarçados de experiências pessoais.
Por fim, este trabalho assume posição clara: os influenciadores digitais, ao ocuparem um papel de relevância social e econômica na cadeia de consumo, devem ser responsabilizados à altura da confiança que recebem do público. Não se trata de cercear sua atuação ou criminalizar a comunicação digital, mas sim de exigir transparência, ética e respeito às normas. O marketing de influência é uma realidade irreversível, mas para que se desenvolva de forma saudável e justa, precisa estar sujeito às mesmas regras que regem qualquer relação de consumo em um Estado democrático de direito. Influenciar é também assumir responsabilidade — e essa é a mensagem central que o ordenamento jurídico deve consolidar.
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