REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202506100941
Ana Clara Vieira Honorato
Aparecida Moura da Costa
Elizete Guedes dos Santos
Orientadora: Profa. Ana Carolina Marinho Marques.
Resumo
Explora-se, ao longo deste estudo, a relevância do alvará de soltura no contexto do Direito Processual Penal brasileiro. Trata-se de uma ordem judicial destinada a garantir a liberdade de indivíduos cuja prisão não mais se justifica, seja por excesso de prazo, revogação da prisão preventiva, absolvição ou cumprimento da pena. A pesquisa examina a natureza jurídica do alvará de soltura, seus fundamentos legais e sua importância como instrumento de proteção dos direitos fundamentais, especialmente o direito à liberdade. Além disso, são abordados os desafios enfrentados na sua efetivação, como morosidade burocrática e falhas na comunicação entre os órgãos do sistema de justiça. O estudo parte de uma abordagem doutrinária e normativa, propondo reflexões sobre a necessidade de maior eficiência na expedição e cumprimento do alvará. Conclui-se que sua correta aplicação é essencial para assegurar a legalidade e a dignidade no processo penal.
Palavras-chave: alvará de soltura, liberdade, processo penal, direitos fundamentais, garantias.
Abstract
Throughout this study, the relevance of the release permit in the context of Brazilian Criminal Procedural Law is explored. It is a court order intended to guarantee the freedom of individuals whose imprisonment is no longer justified, either by exceeding the deadline, revocation of preventive detention, acquittal or serving the sentence. The research examines the legal nature of the release permit, its legal foundations and its importance as an instrument for the protection of fundamental rights, especially the right to freedom. In addition, the challenges faced in its implementation are addressed, such as bureaucratic slowness and communication failures between the organs of the justice system. The study starts from a doctrinal and normative approach, proposing reflections on the need for greater efficiency in the shipment and compliance with the license. It is concluded that its correct application is essential to ensure legality and dignity in criminal proceedings.
Keywords: release permit, freedom, criminal proceedings, fundamental rights, guarantees.
1. INTRODUÇÃO
O alvará de soltura, na esfera do Direito Processual Penal, assume um papel fundamental como ferramenta de materialização das decisões judiciais e das garantias individuais mencionadas tanto na Constituição Federal quanto no Código de Processo Penal.
Ele é um “documento que determina a liberdade de uma pessoa que se encontra presa, que busca equilibrar a efetividade da persecução penal observando as garantias processuais e dos direitos fundamentais do acusado”.
O amparo legal, art. 685, CPP expressa que “a ordem judicial que determina a soltura deve ser cumprida imediatamente. Na prática não é bem assim, há situações que demoram dias, meses e já houve casos de presos perderem a vida no aprisionamento enquanto aguardavam o alvará.
Doutrinadores consagrados do Direito, destacam a importância do alvará como mecanismo que viabiliza a execução das decisões judiciais de forma eficiente e rápida, sem negligenciar os princípios constitucionais. Aury Lopes Júnior (2008) diz em seu livro Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional que, “… o alvará de soltura deve ser analisado à luz do princípio da presunção de inocência e do devido processo legal, assegurando que sua emissão não viole os direitos fundamentais”.
No contexto da discussão proposta e baseando-se em literaturas que suscitam reflexões, abordaremos conceitos, tipos e as consequências de sua aplicação.
O objeto de estudo apresentado, a que se presta este instituto, será discutido com literaturas jurídicas e de interesse social e filosófico. Os seus fundamentos legais, suas aplicações práticas e os desafios enfrentados em sua pronta execução também fazem parte do estudo e fazem jus à reflexão prestada no trabalho.
Diante da análise das contribuições doutrinárias, questiona-se como este instrumento pode ser utilizado de forma a equilibrar a existência real da justiça penal com a proteção dos direitos individuais. Questiona-se também, como ele pode ser aprimorado para atender as demandas de uma sociedade que está em constante transformação, numa luta sequencial de privação da liberdade, de solturas e de reivindicação de danos morais.
As reflexões acadêmicas e as práticas sobre o tema, contribuem com as diferentes perspectivas e auxiliam na compreensão e na aplicação do alvará de soltura na realidade contemporânea.
O objetivo dessas reflexões consiste em desenvolver uma análise crítica acerca do cumprimento, observando os pilares Direitos fundamentais e dignidade humana, Sistema de Justiça e eficácia penal e os impactos psicológicos e sociais de uma prisão prolongada.
Em um contexto em que justiça e liberdade se entrelaçam de maneira delicada, é fundamental tratar esse instrumento jurídico com sensibilidade e profundidade, reconhecendo os seus efeitos causados, diretamente, na vida dos indivíduos e na dinâmica do sistema penal. Neste sentido, a proposta não é só discutir a eficácia da proteção jurídica relacionada com a concessão da liberdade, mas também compreender o impacto social da soltura.
A metodologia usada para desenvolver esta pesquisa é bibliográfica, com base em estudos exploratórios, descritivos e multidisciplinares, numa abordagem qualitativa para uma reflexão crítica sobre o instituto.
Na perspectiva dedutiva, o desenvolvimento parte de literaturas filosóficas e doutrinárias, também nos entendimentos jurisprudenciais, nas reflexões sobre a justiça e nos sites de buscas.
O trabalho se constrói sobre a obra e o entendimento de Foucault (1975) que contribui com a visão histórica da punição de um apenado, desde a idade média até o século XIX, em que “ocorreu a substituição do trabalho forçado para o encarceramento, mudando o controle social e a estratégia do poder do Estado de punir”.
Cesare Beccaria (in trad. Cretella Jr. e Cretella, 1999, p. 25), por sua vez, num pensamento crítico, mostra que “as leis que são ou deveriam ser pactos entre os homens livres, não passam de instrumentos das paixões de uns poucos…”, vem também contribuir com a reflexão em questão.
Na contextualização, aparecem ideias filosófico-religiosas de Santo Agostinho, Michael Sandel, Gustavo Corção, literaturas de Rizzatto Nunes, Renato Brasileiro, Aury Lopes Jr, Guilherme Nucci, Luiz Flávio Gomes, assim como as literaturas jurídicas, as leis regulamentadoras além do apoio principal da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.
Finalizando, a proposta apresentada se fará importante na compreensão da natureza do licenciamento na prática jurídica, evitando análises gerais e focando em estudos específicos dos fatores específicos, aprisionamento e soltura. Está escrito no art. 5º, inciso LXVI da Lei Nacional que “ninguém será preso salvo por crime praticado regularmente ou por sentença escrita e verificada por autoridade” e na Resolução CNJ, nº 108 que regula o procedimento da soltura, estabelecendo prazos para que o trâmite seja célere e eficiente.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Discussão conceitual: filosófica ou jurídica
Sandel (2022, p. 140) afirma que, “com frequência define liberdade como ausência de obstáculos para que possamos fazer o que quisermos”. Ele cita o pensamento kantiano que discorda: “Ele tem uma definição mais estrita e rigorosa de liberdade”
Kant não afirma que é errado tentar satisfazer nossas preferências. A questão é a seguinte: quando fazemos isso, não estamos agindo livremente, mas agindo de acordo com uma determinação exterior. (…) Para Kant, para agir livremente, deve-se agir com autonomia. E agir com autonomia é agir de acordo com a lei que imponho a mim mesmo – e não de acordo com os ditames ou convenções sociais (SANDEL, 2022, p. 141).
O que se quer refletir é o sentido que Sandel e Kant dão à liberdade, como direito individual e o poder de fazer com ela o que quiser. Para Sandel, a liberdade está relacionada à autonomia de agir; e para Kant, relaciona-se à moral. “Agir livremente não é escolher as melhores formas para atingir determinado fim; é escolher o fim em si” (SANDEL, 2022, p. 142).
A ideia kantiana traduz que a liberdade é o respeito à dignidade humana, que oportuniza que todos sejam tratados como pessoas e fins em si mesmas. “O que importa é fazer a coisa certa”, diz Sandel (2022).
Na filosofia materialista, segundo Corção (apud CHESTERTON, 1946, p. 9798), a liberdade é limitada e impõe restrições.
É absurdo dizer que estamos progredindo em liberdade quando só nos utilizamos do livre pensamento para destruir o livre-arbítrio. Os deterministas vieram para amarrar e não para afrouxar. Fazem bem em chamar à sua lei ‘cadeia’ de causalidade, pois nunca houve pior cadeia do que essa para acorrentar um ente humano. Podem usar a linguagem da liberdade, se quiserem, mas é claro que ela é tão inaplicável a essa doutrina como, de um modo geral, ao homem aferrolhado no hospício (…)” (CORÇÃO, 1946, p. 9798).
No entendimento de Corção, “a inteligência humana tem limites e a liberdade que ela pode gozar tem, digamos assim, o prêmio (ou preço) de uma limitação”. Observa-se que, apesar do tempo da obra, o conceito dado à liberdade é capaz de conduzir à reflexão em caminhos modernos. Dá a ideia de que Chesterton vivia o futuro no tempo presente. Portanto, a coragem de explorar o conceito de liberdade aqui neste material é, justamente, para tecer informações que debatam com a doutrina e as leis jurídicas na atualidade.
Corção (1946, p. 88) abre um discurso que leva a muitas discussões em torno do sentido da liberdade pensada por Chesterton. No contexto, entende-se que “para conhecer as leis, deve-se antes, conhecer as ideias do homem”. Ele aponta a ideia que temos do erro para entender a verdade.
Discutindo tais elementos aqui, pode parecer incontextualizar a informação que se pretende passar. Não é. O fato é que, entendendo as ideias do homem e o sentido da liberdade, pode-se entender melhor o instituto que apresentamos nesta reflexão.
Insisto, porém, na diferença entre um livro de ideias e um livro de doutrinas. Chesterton não nos quis transmitir sua doutrina, mas suas ideias. E, se o leitor quiser conhecer mais exatamente a doutrina de Chesterton, depois ou antes de conhecer suas ideias, posso lhe adiantar, conheça as ideias filosóficas (…). Mas a ideia que temos do erro, desde Aristóteles, não é essa. Cada verdade é o pico de uma montanha (…). O erro é sempre deficiente” (CORÇÃO, 1946, p. 88).
Stuart Mill, citado por Sandel (apud SANDEL, 2022, p. 63, 65), “acreditava no utilitarismo, reformulando a doutrina para mais humana e menos calculista”. Ele apontava que “as pessoas devem ser livres para fazer o que quiserem, desde que não façam mal para outros”.
Na tese de Mill, “o princípio da liberdade parecia necessitar de uma base moral mais concreta” (apud SANDEL, 2022, p. 64). Ele discorda e salienta:
“É correto afirmar que eu renuncio a qualquer vantagem que possa ser acrescida à minha tese que provenha da ideia do direito abstrato como algo independente da teoria utilitarista. Eu vejo a utilidade como a instância final de todas as questões éticas; mas deve ser a utilidade no sentido mais amplo, baseada nos interesses permanentes do homem como um ser em evolução” (apud SANDEL, 2022, p. 64).
Mill salienta que, “com o tempo, o respeito à liberdade levará à máxima felicidade humana” (apud SANDEL, 2022, p. 65). E ainda aponta as razões: “a opinião dissidente pode se provar verdadeira, ou parcialmente verdadeira, representando, assim, uma correção de opinião da maioria” (apud SANDEL, 2022, p. 65).
Beccaria (1999, p. 25) também fala da máxima felicidade, assim como Stuart Mill e Sandel. Em sua literatura, discorre sobre a liberdade, atribuindo-a à necessidade de ter segurança e paz, em momentos em que a humanidade era submetida ao poder dos soberanos, modo que sacrificavam muitos em função da liberdade de poucos.
Leis são condições sobre as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela certeza de consertá-la. Parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranquilidade. A soma de todas essas porções de liberdades, sacrificadas ao bem de cada um, forma a soberania de uma nação e o soberano é seu legítimo depositário e administrador. Não bastava, porém, formar esse repositório. Era mister defendê-lo das usurpações privadas de cada homem, em particular, o qual sempre tenta não apenas retirar do escrínio a própria porção, mas também usurpar a porção dos outros” (BECCARIA, 1999, p. 27).
A humanidade, há tempos, busca formas de entender e conduzir o sistema que pune em decorrência da segurança da maioria. Também, as discussões sobre a prisão, a liberdade, os direitos e a dignidade são temas bem relevantes.
Estimulando a discussão, entra-se aqui, com os conceitos e discussões jurídicas sobre o alvará de soltura, objeto deste trabalho.
O documento emitido pela autoridade investida de tal poder garante a liberdade e deve ser expedido dentro do prazo legal, para não consubstanciar negligência do Estado, legítimo punidor, pautando também, que a inércia do Estado gera a violação do direito à liberdade.
Ele expressa o princípio da legalidade (Art 1º do Código Penal, de 1940) e, deve seguir, rigorosamente, todos os preceitos legais, de modo a garantir que o cerceamento da liberdade só se proceda dentro dos casos previstos pela lei, permitindo a sua aplicabilidade em um contexto geral.
A Resolução nº 66 do CNJ estabelece regras sobre o cumprimento de alvarás de soltura e a movimentação de presos no sistema carcerário, garantindo que a soltura ocorra no prazo máximo de 24 horas(Res 66/2009, Portal CNJ).
O artigo 109 da LEP (Lei de Execução Penal) determina que, cumprida ou extinta a pena, o condenado será posto em liberdade mediante alvará do juiz, salvo se houver outro motivo para sua prisão (Lei nº 7210/84).
O instituto está ligado a conceitos do Direito Penal e Processual Penal, sendo que em cada um deles, ele se caracteriza como fim principal. Sendo um instituto bem singular, apresenta complexidades aplicativas, necessitando de mais discussão para que as decisões de soltura não sejam atropeladas com as decisões dos aprisionamentos.
No contexto legal, o aprisionamento se apresenta de várias formas, de modo que discorremos sobre elas. A prisão preventiva em que a medida cautelar imposta antes do julgamento é um procedimento para garantir a ordem pública, a aplicação da lei ou a instrução do processo, deve-se tomar cuidado para que a medida seja eficaz, surtindo efeito social e reeducando o apenado.
Na liberdade provisória, o alvará de soltura é a possibilidade de o réu responder ao processo em liberdade, com ou sem imposição de medidas cautelares.
No sentido de pagamento de fiança, o acusado pode pagar o valor determinado pelo judiciário para obter a liberdade provisória, quando cabível nas condições processuais. É uma das medidas mais discutidas pela sociedade, mas está na legislação e a soltura pode ocorrer mediante o cumprimento do pagamento.
No relaxamento da prisão, o juiz determina a soltura do indivíduo preso ilegalmente ou sem fundamentos legais, e na revogação da prisão preventiva, o juiz considera que os motivos que levaram à prisão preventiva não se sustentam.
Por fim, na execução penal, o conjunto de normas que regula o cumprimento da pena inclui a expedição de alvará de soltura após cumprimento da condenação. E o instituto Habeas corpus, considerado um remédio constitucional utilizado para garantir a liberdade de alguém que esteja sofrendo prisão ilegal ou abuso de autoridade.
Jurista como Luiz Flávio Gomes (2011) frequentemente, defende “a necessidade de um processo justo e equilibrado, evitando prisões arbitrárias e garantindo que a privação de liberdade seja aplicada apenas quando estritamente necessária”.
Outros, como Renato Brasileiro (2020) e Guilherme Nucci (2008) fazem menções em suas obras e, consideram que “as prisões não podem ser fins, mas devem ser aplicadas apenas, em casos estritamente necessários”. Não se deve promover a injustiça, mas promover a necessidade de se aplicar todos os princípios da legalidade e da ampla defesa”.
Para finalizar este item sobre liberdade e a aplicação da lei jurídica, Beccaria (trad. 1999, p. 8) traduz o pensamento
“A pena não deve ser a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, devendo ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis nas circunstâncias ocorridas, proporcional ao crime e ditada pela lei”.
A liberdade, direito fundamental, é garantia prevista no art. 5º, da Constituição Federal, tudo dentro dos parâmetros legais para não criar conflitos que firam os princípios da dignidade humana. Ela é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito e deve ser resguardada, a menos que haja uma justificativa legal e fundamentação para a detenção.
2.2 Pensando a liberdade e a eficácia dos alvarás de soltura
Michael Sandel (2022), filósofo e professor de ética e filosofia política, tem uma visão crítica sobre o conceito de liberdade, especialmente no contexto das sociedades contemporâneas. Em suas obras, Sandel discute principalmente as ideias de liberdade em relação à justiça, moralidade e o bem comum.
A tradução que Sandel (2022) dá a liberdade é
O conceito de liberdade, especialmente no contexto das sociedades contemporâneas, tem-se a liberdade positiva e a liberdade negativa, e há diferença entre elas. A liberdade negativa refere-se à ausência de interferência ou restrições por parte do Estado ou da sociedade, focando principalmente na autonomia individual. Em contraste, a liberdade positiva envolve a capacitação do indivíduo para alcançar seus objetivos e potencialidades, enfatizando a importância de condições sociais e econômicas que permitam a realização plena da liberdade.
Numa abordagem liberal, Sandel enfatiza a autonomia individual sem considerar as dimensões comunitárias e sociais. Em sua visão, “a liberdade não pode ser entendida apenas como uma questão individual; é também algo que deve ser vivido em comunidade” (SANDEL, 2022, p. 212).
A verdadeira liberdade é aquela que permite a participação ativa dos cidadãos em processos democráticos e na construção de um bem comum. O respeito no tratamento da liberdade gera justiça e a manutenção do controle da instituição estadual que tem o direito de punir.
Sandel (2022), conclui que “a liberdade envolve uma responsabilidade com os outros e uma busca coletiva por justiça e equidade” (SANDEL, 2022, p. 214). Ele salienta que, “Para alcançar uma sociedade mais justa, é necessário repensar as noções de liberdade de maneira que englobe tanto os direitos individuais quanto às obrigações sociais” (SANDEL, 2022, p. 214).
Neste sentido, vê-se que a liberdade sendo bem tratada, a sociedade regozija com a aplicação da lei de modo eficiente e eficaz.
Aury L. Júnior, jurista e professor brasileiro, pensa a liberdade dentro do contexto jurídico e filosófico, enfatizando a importância da dignidade humana e dos direitos fundamentais. Ele defende que “a liberdade é um valor central em uma sociedade democrática e deve ser protegida pelo Estado” (JUNIOR, 2008). Para ele, “a liberdade não se limita à ausência de restrições, mas também implica a possibilidade de exercê-la de forma plena, respeitando os direitos dos outros” (JUNIOR, 2008).
Neste contexto, Aury Junior aproxima-se da prática dada pela Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 5º, estabelece vários direitos e garantias fundamentais relacionados diretamente à liberdade. Este artigo é um dos mais importantes do texto constitucional, garantindo todas as formas e possibilidades de liberdade como princípios que consagram a ideia de uma sociedade democrática, assegurando a todos os cidadãos a proteção de suas liberdades individuais e coletivas (BRASIL, 1988).
A Constituição da República (1988) garante ainda que, sendo violados quaisquer dos princípios relacionados à liberdade, o indivíduo deve acionar juridicamente seus direitos.
No contexto da jurisprudência brasileira, a liberdade pode ser abrangente e está relacionada a diversos aspectos, incluindo direitos individuais, liberdade de expressão, liberdade de crença e liberdade no contexto penal, entre outros, vejamos alguns exemplos práticos:
Conforme entendimento do Tribunal de Justiça do Maranhão, a prisão preventiva deve ser considerada medida excepcional e somente pode ser decretada quando presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. No julgamento do Habeas Corpus n. 7100-31.2015.8.10.0000, a Terceira Câmara Criminal concluiu que, na ausência de indícios suficientes de autoria e com os investigados sendo primários, com bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita, é cabível a concessão de salvo-conduto, sendo inviável o trancamento do inquérito na fase inicial das investigações. Assim, a ordem foi concedida parcialmente para determinar a expedição de salvo conduto aos pacientes, afastando a hipótese de prisão preventiva injustificada (MARANHÃO, 2015).
De modo geral, a liberdade é entendida como a capacidade do indivíduo de agir segundo sua própria vontade, desde que não infrinja os direitos de outrem e respeite as normas estabelecidas.
Segue trecho de importante decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre prisão preventiva em caso de tráfico de drogas:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO ABSTRATA DO DECRETO PRISIONAL. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
- O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento, segundo o qual, a prisão preventiva constitui medida excepcional ao princípio da não culpabilidade, cabível, mediante decisão devidamente fundamentada e com base em dados concretos, quando evidenciada a existência de circunstâncias que demonstrem a necessidade da medida extrema, nos termos dos arts. 312 e seguintes do Código de Processo Penal.
- Não é válida a fundamentação do decreto prisional quando o Juiz de primeiro grau determina a segregação preventiva em face da gravidade abstrata e a natureza hedionda do crime de tráfico de drogas, indicando que a manutenção da prisão deve ser mantida e a cautela se mostra como necessária para garantia da ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal, razão pela qual a conversão da prisão em flagrante em preventiva é medida imperiosa, eis que presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP.
- Habeas corpus concedido, para a soltura do paciente AGABO BARBOSA BORGES, o que não impede nova e fundamentada decisão de necessária medida cautelar penal, inclusive menos gravosa que a prisão processual.
(Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, HC concedido por unanimidade, relator Ministro X — substitua pelo nome se desejar, data do acórdão)
O entendimento jurisprudencial varia conforme o contexto da legislação e os direitos envolvidos. Mas, há na legislação o que é pontual para todos os tipos de prisões e de soltura para a liberdade. O maior problema está centrado na eficiência, na burocratização e na demora para expedir e aplicar o alvará de soltura para o aprisionado.
O pensamento de Rizzatto Nunes (2021) aborda a liberdade como um fenômeno de importância vital para o entendimento do sentido de um alvará de soltura. Ele contempla a liberdade como elemento primevo do Direito e chega a cogitar que “a liberdade é experimentada pelos homens em todas as formas descritas pelos filósofos (clássicos ou não) e de maneira simultânea” (NUNES, 2021, p. 34). Ele afirma que:
“O tema da liberdade é dos mais caros ao estudo do Direito. Todavia, é um dos mais áridos para ser tratado, e é certo que por vezes a forma como é encarado recebe influência direta do método de investigação que se tenha escolhido. … escolhemos estudar a liberdade como fenômeno, isto porque é de vital importância para compreender o sentido do conceito. Mas, como se verá, há desconforto, como mostrar o fenômeno como conceito? (…) ” (NUNES, 2021, p. 31).
Como o caminho de pensadores fenomenologistas, como Niestzscheana, Nunes (in: 2021, p.34), aponta que “o mundo contemporâneo, em sua complexidade, seria o Direito o último reduto da liberdade humana”, enquanto é garantidor das possibilidades da realização do homem ou, na máquina burocrática que transforma o Estado e o mundo. Conclui com questionamentos que possibilitam uma maior criticidade na matéria prisão e liberdade.
“E o homem, o homem real, ele chega a dar-se conta de seus limites e de suas possibilidades dentro desse quadro? O homem consegue emergir desse imenso mar colocando sua cabeça para fora e gritando – ou pelo menos clamando – pela liberdade? ” (NUNES, 2021, p. 34).
No contexto do pensamento de Nunes, sobre a liberdade como um fenômeno, a liberdade é mesmo um item de grande questionamento. Ele argumenta que “a verdadeira liberdade está ligada ao respeito à dignidade da pessoa”, e que o Estado deve garantir esse espaço de autonomia para que cada indivíduo possa se desenvolver plenamente.
Ele também ressalta que a liberdade deve ser exercida com responsabilidade e que existem limites impostos para garantir que a liberdade de um não interfira na liberdade do outro. A contribuição de Nunes para buscar uma compreensão mais abrangente do papel da liberdade na sociedade contemporânea e a sua relação com a justiça e a igualdade é bastante reverenciada, contribuição notória para os acadêmicos e para todos os que trabalham com as leis e as usam para transformar vidas.
Nunes traz em sua obra (2021, p.42) trecho traduzido de C. Fernández Sessarego, p.102, e vem ilustrar o pensamento da nossa discussão
“A liberdade é como uma ave que para voar precisa de resistência do ar. A liberdade tem, ontologicamente, necessidade de outras existências livres, assim como de coisas. A liberdade é coexistência, com presença. Necessita tanto de suas potências psíquicas como de seu corpo, que são seus círculos próximos, que envolvem. Precisa do mundo interno em contraposição ao mundo externo, integrado pelos ‘outros’ seres. O mundo interno é o que ‘é meu’, aquilo que pertence de forma imediata ao âmago espiritual do ser humano como liberdade”.
A liberdade é um dos bens do ser humano, direito fundamental garantido pela Constituição. Ela representa a autonomia para viver, escolher e agir sem restrições indevidas. No contexto jurídico, simboliza a devolução desse direito quando a privação da liberdade já não se justifica.
O Código do Processo Penal brasileiro, em seu artigo 685, conceitua o Alvará de soltura como uma “Ordem judicial que determina a liberdade de uma pessoa que se encontra presa; quando cumprida ou extinta a pena, será posta, imediatamente, em liberdade” (BRASIL, 1941, art. 685).
É como fornecer um passe – livre a um suspeito para deixar a prisão. É emitido pelo Juiz, tanto antes de se proclamar uma sentença como ao final do cumprimento dela. O alvará de soltura pode ser dado em qualquer momento, desde que os requisitos legais sejam respeitados.
A privação da liberdade só ocorre em situações que a lei define como perda do direito de ser livre. Nessas circunstâncias, há tipos de prisão que cerceiam a liberdade, no caso da prisão temporária que tem por função ajudar no caminho investigativo, sendo necessário justificar a imprescindibilidade da medida.
Em se tratando da prisão preventiva adotada para prevalecer e garantir a ordem pública e assegurar a aplicabilidade da lei, o art. 312, CPP, estabelece os pressupostos para garantir a sua eficácia.
A fragrância, prisão que é feita quando o criminoso é pego durante ou logo após o crime — inclusive, essa prisão pode acontecer após alguns dias, a depender da especificidade do caso (própria, imprópria ou presumida), é medida prevista no Código de Processo Penal brasileiro (BRASIL, 1941, art. 302).
Embora seja um mecanismo importante para a manutenção da justiça, a prisão em flagrante também exige cuidado para evitar abusos ou erros que possam ferir os direitos fundamentais. A partir do momento em que é realizada, o caso deve ser levado ao juiz para avaliação da legalidade da prisão e da necessidade de mantê-la.
Numa prisão executória acontece após a condenação do acusado e o alvará se dá ao final do cumprimento da sentença. Medida regulada por normas estabelecidas na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), que dispõe sobre os direitos e deveres do preso, como visita de familiares, acesso à educação e trabalho.
É importante destacar que, no Brasil, há debates sobre a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, especialmente após decisões controversas do Supremo Tribunal Federal (STF) em diferentes momentos.
Em todos estes tipos de prisão, a eficácia do alvará de soltura precisa ser iminente, sem demora, imediata, sendo possível garantir o direito do indivíduo tutelado pelo Estado, a sua liberdade.
A eficácia do alvará depende de sua rápida execução. A Resolução nº 108/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece que o prazo máximo para expedição e cumprimento do alvará é de 24 horas. A demora pode configurar abuso de poder ou constrangimento ilegal.
É responsabilidade do Estado, caso ocorram falhas provenientes na expedição ou cumprimento do alvará, sendo este responsabilizado por danos morais e materiais, como em casos de manutenção indevida da prisão.
A necessidade de fundamentar a dignidade humana adentrando ao conceito de “liberdade”, reforça o porquê de muitos doutrinadores e pensadores analisarem a liberdade, como o maior prêmio da pessoa. Filosoficamente, a liberdade é um bem de preciosidade maior, sendo assim, o alvará de soltura é o prêmio.
Assim, a liberdade deve ser protegida e respeitada, o alvará de soltura deve ser cumprido com eficácia, pois a ineficácia se traduz em injustiça, O alvará de soltura não é apenas um documento, é a materialização da liberdade de uma pessoa. É respeitado o art. 1º, III, CF/88. É essencial para a dignidade humana e o equilíbrio da justiça.
Na obra de Sandel (2022), dilemas morais relacionados à liberdade são tratados no viés da Constituição, que coloca a dignidade humana no centro do debate sobre a soltura do indivíduo.
Ele traduz em uma fala que nos leva a reflexão
“Uma das maneiras de começar é observando como a reflexão moral aflora naturalmente quando nos vemos diante de uma difícil questão de natureza moral. Começamos com uma opinião, ou convicção, sobre a coisa certa a fazer: ‘Desviar o bonde andando para outro trilho. ’ Então, refletimos sobre a razão da nossa convicção e procuramos o princípio no qual ela se baseia: ‘É melhor sacrificar uma vida para evitar perder a vida de muitos’” (SANDEL, 2022, p. 154).
Nesse sentido, Sandel (2022) apresenta uma visão humanitária, respeitando a dignidade e atendendo à definição dos princípios legais.
O conflito entre o direito à liberdade e a necessidade de garantir a segurança pública está explicitado no artigo 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que afirma que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. Tal conflito torna-se relevante quando a libertação do acusado representa uma ameaça à ordem pública.
Michel Foucault (1987), em sua obra Vigiar e Punir, explora os conceitos de liberdade e punição, e faz análise de como as práticas punitivas evoluíram ao longo da história. Ele argumenta que a punição não é apenas uma forma de retribuição, mas também um mecanismo de controle social que reflete as estruturas de poder e conhecimento em uma sociedade.
Destaca que, nas sociedades modernas, a punição passou de métodos físicos e violentos para técnicas disciplinares, como o encarceramento. Essas técnicas visam não apenas privar o indivíduo de sua liberdade, mas também moldar seu comportamento e torná-lo mais “útil” e “docilizado” para a sociedade.
Além disso, ele introduz o conceito de “vigilância como forma de controle sócia”l, onde a liberdade individual é constantemente monitorada e regulada. Foucault “A liberdade é frequentemente limitada por sistemas punitivos que buscam normalizar e disciplinar os indivíduos” (FOUCAULT, 1987, p. 298).
2.3 Resultado das prolongações indevidas da privação de liberdade
Há ineficácia do alvará de soltura quando, expedido, não resulta na imediata libertação da pessoa, os resultados agravam o direito do Estado de punir e colocam em discussão os danos causados, pois quem deveria proteger, acaba descuidando e violando a dignidade humana.
Michel Foucault (1987) argumenta que a privação da liberdade, como ocorre nas prisões, não cumpre seu papel de reabilitação. Ele vê a prisão como uma “fábrica de delinquentes”, onde os indivíduos são moldados por um sistema que reforça a criminalidade em vez de corrigi-la.
Sandel (2022), por sua vez, aborda os pensamentos de filósofos políticos modernos (Kant e Rawls) que afirmam
(…). Os princípios da justiça que definem nossos direitos não devem se basear em nenhuma concepção particular de virtude ou da melhor forma de vida. Ao contrário, uma sociedade justa respeita a liberdade de cada indivíduo para escolher a própria concepção do que seja uma vida boa. (in Sandel, 2022, p.17)
O autor conclui que “as teorias de justiças antigas partem da virtude, enquanto as modernas partem da liberdade”, não podendo nós desconsiderar a natureza judiciosa da liberdade. A liberdade é uma escolha de como queremos viver, mas temos a percepção de que mal-usada, ela torna uma discussão que será dada ou retirada para que a sociedade promova uma vida em segurança.
O autor não fala diretamente do tema da privação da liberdade no contexto prisional, no entanto, ele apregoa que as questões éticas e morais estão relacionadas à justiça, liberdade e igualdade, que devem ser aplicadas em todo contexto da justiça com respeito aos princípios fundamentais da vida humana.
Frequentemente, enfatiza a importância de considerar os valores morais e o impacto das decisões políticas e sociais na dignidade humana, para não haver os agravamentos desnecessários nas garantias que o ente responsável precisa ter sobre o tutelado, não tendo que, futuramente, arcar com obrigações financeiras, por via de recursos de cobranças de danos morais.
Nunes (2022) deixa a entender em suas obras que, a privação prolongada da liberdade pode ser considerada injusta quando ultrapassa o necessário para cumprir seus objetivos de reabilitação, proteção da sociedade e prevenção de novos crimes.
Sistemas judiciais que impõem penas excessivamente longas podem violar esse princípio, especialmente quando há falta de oportunidades para reintegração social.
Os direitos humanos afirmam que toda pessoa tem direito à dignidade, à liberdade e ao tratamento humano, mesmo em situações de encarceramento. A privação prolongada da liberdade pode acarretar danos psicológicos, físicos e sociais ao indivíduo, violando esses direitos fundamentais. Além disso, condições degradantes em ambientes prisionais frequentemente agravam o impacto negativo dessa privação.
Nunes (2022) menciona, em sua obra, os conhecimentos de Santo Agostinho e pensamos valer a pena tecer tal contexto neste material, pois o indivíduo não é só matéria, ele é espírito, sendo espírito, é movido por forças divinas e estranhas à divindade. A culpa, o prazer, a alegria, a angústia, a tristeza… fazem parte da essência humana e, quando fogem da medida essencial para a vida, serão, futuramente, cobradas dentro de algum desvio moral.
Para Agostinho, a liberdade está intimamente ligada ao conceito de livre-arbítrio, que é a capacidade humana de escolher entre o bem e o mal. “Ele argumenta que o mal não é uma criação de Deus, mas uma consequência do mau uso do livre-arbítrio humano” (Nunes, 2021, p.54).
A verdadeira liberdade, segundo ele, é alcançada quando a vontade humana está alinhada com a vontade divina, portanto a fé é essencial para a compreensão da verdade. Ele via a fé como um ponto de partida para o conhecimento, afirmando que “crer para entender” é um princípio fundamental. Para ele, a fé e a razão não são opostas, mas complementares, e ambas conduzem à verdade divina.
“Se não credes, não entendereis; certamente não diria isto se não julgasse necessário pôr uma diferença entre as duas coisas. Portanto, creio tudo o que entendo, mas nem tudo o que creio também entendo. Tudo o compreendo conheço, mas nem tudo que creio conheço. E não ignoro quanto é útil crer em muitas coisas que não conheço (…). (Nunes, 2021, p.55)
No pensamento agostiniano, a justiça está enraizada na ordem divina. Ele defendia que a justiça verdadeira só pode ser alcançada quando a sociedade e os indivíduos vivem de acordo com os princípios de Deus. A justiça, para Agostinho, é a harmonia entre a vontade humana e a lei divina.
No contexto da privação da liberdade, Agostinho poderia argumentar que a punição deve ser justa e proporcional, respeitando a dignidade humana e promovendo a correção moral.
A instituição alvará de soltura é bem mais moderna que os pensamentos agostinianos, mas podemos compreender que o pensamento dele e de muitos outros pensadores por excelência, deveria ser proporcional ao cometimento da falta.
Passando a discussão para o contexto das legislações, entende-se que há a necessidade de maior eficiência e integração no sistema de justiça para garantir que o alvará de soltura cumpra sua função de proteger os direitos fundamentais.
A legislação brasileira trata o alvará de soltura como um instrumento essencial para garantir a liberdade de indivíduos que não devem permanecer presos, seja por decisão judicial ou pelo cumprimento de requisitos legais.
A Jurisprudência Brasileira tem reconhecido a responsabilidade do Estado em casos de atraso ou não cumprimento de alvarás de soltura, resultando na manutenção indevida de indivíduos sob custódia. Nessas situações, os tribunais têm determinado indenizações por danos morais às vítimas, de modo que configuram abuso de poder e ineficácia de deliberações.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) enfatiza que o magistrado que proferir decisão concessiva de liberdade deve expedir o alvará de soltura imediatamente. A Resolução nº 108, de 2010, estabelece que o juiz responsável pela decisão sobre a liberdade do preso é também responsável pela expedição e cumprimento do alvará, no prazo máximo de 24 horas, visando evitar atrasos indevidos na liberação de indivíduos (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010).
Outro ponto da discussão é colocar fim às prisões temporárias ou preventivas, após a concessão de liberdade provisória, a uma revogação da prisão ou ao final do cumprimento da pena. Tais medidas evitam a superlotação dos presídios, a segurança dos direitos fundamentais e, também, evitam a contaminação criminosa de modo mais alarmante.
A Lei 12.403/2011 alterou as diretrizes do Código de Processo Penal (CPP) e estabeleceu novos regulamentos sobre a prisão cautelar e as medidas alternativas à prisão, como sendo monitoramento eletrônico, proibição de contato com determinadas pessoas, recolhimento domiciliar, suspensão de exercícios públicos e comparecimento a juízo.
As alterações nas regras da prisão preventiva estão no sentido de que não sendo possível aplicar outras medidas cautelares ou houver risco à ordem pública, será decretada preventivamente. Também com o fim da prisão obrigatória para crimes de menor ofensividade, com pena menor que 4 anos, aplicando neste caso, as medidas alternativas.
Em casos específicos de inoperância dos alvarás de soltura, a defesa pode ingressar com habeas corpus para garantir a imediata liberação do preso.
Para finalizar essa reflexão compartilhamos o pensamento de Foucault (1987), “… a privação da liberdade não apenas isola o indivíduo, mas também perpetua as desigualdades sociais e econômicas”.
Ele critica o sistema prisional por criar condições que dificultam a reintegração dos presos à sociedade, como a marginalização e a estigmatização. Além disso, ele destaca que a prisão serve como um instrumento de controle social, moldando comportamentos e reforçando as estruturas de poder.
2.4 A demora na execução dos alvarás de soltura constitui uma violação aos direitos fundamentais, especialmente o direito à liberdade
No Estado Democrático de Direito, se faz necessário a garantia da dignidade da pessoa humana e o propósito do devido processo legal. Uma vez que a ordem de soltura, decisão essa judicial que admite a ausência de insumos, admitindo a ilegalidade em manter a custódia, não é executada com a seriedade necessária, torna-se uma restrição indevida, e prejudicial à liberdade do indivíduo. O atraso na execução do alvará não só contraria o preceito constitucional, como também expõe o cidadão e sua família a um desnecessário sofrimento e incertezas, colocando em debate a confiança no sistema de justiça.
No Artigo 5º da Constituição Federal, é inquestionável a demora na execução do alvará de soltura, e deve ser protegido por ações imediatas que impeçam abusos e atrasos sem a devida justificativa. A demora no processo da execução do alvará de soltura torna-se um desrespeito a esse direito e a sociedade como um todo, pois impede que o indivíduo, que já teve seu pedido de soltura concedido pelo juiz, fique em liberdade urgentemente. Esse fato vai contra o princípio da seriedade processual, tornando se indispensável para a efetividade e concretização das garantias individuais do custodiado, ferindo o sistema judicial que preze pela justiça e pela dignidade da pessoa, como previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 5º, incisos LXI e LXV, e do Código de Processo Penal.
Ademais, o Estado democrático de direito tem o dever de julgar de forma correta, e também de garantir que os prazos não sejam extrapolados, ferindo os direitos fundamentais do ser humano.
Segundo o professor Aury Lopes, a permanecer com o indivíduo sob custódia, após a expedição de ordens judiciais que reconhecem o direito à liberdade, configura além da falha no processo administrativo, como também o não cumprimento dos direitos fundamentais, sobretudo o direito à liberdade e à dignidade humana.
Aury Lopes argumenta que, ao postergar a execução do alvará de soltura, o Estado prolonga ilegalmente a privação de liberdade, transformando uma decisão favorável do Judiciário em um mero formalismo sem eficácia prática. Essa demora, denominada pelo autor como parte do fenômeno da “virada de soltura”, não apenas expõe o indivíduo a um sofrimento desnecessário, mas também evidencia um descompasso entre o ideal de celeridade processual e a realidade de um sistema marcado por ineficiências e abusos de poder.
Entretanto, a análise do professor insiste na necessidade de uma atuação coesa entre o Poder Judiciário e os órgãos responsáveis pela execução penal. Essa integração seria essencial para evitar que a intempestividade na liberação se transforme em uma prática, que não só prejudica os indivíduos diretamente afetados, mas também fragiliza o próprio Estado Democrático de Direito ao permitir que o processo de alvará soltura ainda seja tão moroso.
Portanto, a reflexão proposta pelo professor Aury Lopes reforça a ideia de que a demora na execução do alvará de soltura não pode ser encarada como algo comum. Ela é, antes, uma violação dos direitos fundamentais que demanda reformas urgentes e uma reavaliação dos mecanismos de execução penal, a fim de assegurar que o direito à liberdade seja efetivamente garantido e respeitado em todas as suas dimensões.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão sobre a problemática do alvará de soltura no contexto do Direito Processual Penal expõe a complexidade e a relevância deste instrumento jurídico na garantia da liberdade individual e na proteção dos direitos fundamentais. Ao longo deste trabalho, procuramos abordar a função principal do alvará como uma engrenagem que materializa não apenas decisões judiciais, mas também os princípios constitucionais que asseguram a dignidade humana e a presunção de inocência, dentro das garantias constitucionais.
A problemática é sobre a demora na execução dos alvarás de soltura expondo a deficiência do sistema judiciário e a necessidade urgente de reformas que assegurem a efetividade e celeridade na execução e na urgência dos indivíduos cujos direitos foram reconhecidos judicialmente. A demora na soltura da liberdade, além de ferir a dignidade do indivíduo, representa um desvio grave das garantias estabelecidas pela Constituição Federal, colocando em discussão a seriedade e em risco a confiança da sociedade nas instituições.
Não podemos deixar de ressaltar a importância de repensar a liberdade não apenas como um direito individual, mas como um valor coletivo que deve ser respeitado e promovido. A intersecção entre liberdade, dignidade e o papel do Estado é fundamental para a construção de um sistema de justiça que verdadeiramente proteja os direitos humanos. Esses são os pensamentos dos renomados doutrinadores, como Aury Lopes Júnior, Michael Sandel e Rizzatto Nunes.
Diante disso, é fundamental que o sistema judiciário brasileiro busque uma integração mais efetiva entre os diversos órgãos envolvidos na execução penal, a fim de que alvarás de soltura sejam expedidos e cumpridos de maneira rápida e com eficiência. A proteção da liberdade individual deve ser uma prioridade, pois a verdadeira justiça não se limita à aplicação da lei, mas também à promoção da dignidade humana e ao respeito aos direitos fundamentais.
Contudo, esta pesquisa busca contribuir para o debate acadêmico e prático sobre o alvará de soltura, propondo uma reflexão sobre sua função essencial na justiça penal contemporânea e a necessidade de um sistema que se comprometa verdadeiramente com a proteção dos direitos de todos os cidadãos, adaptando-se às transformações sociais e às demandas por uma justiça mais equitativa e eficaz.
REFERÊNCIAS:
Legislação
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