REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202509111017
Ana Claudia de Faria Santos; Amanda Amador Cirilo de Moraes; Camila Vitória dos Santos Leite; Camila Vitoria Soares de Oliveira; Cristiane de Paula Santos; Juliana Roza da Costa; Kelly Cristina de Toledo dos Santos; Katiuscia Cristina Rodrigues Jacobino; Juliana Caltabiano de Souza Siqueira; Giovanna Loureiro Leimig Adurens
Resumo
As neoplasias constituem uma das principais causas de óbito em felinos domésticos, sendo responsáveis por uma parcela significativa dos atendimentos clínicos em medicina veterinária. Dentre os tumores que acometem o trato gastrointestinal, o adenocarcinoma intestinal representa a neoplasia epitelial mais frequente em outras espécies domésticas e a segunda mais comum nessa categoria em gatos, ficando atrás apenas do linfoma alimentar.
Esse tipo de tumor origina-se do epitélio glandular intestinal e apresenta comportamento biológico agressivo, com elevado potencial de invasão local e disseminação. Pode provocar obstrução parcial ou total do lúmen intestinal, seja por infiltração anular da parede ou pela formação de massas intraluminais, comprometendo gravemente a função do órgão e, em casos mais avançados, levando o animal a óbito. Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo relatar um caso de adenocarcinoma intestinal em um felino doméstico, abordando os achados clínicos, exames diagnósticos, evolução do quadro e considerações a respeito do prognóstico tratamento e das opções terapêuticas disponíveis.
Abstract
Neoplasms are among the leading causes of mortality in domestic cats, accounting for a significant proportion of clinical cases in small animal veterinary medicine. Among tumors affecting the gastrointestinal tract, intestinal adenocarcinoma stands out as the most prevalent epithelial neoplasm in other domestic species and ranks as the second most common in cats, surpassed only by alimentary lymphoma.This neoplasm originates from the glandular epithelium of the intestine and is characterized by aggressive biological behavior, with a high capacity for local invasion and metastatic dissemination. Disease progression may lead to partial or complete obstruction of the intestinal lumen, either by concentric infiltration of the intestinal wall or by the formation of intraluminal masses, significantly impairing intestinal function and potentially resulting in patient death in advanced stages.Given the clinical relevance and severity associated with intestinal adenocarcinoma, the present study aims to report a case of this neoplasm in a domestic cat, highlighting the main clinical signs, complementary diagnostic exams performed, disease progression, and considerations regarding prognosis and available therapeutic options.
Introdução
As doenças do intestino, quer de natureza inflamatória quer neoplásica, são muito comuns no cão e no gato, podendo apresentar sinais clínicos semelhantes entre elas. O exame histopatológico das lesões intestinais é essencial para a obtenção do diagnóstico definitivo da doença e classificação da sua gravidade.
O trato gastrointestinal tem inúmeras funções, entre as quais a digestão e absorção de nutrientes, a secreção de enzimas e eletrolíticos para o lúmen, a reabsorção de fluidos e eletrólitos secretados e o efeito de barreira à translocação de bactérias intestinais e enzimas digestivas para a circulação, bem como à perda de proteínas do plasma (Ruaux, 2008). Este é um importante local de desafio imunitário do organismo, estando exposto de forma contínua a antígenos alimentares ou bactérias patogênicas e comensais. A mucosa intestinal tem um dos maiores e mais complexos sistemas imunitários, denominado de tecido linfoide associado ao intestino (GALT, do Inglês, Gut-associated lymphoid tissue)) (Luckschander et al., 2009; Waly et al., 2001). O diagnóstico de grande parte das doenças gastrointestinais é realizado por exclusão e, antes de qualquer diagnóstico definitivo, é necessário descartar causas extra intestinais de doença, bem como recorrer, muitas vezes ao exame histopatológico de amostras de biópsias intestinais (Allenspach, 2013; Slovak et al., 2015; Willard & Mansell, 2011).
Relato do caso
Foi atendido na Clínica Bicho Feliz no dia 23-10-2023 na cidade de Santo Antonio do Pinhal-SP , Gabriel Tobias, felino,macho, SRD de sete anos, sem acesso a rua , não vacinado. Ao exame físico, apresentava estado geral de apatia, mucosas normais desidratação, linfonodos pré-escapulares aumentados e ausculta cardíaca abafada, sendo sugestiva de efusão torácica paciente apresentava vômito, prostração, anorexia. Segundo o tutor já fazia 2 semanas que o animal estava com vômito e prostrado e ela já tinha levado em outra clínica, mas procurou uma segunda opinião. . Além disso, ele manifestava desconforto abdominal à manipulação, mucosas normais (oral e ocular). A tutora relatou anorexia, leve prostração, ausência de fezes, e a urina estava normal. A médica veterinária solicitou o exame ultrassonográfico do abdômen, coleta de sangue para exame, eletrocardiograma e internamento da paciente para hidratá-lo.
O paciente foi então, encaminhado para internação, coletada nova amostra de sangue, realizado novo exame ultrassonográfico da cavidade abdominal diagnosticando-se tumoração com possível origem no duodeno, vascularizada ao doppler. Assim é instituída a terapia de suporte com fluidoterapia endovenosa com solução de ringer lactato para restauração da volemia e manutenção da hidratação. Vitamina B12 ,antiemético e antibiótico.
Foram realizados exames complementares, como hemograma e testes bioquímicos (ALT, FA, Uréia, Creatinina), todos com alterações.
Com base nos achados, suspeitou-se de neoplasia intestinal, encaminhando-se o paciente para cirurgia, na tentativa de diagnóstico e possível tratamento.
No dia 26-10-2023 o paciente foi preparado para a cirurgia. Na sala, o animal foi colocado em decúbito dorsal e, após a antissepsia do campo operatório, realizou-se a colocação dos panos de campo. Foi realizada laparotomia exploratória na qual foi localizado um tumor na região epigástrica, duodeno. O felino morreu durante a cirurgia, após parada respiratória. Imediatamente a peça cirúrgica extirpada foi fixada em formaldeído 10% e encaminhada ao serviço de patologia para exame histopatológico.
Figura 1- Tumor retirado do duodeno

Tratamento
Quando se trata de adenocarcinoma, independente da região acometida, um diagnóstico precoce é de fundamental importância para proporcionar uma sobrevida considerável ao paciente enfermo, logo todos os cuidados devem ser tomados durante o procedimento de diagnóstico para fornecer ao clínico informações precisas com relação à localização do tumor e os detalhes com relação ao mesmo, para que assim o profissional possa tomar medidas exatas quanto ao seu tratamento (NELSON; COUTO, 2006).
Como em todas as neoplasias o tratamento se divide em duas bases terapêuticas, sendo uma curativa e uma paliativa, onde a primeira promove por meio de métodos como cirurgia, quimioterapia e radioterapia a remoção do tumor e a destruição de células com caráter maligno, já o tratamento paliativo consiste em tratar os sintomas e/ou as disfunções patológicas provocadas pelo tumor, visando promover uma boa qualidade de sobrevida ao paciente (COELHO, 2002).
Quanto ao adenocarcinoma intestinal, os animais são submetidos à enterectomia e à anastomose, sendo estas as técnicas cirúrgicas mais empregadas para retirada do tumor neste órgão (FERNANDES et al., 2011).
A quimioterapia também pode ser empregada atuando em conjunto com a extirpação cirúrgica como terapia adjuvante, tendo como objetivo a obtenção da cura do animal. Os principais protocolos empregados como tratamentos, fazem uso da associação de duas ou três drogas que, por sua vez, são eleitas seguindo critérios clínicos e histológicos, devendo ser considerado nesse momento a idade do animal assim como seu estado geral; é importante ressaltar que esses fármacos possuem como alvo células em intensa atividade proliferativa o que inclui células sadias que estão em constante meiose e, por isso alguns efeitos adversos podem ser observados como sinais gastrintestinais, mielossupressão e alopecia, sendo estas as toxicidades frequentemente vistas (CIRILLO, 2008).
A radioterapia é outro método terapêutico que pode ser adotado, devendo ser conduzida em conjunto com outras práticas como cirurgia e quimioterapia, antes que seja empregado no tratamento o animal que será submetido a esta prática deve ser avaliado levando em consideração as características do tumor e se há presença de metástases. Esse método pode ser empregado ainda com finalidade paliativa para amenizar a dor em pacientes terminais, nos casos em que a remoção do tumor se der de maneira incompleta ou se a mesma não for possível (CUNHA, 2007).
Discussão e revisão de literatura
Abordagem diagnóstica e diagnósticos diferenciais
Caracterizam-se como sendo tumores altamente invasivos, de complicada remoção cirúrgica e que facilmente podem levar a metástase. Podem ser observados em diversas regiões, como os adenocarcinomas pulmonar, mamário, intestinal, da próstata e gástrico. Embora a ocorrência intestinal seja menos comum, felinos na faixa etária de quatro a 14 anos podem ter qualquer parte do intestino comprometido por essa neoplasia, onde as estruturas mais acometidas são o colón e o reto (RIBEIRO, 2016; QUEIROZ et al., 2017).
Os sinais clínicos demonstrados dependem da localidade que está sendo afetada, no caso de adenocarcinoma intestinal cursam com anorexia, perda de peso corporal progressiva, tenesmo, diarreia sanguinolenta, vômito, desidratação e anemia que podem vir acompanhados de distensão abdominal, onde se destaca uma massa abdominal palpável, podendo ser observada por meio de diagnóstico por imagem. Os exames complementares associados a uma minuciosa anamnese e exame físico dão um provável indício da neoplasia. Entretanto, o diagnóstico definitivo do adenocarcinoma é dado por meio de biópsia e exame histopatológico (RIBEIRO, 2016).
O tratamento de eleição nos casos de adenocarcinoma, em qualquer região afetada, se trata da extirpação cirúrgica da massa tumoral (RIBEIRO, 2016).
A avaliação diagnóstica completa do paciente é importante para descartar outras afecções com sintomatologia semelhante, principalmente as que são comuns em gatos adultos de meia idade e senis. A avaliação da saúde do paciente complementa a busca por causas primárias, ou até mesmo secundárias, em gatos com sinais crônicos de perda de peso. Essa investigação deve incluir exames laboratoriais hematológicos e de urina, como hemograma completo, bioquímicos, T4 total sérico, cobalamina e folato séricos, sorologia para FIV e FeLV, lipase pancreática felina (fPLI) e urinálise (BARRS & BEATTY, 2012a).
O ultrassom é o exame de imagem com mais significância para o diagnóstico do em felinos. Baseado nos achados das imagens ultrassonográficas de um caso suspeito dessa neoplasia, o clínico deverá decidir qual o próximo passo (PENNINCK et al., 1994).
As alterações ultrassonográficas são as principais alterações encontradas, com espessamento das alças intestinais, principalmente da camada muscular, assim como aumento de linfonodos abdominais que costumam estar hipoecogênicos (LINGARD et al., 2009).
Segundo Botelho (2019), a suplementação de vitamina B12 (cobalamina) em pacientes com nível sérico baixo é importante porque além de causar sinais gastrointestinais, a vitamina B12 participa da síntese de ácido desoxirribonucleico (DNA) e do metabolismo de aminoácidos. Atualmente, a recomendação é 0,25 mg/gato, por via parenteral, a cada sete dias, por seis semanas e, após, uma aplicação a cada 30 dias. A concentração de cobalamina deve ser avaliada em um mês após início da suplementação, verificando a taxa de resposta. O controle da dor é importante para o paciente oncológico, adaptando o ambiente conforme requerido, associando modalidades terapêuticas com não terapêuticas, como acupuntura, por exemplo. O uso de opióides deve ser considerado para pacientes com dor crônica, bem como gabapentina e amantadina (EPSTEIN et al., 2015; ROBERTSON, 2008).
Conclusão
A análise detalhada do caso de Gabriel Tobias revela um quadro preocupante de um felino com suspeita de neoplasia intestinal. A abordagem diagnóstica revela a complexidade desses casos e a necessidade de exames complementares para confirmar o diagnóstico, como a biópsia e o exame histopatológico. Infelizmente, apesar dos esforços da equipe veterinária, o felino não resistiu à cirurgia, evidenciando a agressividade e a dificuldade de tratamento das neoplasias intestinais em animais de estimação. A discussão científica ressalta a importância da abordagem multidisciplinar no tratamento desses casos e destaca as diferentes opções terapêuticas disponíveis, enfatizando a complexidade dessas condições e a necessidade de cuidados intensivos e específicos para cada paciente.
Figura 9 – Gabriel

Referência bibliográfica
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