REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6622051
Autora:
Brunna Martins Cordeiro1
Orientadora:
Regina Paula Lopes2
RESUMO
O presente artigo objetiva abordar sobre um tema que está em discussão no âmbito jurídico, o qual diz respeito ao abandono afetivo e uma possível responsabilidade indenizatória. Tema esse bastante polêmico, principalmente quando se diz respeito ao abandonar afetivamente e indenizar pelas graves consequências ao indivíduo. São muitos os estudos e discussões acerca das sequelas emocionais ocasionadas pela dor do abandono, já que o afeto e a convivência familiar é de grande importância na construção de personalidade do indivíduo. Aí nasce o dever dos responsáveis de indenizar diante do abandono afetivo. A própria Constituição Federal responsabiliza os pais, a respeito dos cuidados com os filhos, pois a falta de todos os cuidados viola os valores que lhe são concedidos constitucionalmente. Apesar de não ser possível obrigar ninguém a amar outra pessoa, abordaremos neste artigo a possível indenização pelo abandono afetivo, para assim conscientizarmos a todos os pais, uma vez que vem sendo admitido pelos Tribunais indenização por danos morais para compensar as vítimas deste abandono afetivo.
Palavras-chave: abandono afetivo – indenizar – dano moral.
ABSTRACT
This article aims to address a topic that is under discussion in the legal sphere, which concerns emotional abandonment and a possible indemnity liability. This issue is very controversial, especially when it comes to abandoning affectively and compensating for the serious consequences to the individual. There are many studies and discussions about the emotional sequelae caused by the pain of abandonment, since affection and family life is of great importance in the construction of the individual’s personality. This is where the duty of those responsible to indemnify in the face of emotional abandonment is born. The Federal Constitution itself holds parents responsible for the care of their children, as the lack of all care violates the values that are constitutionally granted to them. Although it is not possible to compel anyone to love another person, in this article we will address the possible indemnity for affective abandonment, so as to raise awareness among all parents, since indemnity for moral damages has been admitted by the Courts to compensate the victims of this emotional abandonment.
Keywords: affective abandonment – indemnify – moral damage.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo traz em questão o abandono afetivo e uma possível responsabilidade indenizatória, em relação aos diversos aspectos que rodeiam tal instituto, do direito de família. Quando, e como é considerado esse abandono, e em quais circunstancias caberia indenização.
No direito de família, as famílias passaram e ainda passam por diversas mudanças, sendo uma delas a responsabilização dos pais por abandono afetivo.
O tema gera bastante discussão e, existem várias correntes de juristas que defende sim a possibilidade de responsabilizar os pais por abandonarem seus filhos afetivamente, e por consequência que seja aplicada uma indenização.
Esta corrente afirma que o abandono moral e psicológico pode ser considerado ato ilícito civil, previsto no artigo 186 do Código Civil de 2002. Tratam como danos morais nas relações familiares, o abandono, de acordo com o art. 5, º V e X da CF e artigos 186 e 927 do CC/2002.
Apesar de não existir uma lei especifica sobre afetividade, a Constituição Federal protege o direito da criança e do adolescente em ter uma família e o Estatuto da Criança e Adolescente em seu artigo 19:
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
Desta forma, é sim responsabilidade dos pais cuidar de seus filhos, e não só os deveres de sustento, guarda e de educação dos filhos menores, a nova mudança do ECA atribuiu também aos pais os deveres de convivência e assistência material e moral. Esse aspecto passará a ser considerado nas decisões judiciais de destituição de tutela e de suspensão ou destituição do poder familiar.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL
A Constituição Federal, em seu artigo 227, atribui a família o dever de cuidar, educar, bem como o dever da convivência e respeito aos filhos, sendo esses deveres irrenunciáveis. Também atribui esses deveres aos pais o artigo 229, da Constituição Federal:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
A Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e Adolescente ECA, confere aos pais não somente seus deveres no ponto de vista material, mas também morais.
O dever de criação dos filhos abrange todas as necessidades tais como vestir, alimentar, apoiar e orientar, cuidados na enfermidade e claro, afeto. Afeto é direito e elemento básico da convivência familiar, onde a criança ou adolescente deve ser amparada moralmente e materialmente.
A falta destes acarreta danos aos filhos, uma vez que o que esperam é serem criados e assistidos por seus pais de forma amorosa, afetuosa e cuidadosa. Assim, com base no conceito de poder familiar e de que os pais tem o dever de proteger seus filhos, mas acima de tudo dar-lhes afeto, dispõe Dias (2011, p. 425): “A autoridade parental está impregnada de deveres não apenas no campo material, mas, principalmente, no campo existencial, devendo os pais satisfazer outras necessidades dos filhos, notadamente de índole afetiva”.
O afeto constitui um direito individual, ou seja, uma liberdade que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, uma vez que se fazem necessárias ao bem comum de todos.
Nesse sentido entende Dias (2013, p. 363 apud HOPPE, 2014, p. 18):
A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou crianças e adolescentes em sujeitos de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações discriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos havidos por adoção (CF 227 § 6º).
Assim, o pai que descumprir este direito, não proporcionar afeto ao filho deverá responder perante o estado nas sanções previstas em lei.
3. ABANDONO AFETIVO
O abandono afetivo acontece na falta de cuidado, proteção, criação, educação, companhia, assistência moral, psíquica e social.
A Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal aprovou o projeto de Lei 700/2017, onde altera o Estatuto da Criança e Adolescente. O novo projeto obriga a reparação de danos morais pelos pais que abandonaram seus filhos.
Pois o abandono afeta a personalidade do ser humano, o que implica por direito danos morais.
4. RESPONSABILIDADE AFETIVA NO ÂMBITO JURÍDICO
O abandono afetivo, causa danos às crianças e adolescentes que se encontram nessa situação, não tendo a presença de seu pai ou sua mãe, por livre vontade dos mesmos.
O indivíduo que é abandonado afetivamente é também prejudicado moralmente, uma vez que lhe é negado direitos essenciais para a formação de seu caráter. Causando abalo psicológico à criança ou adolescente, é o mesmo que causar dano moral, o que geral responsabilidade civil de indenizar a vítima por dano causado.
Os autores Pamplona e Galliano afirmam que (2012, p. 747): “Uma importante ponderação deve ser feita. Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo de sua vida. Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor.”
No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é possível encontrar decisões amparadas na possibilidade de reparação civil pelo abandono afetivo:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL SOB O FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. II CERTIDÃO NO DISTRIBUIDOR ONDE CONSTA DIVERSAS AÇÕES DE ALIMENTOS AJUIZADAS PELA AUTORA. III ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À CONVIVÊNCIA FAMILIAR. ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. IV DANO MORAL. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. V VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM R$5.000,00. VI – RECURSO PROVIDO. (TJPR – 8ª C.Cível – AC 768524-9 – Foz do Iguaçu – Rel.: Jorge de Oliveira Vargas – Unânime – J. 26.01.2012).
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. “A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. Por sua vez, outra corrente defende que não existe obrigação legal de companhia e afeto”. (STJ Resp nº 757411/MG Rel. Ministro Fernando Gonçalves Quarta Turma DJ 27.3.2006) APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJPR – 10ª C.Cível – AC 639544-4 – Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Nilson Mizuta – Unânime – J. 04.03.2010).”
5. DANOS MORAIS
Conforme preceitua abaixo Sérgio Cavalieri Filho, o dano é pressuposto indispensável para a caracterização do instituto da responsabilidade civil:
O dano é, sem dúvida, um grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem danos (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 70).
Já o dano moral trata da violação de direitos de cunho não pecuniários, ou seja, não diz respeito ao patrimônio do indivíduo, mas sim de seus direitos da personalidade, quais sejam: sua intimidade, honra e/ou imagem, que são bens protegidos na Constituição Federal em seus artigos 1º, III e 5º, V e X, acarretando à vítima sofrimento e humilhação.
Para Maria Helena Diniz o dano moral “é como um prejuízo de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, decorrente de um fato prejudicial” (DINIZ, 2003, p. 84).
E segundo raciocínio de Glagiano e Pamplona Filho (2006, p 97):
O dano moral consiste na lesão de direito cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. É o dano que afeta os direitos de personalidade da pessoa, violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra, imagem.
A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 1° III 5°, V e X o dano moral trata-se de um direito a dignidade da pessoa humana, que quando violado torna-se indenizável.
Também abrange dano moral os direitos da personalidade, como direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo etc. Por essas, não há que se identificar o dano moral somente com a dor física ou psíquica. Será moral o dano que ocasionar um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento.
6. INDENIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
Abandono afetivo, também denominado abandono paterno-filial também é responsabilidade civil no direito de família. A maioria dos juristas defendem a eventual reparação pelos danos decorrentes do abandono na dignidade da pessoa humana, eis que “o Direito de Família somente estará em consonância com a dignidade da pessoa humana se determinadas relações familiares, como o vínculo entre pais e filhos, não forem permeados de cuidado e de responsabilidade, independentemente da relação entre os pais, se forem casados, se o filho nascer de uma relação extraconjugal, ou mesmo se não houver conjugalidade entre os pais, se ele foi planejado ou não’’ (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Responsabilidade Civil por abandono afetivo. In: Responsabilidade Civil no Direito de Família, ob. cit., p. 406).
Para ele, não existe apenas a presença de danos morais, deve-se cogitar uma hipótese de indenização suplementa, também pela perda da chance de convivência com o pai, com a família.
Doutrinador e presidente nacional do IBDFAM atuou na primeira ação judicial em que se reconheceu a indenização por abandono filial. Na ocasião, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou um pai a pagar indenização de duzentos salários mínimos a título de danos morais ao filho, por não ter com ele convivido (Apelação Cível n. 408.550- 5 da Comarca de Belo Horizonte. Sétima Câmara Cível. Presidiu o julgamento o Juiz José Affonso da Costa Côrtes e dele participaram os Juízes Unias Silva, relator, D. Viçoso Rodrigues, revisor, e José Flávio Almeida, vogal).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho apresentou o abandono afetivo e a possível obrigação de indenizar, acerca da responsabilidade civil que é dever dos pais e pelo sofrimento dos filhos, diante da falta de afeto.
A família de acordo com todas as doutrinas possui como elemento principal o afeto, que deve ser priorizado pelo Estado, e cumprido, para que a cada dia os pais construam o afeto de seus filhos.
Sendo a família o elemento principal na construção do desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes, razão pela qual cabe aos pais proteger e auxiliar seus filhos, direito este fundamental e garantido pela Constituição Federal de 1988.
É dever dos pais propiciar um desenvolvimento adequado, em ambiente saudável, para que os filhos cresçam e se desenvolvam sem sequelas, sejam elas emocionais ou psicológicas.
Toda forma de abandono gera consequências graves, podendo estas serem para toda a vida. Causando sérios danos, capazes de tornar os filhos em adultos emocionalmente abalados pela a falta de afeto dos pais.
Importante destacar que me posiciono no sentido de que exista sim o dever de indenizar em tais casos, especialmente se houver um dano psíquico ou dano moral. Eis que o art. 1.634 do Código Civil impõe como dever do poder familiar a direção da criação dos filhos. Além disso, o art. 229 da Constituição Federal é claro ao estabelecer que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Violado esse dever e sendo causado o dano ao filho, estará configurado o ato ilícito, nos exatos termos do que estabelece o art. 186 do Código Civil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Jurisprudências. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 25 junho 2014.
1Discente do curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba (UNICERRADO).
2Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Goiatuba. Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Estudos Luiz Flávio Gomes. Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Taubaté. Docente do curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba (UNICERRADO).