ANÁLISE PSICANALÍTICA: DESCONSTRUINDO A PATOLOGIZAÇÃO DA  HOMOSSEXUALIDADE E A IMPORTÂNCIA  DA ABORDAGEM DO TEMA NAS  INSTITUIÇÕES DE ENSINO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11194459


Viviane Silva Rodrigues Lima1;
Professores: André Figueira e Paulo Vieira


Resumo 

Esta pesquisa aborda a importância da compreensão da diversidade sexual na  contemporaneidade, desvinculando a homossexualidade de estigmas históricos  e desmistificando segundo a psicanálise, a ideia de que seja uma condição  psicológica patológica. A hipótese central é que a compreensão do  desenvolvimento psicossexual, do Complexo de Édipo e da bissexualidade inerente ao ser humano, propostos por Freud na Psicanálise são essenciais para  despatologizar a orientação sexual homossexual. A metodologia envolveu  pesquisa bibliográfica e a coleta de dados por meio de um questionário  respondido por membros da comunidade LGBTQIAPN+. Apesar dos indivíduos terem enfrentado desafios ao compreender sua orientação sexual, todos  compartilham o traço de se considerarem bem-sucedidos atualmente e dizem  sentir necessidade da abordagem desse tema em instituições de ensino. Ao  promover uma compreensão mais ampla e empática da diversidade sexual, a  pesquisa busca criar um ambiente inclusivo e respeitoso para todos os membros  da sociedade, desmistificando concepções preconceituosas e promovendo o  empoderamento e saúde psíquica dos indivíduos LGBTQIAPN+ na sociedade.  

Palavras chave: Homossexualidade. Despatologização. Diversidade. Patológica.  

Abstract 

This research addresses the importance of understanding sexual diversity in  contemporary times, detaching homosexuality from historical stigmas and  demystifying, according to psychoanalysis, the idea that it is a pathological  psychological condition. The central hypothesis is that understanding  psychosexual development, the Oedipus Complex and the inherent bisexuality of  the human being, as proposed by Freud in Psychoanalysis, are essential to  depathologize homosexual sexual orientation. The methodology involved  bibliographical research and data collection using a questionnaire answered by  members of the LGBTQIAPN+ community. Although the individuals have faced  challenges in understanding their sexual orientation, they all share the trait of  considering themselves successful today and say they feel the need to address  this issue in educational institutions. By promoting a broader and more  empathetic understanding of sexual diversity, the research seeks to create an  inclusive and respectful environment for all members of society, demystifying  prejudiced conceptions and promoting the empowerment and psychological  health of LGBTQIAPN+ individuals in society. 

Keywords: Homosexuality. Depathologization. Diversity. Pathological.  

Objetivo 

O propósito da pesquisa é prover uma plataforma de expressão para os  indivíduos pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+ e disseminar entre a  população em geral a compreensão de que, segundo uma perspectiva  psicanalítica, a homossexualidade não constitui uma patologia. Além disso,  busca fomentar que instituições de grande relevância, como as instituições  educacionais, tratem desse tema com fundamentação empírica. 

Introdução 

O conceito de aceitação e compreensão da diversidade sexual emerge como um  tema central e premente na contemporaneidade, tanto no âmbito psicológico  quanto na sociedade em geral. A presente pesquisa visa desmistificar o estigma  histórico associado à homossexualidade e suas variantes condicionais,  desvelando o equívoco de considerá-las como problemas psíquicos. Tal  premissa é norteada pela hipótese de que o entendimento acerca do  desenvolvimento psicossexual, do Complexo de Édipo e da bissexualidade  inerente pode constituir um importante passo na despatologização da orientação  sexual homossexual. 

A pesquisa tem o objetivo de fornecer uma plataforma de expressão para  indivíduos da comunidade LGBTQIAPN+, informar a população em geral de que  homossexualidade em linhas psicanalíticas não é patologia psíquica e incentivar  instituições de grande alcance como escolas a abordarem esse tema de maneira  mais empírica. A metodologia empregada além de pesquisas bibliográficas foi  coletar dados e informações através de um questionário respondido por pessoas  da comunidade LGBTQIAPN+ que contribuíram para uma compreensão mais  rica e multifacetada das experiências vivenciadas por este grupo.  

É imperativo destacar que, embora alguns desses indivíduos tenham passado  por momentos desafiadores ao aceitar sua orientação sexual e inclusive alguns  afirmaram terem sentido possuir alguma patologia neste processo de  entendimento de sua orientação sexual, todos compartilham o traço comum de  se considerarem pessoas de sucesso atualmente, isso nos mostra que pessoas homossexuais ou não, enfrentam problemas de saúde mental e podem se tornar  pessoas que se sentem bem sucedidas e este processo é independente da  orientação sexual. 

Ao explorar as complexidades do desenvolvimento psicossexual e ressaltar o  papel do Complexo de Édipo, além de reconhecer a bissexualidade inerente ao  ser humano, esta pesquisa se propõe a ampliar a compreensão e a empatia em  relação à diversidade sexual. Nesse sentido, busca-se estabelecer um ambiente  inclusivo e respeitoso para todos os membros da sociedade, enfatizando o papel  fundamental das instituições de ensino nesse processo. Elas têm a  responsabilidade de contribuir para a promoção da saúde mental dos indivíduos,  independentemente de sua orientação sexual, por meio da desconstrução de  concepções preconceituosas e do fomento ao empoderamento e bem-estar  psicológico das pessoas LGBTQIAPN+ 

1. Desenvolvimento psicossexual, Complexo  de Édipo e bissexualidade inerente ao ser  humano 

É imprescindível falarmos das fases de desenvolvimento psicossexual  para abordarmos a sexualidade humana e assim falar de homossexualidade e  suas variantes condicionais.  

Sigmund Freud, em seus estudos pioneiros sobre a psique humana,  postulou que a maioria dos desejos reprimidos encontra suas raízes nos  conflitos psíquicos de natureza sexual, os quais são vivenciados durante a  infância precoce, onde experiências traumáticas constituíam a gênese dos  sintomas contemporâneos (Freud, 1905). Este pensamento representou uma  ruptura paradigmática para a época, uma vez que as concepções associadas ao  termo “sexual” estavam restritas à mera procriação. Tal perspectiva situou o  desenvolvimento sexual, desde as fases iniciais da existência, como um  componente essencial da evolução psíquica da vida humana (Freud, 1905).

Freud cunhou o termo “libido” para se referir à energia ligada aos  instintos sexuais. Seguindo essa linha de raciocínio, a compreensão da  progressão psicossexual desde o nascimento, conduzida pela trajetória da libido,  envolve a busca pelo prazer inerente ao próprio corpo (Freud, 1905). O autor  propõe diferentes fases de desenvolvimento psicossexual, em que os instintos  sexuais são direcionados para áreas específicas do corpo, proporcionando  prazer. 

∙ Fase oral: A boca emerge como zona erotizada. 

∙ Fase anal: A zona erotizada é o ânus. 

∙ Fase fálica: A zona erotizada é o órgão genital. É nesta fase que a criança  passa pelo complexo de Èdipo e se torna consciente da diversidade entre  os sexos.  

∙ Período de latência: Durante esta fase, os interesses sexuais são  sublimados e direcionados para outras áreas, como as culturais e sociais,  entre outras. 

∙ Fase genital: Neste estágio, a zona erotizada situa-se externamente ao  corpo. 

1.2 – Complexo de Édipo  

O processo de significativa importância, que atravessa as distintas fases  do desenvolvimento, é o denominado complexo de Édipo, cujo ápice é  situado na fase fálica (Freud, 1924). O Complexo de Édipo remete à  célebre tragédia grega que relata o mito de Édipo-Rei, protagonista que,  inadvertidamente, mata seu genitor e desposa sua progenitora. Freud  estabelece uma analogia entre este mito e o desenvolvimento infantil,  onde o jovem rapaz elege a mãe como objeto de desejo e percebe o pai  como seu rival. 

Cabe ressaltar que Sófocles, o célebre dramaturgo grego, não foi o  criador do conceito do Complexo de Édipo, mas sim o autor da trágica narrativa do Édipo-Rei (Sófocles, século V a.C), foi Freud quem elaborou  e formalizou o conceito do Complexo de Édipo, valendo-se da tragédia  grega como um instrumento analógico para explicar uma parcela crucial  do desenvolvimento psíquico infantil. 

Esta analogia oferece uma representação simbólica do comportamento  infantil, no qual o jovem enxerga a mãe como objeto de desejo e o pai  como um competidor. Dessa maneira, o rapaz almeja emular o progenitor  e almeja conquistar a mãe (Freud, 1924). 

O desenvolvimento psicossexual, quando ocorre de forma saudável,  implica que o jovem perceba a possibilidade de perder o afeto paterno.  Nesse contexto, ele desloca o objeto de desejo da mãe e passa a buscar  outras fontes de atração, adentrando assim o domínio cultural e social  (Freud, 1924). 

Em termos mais específicos, o complexo de Édipo é considerado bem resolvido quando o indivíduo internaliza o receio da castração (complexo  de castração) ou da perda do amor do pai. Simultaneamente, ele entende  o incesto como um tabu, uma interdição. Consequentemente, o indivíduo  adota o pai como um modelo ideal e deixa de investir a mãe como objeto  de desejo. Gradualmente, ele internaliza uma ética pessoal (que se  entrelaça com a ética social) à medida que desenvolve o seu superego. 

O indivíduo estabelece conexões com outras fontes de referência e  desejos, tais como heróis, amizades, e interesses românticos,  direcionando-se assim a uma maior autonomia. Em outras palavras, para cultivar uma psique mais independente e focar em novos objetos de  interesse, o jovem desloca o desejo da mãe e nutre um respeito reverente  pelo pai. Com o tempo, ele até mesmo se desvincula desse respeito ao  pai, à medida que avança em seu processo de socialização e desenvolve  novos interesses (Freud, 1924). 

A psicanálise coloca essa trajetória do indivíduo pelo Complexo de Édipo  de duas maneiras:

∙ Bem resolvido: Quando o sujeito se integra no mundo cultural e social  para alcançar uma maior autonomia psíquica. 

∙ Mal resolvido: Quando o sujeito, já na adolescência ou fase adulta,  continua a concentrar a maior parte de sua vida psíquica em relação aos  pais (seja por amor ou por hostilidade), prejudicando assim a abertura  para novas experiências, perspectivas e responsabilidades (Freud, 1924). 

1.3 – Bissexualidade Inerente ao ser humano 

Sigmund Freud postulou a existência da bissexualidade inerente ao ser  humano com base em sua teoria do desenvolvimento psicossexual, já  mencionada neste trabalho. Segundo Freud, a bissexualidade não se  refere à orientação sexual no sentido contemporâneo, mas sim à  capacidade intrínseca de todas as pessoas de experimentar atração tanto  por indivíduos do mesmo sexo quanto do sexo oposto em diferentes fases  da vida (Freud, 1905). 

Freud adaptou o conceito de “bissexualidade psíquica” para elucidar essa  potencialidade. Ele argumentou que, em um primeiro momento, os seres  humanos possuíam uma disposição bissexual, o que implica que, em  algum ponto do desenvolvimento, todos tiveram experiências de atração  tanto pelo mesmo sexo quanto pelo sexo oposto (Freud, 1905). 

Essa crença de Freud estava intrinsecamente ligada à sua concepção de  que o desenvolvimento sexual humano atravessa fases distintas, como a  fase oral, anal e fálica. Durante essas fases, Freud argumentou que a  criança vivencia diversas formas de gratificação sexual que não estão  diretamente associadas à genitalidade ou à determinação da orientação  sexual definitiva. 

Além disso, Freud percebeu a orientação sexual como uma parte  complexa e multifacetada da psique humana, influenciada por uma  interação complexa de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Ele  considerava a bissexualidade como um elemento natural e intrínseco à variabilidade da sexualidade humana, ou seja, a bissexualidade é natural  no ser humano. 

2. Carta de Freud a uma mãe de filho  

homossexual 

Em 1935, pouco antes de seu falecimento, Sigmund Freud, já uma eminência no  campo dos estudos da mente humana, recebeu uma carta de uma mãe  solicitando sua ajuda para seu filho. A partir do conteúdo da correspondência,  Freud inferiu que o filho em questão era homossexual e que a mãe almejava que  o jovem fosse “curado”. A resposta do psicanalista, datada de mais de 80 anos  atrás, mantém-se pertinente e crucial, revelando a compreensão do doutor em  relação às orientações sexuais. 

A necessidade de explanar esse assunto se faz presente atualmente, pois ainda  há pessoas buscando aconselhamento para tentar “curar” a homossexualidade  como se fosse algum tipo de patologia. No entanto, ainda é necessário recorrer  a figuras de autoridade como Freud para enfatizar que a homossexualidade não  é uma patologia, como o pai da psicanalise afirmou na seguinte carta em  resposta à mãe mencionada. 

19 de abril de 1935 
Minha querida Senhora
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha  atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele, me  enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade  não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se  envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. 
Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da  função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de  grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Michelangelo, Leonardo da  Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a  homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra,  sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis. 
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma  tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade,  visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em  termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver  rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na  maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente na  qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento. 
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando  descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida  social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência,  independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição. 
Se você mudar de ideia ele deve ser analisado por mim – eu não espero que você vá – ele  terá de vir a Viena. Não tenho a intenção de sair daqui. No entanto, não deixe de me  responder. 
Sinceramente meus melhores desejos, 
Freud

A carta de Freud não foi amplamente aceita em seu tempo, e sua validação continuou a ser um tema de controvérsia ao longo das décadas seguintes. Na carta, Freud expressou uma visão progressista para a época, afirmando que a  homossexualidade não deveria ser vista como uma patologia a ser tratada ou  curada. 

Freud argumentou que a homossexualidade não era uma doença, mas sim uma  variação natural da sexualidade humana. Ele enfatizou que tentar forçar um  indivíduo a uma orientação sexual diferente da sua verdadeira natureza poderia  causar danos psicológicos significativos. 

No entanto, é importante mencionar que, mesmo com essa carta de Freud e as  grandes contribuições feitas através da psicanálise para a despatologização da  homossexualidade, a mesma continuou e continua sendo patologizada em  muitas partes do mundo. A homossexualidade só foi oficialmente retirada das  listas de doenças mentais em algumas partes do mundo ao longo das últimas  décadas do século XX. 

Nos Estados Unidos, em um marco significativo, a Associação Americana de  Psiquiatria (APA) eliminou a homossexualidade da lista de transtornos mentais  com a publicação da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de  Transtornos Mentais (DSM-III) em 1973. A Organização Mundial de Saúde  (OMS) também desempenhou um papel crucial nesse processo ao remover a  homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) na versão  revisada da CID-10 em 1990. 

Essas mudanças refletiram uma transformação significativa na compreensão e  aceitação da orientação sexual em escala global, no entanto, é importante  ressaltar que ainda persistem desafios e lutas em muitas partes do mundo em  relação a essa questão.

3. Transtorno mental, limitações do indivíduo e  depoimentos de pessoas da comunidade  LGBTQIAPN+ 

3.1- Transtorno mental e limitação do indivíduo 

De acordo com o DSM, um transtorno mental é definido como um padrão  clinicamente significativo de comportamentos, cognições (pensamentos) ou  emoções associado á angústia ou incapacidade significativa. Este padrão deve  ser associado a um sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social,  ocupacional ou em outras áreas importantes da vida da pessoa.  

Um transtorno mental, segundo a perspectiva da psicanálise pode constringir a  vida do indivíduo em virtude dos conflitos e desequilíbrios psíquicos subjacentes  desta condição. Estes conflitos, muitas vezes enraizados no inconsciente,  podem ter origens em traumas passados, emoções reprimidas ou outros fatores  que interferem no funcionamento mental (Freud, 1920). 

Os transtornos mentais também podem ter um impacto nas relações  interpessoais, dificultando a formação e manutenção de conexões saudáveis.  Estes distúrbios podem ocasionar restrições no cumprimento de atividades  diárias, afetando a funcionalidade no ambiente de trabalho, nos estudos e no  autocuidado (American Psychiatric Association, 2013). 

Partindo destes pontos, a orientação sexual, seja heterossexual ou  homossexual, em si mesma, não é considerada um indicador de saúde mental  ou transtorno mental. A psicanálise não associa a orientação sexual à presença  ou ausência de transtornos mentais. 

Para a Psicanálise, a saúde mental de um indivíduo é influenciada por uma série  de fatores complexos, incluindo as dinâmicas intrapsíquicas, experiências de  vida, mecanismos de defesa e a forma como a pessoa lida com os conflitos e desafios emocionais. A orientação sexual não é um fator determinante nesse  contexto. 

Portanto, tanto heterossexuais quanto homossexuais podem enfrentar desafios  emocionais e psicológicos, assim como podem ter saúde mental. É importante  abordar questões de saúde mental de forma individualizada, levando em  consideração a singularidade de cada pessoa, infância, suas experiências  particulares e o contexto social em que esta inserida. 

3.2- Depoimentos de pessoas da comunidade  LGBTQIAPN+  

Os depoimentos a seguir são provenientes de indivíduos membros da  comunidade LGBTQIAPN+ que desempenham papéis ativos na sociedade.  Concede-se uma importância de extrema relevância ao proporcionar voz e  espaço de expressão a essas pessoas quando se abordam tópicos dessa  natureza. O questionário conduzido abrange a saúde mental desses indivíduos,  explorando a temática do preconceito, onde muitas vezes a homossexualidade é  equivocadamente tratada como patologia, e examina como tal condição afetou o  bem-estar desses sujeitos. 

Ademais, é imperativo salientar que tais entrevistas foram conduzidas com o  propósito de evidenciar que indivíduos homossexuais possuem a capacidade de  alcançar sucesso e apresentar perspectivas promissoras na sociedade assim  como heterossexuais. Esta pesquisa também enfatizou que transtornos mentais  podem ser observados em todas as orientações sexuais, corroborando a ideia  de que a sexualidade de um indivíduo não determina a ocorrência de transtornos  em geral. 

Os nomes dos indivíduos foram protegidos e a entrevista foi feita com nove  membros da comunidade LGBTQIAPN+ com idade entre 19 e 44 anos, a  orientação sexual e gênero dos mesmos foram definidas em heterossexual transgênero feminino e masculino assim como homossexual cisgênero  masculino e feminino.  

Os participantes relataram que o inicio de identificação da orientação sexual  ocorreu por volta dos nove anos de idade e se consolidou em torno dos vinte oito  anos (há pequena variação de idade que permeia essas idades entre os  participantes). Por volta dessa idade de nove anos, o indivíduo está na fase  conhecida como “Fase de Latência”. Esta fase é a quarta etapa do  desenvolvimento psicossexual proposta por Freud, que já mencionamos nesse  trabalho.  

Durante a Fase de Latência, as energias sexuais que foram focadas nas zonas  erógenas (como boca, ânus, e genitais) nas fases anteriores (oral, anal e fálica)  parecem estar temporariamente adormecidas. A criança nesta fase parece estar  mais interessada em atividades sociais, educacionais e recreativas, do que em  questões sexuais. A atenção é muitas vezes voltada para o aprendizado,  amizades e atividades escolares. 

Esta fase é chamada de “latência” porque Freud acreditava que a energia sexual  estava temporariamente “adormecida” ou menos ativa. No entanto, é importante  notar que isso não significa que a sexualidade desaparece completamente, mas  sim que ela se torna menos proeminente no funcionamento psíquico da criança  durante esse período. 

A Fase de Latência é seguida pela Fase Genital, que começa na puberdade e  marca o retorno da atividade sexual e a busca de relacionamentos íntimos  adultos. A descoberta da sexualidade na fase da latência pode ocorrer de  maneira mais subjetiva e indireta, como através de observações de  comportamentos e conversas dos adultos ao redor, ou até mesmo por meio de  experiências próprias, como masturbação, embora em um contexto mais privado  e menos evidente do que em fases anteriores. A sexualidade é um aspecto  intrínseco da experiência humana, e ela está presente em diferentes formas e  graus em todas as fases da vida.

A fase de Latência é caracterizada principalmente pela menor ênfase na  expressão sexual direta e pelo foco em outras áreas do desenvolvimento, isso  explica o fato dos entrevistados só consolidarem sua sexualidade na vida adulta  e esse processo das fases psicossexuais são as mesmas para homossexuais ou  heterossexuais assim como possíveis variações nas mesmas.  

É nesse período entre as fases de Latência e a Genital que podem ocorrer  sentimentos e crenças nos homossexuais de que possuem alguma patologia ou  sentimento de inadequação, o que pode gerar transtornos e sofrimento psíquico em alguns indivíduos, aqui cabe ressaltar a importância da discussão desse  tema na sociedade e nas instituições de ensino.  

Veremos algumas imagens de depoimentos á resposta da questão: O que você  acredita ter sido um dificultador para essa identificação de orientação sexual  e/ou gênero?

Com base nos dados podemos dizer que possíveis razões para a tardia  identificação de gênero/orientação sexual e também possível causas de  adoecimento psíquico dos homossexuais esta na maneira que a sociedade trata  a questão da homossexualidade por falta de informação embasada do assunto.  

A pesquisa mostrou que cinco dos nove participantes disseram que em algum  momento do processo de sua identificação sexual como homossexuais se  sentiram doentes e que possuíam algum tipo de patologia e os outros quatro  participantes não afirmaram ter se sentido doentes por serem homossexuais,  mas relataram que o processo não foi natural ou saudável. Vejamos algumas  destas respostas nas imagens a seguir:

Notemos que em uma das respostas negativando se sentir doente pela sua  identidade de gênero, um dos participantes usa a frase “cérebro traumatizados  com certas situações e me levaram a me machucar psicologicamente”  nitidamente essa não é uma resposta positiva e saudável sobre o processo de  identificação de orientação sexual/gênero assim como temos outro exemplo  onde o indivíduo não se sente como doente, mas afirma que por falta de  informação sobre o assunto acreditou estar cometendo um “pecado” por se  identificar como homossexual.  

Informar a sociedade de que a homossexualidade não é uma patologia, baseado  em evidências psicanalíticas e científicas, é crucial por diversas razões. Em  primeiro lugar, ao desmistificar a homossexualidade como uma condição  patológica, contribuímos para a redução do estigma e da discriminação enfrentados por pessoas LGBTQIAPN+ (American Psychological Association,  2009). Isso cria um ambiente mais inclusivo e respeitoso para indivíduos de  todas as orientações sexuais. 

Reconhecer a homossexualidade como uma expressão da diversidade humana  é fundamental para a promoção da saúde mental e do bem-estar emocional de  todos os indivíduos em sociedade além de que a despatologização ajuda a evitar  o impacto negativo na autoestima e na saúde psicológica dessas pessoas  LGBTQIAPN+ (World Health Organization, 1992). 

É importante também para garantir direitos e igualdade para a comunidade  LGBTQIAPN+, o que inclui o direito ao casamento, à adoção, a não  discriminação no trabalho e em outros contextos sociais. Informar a sociedade  de que a homossexualidade não é uma doença é fundamental para promover a  justiça social, a saúde mental e o bem-estar de todos os indivíduos,  independentemente da sua orientação sexual.  

Apesar das adversidades delineadas nas narrativas dos entrevistados e do fato  de dois dentre os nove nunca terem se submetido a intervenções  psicoterapêuticas, todos se auto atribuem o status de indivíduos bem-sucedidos  no atual estágio de suas vidas. Se a divulgação da despatologização da  homossexualidade fosse abordada de forma mais aprofundada em ambientes  educacionais, veículos midiáticos, plataformas online e outros canais de  informação, seria plausível que esses sujeitos pudessem desenvolver uma  estrutura psíquica mais equilibrada e, por conseguinte, manifestar seus  potenciais de êxito com maior naturalidade.

4 – A relevância de trabalhar a despatologização  da homossexualidade nas escolas  

Cem por cento dos participantes da entrevista expressaram a importância de  trazer o tema para as escolas, pois não foram bem orientados por órgãos  estudantis sobre a diversidade da orientação sexual e/ou identidade de gênero e  a escola desempenha um papel fundamental na formação de cidadãos  respeitosos, de caráter e humanos.  

A escola é um dos principais locais onde os indivíduos têm a oportunidade de  aprender e internalizar valores sociais cruciais, como respeito, tolerância, justiça  e solidariedade (Noddings, 2002). Além disso, a educação tem o poder de  promover a empatia e a compreensão entre os indivíduos, permitindo-lhes  compreender e respeitar as perspectivas e experiências dos outros,  independentemente de diferenças de raça, gênero, orientação sexual, religião,  entre outras.  

A escola desempenha um papel crucial no desenvolvimento do caráter dos  estudantes, promovendo virtudes como honestidade, responsabilidade,  integridade e resiliência. Esses atributos são essenciais para uma conduta ética  e moralmente correta (Lickona, 1991). Ao formar cidadãos respeitosos, de  caráter e humanos, a escola desempenha um papel vital na construção de uma  sociedade mais inclusiva, justa e compassiva, capaz de lidar de maneira  construtiva com desafios sociais (Dewey, 1916).  

Isso está totalmente de acordo com as perspectivas levantadas anteriormente  sobre a importância da despatologização da homossexualidade e as variantes  condicionais na sociedade. Ao oferecer orientações fundamentadas na  psicanálise sobre a homossexualidade, a instituição educacional contribui para a  redução do estigma e preconceito associados à orientação sexual (Fleming,  2016). Isso promove a criação de um ambiente inclusivo e respeitoso para todos  os estudantes, independentemente de sua orientação. 

O entendimento de que a homossexualidade é uma expressão natural da  diversidade humana pode impactar positivamente na saúde mental dos  estudantes LGBTQIAPN+, reduzindo o estresse e a ansiedade frequentemente  associados à discriminação e à falta de aceitação (Ryan et al., 2010). Esse  entendimento também pode contribuir para a prevenção de comportamentos de  risco, uma vez que promove uma compreensão mais saudável e positiva da  orientação sexual, reduzindo a necessidade de lidar com o estigma de maneiras  prejudiciais (Russell et al., 2011).

Ao compreender a diversidade de orientações sexuais como algo natural ao ser  humano, os estudantes têm a oportunidade de desenvolver relacionamentos  mais saudáveis e respeitosos, o que contribui para moldar uma sociedade mais  tolerante, inclusiva e respeitosa promovendo impactos positivos tanto na escola  e no todo.  

Conclusão 

Podemos concluir de acordo com as teorias psicanalíticas de Freud que  os seres humanos teriam uma disposição inata para a bissexualidade, o que  significaria a capacidade de sentir atração tanto por pessoas do mesmo sexo  quanto do sexo oposto. O Complexo de Édipo e a ideia da bissexualidade como  uma disposição inata sugerem uma complexa interação entre fatores biológicos,  psicológicos e sociais na formação da orientação sexual de um indivíduo. 

Chegamos ao entendimento de que a perspectiva da psicanálise  contemporânea não atribui transtornos mentais exclusivamente a indivíduos  homossexuais. Ao contrário, a orientação sexual não é concebida como uma  patologia, sendo vista como uma expressão normal da diversidade humana.  

Essa pesquisa trouxe reflexões de que sentir-se parte de uma sociedade  está associado a uma melhor saúde mental por diversas razões. Primeiramente,  pertencer a uma comunidade proporciona um sentido de identidade conferindo  à pessoa um propósito e significado na vida (Baumeister & Leary, 1995), ou seja, pertencer a uma comunidade fornece identidade ao indivíduo, integrando  aspectos pessoais e sociais. Esse pertencimento atende à necessidade humana  básica de conexão e apoio emocional. Além disso, estar inserido em uma  comunidade oferece oportunidades para participar de atividades significativas,  contribuindo para o senso de propósito na vida. O pertencimento proporciona  uma estrutura social que ajuda na formação da identidade, alivia a solidão e  promove a busca por significado na existência.

A escola tem papel fundamental nesse processo de tornar o ser humano  pertencente á sociedade, pois através da escola, os indivíduos têm a  oportunidade de desenvolver relacionamentos mais saudáveis e respeitosos,  independentemente da orientação sexual de cada um. Este pertencimento  promovido pela escola promove uma integração mais profunda das dimensões  psíquicas e emocionais, permitindo a construção de vínculos afetivos baseados  na aceitação e respeito mútuo. 

Essa educação desempenha um papel crucial na configuração de uma  sociedade mais tolerante, aberta e respeitosa em relação à pluralidade sexual,  gerando consequências benéficas tanto no ambiente escolar quanto na  sociedade em sua totalidade. A acolhida da diversidade sexual no contexto  educacional e na comunidade em geral propicia a harmonia entre os aspectos  psicológicos e emocionais dos indivíduos, fortalecendo o tecido social e  viabilizando o cultivo de relações mais genuínas e enriquecedoras. 

Consequentemente, podemos inferir que o reconhecimento da  homossexualidade como uma manifestação inerente à experiência humana,  quando abordada no contexto educacional com base na perspectiva  psicanalítica, assume uma relevância primordial. Tal abordagem não somente  exerce influência sobre o ambiente educativo, mas também incide sobre a  formação de sujeitos mais integrados psiquicamente, concorrendo, por  conseguinte, para a edificação de uma sociedade dotada de maior empatia,  inclusividade e respeito. 

Referências bibliográficas 

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1E-mail: vivirodrigues87@yahoo.com.br Conclusão: 2º SEMESTRE / 2023, Curso: Formação em Psicanálise Clínica Unidade: Campinas (SP)