ANÁLISE JURÍDICA SOBRE A GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

LEGAL ANALYSIS ON SHARED CUSTODY OF PETS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11374597


João Víctor Silva Morato1,
Jordana Gonçalves Pereira2


RESUMO

O artigo apresenta como tema a guarda compartilhada de animais de estimação em casos de divórcio, um assunto recente e relevante no direito de família brasileiro. O texto destaca a importância dos animais de estimação na dinâmica familiar e propõe uma abordagem equitativa e sensível para lidar com essa questão. A pesquisa aborda o entendimento da família, fundamentos do direito familiar, decisões judiciais e interpretação dos animais no contexto jurídico brasileiro. O objetivo principal é oferecer orientações claras e informadas para melhorar a legislação e prática jurídicas relacionadas à guarda compartilhada de animais, promovendo uma abordagem ética e compassiva no âmbito jurídico brasileiro.

Palavras-chave: família, animais, direito civil, responsabilidade civil, afeto, vínculo, guarda.

ABSTRACT

This article address esthetopic of shared custody of pets in cases of divorce, a recente and relevant subject in Brazilian Family law. The text highlights the importance of pets in family dynamics and proposes anequitable and sensitive approach to deal with this issue. The research delves into the understanding of family, fundamental sof family law, judicial decisions, and interpretation of animals in the Brazilian legal context. The main objectiveis to provide clear and informed guidelines to improve legislation and legal practice related to shared custody of animals, promoting na ethical and compassionate approach within the Brazilian legal framework.

Keywords: family, animals, civil law, civil liability, affection, bond, custody.

1 INTRODUÇÃO

Primeiramente, é importante ressaltar que o artigo aborda um tema atual e inovador para o direito da família no Brasil, que é a guarda compartilhada de animais de estimação em situações de divórcio.

A guarda compartilhada de animais de estimação emerge como um fenômeno socialmente significativo no contexto jurídico contemporâneo brasileiro, refletindo a crescente importância dos animais de estimação na dinâmica das famílias.

À medida que esses companheiros peludos se consolidam como membros integralmente relevantes do núcleo familiar, surge a necessidade premente de considerar a sua posição em casos de divórcio. Nesse cenário, o Direito Civil e de Família se depara com o desafio de evoluir para incorporar regulamentações específicas relacionadas à guarda compartilhada de animais de estimação, estabelecendo uma abordagem legal que respeite o vínculo emocional entre os seres humanos e seus animais de companhia.

Este artigo propõe analisar a complexidade desse fenômeno, destacando a necessidade de uma abordagem equitativa e sensível às nuances envolvidas nos relacionamentos humano-animal. O argumento principal aqui apresentado se concentra na defesa da tomada de decisões conscientes e colaborativas sobre a guarda compartilhada de animais, destacando a importância de considerar o bem-estar dos animais, bem como os interesses e capacidades dos proprietários envolvidos.

Ao longo do artigo, a pesquisa abordará o entendimento e desenvolvimento da família, e como os animais podem ser incluídos neste contexto. Serão também consideradas decisões judiciais, a forma como os animais são interpretados no contexto jurídico do Brasil, e as inovações legais sobre o tema.

Por meio dessa investigação, este artigo visa contribuir para a compreensão aprofundada do fenômeno da guarda compartilhada de animais de estimação e fornecer insights valiosos para aprimorar a legislação e a prática jurídicas relacionadas a esse tema delicado.

O objetivo principal deste estudo é oferecer orientações claras e informadas para a tomada de decisões judiciais e a elaboração de políticas que considerem adequadamente os interesses dos animais, bem como a complexidade dos relacionamentos humanos envolvidos, respondendo assim a questões críticas e promovendo uma abordagem mais ética e compassiva no âmbito jurídico brasileiro.

2 CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO NO CENÁRIO JURÍDICO.

No que tange ao conceito de família, sabe-se que a palavra família deriva do latim familia, que se origina de famulus, designando o servidor, o criado. A família podia ser entendida como o lócus onde reinava o pater, abrigando, em seu âmago, além deste, a esposa, os filhos, o patrimônio, os criados e os servos (NADAUD, 2002, p. 22).

Em uma primeira análise, é crucial considerar que a concepção de família passou por múltiplas transformações ao longo das últimas décadas. Isso se deve ao surgimento de novas maneiras de expressar afetividade e amor.

Nesse contexto, conforme esclarecido por Farias (2020, p.40):

No que tange ao enquadramento das relações jurídicas da família na pós-modernidade, é fácil perceber, ter havido uma ampliação da dimensão familiar, captando valores e vivências subjetivas, construindo um diálogo fecundo com os ramos do conhecimento, assumindo um caráter plural, aberto, multifacetado, gravitando ao derredor do afeto e da solidariedade recíproca (FARIAS, 2020).

Apesar de o Direito disciplinar a convivência em comunidade, a realidade sempre precede, dado que as relações sociais estão em constante e rápida mutação.

Nesse cenário, considerando que a organização da sociedade gira em torno da estrutura familiar, é essencial que o Direito reconheça os distintos modelos de família que vêm se constituindo ao longo do tempo. Isso implica garantir-lhes respeito, proteção e a efetivação dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal.

A família é um fenômeno que “não é uma totalidade homogênea, mas um universo de relações diferenciadas”, impactando cada uma de suas partes de maneira única. Portanto, sua compreensão global demanda uma abordagem multidisciplinar. (Farias, 2020, p.36)

Durante a Idade Média, as relações familiares eram exclusivamente regidas pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o único reconhecido (Gonçalves, 2017, p.35).

A origem da família está intrinsecamente ligada à história da civilização, surgindo como um fenômeno natural em resposta à necessidade humana de estabelecer relações afetivas estáveis.

Nossa Constituição de 1988 incluiu em seu conteúdo a ideia de que existem diferentes tipos de famílias, indo além do que está listado no artigo 226 e considerando esse rol como exemplificativo. As estruturas familiares passaram por mudanças, e o direito de família teve que se adaptar gradualmente para atender às diversas necessidades e demandas da sociedade (Stolze; Plamplona, 2011).

Assim conforme destaca Farias (2020, p.39):

Deixando a família de ser compreendida como núcleo econômico e reprodutivo (entidade de produção), avança-se para uma compreensão socioafetiva (como expressão de uma unidade de afeto e entreajuda), e surgem, naturalmente, novas representações sociais, novos arranjos familiares. Abandona-se o casamento como ponto referencial necessário, para buscar a proteção e o desenvolvimento da personalidade do homem. É a busca da dignidade humana, sobrepujando valores meramente patrimoniais (FARIAS, 2020).

A família está constantemente criando novos conceitos e formas de constituição. O entendimento contemporâneo da família é diferente do passado, refletindo uma evolução social e jurídica em que a definição de família está se ampliando.

O afeto é essencial para formar uma família, juntamente com a igualdade e a dignidade da pessoa humana. Embora alguns juristas levantem críticas, é inegável que a afetividade é um princípio jurídico aplicado à família, com implicações sucessórias.

O direito brasileiro está evoluindo socialmente e não pode mais adotar uma visão restrita de família. As novas formas familiares, como as entre pessoas do mesmo sexo, monoparentais e uniões estáveis, já são comuns.

A dignidade da pessoa humana deve ser preservada e não pode ser usada para perpetuar ideias ultrapassadas sobre família e restringir novas formas familiares. O importante é respeitar a busca pela felicidade, liberdade e igualdade entre os indivíduos, em vez de manter pensamentos antiquados.

Neste contexto, os animais de estimação emergiram como protagonistas essenciais na vida cotidiana dos brasileiros contemporâneos, desempenhando um papel cada vez mais destacado e integral. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil ostenta a posição de segunda maior população de animais de estimação no mundo, totalizando impressionantes 139,3 milhões de indivíduos em 2.023. Este cenário reflete não apenas uma quantidade expressiva, mas, sobretudo, uma profunda mudança cultural, onde os animais de estimação transcendem a mera categoria de animais domésticos, assumindo a condição de membros legítimos da família.

A transição de uma visão tradicional, na qual os animais eram frequentemente considerados propriedade.

O entendimento contemporâneo sobre os animais de estimação transcende a noção de simples companhia, adentrando as esferas emocionais e psicológicas dos seus cuidadores. O vínculo estabelecido entre seres humanos e animais torna-se um elemento central na construção do tecido social, proporcionando benefícios tanto para as pessoas quanto para os próprios animais. Essa relação simbiótica, marcada pelo afeto e pela reciprocidade, desafia as fronteiras tradicionais que separam as espécies, promovendo um entendimento mais holístico das dinâmicas familiares.

Diante de todo exposto, restou se evidente que as transformações familiares ao longo dos anos têm sido marcadas pela valorização do vínculo afetivo, em detrimento do biológico. Essa mudança tem impactado diretamente a vida dos animais de estimação, que são cada vez mais considerados membros da família. A questão da guarda de animais de estimação em casos de divórcio tornou-se um tópico de grande relevância, levando à criação do projeto de lei n° 542/2018 para regulamentar essas situações.

3 ENTENDIMENTOS DOUTRINÁRIOS SOBRE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO.

No meio jurídico atual, predominam dois entendimentos sobre animais de estimação. O primeiro, fundamentado no Código Civil, enxerga os animais de estimação como bens móveis, que devem ser partilhados em casos de divórcio. O segundo, respaldado por decisões do Supremo Tribunal de Justiça, reconhece a necessidade de um cuidado diferenciado aos animais de estimação, levando em consideração o vínculo afetivo entre o tutor e o animal.

A posse do animal de estimação pode ter implicações distintas, dependendo do regime de bens do casal. Se o animal for considerado um bem comum, ele será atribuído ao tutor legítimo, que deve comprovar a posse oficial do animal. Caso contrário, a alternativa mais pragmática seria vender o animal e dividir o valor entre as partes. No entanto, essa abordagem ignora os laços afetivos estabelecidos entre os tutores e os animais.

Por outro lado, a possibilidade de aplicar analogicamente as leis que regem a guarda de filhos aos animais de estimação está sendo discutida. Nesse contexto, a guarda e as visitas ao animal seriam estabelecidas de acordo com o interesse dos tutores, e não do animal de estimação. Assim como a guarda regula a criação dos filhos, mantendo os deveres e obrigações dos pais, a mesma lógica poderia ser aplicada aos animais de estimação. Isso implicaria direitos e deveres dos tutores, incluindo o direito de manter o animal consigo, o dever de exercer vigilância sobre o animal, de mantê-lo e protegê-lo, e de garantir seu bem-estar e segurança.

Essa aplicação analógica das leis de guarda de filhos aos animais de estimação é uma abordagem que tem ganhado força. No entanto, é importante ressaltar que essa abordagem deve ser equilibrada e considerar as particularidades dos animais de estimação. Ao contrário das crianças, os animais de estimação têm necessidades específicas que podem não ser adequadamente atendidas por uma abordagem que simplesmente replica as leis de guarda de filhos. Portanto, é essencial que as leis e regulamentos futuros levem em consideração essas diferenças, garantindo que os direitos e o bem-estar dos animais de estimação sejam devidamente protegidos.

Conforme mencionado acima, o Código Civil de 2002, em seu artigo 82, classifica os animais domésticos como bens móveis, sujeitos a direitos reais, reduzindo-os à condição de semoventes. Esta classificação, embora legalmente correta, tem sido objeto de críticas por parte de estudiosos do direito e defensores dos direitos dos animais, que argumentam que tal classificação é antiética e não reflete adequadamente a importância dos animais na sociedade contemporânea (Código Civil, 2002).

Surge então, a segunda corrente de pensamento, onde reconhece a necessidade de cuidado e atenção diferenciada aos animais de estimação. Este entendimento considera o vínculo afetivo entre o dono e o animal e reconhece os animais como entidades sencientes com direitos próprios. De acordo com essa perspectiva, em casos de divórcio, a guarda dos animais de estimação é determinada levando-se em consideração o melhor interesse do animal, assim como é feito na determinação da guarda de crianças.

Neste contexto, a classificação dos animais domésticos como bens móveis pelo Código Civil de 2002 parece cada vez menos aplicável. Brugioni (2013) argumenta que, para fins de guarda e visitas, o animal de estimação acaba fugindo do status jurídico de um bem para se tornar um membro da família.

É inegável que se estabelece entre os animais de estimação e seus donos uma relação emocional recíproca, em que o ser humano, ao cuidar e dar atenção ao animal, exerce um papel de proteção, suporte e conforto, enquanto o animal de estimação oferece momentos de alegria e ajuda a suprir algumas das necessidades emocionais de seu dono.

Apesar de não haver legislação específica sobre o tema, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça considerou, em 19 de junho de 2018, ser possível a regulamentação judicial de visitas a animais de estimação após a dissolução de união estável. O ministro Luís Felipe Salomão (2018) ressaltou que:

Buscando atender os fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, independentemente do nomen iuris a ser adotado, penso que a resolução deve, realmente, depender da análise do caso concreto, mas será resguardada a ideia de que não se está frente a uma ‘coisa inanimada’, mas sem lhe estender a condição de sujeito de direito. Reconhece-se, assim, um terceiro gênero, em que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos, voltado para a proteção do ser humano e seu vínculo afetivo com o animal (SALAMÃO, 2018).

É necessário mencionar que a Constituição Federal garante a proteção da fauna em seu artigo 225, sendo realizado pelo Poder Público, protegendo os animais em seu §1º, inciso VII, a crueldade e maus tratos, vide:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(…)

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (BRASIL. Constituição, 1988).

Embora o Código Civil apresente uma proteção antropocêntrica, que visa a proteção do homem, a Constituição Federal amplia a tutela de proteção aos animais, proibindo práticas cruéis e o abandono. O vínculo criado entre o ser humano e o animal doméstico não pode ser reduzido à posse e à propriedade. É preciso ter em mente que não se trata de um bem qualquer, mas de um ser vivo e senciente, cujo bem-estar deve ser preservado.

Os casos que chegam ao Judiciário visando obter a guarda do animal não visam interesse econômico, mas se pautam unicamente no afeto existente entre ele e seus donos, que o diferencia de qualquer outra propriedade privada. Em 2017, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou o Projeto de Lei n. 3.670/15, que visa alterar o art. 83 do Código Civil, passando a dispor de um parágrafo único, que consagra: “os animais não serão considerados coisas” (HAJE, 2017).

Este dispositivo traria uma ressalva para diferenciar os animais dos bens inanimados, reconhecendo que eles são seres com sentimentos. No entanto, nem todos os tribunais entendem que o instituto da guarda compartilhada do Código Civil é aplicável nos casos em que o casal está disputando a guarda de seu animal de estimação. Por se tratar de seres distintos, se faz necessária a criação de um instituto que regule somente esses casos, vinculando a todos os juízes.

Logo, esses dois entendimentos refletem a evolução do pensamento jurídico sobre os animais de estimação e a crescente conscientização sobre a necessidade de proteger os direitos e o bem-estar dos animais. No entanto, também destacam a necessidade de uma legislação mais clara e abrangente que possa abordar adequadamente as complexidades associadas à posse e guarda de animais de estimação em casos de divórcio. A evolução contínua da jurisprudência nesta área será crucial para garantir que os direitos dos animais de estimação sejam adequadamente protegidos e que os interesses de todas as partes envolvidas sejam devidamente considerados.

4 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE A GUARDA COMPARTILHADA DOS ANIMAIS.

É relevante reiterar a interpretação de que, no âmbito jurídico brasileiro, os animais são categorizados como bens móveis, circunstância que, em princípio, impossibilitaria a aplicação por analogia do instituto da guarda compartilhada a eles. No entanto, essa visão não é consensual, especialmente considerando o aumento progressivo do número de animais de estimação nas famílias brasileiras. Nesse contexto, alguns juízes, sensíveis à questão e ao carinho que as pessoas nutrem por esses animais, acabam por conceder a guarda compartilhada dos mesmos.

Existem alguns exemplos disso nos Tribunais do Brasil, sendo relevante mencionar duas decisões que foram proferidas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nas quais, em ambas, os desembargadores concluíram que a melhor opção para resolver o conflito de guarda dos animais seria a guarda compartilhada dos mesmos.

Uma decisão em especial destaca os argumentos jurídicos empregados na concessão da guarda compartilhada de um cão, vejamos:

DIREITO CIVIL – RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – PARTILHA DE BENS DE SEMOVENTE – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL QUE DETERMINA A POSSE DO CÃO DE ESTIMAÇÃO PARA A EX- CONVIVENTE MULHER– RECURSO QUE VERSA EXCLUSIVAMENTE SOBRE A POSSE DO ANIMAL – RÉU APELANTE QUE SUSTENTA SER O REAL PROPRIETÁRIO – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA QUE OS CUIDADOS COM O CÃO FICAVAM A CARGO DA RECORRIDA DIREITO DO APELANTE/VARÃO EM TER O ANIMAL EM SUA COMPANHIA – ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO CUJO DESTINO, CASO DISSOLVIDA SOCIEDADE CONJUGAL É TEMA QUE DESAFIA O OPERADOR DO DIREITO – SEMOVENTE QUE, POR SUA NATUREZA E FINALIDADE, NÃO PODE SER TRATADO COMO SIMPLES BEM, A SER HERMÉTICA E IRREFLETIDAMENTE PARTILHADO, ROMPENDO-SE ABRUPTAMENTE O CONVÍVIO ATÉ ENTÃO MANTIDO COM UM DOS INTEGRANTES DA FAMÍLIA – CACHORRINHO “DULLY” QUE FORA PRESENTEADO PELO RECORRENTE À RECORRIDA, EM MOMENTO DE ESPECIAL DISSABOR ENFRENTADO PELOS CONVIVENTES, A SABER, ABORTO NATURAL SOFRIDO POR ESTA – VÍNCULOS EMOCIONAIS E AFETIVOS CONSTRUÍDOS EM TORNO DO ANIMAL, QUE DEVEM SER, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, MANTIDOS – SOLUÇÃO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE CONFERIR DIREITOS SUBJETIVOS AO ANIMAL, EXPRESSANDO-SE, POR OUTRO LADO, COMO MAIS UMA DAS VARIADAS E MULTIFÁRIAS MANIFESTAÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, EM FAVOR DO RECORRENTE – PARCIAL ACOLHIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO PARA, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA REGENTE SOBRE O THEMA, MAS SOPESANDO TODOS OS VETORES ACIMA EVIDENCIADOS, AOS QUAIS SE SOMA O PRINCÍPIO QUE VEDA O NON LIQUET, PERMITIR AO RECORRENTE, CASO QUEIRA, TER CONSIGO A COMPANHIA DO CÃO DULLY, EXERCENDO A SUA POSSE PROVISÓRIA, FACULTANDO-LHE BUSCAR O CÃO EM FINS DE SEMANA ALTERNADOS, DAS 10:00 HS DE SÁBADO ÀS 17:00HS DO DOMINGO (TJRJ, 2015, . Apelação Cível nº 0019757-79.2013.8.19.0208).

O colegiado, no entanto, não reconheceu o apelante como responsável pelos cuidados do cão. Mas, a decisão de primeira instância foi alterada, e a solução foi a posse compartilhada da cachorrinha “Dully”.

Na decisão, o relator Desembargador Marcelo Lima Buhatem, relata que a era um caso desafiador. Em suas palavras diz que:

O tema, não se ignora, é desafiador. Desafiador, pois demanda que o operador revisite conceitos e dogmas clássicos do Direito Civil. É desafiador também pois singra por caminhos que, reconheça-se, ainda não foram normatizados pelo legislador.

Contudo, num contexto sócio-jurídico estabelecido pós Constituição de 1988, onde, a dignidade da pessoa dos seus possuidores é postulado que se espraia para toda sorte de relações jurídicas (relações condominiais, consumeristas, empresariais etc…) já é mais do que hora de se enfrentar, sem preconceitos, e com a serenidade necessária a questão que aqui se ventila e que envolve, justamente, a posse, guarda e o eventual direito de desfrutar da companhia de animal de estimação do casal, quando finda a sociedade conjugal.

Com efeito, ao contrário de uma hipótese laboratorial ou irrelevante, tem-se como inquestionável a importância que os animais de estimação vêm ostentando em nossa coletividade. Além da sempre operante sociedade protetora dos animais há um sem número de programas e séries de televisão, publicações especializadas, sítios virtuais, comunidades em redes sociais, pet shops, todas especializadas no tema. . Uma miríade de interfaces todas voltadas a tratar dessa cada vez mais imbricada relação “homem x animal de estimação” (BUHATEN, 2015).

A decisão em favor da autora foi realizada pela comprovação dos autos cuidados que possuía com a cadela “Dully”, como levar em consultas no veterinário, passear e arcava com os outros custos. Apesar da decisão, ficou definido que o réu poderia ficar com o pet em finais de semana alternados. Conforme devidamente fundamentado pelo relator Desembargador Marcelo Lima Buhatem:

De tudo isso, sopesando o caso concreto, infere-se que a parte autora, de fato, logrou comprovar que era a responsável pelos cuidados do cão Dully, através do Atestado de Vacinação (docs. 0039, 099/101) no qual figura como proprietária a apelada; bem como pelos receituários e laudos médicos insertos nos docs. 0104/125, sendo certo que o réu apelante não carreou aos autos qualquer documento capaz de infirmar tais provas. (BUHATEN, 2015).

Esse entendimento é de suma importância, uma vez que vislumbra em seu contexto a relevância e seriedade que o poder judiciário deveria ter sobre o tema.

Diante da ausência de uma legislação específica para o assunto em questão, a jurisprudência tem se posicionado de maneira coerente diante das demandas, utilizando a analogia para abordar a guarda compartilhada de animais, tomando como referência a guarda de crianças. Além disso, é importante ressaltar que não apenas a jurisprudência pode ser aplicada nesses casos, mas também a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, conforme previsto no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Uma das primeiras decisões sobre guarda compartilhada de animais foi tomada em uma Vara de Família no Rio de Janeiro, onde o Juiz Dr. André Tredinnick determinou que um casal em processo de divórcio deveria alternar a posse dos seus 3 cães a cada 15 dias, dividindo os custos com alimentação, remédios e transporte.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, houve um acórdão semelhante, no Agravo de Instrumento nº 2128999-78.2016.8.26.0000, de relatoria da Desembargadora Christine Santini, de 16 de agosto de 2016 que estabeleceu à posse e convivência de um gato com tutores divorciados, estabelecendo que o animal passaria fins de semana alternados com ambos os tutores, pois fazia parte do tratamento psicológico da detentora da posse.

As sentenças derivadas das jurisprudências citadas anteriormente acabaram estabelecendo um precedente para a tendência de aplicação da guarda compartilhada para animais domésticos. Dessa forma, os critérios dessa modalidade de guarda são adotados em relação a eles, inclusive no que se refere à questão da alimentação e do direito de visitas, se a guarda unilateral for estabelecida. Ao aplicar analogamente um instituto em face da lacuna da lei, também é necessário implementar todos os termos legais pertinentes ao instituto em questão.

Não é surpresa que os acadêmicos de direito, ao discutirem o tema da guarda compartilhada de animais, realizem uma análise minuciosa do instituto de guarda no Código Civil, inclusive associando os direitos e deveres dos casais em relação aos animais, entre os quais os direitos de visitação e de alimentos, pois em relação aos filhos, o Código Civil se posiciona assim: “art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz” (BRASIL, CÓDIGO CIVIL, 2002).

Devido às mudanças sociais que levaram o homem a estar cada vez mais próximo de seu pet, havia dois projetos de lei em andamento para regularizar a situação da possibilidade de guarda, que são: Projeto de Lei 1.058/2011 e Projeto de Lei 1.365/2015. Ambos visavam demonstrar a possibilidade da guarda de animal de estimação em casos de dissolução litigiosa entre seus proprietários. No entanto, esses projetos estão atualmente arquivados.

Se não houver acordo entre os tutores do animal de estimação sobre a visitação, o juiz, por analogia, deve recorrer às regras do direito de visita estabelecidas no Código Civil. A convivência com os tutores é um direito do animal. Portanto, em uma disputa judicial, ao cônjuge sem a guarda, diante da convivência e do afeto nutrido, e para o próprio bem do animal, cabe solicitar ao juiz a concessão do direito de “visita, e até mesmo à participação na escolha da árvore genealógica do animal com pedigree”. Os cônjuges podem estabelecer o direito de visita de forma amigável, por meio de acordo, desde que o interesse e o bem-estar do animal de estimação sejam preservados. Na ausência de consenso entre as partes, caberá ao juiz a difícil tarefa de decidir o caso. Para isso, deve utilizar, analogamente, o instituto civil do direito de visita para a solução, visando o melhor para o animal, a fim de não privá-lo da convivência dos tutores, se isso for benéfico para ele (SILVA, 2015, p.110).

De acordo com as observações de Costa (2016), na guarda compartilhada de animais, pelo fato de não haver legislação específica, além de fazer uso da analogia, o juiz também pode recorrer aos princípios constitucionais para resolver o litígio de sua posse, já que os princípios presentes na Constituição Federal servem de orientação para as normas jurídicas. Assim, dependendo do caso concreto, é perfeitamente possível validar os fundamentos da guarda compartilhada, como é o caso do Princípio da Igualdade entre os casais, cuja previsão legal está no artigo 5º e 226, § 5º da Carta Política.

Apoiando esse raciocínio, no caso da guarda de animais, esse princípio opera com a paridade de direitos existente entre os proprietários do animal de estimação. Outro princípio orientador nos casos em análise é o princípio da liberdade familiar, que trata do poder livre de constituição, realização e extinção da entidade familiar. Esse princípio, em casos de guarda de animais, será crucial, pois orientará o entendimento de que qualquer forma de composição familiar, atualmente, será válida, podendo admitir a inclusão dos animais nesse contexto. O princípio da afetividade, que, embora não esteja expresso na Constituição, é um princípio implícito da dignidade da pessoa humana e de grande expressividade no direito de família, pois o afeto está intimamente ligado à família, seus vínculos e a relação que envolve o amor. Os princípios servem de orientação, bem como limitação na atuação dos magistrados, mas é de suma importância que este caso específico possua suas próprias leis, regulamentando este assunto tão delicado e bastante atual (COSTA, 2016, p.13).

Outros autores concordam que recorrer aos princípios constitucionais é de fato uma alternativa para pacificar os conflitos que surgem na sociedade. Carrão (2017), em sua abordagem sobre o tema, dá especial atenção à aplicabilidade do Princípio da Afetividade aos animais. Em sua explanação, considera que, na família multiespécie, esse princípio é o mais relevante, pois explica a relação de amor, carinho e afeto entre os animais domésticos e os seres humanos.

5 ANÁLISE DOS PROJETOS DE LEI EM TRÂMITE.

Em face da ausência de uma regulamentação específica sobre a guarda compartilhada de animais de estimação, torna-se imperativo proteger os interesses desses seres sencientes. Atualmente, é incontestável o vínculo afetivo profundo que se estabelece entre as famílias e seus animais de estimação, uma relação que se fortalece com o passar do tempo. A legislação vigente contempla apenas a defesa coletiva dos animais, enquadrando-os como parte integrante do meio ambiente, mais especificamente da fauna. No entanto, diante da relevância crescente dos animais domésticos na vida das pessoas, torna-se imprescindível a criação de uma legislação específica para tratar de casos de guarda compartilhada no contexto da dissolução conjugal.

O Enunciado 11 do Instituto Brasileiro de Direito de Família reforça essa perspectiva ao declarar que “na ação destinada a dissolver o casamento ou união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal”. Assim, já se admite que a questão da custódia do animal seja discutida durante processos de separação.

A Senadora Rose Freitas apresentou o Projeto de Lei nº 542/2018, fundamentado em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.713.167), introduzindo uma importante inovação em relação a outros projetos sobre custódia compartilhada de animais. Este projeto considera que, caso o juiz identifique histórico ou risco de violência doméstica e familiar, a custódia do animal não poderá ser concedida. A posse e propriedade serão atribuídas exclusivamente à pessoa que demonstrar maior vínculo afetivo com o animal e maior capacidade para seu cuidado responsável.

Dessa forma, a busca pela tutela efetiva dos animais de companhia, levando em consideração seus próprios interesses e necessidades além das dos donos humanos, contribuirá para uma relação funcional entre o direito e a sociedade contemporânea.

Além disso, é importante ressaltar que a legislação deve considerar não apenas os interesses humanos, mas também os interesses dos animais. Afinal, os animais de estimação são seres sencientes que possuem suas próprias necessidades e desejos. Portanto, em casos de dissolução conjugal, a decisão sobre a guarda do animal de estimação deve levar em consideração o bem-estar do animal, além do vínculo afetivo entre o animal e seus tutores.

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 542/2018 apresentado pela Senadora Rose Freitas é um passo importante na direção certa. Ao considerar o histórico ou risco de violência doméstica e familiar na decisão sobre a custódia do animal, o projeto reconhece que o bem-estar do animal é uma consideração importante. Além disso, ao atribuir a posse e propriedade exclusivamente à pessoa que demonstrar maior vínculo afetivo com o animal e maior capacidade para seu cuidado responsável, o projeto reconhece a importância do vínculo afetivo na vida do animal.

Cumpre destacar ainda, a reforma da parte geral do código civil, que irá prever maior proteção e direitos aos animais.

Em 24 de agosto de 2023. O presidente do Senado instituiu uma comissão de juristas encarregada de revisar e atualizar o Código Civil. A comissão é presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão e vice presidida pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, ambos do Superior Tribunal de Justiça. A relatoria geral está sob a responsabilidade dos professores Flávio Tartuce e Rosa Maria Andrade Nery.

Os juristas que integram a comissão foram divididos em nove subcomissões temáticas, e os primeiros relatórios parciais foram apresentados em dezembro de 2023. A subcomissão da parte geral propôs a inclusão de um novo artigo no Código Civil, dedicado especificamente à qualificação jurídica dos animais.

Com tal reforma aprovada o art. 82 passaria a trazer o seguinte texto:

Dos Bens Móveis e Animais (…) Art. 82-A Os animais, que são objeto de direito, são considerados seres vivos dotados de sensibilidade e passíveis de proteção jurídica, em virtude da sua natureza especial.

§ 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial, a qual disporá sobre o tratamento ético adequado aos animais;

§ 2º Até que sobrevenha lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas aos bens, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza e sejam aplicadas considerando a sua sensibilidade;

§ 3º Da relação afetiva entre humanos e animais pode derivar legitimidade para a tutela correspondente de interesses, bem como pretensão indenizatória por perdas e danos sofridos (SENADO FEDERAL. [Anteprojeto de Lei para Reforma do Código Civil]. Brasília, 2024.)

O atual texto do artigo 82 do Código Civil classifica os animais como bens móveis semoventes, o que não é o mais adequado. Afinal, conforme já mencionado neste artigo os animais são seres vivos e, portanto, devem ter proteção jurídica e tratamento diferenciados.

Assim, inspirada no Código Civil português, a presente proposta busca incluir o artigo 82-A e seus parágrafos no Código Civil brasileiro, dispondo sobre a diferenciação do tratamento jurídico dos animais e incentivando a elaboração de lei específica sobre o tema.

Pela justificativa, percebe-se que a comissão de juristas está realmente aberta e atenta à necessária atualização do Código Civil em relação à classificação jurídica dos animais, afastando-se das concepções exclusivamente patrimonialistas do passado.

O primeiro ponto, que merece reflexão, é o trecho inicial, contido no caput do proposto artigo 82-A, ressalvando que animais são objeto de direito.

A inclusão dessa expressão — animais como objeto de direito — com o conceito que se possa lhe outorgar parece contrariar o espírito de vanguarda que marca as discussões da comissão de juristas e as justificativas apresentadas pela subcomissão da parte geral no sentido de que “o tratamento de bens móveis semoventes (…) não é o mais adequado (…) afinal, os animais são seres vivos e, por isso, devem ter proteção jurídica e tratamento diferenciados”.

Essa expressão, inclusive, pode bloquear as diversas iniciativas legislativas e jurisprudenciais brasileiras, especialmente verificadas na última década, que já têm reconhecido os animais como sujeitos de direitos, têm atribuído direitos a animais. Portanto, é importante que a redação do artigo seja revista para evitar possíveis conflitos interpretativos no futuro. Afinal, a legislação deve refletir a evolução da sociedade e do pensamento jurídico, reconhecendo os animais como seres sencientes e merecedores de proteção jurídica adequada.

A reflexão proposta pode ser direcionada ao regime subsidiário, estabelecido pelo parágrafo segundo do artigo 82-A proposto. Este parágrafo estipula que, na ausência de uma lei específica, os animais permanecerão submetidos ao regime jurídico dos bens. Isso implica em manter os animais na mesma situação jurídica atual, sem os avanços esperados em sua qualificação jurídica.

Raul Farias, comentando sobre alterações semelhantes feitas no Código Civil português, enfatiza que “não são os nomes dados às realidades que as transformam juridicamente, mas o regime que lhes é aplicado. E o regime jurídico continuou (e continua) sendo o das coisas”. José Luís Bonifácio Ramos, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, concorda, afirmando que “mesmo que a aplicação do regime subsidiário dependa da não incompatibilidade com a natureza dos animais, parece-nos insensato, temerário e deveras contraditório promover uma equiparação entre o animal e a coisa, ainda que a título subsidiário”.

A subcomissão da parte geral parece ter o desejo de promover os animais a uma nova categoria jurídica. No entanto, o parágrafo proposto, que mantém os animais sob o regime jurídico dos bens enquanto aguarda uma nova lei, acaba se desviando desse propósito elevado. Além disso, apresenta o mesmo potencial para inibir as bem-sucedidas experiências legislativas e jurisprudenciais já mencionadas.

A supressão do texto não parece prejudicar a proposta geral e, além disso, estimulará o Congresso Nacional a editar um autêntico Estatuto dos Animais, conforme preconizado pelo parágrafo primeiro do artigo proposto.

Para prevenir distorções interpretativas, devido à localização do novo artigo (no livro sobre bens), pode-se considerar inseri-lo em outra seção da parte geral, como feito na reforma do Código Civil português de 2017.

O caput do artigo 82-A proposto também pode ser aprimorado, especialmente no que se refere à frase “considerados seres vivos dotados de sensibilidade”, claramente inspirada pelas codificações civis da França, Portugal e Espanha. A “sensibilidade” não é um atributo que caracteriza apenas os animais, mas todos os seres vivos, incluindo vegetais.

A ciência já revelou que uma característica distintiva dos animais é a consciência e, dentro dela, a senciência (capacidade de sentir e sofrer). Nesse sentido, é a Declaração de Cambridge de 2012, assinada por vários neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas cognitivos computacionais.

Portanto, para que o artigo proposto não se desvie das descobertas das ciências empíricas, é adequado substituir o termo “sensibilidade” por “senciência” na redação do caput. Ou, para uma melhor compreensão, inserir a expressão “seres vivos sencientes”, em vez de “seres vivos dotados de sensibilidade”, como fazem as leis estaduais de proteção aos animais.

Por fim, nesta pequena contribuição inicial ao debate, é digna de elogios a proposta do parágrafo terceiro do artigo 82-A, sugerida pela professora Rosa Maria Andrade Nery. Segundo ela, “da relação afetiva entre humanos e animais pode derivar legitimidade para a tutela correspondente de interesses, bem como pretensão indenizatória por perdas e danos sofridos”. Isso, certamente, pela sua localização na parte geral, em um capítulo dedicado aos animais, reforçará a juridicidade das iniciativas contemporâneas em conceder indenização a animais vítimas de violência e maus-tratos, como forma de garantir a sua recuperação física e psíquica após os danos sofridos.

Existem outras propostas que também podem ser consideradas para aprimorar a proteção jurídica dos animais. É importante continuar o debate e buscar soluções que reflitam a evolução do nosso entendimento sobre a natureza e os direitos dos animais.

Em suma, a evolução da legislação em relação à guarda compartilhada de animais de estimação é um reflexo da crescente conscientização sobre a importância dos animais de estimação em nossas vidas. É um passo importante na direção de uma sociedade mais justa e compassiva, onde os interesses dos animais de estimação são considerados e respeitados.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Para concluir, a questão da guarda compartilhada de animais de estimação em situações de divórcio é um assunto complexo que está provocando uma transformação significativa no Direito de Família. Embora essa evolução traga consigo desafios, ela também abre a porta para a melhoria da qualidade de vida dos animais de estimação e de seus tutores.

A aplicação analógica das leis de guarda de crianças é uma abordagem que pode ser considerada, mas deve ser balanceada com a consideração das necessidades específicas dos animais de estimação. Além disso, é imprescindível a existência de um conjunto de leis específicas para tratar adequadamente essa questão. À medida que continuamos a reconhecer a importância dos animais de estimação em nossas vidas, é fundamental que nossas leis e práticas continuem a evoluir para refletir essa realidade. Afinal, os animais de estimação não são apenas propriedades, eles são membros queridos de nossas famílias.

Diante dessa transformação, os tribunais e os legisladores têm um papel crucial a desempenhar na evolução do Direito de Família para incluir a guarda compartilhada de animais de estimação. Eles devem trabalhar juntos para desenvolver leis e diretrizes claras que protejam os direitos dos animais de estimação e de seus tutores. Isso pode incluir a consideração do bem-estar do animal, a capacidade de cada parte de cuidar do animal e o vínculo emocional entre o animal e cada parte.

Essa evolução legal é necessária para refletir a crescente importância dos animais de estimação em nossas vidas e a complexidade das relações humanas com eles. Os animais de estimação não são apenas propriedades, mas membros amados de nossas famílias, e as leis devem refletir essa realidade. A guarda compartilhada de animais de estimação é uma questão complexa que requer uma abordagem equilibrada e considerada, levando em conta as necessidades específicas dos animais de estimação e os direitos e responsabilidades de seus tutores.

Os tribunais e os legisladores têm um papel crucial a desempenhar na evolução do Direito de Família para incluir a guarda compartilhada de animais de estimação. Eles devem trabalhar juntos para desenvolver leis e diretrizes claras que protejam os direitos dos animais de estimação e de seus tutores. Isso pode incluir a consideração do bem-estar do animal, a capacidade de cada parte de cuidar do animal e o vínculo emocional entre o animal e cada parte. É essencial que continuemos a evoluir nossas leis e práticas para refletir a realidade de que os animais de estimação são membros amados de nossas famílias, e não apenas propriedades.

A evolução do Direito de Família para incluir a guarda compartilhada de animais de estimação é um passo importante para reconhecer a importância dos animais de estimação em nossas vidas e garantir que seus direitos e bem-estar sejam protegidos. É um desafio complexo, mas um que tem o potencial de melhorar a vida dos animais de estimação e de seus tutores. Afinal, os animais de estimação são mais do que apenas propriedades – eles são membros amados de nossas famílias.

Como disse Mahatma Gandhi: “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo como seus animais são tratados.” Portanto, é essencial avançar na proteção jurídica dos animais e reconhecer sua importância nas relações familiares e sociais.

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1Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. E-mail: mpratojoao@gmail.com. Artigo Científico apresentado como requisito parcial para conclusão do curso da graduação em direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. 2024. Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino, Advogado e Professor Universitário.

2Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. E-mail: jordanagoncalves65@gmail.com. Artigo Científico apresentado como requisito parcial para conclusão do curso da graduação em direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. 2024. Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino, Advogado e Professor Universitário.