AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS A SITUAÇÃO DO MIGRANTE EM UM AMBIENTE INTERCULTURAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6889189


Autora:
Daniela Brito


RESUMO

A presente pesquisa tem como tema a aquisição de linguagem estrangeira, especialmente dentro do contexto do migrante internacional. O objetivo geral da pesquisa é analisar como se dá a aquisição de linguagem estrangeira, especialmente dentro do contexto do migrante internacional. A pesquisa se justifica diante dos desafios do migrante internacional em adquirir uma língua estrangeira, e em como isso impacta em sua relação com sua identidade nacional e sua Língua de Herança. A pesquisa foi realizada como uma revisão de literatura. Os artigos foram buscados nas plataformas Scielo e Google Acadêmico, utilizando os seguintes descritores: “Língua Estrangeira”, “Migrante internacional” e “Aprendizado”, associados ao operador booleano AND. Foram buscados artigos escritos entre 2012 e 2021. Foram escolhidos artigos escritos em português, e descartados aqueles escritos em outras línguas. Foi possível concluir que é desgastante para o migrante a sua inserção em uma sociedade estrangeira; em meio a esse processo, a aquisição de uma nova língua pode ser uma tarefa difícil, dependendo de uma rede de apoio e da superação de sentimentos negativos como a xenofobia e o preconceito. Deste modo, é essencial que sejam construídas redes de apoio aos migrantes internacionais, para que esses indivíduos experimentem um maior sucesso na aquisição do idioma estrangeiro, aclimatando-se à nova realidade e lidando com os desafios desse processo.

Palavras-chave: Língua Estrangeira. Migrante internacional. Aprendizado.

ABSTRACT

The present research has as its theme the acquisition of foreign language, especially within the context of the international migrant. The general objective of the research is to analyze how foreign language acquisition takes place, especially within the context of the international migrant. The research is justified in the face of the challenges of international migrants in acquiring a foreign language, and how this impacts their relationship with their national identity and their Heritage Language. The research was carried out as a literature review. The articles were searched on the Scielo and Google Scholar platforms, using the following descriptors: “Foreign Language”, “International migrant” and “Learning”, associated with the Boolean operator AND. Articles written between 2012 and 2021 were searched. Articles written in Portuguese were chosen, and those written in other languages were discarded. It was possible to conclude that it is exhausting for the migrant to be inserted in a foreign society; in the midst of this process, acquiring a new language can be a difficult task, depending on a support network and overcoming negative feelings such as xenophobia and prejudice. Thus, it is essential to build support networks for international migrants, so that these individuals experience greater success in acquiring a foreign language, acclimating to the new reality and dealing with the challenges of this process.

Keywords: Foreign language. International migrant. Learning.

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como tema a aquisição de linguagem estrangeira, especialmente dentro do contexto do migrante internacional. O processo de migração, amplificado em um mundo globalizado, promove a interação entre indivíduos de povos e culturas diferentes, e leva os migrantes internacionais a adquirirem, muitas vezes, mais de uma língua – tanto a de seu país de origem, como a de seu novo país.

Estudando esse fenômeno, são apresentados termos que descrevem situações comuns nesses casos, como Língua de Herança, que representa a língua materna, língua de origem, língua trazida por imigrantes, língua comunitária, minoritária, de casa, ou outras (Flores e Melo-Pfeifer, 2014), e Falante de Herança, que se refere ao migrante de segunda geração, ou de terceira, que adquire, em sua infância, mais de uma língua (Meisel, 2014).

O migrante adulto aprende sua Língua de Herança adulto, em seu país de origem, e depois adquire a língua estrangeira em seu novo país; a situação também não costuma ser muito diferente com o Falante de Herança, que aprende a Língua de Herança desde pequeno, em meio a seus familiares, para apenas depois, na comunidade e na escola, adquirir a língua estrangeira (Meisel, 2014).

Essa língua estrangeira também é chamada de língua majoritária, já que ela é majoritariamente utilizada no novo país para o qual o indivíduo migrou. Ela é uma importante ferramenta de comunicação, essencial para a sua nova vida, e é adquirida, em geral, por contatos sociais empreendidos nas diversas experiências diárias. O migrante, adulto ou criança, pode enfrentar dificuldades nesse processo (Willey et al., 2014).

O Falante de Herança comumente surge em um contexto no qual seus familiares seguem utilizando sua Língua de Herança em ambiente privado (Souza, 2016). Deste modo, ele também a adquirirá e se esforçará para aprendê-la, embora a sociedade, alheia a esse seio familiar oriundo de outra nacionalidade, imponha a comunicação na língua majoritária (Souza, 2017).

Diante do contexto apresentado, o objetivo geral da pesquisa é analisar como se dá a aquisição de linguagem estrangeira, especialmente dentro do contexto do migrante internacional. Os objetivos específicos são: compreender a influência da Língua de Herança nas relações sociais dos indivíduos com sua comunidade; e analisar o impacto da Língua de Herança na identidade destes indivíduos.

A pesquisa se justifica diante dos desafios do migrante internacional em adquirir uma língua estrangeira, e em como isso impacta em sua relação com sua identidade nacional e sua Língua de Herança. Os migrantes, oriundos de uma cultura diferente, com outra língua nativa, podem encontrar várias dificuldades em sua inserção em uma nova sociedade, com desafios para a construção de relações sociais. Assim, estudar a relação de identidade de migrantes com sua língua nativa é fundamental para auxiliá-los a lidar com o processo de inclusão na sociedade, sobretudo em traçar estratégicas para a educação bilíngue e o ensino línguas estrangeiras para eles.

Aprender e dominar uma língua estrangeira nem sempre é fácil, sobretudo porque o indivíduo migrante tem todo um arcabouço linguístico oriundo de sua Língua de Herança. De fato, a língua e a cultura maternas, possuem grande influência na concepção de mundo e no modo de agir e pensar dos indivíduos. A linguagem, apresentando-se como um traço cultural desenvolvido muito cedo em cada indivíduo, já na relação com a mãe no início da vida, é essencial no estabelecimento de conceitos e valores. A interculturalidade, por sua vez, consiste na interação de universos simbólicos, por meio do contato estabelecido entre pessoas de culturas diferentes (Gonçalves e Paraguassu, 2019). Em um ambiente intercultural, os indivíduos podem ter dificuldades em adquirirem uma língua estrangeira.

A pesquisa foi realizada como uma revisão de literatura. Os artigos foram buscados nas plataformas Scielo e Google Acadêmico, utilizando os seguintes descritores: “Língua Estrangeira”, “Migrante internacional” e “Aprendizado”, associados ao operador booleano AND. Foram buscados artigos escritos entre 2012 e 2021. Foram escolhidos artigos escritos em português, e descartados aqueles escritos em outras línguas.

2. LÍNGUA MATERNA E INTERCULTURALIDADE

A língua materna é aquela praticada no país de origem do indivíduo, aprendida em meio à sua cultura e seio familiar. Ela possui grande influência na concepção de mundo e no modo de agir e pensar de cada pessoa, como também afetam a sua comunicação e sociabilidade. Por isso, os migrantes carregam consigo aspectos culturais e particularidades em seu modo de agir e pensar (Dantas, 2017).

No contexto migratório, em razão das particularidades e dificuldades enfrentadas pelos migrantes, é fundamental que seja implementado um comprometimento de toda a coletividade no sentido de oferecer oportunidades que possibilitem aos migrantes um estabelecimento e acolhimento duradouro. Isso porque a integração em um novo país é complexa, realizada de forma gradual, e envolvendo uma série de aspectos no campo jurídico, econômico, cultural e social. Trata-se de um processo de interação entre indivíduos de diferentes bases culturais, expressando significativa interculturalidade (Gonçalves e Paraguassu, 2019).

Gonçalves e Paraguassu (2019) definem a interculturalidade como a interação de universos simbólicos, conforme pessoas oriundas de diferentes culturas passam a interagir. Elas compartilham os seus significados, estabelecendo relações interculturais que são influenciadas pela ética pessoal e pelas percepções sobre o outro. Deste modo, o estabelecimento da comunicação com o outro é complexo, com base nas percepções sobre as particularidades e sobre sua identidade. Os valores de cada um são expostos e avaliados na relação intercultural.

Dentro do contexto da interculturalidade, a comunicação intercultural é uma ferramenta de grande relevância para o sucesso na comunicação. Ela consiste no estabelecimento de interações tanto no campo verbal quanto no campo não-verbal entre pessoas de grupos ou subgrupos culturais diferentes (Dantas, 2017).

Na comunicação intercultural, deste modo, é essencial a percepção e o conhecimento sobre o outro. Especialmente no caso do migrante, que se encontra em outro país, muitas vezes em razão de desinformação e preconceito, ele é discriminado, e tem dificuldade em suas relações sociais. As dificuldades na aquisição da língua estrangeira também contribuem para esse cenário.

Muitos desafios podem advir da migração internacional. Conforme o migrante se relaciona com o nacional de seu novo país, nem sempre ele é capaz de expor suas dificuldades e necessidades. A falha em estabelecer uma comunicação intercultural impede ou dificulta a ocorrência de trocas culturais e linguísticas (Gonçalves e Paraguassu, 2019).

Essas dificuldades estudadas pela comunicação intercultural não abordam apenas o contexto de migrações ou relações internacionais. Mesmo nas sociedades há diversos subgrupos, tanto por questões etárias, como crianças, adolescentes e adultos, como em campos culturais e socioeconômicos. Assim, são evocadas percepções simbólicas diferentes na comunicação, tanto para codificar, quanto para decodificar a mensagem (Dantas, 2017).

Esses aspectos da linguagem evidenciam que ela se desenvolve de forma única em cada pessoa. As relações empreendidas na primeira infância, com a mãe, assumem um papel fundamental nesse desenvolvimento, mas também há impactos de tudo o que permeia o indivíduo em seu dia-a-dia. A linguagem se estabelece no inconsciente, e carrega uma série de significados implícitos. O migrante, especialmente quando criança e tem a missão de adquirir uma língua estrangeira e se colocar em meio a uma sociedade estrangeira, assume um papel de vulnerabilidade. A interação intercultural, por si só, já coloca as crianças em posição de hipossuficiência. Quando elas são migrantes, sua hipossuficiência é acentuada (Gonçalves e Paraguassu, 2019).

A migração é um evento que afeta o indivíduo de diversas formas, muitas vezes dificultando o acesso a direitos básicos, como saúde e seguridade social. Para as crianças, também representa a dificuldade de acesso à educação. A discriminação é algo que acomete muitos migrantes internacionais, e a xenofobia existe em diversos países. Em meio a tudo isso, há a missão de adquirir e dominar uma nova língua, já que o migrante precisa encontrar uma forma de passar a fazer parte de sua nova comunidade e interagir com ela (Gonçalves e Paraguassu, 2019).

A barreira da língua, de fato, é uma grande dificuldade nessa situação de migração, sobretudo no desenvolvimento de relações interculturais com os migrantes, sejam eles adultos ou crianças. Isso resulta em diversas dificuldades no processo de integração no país que acolhe o migrante. A comunidade que acolhe deve oferecer estruturas para uma melhor inserção desses migrantes, pois as experiências trocadas e o afeto recebido possum significativa influência na aquisição de uma nova linguagem (Dantas, 2017).

O aprendizado de uma nova língua não se dá apenas no ambiente em que são tecidas relações com outras pessoas, mas também em classe – para as crianças, na escola; para os adultos, em cursos de línguas. O afeto é um elemento fundamental nesses ambientes em um contexto migratório, uma vez que a mudança de país já provoca desconforto, e é importante que o indivíduo se sinta acolhido. Quando ele observa, no professor, um olhar de compreensão, ao invés de desconforto com o desconhecido, ele pode se abrir para a construção do vínculo, sentindo-se acolhido emocionalmente e se abrindo para as trocas (Dantas, 2017).

A língua conhecida é um porto seguro, em que o indivíduo se expressa com proficiência. Por outro lado, uma nova língua é repleta de dúvidas e inseguranças, sem a identificação que a língua nativa proporciona. O migrante, além de trazer uma bagagem cultural diferente, pode ser visto sob um olhar xenófobo, em razão de sua língua estrangeira. Uma vez que ele receba um rótulo de “diferente”, pode receber também um tratamento inferior e ser excluído (Gonçalves e Paraguassu, 2019).

No caso específico das crianças migrantes, ainda há o risco de confusão a respeito do papel de cada uma das línguas para ela, a Língua de Herança e a língua majoritária. Assim, a criança pode passar por um processo de hiato em que sua língua materna se torna estranha aos seus olhos, conforme ela é solicitada a aprender a nova língua, do país para o qual ela migrou (Dantas, 2017).

Com todas essas constatações, conclui-se que é necessário observar a língua e as dificuldades de sua aquisição, de modo a possibilitar que o migrante se adeque ao seu novo lugar, o que promoverá a relação intercultural e evitará a sua exclusão e a criação de estigmas sobre ele. Ele deve se aproximar e se tornar conhecido.

3. MIGRANTES INTERNACIONAIS, LÍNGUA DE HERANÇA E AQUISIÇÃO DE UMA NOVA LÍNGUA

No estudo da aquisição de um idioma estrangeiro, especialmente por migrantes internacionais, emergem conceitos como Língua de Herança e Falante de Herança. Sobre a Língua de Herança, trata de um conceito criado no Canadá, originalmente. Mais tarde, ele foi desenvolvido mais profundamente nos Estados Unidos. Esse conceito parte da concepção de que a relação dos indivíduos com uma língua é complexa de mensurar e definir. Isso vale tanto para a sua língua materna/de origem, quanto para a língua trazida por imigrantes, para uma língua comunitária, para uma língua minoritária, ou mesmo para a de casa e outras (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

Falante de Herança, por sua vez, é uma ideia que emerge da análise sobre a aquisição de uma lígnua. Trata-se de um termo que passou a ser bastante utilizado especialmente nos primeiros anos do século XXI, sobretudo em razão da globalização e dos movimentos migratórios para países desenvolvidos, como os Estados Unidos (Willey et al., 2014).

Define-se como Falante de Herança aquele falante que adquire mais de uma língua em sua infância. Ele aprende tanto a língua do país em que nasceu, como a língua do país de que seus pais vieram. Deste modo, não se trata de um migrante aprendendo uma língua estrangeira; a língua majoritária é adquirida por ele nos diversos espaços sociais, ao passo que sua Língua de Herança é adotada dentro do ambiente familiar. Trata-se de uma condição comum de filhos de migrantes que viajaram ainda bebês, ou mesmo antes de seu nascimento (Meisel, 2014).

Apesar dessas nuances, ainda se trata de alguém que está aprendendo uma segunda língua: o Falante de Herança aprende em casa, com seus pais, sua Língua de Herança, e apenas após se socializar passa a ter contato com a língua do país em que ele reside. A Língua de Herança é adquirida de forma não muito diferente do que ocorreu com seus pais: em casa, no seio familiar. A grande diferença é que eles aprendem a segunda língua em situações cotidianas do meio social, por ser a língua majoritária do país, ainda na infância, ao passo que seus pais aprenderam a língua estrangeira por meio de cursos ou, ainda que no ambiente social, já na idade adulta (Willey et al., 2014).

Aquele que migra adulto possui fortes vínculos com sua língua original, mas vai se tornando proficiente na língua estrangeira à medida que passa a utilizá-la no dia-a-dia. Já no caso do Falante de Herança, o fato de entrar na escola e de passar a conviver com muitas pessoas fora de casa começa a elevar a segunda língua a um patamar diferente em seu ponto de vista, tornando-se a principal e preferida, por permitir a comunicação no ambiente externo (Meisel, 2014).

O aprendizado da língua estrangeira pelos Falantes de Herança é facilitado por essas situações e mais facilmente promovido. Para o adulto que migrou, contudo, há muitas barreiras em sua rotina, e, sem apoio, ele pode ter dificuldade em compreender nuances da língua. Sua situação de migrante internacional e essas dificuldades linguísticas também podem favorecer o preconceito e a xenofobia sofridos (Willey et al., 2014).

O Falante de Herança, fenômeno bastante estudado, aborda um caso particular no qual todo o ambiente externo e a escola, desde a infância, favorecem a aquisição da cultura de seu novo país e sua língua com elevado grau de proficiência. Por outro lado, o migrante internacional que busca adquirir essa língua adolescente ou adulto encontra um cenário de grandes dificuldades, com fortes raízes em sua cultura originária e seu primeiro idioma, e menor exposição à língua estrangeira.

Deste modo, o seu aprendizado pode ser dificultado, o que restringirá também sua exposição a situações sociais informais, importantes no aprendizado de uma língua, e podem levar também o indivíduo a se retrair e a falar basicamente o essencial. Tudo isso contrasta bastante com a situação do Falante de Herança, que tende, por sua vez, a ir deixando aos poucos sua Língua de Herança, e a ir focando na língua majoritária (Finger e Quadros, 2008).

Em contraste a essas nuances, os estudos sobre os Falantes de Herança, sobretudo na Europa, vêm demonstrando que a mente humana se adapta facilmente ao bilinguismo (Houwer, 2009). Deste modo, desde que o estímulo à aquisição da língua estrangeira seja constante e haja uma rede de apoio, não há motivos para supor que o migrante internacional não seja capaz de realizar esse aprendizado e se tornar proficiente na nova língua.

O bilinguismo, quanto mais cedo proposto, maior chance de resultado terá. Uma criança exposta a duas línguas naturalmente desde a infância tenderá a adquiri-los com grande domínio. Por outro lado, o bilinguismo nem sempre é um fato garantido, e há aspectos individuais envolvidos (Meisel, 2011).

O contato com a língua é, de todo modo, fundamental para que ela seja dominada. Isso é importante tanto para a criança migrante, quanto para o adulto. O estabelecimento desse contato frequente, com sensação de segurança e autonomia, possibilitará o sucesso no aprendizado (Flores, 2010).

Existem estudos a respeito das várias formas de aquisição de línguas. Em relação à sua Língua de Herança, por exemplo, os Falantes de Herança podem apresentar déficits de aprendizado, em razão de um processo de aquisição incompleto (Montrul, 2008). O mesmo pode se aplicar a migrantes internacionais adultos que buscam o aprendizado da língua estrangeira. De todo modo, há visões que contrariam essa tese, tanto por por não possuir uma sólida fundamentação na literatura, quanto por ter como consequência fortes implicações no campo social, pedagógico e identitário (Cabo e Rothman, 2012).

Essas várias teorias e as pesquisas a respeito da aquisição de uma língua, na situação do migrante internacional, levam ao desenvolvimento de estudos e discussões abordando a busca de formas para a promoção do contato frequente com a nova língua e o bilinguismo a esses indivíduos. Os estudos, em geral, têm demonstrado que os indivíduos bilíngues de contextos migratórios adquirem suas línguas por meio de exposição a contatos sociais que os envolvam (Willey et al., 2014).

Para que a pessoa possa aprender as estruturas linguísticas, elas devem ser expostas a ela, permitindo que sejam compreendidas e interiorizadas. Os idiomas possuem seus tempos verbais característicos, assim como formas próprias, como mesóclise e outras estruturas idiomáticas. Assim, tudo isso será adquirido pelo contato diário e por estudos profundos realizados ao longo da rotina (Flores e Barbosa, 2012).

A aquisição de uma segunda língua, portanto, é pautado pelo desenvolvimento de novos caminhos, o contato com uma estrutura inovadora, que traz regras e construções próprias. Tudo isso interage com o que o migrante já conhece, seja ele criança ou adulto (Rinke e Flores, 2014).

A respeito desse contato entre estruturas distintas, a Didática de Línguas é a disciplina que estuda a correlação entre os vários discursos e como eles influenciam o seu campo de estudo, dentre os quais há a Linguística, a Pedagogia, a Política Linguística, a Psicologia Social, a Sociolinguística e outros. A Didática de Línguas, portanto, debate os diversos fatores que influenciam a percepção e a definição sobre os idiomas conhecidos por cada indivíduo, além de estudar o papel e o estatuto das línguas (Moussouri, 2010).

Conforme a Didática de Línguas, deve ser superada a visão da língua de forma isolada no repertório de seus falantes, que considera as línguas isoladamente em suas características e no seu aprendizado (Moussouri, 2010). A visão plurilíngue apresentada pela Didática de Línguas aponta que, no aprendizado de uma língua estrangeira, deve ser valorizada a integração dos vários repertórios dessa língua na construção de um repertório plural e dinâmico dos sujeitos. Isso decorre da influência que as diversas línguas adquiridas exercem nas atitudes, motivações, estratégias de comunicação e conhecimentos linguísticos do indivíduo, desenvolvidos durante sua biografia (Coste, Moore, e Zarate, 2009).

O repertório linguístico do falante se constrói, deste modo, tanto por sua primeira lingua, quanto pelas línguas estrangeiras que ele adquire, independentemente do local em que ele viva e de qual dessas línguas faz parte de seu currículo escolar e de suas relações sociais. No caso específico do migrante internacional, também contribuem para esse repertório as línguas que compõem a paisagem visual e sonora do país em que se deu o acolhimento. Uma vez evocando toda essa diversidade de conhecimentos, o falante poderá se expressar nos mais variados contextos sociais (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

Deste modo, o repertório plural dos migrantes internacionais é composto por sua língua nativa e pela língua estrangeira por eles adquirida. No caso dos Falantes de Herança, é composto pela Língua de Herança e pela língua majoritária do país em que cresceram (Melo-Pfeifer e Schmidt, 2012).

Existe ainda o caso do indivíduo que já cresceu em um ambiente plurilíngue. Nessa situação, é possível identificar mais de uma Língua de Herança para ele. Por exemplo, o caso de um filho de um inglês e uma espanhola que cresce no Brasil, ou mesmo o caso de um filho de um casal de pai italiano e mãe albanesa crescendo na Inglaterra. Em certos casos, as Línguas de Herança acabam sendo abandonadas ao longo das gerações, sendo substituídas por outras línguas e repertórios (Flores, 2007).

A aquisição de línguas estrangeiras no campo da migração também pode ser analisada de outras formas. É possível destacar, por exemplo, a abordagem socioafetiva, que oferece duas abordagens para o estudo da contraposição entre a Língua de Herança e a língua estrangeira: a) a origem nacional dos indivíduos versus a sua necessidade de pertencimento à nova comunidade; e b) o respeito e reconhecimento à sua cultura e língua, por meio do acolhimento (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

Especialmente em relação aos migrantes mais jovens, a aquisição da língua estrangeira pode ser analisada sob a ótica escolar. Nesse aspecto, a sua língua original, ou ainda Língua de Herança, será vista como língua estrangeira, ao passo que a língua majoritária do novo país será hegemônica (Flores, 2007).

A língua estrangeira pode, ainda, ser analisada com base na teoria de sua aquisição e utilização. Assim, ela pode ser adquirida na escola, nos ambientes externos, em cursos especializados, ou mesmo em casa, com os pais, em treinamento até a proficiência, no caso de migração internacional (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

No caso específico dos Falantes de Herança, a língua estrangeira pode até mesmo ser considerada a primeira língua, quando a Língua de Herança é pouco utilizada e aprendida mais tarde, como uma herança cultural familiar. Trata-se de uma abordagem simples, considerando os aspectos de aquisição e utilização, e por isso muitas vezes insuficiente para identificar as condições do migrante internacional e avaliar seus desafios no aprendizado (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

A proficiência é outro elemento que pode ser adotado para a análise. Uma vez que o migrante precisa se comunicar rotineiramente em seu novo país, é esperado que em algum momento ele adquira proficiência. Essa proficiência, contudo, pode tardar a vir, ou mesmo não vir, ainda que se passem muitos anos da migração. A língua adquirida torna-se funcional de forma parcial ou em todos os seus componentes, podendo haver vários níveis de competência (Flores, 2007).

Essa análise pode ser empreendida por vários prismas, de acordo com os pesquisadores e seus pontos de observação. É fundamental analisar cada uma das condições envolvidas a fim de se traçar um quadro fidedigno do perfil do aprendente e das dificuldades por ele vivenciadas, sobretudo no contexto da migração internacional (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

Outro ponto que impacta nas relações interculturais são as representações sociais. Isso influencia como cada um é visto de acordo com o seu país de origem, e até mesmo a sua etnia, modificando a sua aceitação e as possíveis facilitações ou dificuldades na integração na nova sociedade e nos processos de transmissão e de aquisição de uma língua estrangeira (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

A afetividade é outro elemento que pode influenciar o processo de aquisição de uma nova língua, sobretudo no caso de migrantes adultos. Os laços com seu país de origem e o seu idioma primário, o sentimento nacionalista e o desejo de preservação de suas raízes podem dificultar que se ofereça de braços abertos ao aprendizado e domínio da língua estrangeira, utilizando-a tão somente para situações em que ela é necessária, o que se torna um entrave no processo de aprendizado (Carreira e Kagan, 2011).

As línguas assumem diferentes status nas várias sociedades, assim como ocorre com os indivíduos, os subgrupos sociais e os migrantes de diversas localidades. Deste modo, algumas língua e/ou dialetos podem assumir um status de prestígio, enquanto outras sofrem marginalização. Nos vários espaços sociais, como a escola, algumas formas de linguagem ou línguas podem não ser aceitas (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

No caso dos migrantes internacionais que buscam aprender uma língua estrangeira, toda essa dinâmica precisa ser analisada e compreendida. É preciso que eles tenham formas de aprender a língua estrangeira, e serem respeitados dentro de suas particularidades e diferenças culturais. A marginalização, seja de um grupo de migrantes ou de sua cultura, é um fenômeno que lhes provoca sofrimento e que dificulta a sua integração no país que os acolheu (Melo-Pfeifer e Schmidt, 2012).

No caso dos alunos migrantes, existem estudos que buscam analisar como eles compreendem a sua Língua de Herança, e como ela influencia a construção de sua identidade (Flores e Melo-Pfeifer, 2014). Essa percepção é importante para traçar estratégias de ensino da língua estrangeira e de seu acolhimento, e também é válida para os adultos, que já trazem maiores laços com sua cultura.

Os professores de escolas que atendem alunos migrantes nem sempre estão preparados para essa abordagem bilíngue e para educarem esses alunos. Em geral, eles apresentam lacunas em sua formação, o que se apresenta como dificuldades no ensino-aprendizagem e incerteza quanto às metodologias a serem adotadas. Esses professores muitas vezes buscam improvisar, e nem sempre têm sucesso (Mossouri, 2010).

Retomando a Didática de Línguas, é possível ainda analisar como os discursos sociais influenciam na percepção sobre os migrantes internacionais, sua cultura e sua língua original. São apontadas duas tendências principais sobre essa percepção nas sociedades que os acolhem: a) a primeira delas demonstra que há uma facilitação para a abordagem e o acolhimento, conforme os conhecimentos sobre sua cultura e Língua de Herança, auxiliando o processo de aquisição da língua majoritária na escola; e b) a segunda linha, menos aceita na academia por não ser politicamente correta, propõe o abandono de qualquer abordagem sobre a cultura original e a língua de herança, de modo a introduzir em totalidade esses migrantes à cultura do país que os acolhe (Flores e Melo-Pfeifer, 2014).

O que se extrai, das fontes consultadas e discutidas, é que várias abordagens e muitos debates sobre a situação do migrante internacional no que tange à aquisição da língua estrangeira, algo intensificado num cenário de globalização e muita migração. Dentre os diversos estudos sobre o ensino de línguas estrangeiras a esses migrantes, é possível discorrer também sobre outros aspectos inerentes à sua socialização no país que os acolheu, tornando-se uma questão que perpassa o campo linguístico, envolvendo uma série de ciências sociais.

4. CONCLUSÃO

O presente estudo teve como objetivo analisar como se dá a aquisição de linguagem estrangeira, especialmente dentro do contexto do migrante internacional. Para isso, foi realizada uma pesquisa literária e uma revisão de literatura abordando conceitos como Língua de Herança, Falante de Herança, interculturalidade e outros aspectos que permeiam a situação do migrante internacional.

Com o estudo, foi possível concluir que é desgastante para o migrante a sua inserção em uma sociedade estrangeira; em meio a esse processo, a aquisição de uma nova língua pode ser uma tarefa difícil, dependendo de uma rede de apoio e da superação de sentimentos negativos como a xenofobia e o preconceito. Como esses migrantes já trazem uma bagagem cultural de sua terra natal e sua Língua de Herança, eles precisam de apoio nesse momento.

Deste modo, é essencial que sejam construídas redes de apoio aos migrantes internacionais, para oferecerem suporte em seu processo de ajuste sociocultural, sejam eles adultos, adolescentes ou crianças, diante da complexidade da adaptação à vida no novo país. Com esse tipo de apoio e orientação, esses indivíduos poderão experimentar um maior sucesso na aquisição do idioma estrangeiro, aclimatando-se à nova realidade e lidando com os desafios desse processo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cabo, D. P. Y., & Rothman, J. (2012). The (il) logical problem of heritage speaker bilingualism and incomplete acquisition. Applied linguistics, 33(4), 450-455.

Carreira, M., & Kagan, O. (2011). The results of the National Heritage Language Survey: Implications for teaching, curriculum design, and professional development. Foreign language annals, 44(1), 40-64.

Coste, D., Moore, D., & Zarate, G. (2009). Plurilingual and pluricultural competence. Language Policy Division. Strasbourg: Council of Europe.

Dantas, S. (2017). Saúde mental, interculturalidade e imigração. Revista USP, (114), 55-70.

Finger, I., & de Quadros, R. M.. (2008). Teorias de aquisição da linguagem. Ed. da UFSC.

Flores, C. (2010). The effect of age on language attrition: Evidence from bilingual returnees. Bilingualism: Language and Cognition, 13(4), 533-546.

Flores, C. (2007). Language Attrition: uma sinopse das principais questões de investigação. Diacrítica. Ciências da Linguagem, 21(1)

Flores, C., & Barbosa, P. (2014). When reduced input leads to delayed acquisition: a study on the acquisition of clitic placement by Portuguese heritage speakers. International Journal of Bilingualism, 18(3), 304-325.

Flores, C., & Melo-Pfeifer, S. (2014). O conceito” Língua de Herança” na perspetiva da Linguística e da Didática de Línguas: considerações pluridisciplinares em torno do perfil linguístico das crianças lusodescendentes na Alemanha. Domínios de Lingu@ gem, 8(3), 16-45.

Gonçalves, C., & Paraguassu, F. LINGUAGEM AFETIVA NAS RELAÇÕES INTERCULTURAIS COM CRIANÇAS MIGRANTES 54. Janeiro, RJ) Anais [recurso eletrônico]/VII Simpósio de Pesquisa sobre Migrações. Interculturalidade, comunicação e migrações transnacionais: fronteiras, políticas e cidadania. Colóquio Internacional, de 27 a 29 de novembro de 2019 no Rio de Janeiro, RJ.–Rio de Janeiro, UFRJ, Périplos, 2020, 78.

Houwer, A. (2009). Bilingual first language acquisition. Multilingual Matters.

Meisel, J. M. (2014). Heritage language learners: Incomplete acquisition of grammar in early childhood. Perspectives in the study of Spanish language variation, 397-417.

Melo Pfeifer, S., & Schmidt, A. (2012). Linking “Heritage Language” Education and Plurilingual Repertoires development: evidences from drawings of Portuguese pupils in Germany. L1 Educational Studies in Language and Literature, 12(Running Issue).

Montrul, S. (2008). Incomplete acquisition in bilingualism. Re-examining the age factor.

Moussouri, E. (2010). Pratiques didactiques et représentations: un outil pour la conception d’une formation destinée aux enseignants des langues secondes/d’origine. Recherches en didactique des langues et des cultures. Les cahiers de l’Acedle, 7(7-2).

Rinke, E., & Flores, C. (2014). Heritage Portuguese bilinguals’ morphosyntactic knowledge of clitics. Bilingualism. Language and Cognition, 17(4), 681-699.

Souza, A. (2016). O português em Londres: aprendizes em um contexto de herança e suas implicações curriculares. O Mundo do Português e o Português no Mundo afora: especificidades, implicações e ações. Campinas-SP: Pontes, 173-200.

Souza, A. (2017). O Ensino de Português Brasileiro na Inglaterra: Uma Língua de Herança ou Língua Comunitária?. In: A. Souza & Lira, C. (orgs) Português como Língua de Herança na Europa. Londres: JNPaquetBooks.

Wiley, T. G., Peyton, J. K., Christian, D., Moore, S. C. K., & Liu, N. (Eds.). (2014). Handbook of heritage, community, and Native American languages in the United States: Research, policy, and educational practice. Routledge.