REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11194459
Viviane Silva Rodrigues Lima1;
Professores: André Figueira e Paulo Vieira
Resumo
Esta pesquisa aborda a importância da compreensão da diversidade sexual na contemporaneidade, desvinculando a homossexualidade de estigmas históricos e desmistificando segundo a psicanálise, a ideia de que seja uma condição psicológica patológica. A hipótese central é que a compreensão do desenvolvimento psicossexual, do Complexo de Édipo e da bissexualidade inerente ao ser humano, propostos por Freud na Psicanálise são essenciais para despatologizar a orientação sexual homossexual. A metodologia envolveu pesquisa bibliográfica e a coleta de dados por meio de um questionário respondido por membros da comunidade LGBTQIAPN+. Apesar dos indivíduos terem enfrentado desafios ao compreender sua orientação sexual, todos compartilham o traço de se considerarem bem-sucedidos atualmente e dizem sentir necessidade da abordagem desse tema em instituições de ensino. Ao promover uma compreensão mais ampla e empática da diversidade sexual, a pesquisa busca criar um ambiente inclusivo e respeitoso para todos os membros da sociedade, desmistificando concepções preconceituosas e promovendo o empoderamento e saúde psíquica dos indivíduos LGBTQIAPN+ na sociedade.
Palavras chave: Homossexualidade. Despatologização. Diversidade. Patológica.
Abstract
This research addresses the importance of understanding sexual diversity in contemporary times, detaching homosexuality from historical stigmas and demystifying, according to psychoanalysis, the idea that it is a pathological psychological condition. The central hypothesis is that understanding psychosexual development, the Oedipus Complex and the inherent bisexuality of the human being, as proposed by Freud in Psychoanalysis, are essential to depathologize homosexual sexual orientation. The methodology involved bibliographical research and data collection using a questionnaire answered by members of the LGBTQIAPN+ community. Although the individuals have faced challenges in understanding their sexual orientation, they all share the trait of considering themselves successful today and say they feel the need to address this issue in educational institutions. By promoting a broader and more empathetic understanding of sexual diversity, the research seeks to create an inclusive and respectful environment for all members of society, demystifying prejudiced conceptions and promoting the empowerment and psychological health of LGBTQIAPN+ individuals in society.
Keywords: Homosexuality. Depathologization. Diversity. Pathological.
Objetivo
O propósito da pesquisa é prover uma plataforma de expressão para os indivíduos pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+ e disseminar entre a população em geral a compreensão de que, segundo uma perspectiva psicanalítica, a homossexualidade não constitui uma patologia. Além disso, busca fomentar que instituições de grande relevância, como as instituições educacionais, tratem desse tema com fundamentação empírica.
Introdução
O conceito de aceitação e compreensão da diversidade sexual emerge como um tema central e premente na contemporaneidade, tanto no âmbito psicológico quanto na sociedade em geral. A presente pesquisa visa desmistificar o estigma histórico associado à homossexualidade e suas variantes condicionais, desvelando o equívoco de considerá-las como problemas psíquicos. Tal premissa é norteada pela hipótese de que o entendimento acerca do desenvolvimento psicossexual, do Complexo de Édipo e da bissexualidade inerente pode constituir um importante passo na despatologização da orientação sexual homossexual.
A pesquisa tem o objetivo de fornecer uma plataforma de expressão para indivíduos da comunidade LGBTQIAPN+, informar a população em geral de que homossexualidade em linhas psicanalíticas não é patologia psíquica e incentivar instituições de grande alcance como escolas a abordarem esse tema de maneira mais empírica. A metodologia empregada além de pesquisas bibliográficas foi coletar dados e informações através de um questionário respondido por pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ que contribuíram para uma compreensão mais rica e multifacetada das experiências vivenciadas por este grupo.
É imperativo destacar que, embora alguns desses indivíduos tenham passado por momentos desafiadores ao aceitar sua orientação sexual e inclusive alguns afirmaram terem sentido possuir alguma patologia neste processo de entendimento de sua orientação sexual, todos compartilham o traço comum de se considerarem pessoas de sucesso atualmente, isso nos mostra que pessoas homossexuais ou não, enfrentam problemas de saúde mental e podem se tornar pessoas que se sentem bem sucedidas e este processo é independente da orientação sexual.
Ao explorar as complexidades do desenvolvimento psicossexual e ressaltar o papel do Complexo de Édipo, além de reconhecer a bissexualidade inerente ao ser humano, esta pesquisa se propõe a ampliar a compreensão e a empatia em relação à diversidade sexual. Nesse sentido, busca-se estabelecer um ambiente inclusivo e respeitoso para todos os membros da sociedade, enfatizando o papel fundamental das instituições de ensino nesse processo. Elas têm a responsabilidade de contribuir para a promoção da saúde mental dos indivíduos, independentemente de sua orientação sexual, por meio da desconstrução de concepções preconceituosas e do fomento ao empoderamento e bem-estar psicológico das pessoas LGBTQIAPN+
1. Desenvolvimento psicossexual, Complexo de Édipo e bissexualidade inerente ao ser humano
É imprescindível falarmos das fases de desenvolvimento psicossexual para abordarmos a sexualidade humana e assim falar de homossexualidade e suas variantes condicionais.
Sigmund Freud, em seus estudos pioneiros sobre a psique humana, postulou que a maioria dos desejos reprimidos encontra suas raízes nos conflitos psíquicos de natureza sexual, os quais são vivenciados durante a infância precoce, onde experiências traumáticas constituíam a gênese dos sintomas contemporâneos (Freud, 1905). Este pensamento representou uma ruptura paradigmática para a época, uma vez que as concepções associadas ao termo “sexual” estavam restritas à mera procriação. Tal perspectiva situou o desenvolvimento sexual, desde as fases iniciais da existência, como um componente essencial da evolução psíquica da vida humana (Freud, 1905).
Freud cunhou o termo “libido” para se referir à energia ligada aos instintos sexuais. Seguindo essa linha de raciocínio, a compreensão da progressão psicossexual desde o nascimento, conduzida pela trajetória da libido, envolve a busca pelo prazer inerente ao próprio corpo (Freud, 1905). O autor propõe diferentes fases de desenvolvimento psicossexual, em que os instintos sexuais são direcionados para áreas específicas do corpo, proporcionando prazer.
∙ Fase oral: A boca emerge como zona erotizada.
∙ Fase anal: A zona erotizada é o ânus.
∙ Fase fálica: A zona erotizada é o órgão genital. É nesta fase que a criança passa pelo complexo de Èdipo e se torna consciente da diversidade entre os sexos.
∙ Período de latência: Durante esta fase, os interesses sexuais são sublimados e direcionados para outras áreas, como as culturais e sociais, entre outras.
∙ Fase genital: Neste estágio, a zona erotizada situa-se externamente ao corpo.
1.2 – Complexo de Édipo
O processo de significativa importância, que atravessa as distintas fases do desenvolvimento, é o denominado complexo de Édipo, cujo ápice é situado na fase fálica (Freud, 1924). O Complexo de Édipo remete à célebre tragédia grega que relata o mito de Édipo-Rei, protagonista que, inadvertidamente, mata seu genitor e desposa sua progenitora. Freud estabelece uma analogia entre este mito e o desenvolvimento infantil, onde o jovem rapaz elege a mãe como objeto de desejo e percebe o pai como seu rival.
Cabe ressaltar que Sófocles, o célebre dramaturgo grego, não foi o criador do conceito do Complexo de Édipo, mas sim o autor da trágica narrativa do Édipo-Rei (Sófocles, século V a.C), foi Freud quem elaborou e formalizou o conceito do Complexo de Édipo, valendo-se da tragédia grega como um instrumento analógico para explicar uma parcela crucial do desenvolvimento psíquico infantil.
Esta analogia oferece uma representação simbólica do comportamento infantil, no qual o jovem enxerga a mãe como objeto de desejo e o pai como um competidor. Dessa maneira, o rapaz almeja emular o progenitor e almeja conquistar a mãe (Freud, 1924).
O desenvolvimento psicossexual, quando ocorre de forma saudável, implica que o jovem perceba a possibilidade de perder o afeto paterno. Nesse contexto, ele desloca o objeto de desejo da mãe e passa a buscar outras fontes de atração, adentrando assim o domínio cultural e social (Freud, 1924).
Em termos mais específicos, o complexo de Édipo é considerado bem resolvido quando o indivíduo internaliza o receio da castração (complexo de castração) ou da perda do amor do pai. Simultaneamente, ele entende o incesto como um tabu, uma interdição. Consequentemente, o indivíduo adota o pai como um modelo ideal e deixa de investir a mãe como objeto de desejo. Gradualmente, ele internaliza uma ética pessoal (que se entrelaça com a ética social) à medida que desenvolve o seu superego.
O indivíduo estabelece conexões com outras fontes de referência e desejos, tais como heróis, amizades, e interesses românticos, direcionando-se assim a uma maior autonomia. Em outras palavras, para cultivar uma psique mais independente e focar em novos objetos de interesse, o jovem desloca o desejo da mãe e nutre um respeito reverente pelo pai. Com o tempo, ele até mesmo se desvincula desse respeito ao pai, à medida que avança em seu processo de socialização e desenvolve novos interesses (Freud, 1924).
A psicanálise coloca essa trajetória do indivíduo pelo Complexo de Édipo de duas maneiras:
∙ Bem resolvido: Quando o sujeito se integra no mundo cultural e social para alcançar uma maior autonomia psíquica.
∙ Mal resolvido: Quando o sujeito, já na adolescência ou fase adulta, continua a concentrar a maior parte de sua vida psíquica em relação aos pais (seja por amor ou por hostilidade), prejudicando assim a abertura para novas experiências, perspectivas e responsabilidades (Freud, 1924).
1.3 – Bissexualidade Inerente ao ser humano
Sigmund Freud postulou a existência da bissexualidade inerente ao ser humano com base em sua teoria do desenvolvimento psicossexual, já mencionada neste trabalho. Segundo Freud, a bissexualidade não se refere à orientação sexual no sentido contemporâneo, mas sim à capacidade intrínseca de todas as pessoas de experimentar atração tanto por indivíduos do mesmo sexo quanto do sexo oposto em diferentes fases da vida (Freud, 1905).
Freud adaptou o conceito de “bissexualidade psíquica” para elucidar essa potencialidade. Ele argumentou que, em um primeiro momento, os seres humanos possuíam uma disposição bissexual, o que implica que, em algum ponto do desenvolvimento, todos tiveram experiências de atração tanto pelo mesmo sexo quanto pelo sexo oposto (Freud, 1905).
Essa crença de Freud estava intrinsecamente ligada à sua concepção de que o desenvolvimento sexual humano atravessa fases distintas, como a fase oral, anal e fálica. Durante essas fases, Freud argumentou que a criança vivencia diversas formas de gratificação sexual que não estão diretamente associadas à genitalidade ou à determinação da orientação sexual definitiva.
Além disso, Freud percebeu a orientação sexual como uma parte complexa e multifacetada da psique humana, influenciada por uma interação complexa de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Ele considerava a bissexualidade como um elemento natural e intrínseco à variabilidade da sexualidade humana, ou seja, a bissexualidade é natural no ser humano.
2. Carta de Freud a uma mãe de filho
homossexual
Em 1935, pouco antes de seu falecimento, Sigmund Freud, já uma eminência no campo dos estudos da mente humana, recebeu uma carta de uma mãe solicitando sua ajuda para seu filho. A partir do conteúdo da correspondência, Freud inferiu que o filho em questão era homossexual e que a mãe almejava que o jovem fosse “curado”. A resposta do psicanalista, datada de mais de 80 anos atrás, mantém-se pertinente e crucial, revelando a compreensão do doutor em relação às orientações sexuais.
A necessidade de explanar esse assunto se faz presente atualmente, pois ainda há pessoas buscando aconselhamento para tentar “curar” a homossexualidade como se fosse algum tipo de patologia. No entanto, ainda é necessário recorrer a figuras de autoridade como Freud para enfatizar que a homossexualidade não é uma patologia, como o pai da psicanalise afirmou na seguinte carta em resposta à mãe mencionada.
19 de abril de 1935
Minha querida Senhora,
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele, me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.
Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.
Se você mudar de ideia ele deve ser analisado por mim – eu não espero que você vá – ele terá de vir a Viena. Não tenho a intenção de sair daqui. No entanto, não deixe de me responder.
Sinceramente meus melhores desejos,
Freud
A carta de Freud não foi amplamente aceita em seu tempo, e sua validação continuou a ser um tema de controvérsia ao longo das décadas seguintes. Na carta, Freud expressou uma visão progressista para a época, afirmando que a homossexualidade não deveria ser vista como uma patologia a ser tratada ou curada.
Freud argumentou que a homossexualidade não era uma doença, mas sim uma variação natural da sexualidade humana. Ele enfatizou que tentar forçar um indivíduo a uma orientação sexual diferente da sua verdadeira natureza poderia causar danos psicológicos significativos.
No entanto, é importante mencionar que, mesmo com essa carta de Freud e as grandes contribuições feitas através da psicanálise para a despatologização da homossexualidade, a mesma continuou e continua sendo patologizada em muitas partes do mundo. A homossexualidade só foi oficialmente retirada das listas de doenças mentais em algumas partes do mundo ao longo das últimas décadas do século XX.
Nos Estados Unidos, em um marco significativo, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) eliminou a homossexualidade da lista de transtornos mentais com a publicação da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III) em 1973. A Organização Mundial de Saúde (OMS) também desempenhou um papel crucial nesse processo ao remover a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) na versão revisada da CID-10 em 1990.
Essas mudanças refletiram uma transformação significativa na compreensão e aceitação da orientação sexual em escala global, no entanto, é importante ressaltar que ainda persistem desafios e lutas em muitas partes do mundo em relação a essa questão.
3. Transtorno mental, limitações do indivíduo e depoimentos de pessoas da comunidade LGBTQIAPN+
3.1- Transtorno mental e limitação do indivíduo
De acordo com o DSM, um transtorno mental é definido como um padrão clinicamente significativo de comportamentos, cognições (pensamentos) ou emoções associado á angústia ou incapacidade significativa. Este padrão deve ser associado a um sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida da pessoa.
Um transtorno mental, segundo a perspectiva da psicanálise pode constringir a vida do indivíduo em virtude dos conflitos e desequilíbrios psíquicos subjacentes desta condição. Estes conflitos, muitas vezes enraizados no inconsciente, podem ter origens em traumas passados, emoções reprimidas ou outros fatores que interferem no funcionamento mental (Freud, 1920).
Os transtornos mentais também podem ter um impacto nas relações interpessoais, dificultando a formação e manutenção de conexões saudáveis. Estes distúrbios podem ocasionar restrições no cumprimento de atividades diárias, afetando a funcionalidade no ambiente de trabalho, nos estudos e no autocuidado (American Psychiatric Association, 2013).
Partindo destes pontos, a orientação sexual, seja heterossexual ou homossexual, em si mesma, não é considerada um indicador de saúde mental ou transtorno mental. A psicanálise não associa a orientação sexual à presença ou ausência de transtornos mentais.
Para a Psicanálise, a saúde mental de um indivíduo é influenciada por uma série de fatores complexos, incluindo as dinâmicas intrapsíquicas, experiências de vida, mecanismos de defesa e a forma como a pessoa lida com os conflitos e desafios emocionais. A orientação sexual não é um fator determinante nesse contexto.
Portanto, tanto heterossexuais quanto homossexuais podem enfrentar desafios emocionais e psicológicos, assim como podem ter saúde mental. É importante abordar questões de saúde mental de forma individualizada, levando em consideração a singularidade de cada pessoa, infância, suas experiências particulares e o contexto social em que esta inserida.
3.2- Depoimentos de pessoas da comunidade LGBTQIAPN+
Os depoimentos a seguir são provenientes de indivíduos membros da comunidade LGBTQIAPN+ que desempenham papéis ativos na sociedade. Concede-se uma importância de extrema relevância ao proporcionar voz e espaço de expressão a essas pessoas quando se abordam tópicos dessa natureza. O questionário conduzido abrange a saúde mental desses indivíduos, explorando a temática do preconceito, onde muitas vezes a homossexualidade é equivocadamente tratada como patologia, e examina como tal condição afetou o bem-estar desses sujeitos.
Ademais, é imperativo salientar que tais entrevistas foram conduzidas com o propósito de evidenciar que indivíduos homossexuais possuem a capacidade de alcançar sucesso e apresentar perspectivas promissoras na sociedade assim como heterossexuais. Esta pesquisa também enfatizou que transtornos mentais podem ser observados em todas as orientações sexuais, corroborando a ideia de que a sexualidade de um indivíduo não determina a ocorrência de transtornos em geral.
Os nomes dos indivíduos foram protegidos e a entrevista foi feita com nove membros da comunidade LGBTQIAPN+ com idade entre 19 e 44 anos, a orientação sexual e gênero dos mesmos foram definidas em heterossexual transgênero feminino e masculino assim como homossexual cisgênero masculino e feminino.
Os participantes relataram que o inicio de identificação da orientação sexual ocorreu por volta dos nove anos de idade e se consolidou em torno dos vinte oito anos (há pequena variação de idade que permeia essas idades entre os participantes). Por volta dessa idade de nove anos, o indivíduo está na fase conhecida como “Fase de Latência”. Esta fase é a quarta etapa do desenvolvimento psicossexual proposta por Freud, que já mencionamos nesse trabalho.
Durante a Fase de Latência, as energias sexuais que foram focadas nas zonas erógenas (como boca, ânus, e genitais) nas fases anteriores (oral, anal e fálica) parecem estar temporariamente adormecidas. A criança nesta fase parece estar mais interessada em atividades sociais, educacionais e recreativas, do que em questões sexuais. A atenção é muitas vezes voltada para o aprendizado, amizades e atividades escolares.
Esta fase é chamada de “latência” porque Freud acreditava que a energia sexual estava temporariamente “adormecida” ou menos ativa. No entanto, é importante notar que isso não significa que a sexualidade desaparece completamente, mas sim que ela se torna menos proeminente no funcionamento psíquico da criança durante esse período.
A Fase de Latência é seguida pela Fase Genital, que começa na puberdade e marca o retorno da atividade sexual e a busca de relacionamentos íntimos adultos. A descoberta da sexualidade na fase da latência pode ocorrer de maneira mais subjetiva e indireta, como através de observações de comportamentos e conversas dos adultos ao redor, ou até mesmo por meio de experiências próprias, como masturbação, embora em um contexto mais privado e menos evidente do que em fases anteriores. A sexualidade é um aspecto intrínseco da experiência humana, e ela está presente em diferentes formas e graus em todas as fases da vida.
A fase de Latência é caracterizada principalmente pela menor ênfase na expressão sexual direta e pelo foco em outras áreas do desenvolvimento, isso explica o fato dos entrevistados só consolidarem sua sexualidade na vida adulta e esse processo das fases psicossexuais são as mesmas para homossexuais ou heterossexuais assim como possíveis variações nas mesmas.
É nesse período entre as fases de Latência e a Genital que podem ocorrer sentimentos e crenças nos homossexuais de que possuem alguma patologia ou sentimento de inadequação, o que pode gerar transtornos e sofrimento psíquico em alguns indivíduos, aqui cabe ressaltar a importância da discussão desse tema na sociedade e nas instituições de ensino.
Veremos algumas imagens de depoimentos á resposta da questão: O que você acredita ter sido um dificultador para essa identificação de orientação sexual e/ou gênero?
Com base nos dados podemos dizer que possíveis razões para a tardia identificação de gênero/orientação sexual e também possível causas de adoecimento psíquico dos homossexuais esta na maneira que a sociedade trata a questão da homossexualidade por falta de informação embasada do assunto.
A pesquisa mostrou que cinco dos nove participantes disseram que em algum momento do processo de sua identificação sexual como homossexuais se sentiram doentes e que possuíam algum tipo de patologia e os outros quatro participantes não afirmaram ter se sentido doentes por serem homossexuais, mas relataram que o processo não foi natural ou saudável. Vejamos algumas destas respostas nas imagens a seguir:
Notemos que em uma das respostas negativando se sentir doente pela sua identidade de gênero, um dos participantes usa a frase “cérebro traumatizados com certas situações e me levaram a me machucar psicologicamente” nitidamente essa não é uma resposta positiva e saudável sobre o processo de identificação de orientação sexual/gênero assim como temos outro exemplo onde o indivíduo não se sente como doente, mas afirma que por falta de informação sobre o assunto acreditou estar cometendo um “pecado” por se identificar como homossexual.
Informar a sociedade de que a homossexualidade não é uma patologia, baseado em evidências psicanalíticas e científicas, é crucial por diversas razões. Em primeiro lugar, ao desmistificar a homossexualidade como uma condição patológica, contribuímos para a redução do estigma e da discriminação enfrentados por pessoas LGBTQIAPN+ (American Psychological Association, 2009). Isso cria um ambiente mais inclusivo e respeitoso para indivíduos de todas as orientações sexuais.
Reconhecer a homossexualidade como uma expressão da diversidade humana é fundamental para a promoção da saúde mental e do bem-estar emocional de todos os indivíduos em sociedade além de que a despatologização ajuda a evitar o impacto negativo na autoestima e na saúde psicológica dessas pessoas LGBTQIAPN+ (World Health Organization, 1992).
É importante também para garantir direitos e igualdade para a comunidade LGBTQIAPN+, o que inclui o direito ao casamento, à adoção, a não discriminação no trabalho e em outros contextos sociais. Informar a sociedade de que a homossexualidade não é uma doença é fundamental para promover a justiça social, a saúde mental e o bem-estar de todos os indivíduos, independentemente da sua orientação sexual.
Apesar das adversidades delineadas nas narrativas dos entrevistados e do fato de dois dentre os nove nunca terem se submetido a intervenções psicoterapêuticas, todos se auto atribuem o status de indivíduos bem-sucedidos no atual estágio de suas vidas. Se a divulgação da despatologização da homossexualidade fosse abordada de forma mais aprofundada em ambientes educacionais, veículos midiáticos, plataformas online e outros canais de informação, seria plausível que esses sujeitos pudessem desenvolver uma estrutura psíquica mais equilibrada e, por conseguinte, manifestar seus potenciais de êxito com maior naturalidade.
4 – A relevância de trabalhar a despatologização da homossexualidade nas escolas
Cem por cento dos participantes da entrevista expressaram a importância de trazer o tema para as escolas, pois não foram bem orientados por órgãos estudantis sobre a diversidade da orientação sexual e/ou identidade de gênero e a escola desempenha um papel fundamental na formação de cidadãos respeitosos, de caráter e humanos.
A escola é um dos principais locais onde os indivíduos têm a oportunidade de aprender e internalizar valores sociais cruciais, como respeito, tolerância, justiça e solidariedade (Noddings, 2002). Além disso, a educação tem o poder de promover a empatia e a compreensão entre os indivíduos, permitindo-lhes compreender e respeitar as perspectivas e experiências dos outros, independentemente de diferenças de raça, gênero, orientação sexual, religião, entre outras.
A escola desempenha um papel crucial no desenvolvimento do caráter dos estudantes, promovendo virtudes como honestidade, responsabilidade, integridade e resiliência. Esses atributos são essenciais para uma conduta ética e moralmente correta (Lickona, 1991). Ao formar cidadãos respeitosos, de caráter e humanos, a escola desempenha um papel vital na construção de uma sociedade mais inclusiva, justa e compassiva, capaz de lidar de maneira construtiva com desafios sociais (Dewey, 1916).
Isso está totalmente de acordo com as perspectivas levantadas anteriormente sobre a importância da despatologização da homossexualidade e as variantes condicionais na sociedade. Ao oferecer orientações fundamentadas na psicanálise sobre a homossexualidade, a instituição educacional contribui para a redução do estigma e preconceito associados à orientação sexual (Fleming, 2016). Isso promove a criação de um ambiente inclusivo e respeitoso para todos os estudantes, independentemente de sua orientação.
O entendimento de que a homossexualidade é uma expressão natural da diversidade humana pode impactar positivamente na saúde mental dos estudantes LGBTQIAPN+, reduzindo o estresse e a ansiedade frequentemente associados à discriminação e à falta de aceitação (Ryan et al., 2010). Esse entendimento também pode contribuir para a prevenção de comportamentos de risco, uma vez que promove uma compreensão mais saudável e positiva da orientação sexual, reduzindo a necessidade de lidar com o estigma de maneiras prejudiciais (Russell et al., 2011).
Ao compreender a diversidade de orientações sexuais como algo natural ao ser humano, os estudantes têm a oportunidade de desenvolver relacionamentos mais saudáveis e respeitosos, o que contribui para moldar uma sociedade mais tolerante, inclusiva e respeitosa promovendo impactos positivos tanto na escola e no todo.
Conclusão
Podemos concluir de acordo com as teorias psicanalíticas de Freud que os seres humanos teriam uma disposição inata para a bissexualidade, o que significaria a capacidade de sentir atração tanto por pessoas do mesmo sexo quanto do sexo oposto. O Complexo de Édipo e a ideia da bissexualidade como uma disposição inata sugerem uma complexa interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais na formação da orientação sexual de um indivíduo.
Chegamos ao entendimento de que a perspectiva da psicanálise contemporânea não atribui transtornos mentais exclusivamente a indivíduos homossexuais. Ao contrário, a orientação sexual não é concebida como uma patologia, sendo vista como uma expressão normal da diversidade humana.
Essa pesquisa trouxe reflexões de que sentir-se parte de uma sociedade está associado a uma melhor saúde mental por diversas razões. Primeiramente, pertencer a uma comunidade proporciona um sentido de identidade conferindo à pessoa um propósito e significado na vida (Baumeister & Leary, 1995), ou seja, pertencer a uma comunidade fornece identidade ao indivíduo, integrando aspectos pessoais e sociais. Esse pertencimento atende à necessidade humana básica de conexão e apoio emocional. Além disso, estar inserido em uma comunidade oferece oportunidades para participar de atividades significativas, contribuindo para o senso de propósito na vida. O pertencimento proporciona uma estrutura social que ajuda na formação da identidade, alivia a solidão e promove a busca por significado na existência.
A escola tem papel fundamental nesse processo de tornar o ser humano pertencente á sociedade, pois através da escola, os indivíduos têm a oportunidade de desenvolver relacionamentos mais saudáveis e respeitosos, independentemente da orientação sexual de cada um. Este pertencimento promovido pela escola promove uma integração mais profunda das dimensões psíquicas e emocionais, permitindo a construção de vínculos afetivos baseados na aceitação e respeito mútuo.
Essa educação desempenha um papel crucial na configuração de uma sociedade mais tolerante, aberta e respeitosa em relação à pluralidade sexual, gerando consequências benéficas tanto no ambiente escolar quanto na sociedade em sua totalidade. A acolhida da diversidade sexual no contexto educacional e na comunidade em geral propicia a harmonia entre os aspectos psicológicos e emocionais dos indivíduos, fortalecendo o tecido social e viabilizando o cultivo de relações mais genuínas e enriquecedoras.
Consequentemente, podemos inferir que o reconhecimento da homossexualidade como uma manifestação inerente à experiência humana, quando abordada no contexto educacional com base na perspectiva psicanalítica, assume uma relevância primordial. Tal abordagem não somente exerce influência sobre o ambiente educativo, mas também incide sobre a formação de sujeitos mais integrados psiquicamente, concorrendo, por conseguinte, para a edificação de uma sociedade dotada de maior empatia, inclusividade e respeito.
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1E-mail: vivirodrigues87@yahoo.com.br Conclusão: 2º SEMESTRE / 2023, Curso: Formação em Psicanálise Clínica Unidade: Campinas (SP)