A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS COMO FORTALECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO DA MULHER AGRO

THE USE OF SOCIAL NETWORKS AS STRENGTHENING THE REPRESENTATION OF AGRO WOMEN

EL USO DE LAS REDES SOCIALES COMO FORTALECIMIENTO DE LA REPRESENTACIÓN DE LAS MUJERES AGRO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7733125


Wenya Alves Alecrim1
Paulo Henrique Soares de Almeida2


RESUMO 

Este estudo busca analisar como mulheres do agronegócio usam redes sociais para ampliar o poder de fala e desconstruir antigas representações. Nosso foco está no movimento Agro Ligadas, ao divulgar dados da pesquisa “Elas fazendo história” no Instagram. O objetivo é compreender, por meio da Análise do Discurso, como elas utilizaram os dados para ajudar a desconstruir o mito do homem como agente hegemônico do discurso rural e como essa comunicação em rede fortalece a visibilidade dessas mulheres.

Palavras-chave: Mulher agro; Mídia digital; Instagram; Discurso; Representação.

ABSTRACT

This study seeks as agribusiness women social networks to expand the power of using speech and deconstructing representations. Our focus is on the Agro Ligadas movement, by publishing data from the “Elas História” survey on Instagram. The objective is to understand, through Discourse Analysis, how they use data to help deconstruct the myth of man as the hegemonic agent of rural discourse and how this communication in redesigning their visibility.

Keywords: Agro Woman; Digital media; Instagram; Speech; Representation.

RESUMEN

Este estudio busca analizar cómo las mujeres agroempresariales utilizan las redes sociales para aumentar el poder del discurso y deconstruir viejas representaciones. Nuestro foco está en el movimiento Agro Ligadas, mediante la difusión de datos de la encuesta “Elas haciendo historia” en Instagram. El objetivo es comprender, a través del Análisis del Discurso, cómo utilizaron los datos para ayudar a deconstruir el mito del hombre como agente hegemónico del discurso rural y cómo esta comunicación en red fortalece su visibilidad.

Palabras-clave: Mujer agro; Medios digitales ;Instagram; Discurso; Representação.

Introdução

As redes sociais, atualmente, fazem parte da vida de milhões de pessoas em todo o mundo e no Brasil não é diferente. O país já possui mais de 150 milhões de usuários: 70,3% de sua população, alcançando o 3º lugar entre as nações que mais usam essas mídias no mundo, segundo o estudo Digital 2021, realizado pela We Are Social e Hootsuite (We Are Social; Hootsuite, 2021).

O fato é que esse movimento digital tem impacto direto na comunicação. Para Recuero (2012), é nessa conversação em rede que, hoje em dia, a nossa cultura está sendo interpretada, narrada e construída, necessitando um novo olhar para este cenário, com pesquisas e estudos capazes fazer entender melhor o caminho que estamos seguindo. No entanto, sabemos que analisar esse movimento não é uma ação simplória. Pesquisar redes sociais, seus efeitos e dilemas é uma tarefa árdua de ser capturada e enquadrada em um único foco, “por serem dinâmicas, essas práticas sociais mudam com o tempo e com as próprias ferramentas que surgem” (Recuero, 2012).

Ao refletir sobre as teorias das mídias digitais, Martino (2015) destaca alguns conceitos-chave desses canais, como a interatividade, o ciberespaço, a convergência, a inteligência coletiva e a cultura participativa. Embora saibamos que essas interações na internet nem sempre se caracterizam pela democracia, pelo fortalecimento da cidadania ou pelas discussões sobre temas de interesses públicos. Além disso, a interação na rede também está relacionada à diversas manifestações e afirmações da cultura e identidade. Desta maneira, torna-se um meio de chamar a atenção para representações e discursos sociais, muitas vezes, silenciados pela grande mídia, buscando, não apenas o engajamento, como também a visibilidade e inclusão. 

Este é o caso das mulheres agro, que são empreendedoras e atuam na gestão das grandes e médias propriedades rurais.

O Brasil é um país produtor e exportador de alimentos, as commodities1. Se no passado tínhamos a cana-de-açúcar e o café como produtos principais, atualmente, commodities como soja e milho, proteínas e frutas seguem na linha de frente. Toda essa produção do campo vem de grandes e pequenas propriedades rurais. No entanto, em geral, percebe-se que a maior parte dessa história agrícola é contada e representada apenas por homens. São eles os protagonistas dessas narrativas das quais as mulheres pouco aparecem, corroborando para o mito de que são eles os principais responsáveis pela produção de alimentos no Brasil. 

Em números, segundo levantamento da consultoria IDados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE, as mulheres ganham cerca de 20% menos do que os homens no Brasil, e a diferença salarial entre os gêneros segue neste patamar elevado mesmo quando se compara trabalhadores do mesmo perfil de escolaridade, idade e na mesma categoria de ocupação. 

E se a desigualdade de gênero nos centros urbanos é um problema, no campo, a importância econômica da atividade feminina muitas vezes é invisível, exigindo políticas públicas e ações transformadoras urgentes. Com base nessas informações, este artigo não pretende esgotar o tema, mas trazer reflexão, em tempos de globalização e mundialização da cultura, com a seguinte questão: de que forma as mulheres que lidam com o agronegócio estão usando as redes sociais para ampliar seu poder de fala e desconstruir antigas representações? 

Como objeto de estudo, vamos analisar o Instagram do movimento Agro Ligadas, iniciativa criada em 2019 por mulheres que visam fortalecer seus laços, lançando luz à representação feminina. Nossas perguntas de pesquisa são: como as mulheres engajadas nesse movimento estão utilizando as redes sociais para conquistar o lugar de fala? Quais significados elas fortalecem no Instagram para a desconstrução do mito do homem como agente hegemônico na produção e construção do discurso rural? 

A escolha da análise do Instagram não foi arbitrária. A plataforma foi o primeiro canal de comunicação utilizado pelo Agro Ligadas, sendo ainda uma importante ferramenta de comunicação digital no Brasil. O país é o terceiro em número de usuários no Instagram (119.5 milhões) no mundo, atrás somente da Índia (230 milhões) e dos Estados Unidos (158,9 milhões), de acordo com o relatório Instagram Q1 2022, produzido pela Kepios (Kemp, 2022). 

1 A representação da mulher do campo

Representação, segundo Hall (2009), significa usar a linguagem para dizer alguma coisa com sentido sobre algo ou alguém a partir de símbolos, seja por palavras, músicas, imagens, fotos, entre outros. Em suma, a representação conecta significado e linguagem com a cultura no processo de produção, consumo e construção de identidade (Hall, 2009). Dizer que as pessoas pertencem à mesma cultura é dizer que eles interpretam o mundo e se expressam, aproximadamente, da mesma maneira. Essa relação está associada ao que Hall destaca como circuito cultural, onde as práticas de ‘produção, circulação, consumo, reprodução e identidade’ estão conectadas entre si, em círculo, mas são independentes. Nesse circuito, a forma como recebemos informações sobre determinado tema ou área de atividade social e a maneira como interpretamos essa mensagem está diretamente relacionada com os discursos dos meios.

O protagonismo das mulheres rurais tem um impacto significativo na vida de milhares de pessoas, uma vez que elas desempenham papéis essenciais em todo o sistema agroalimentar. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e Cultura, as mulheres produzem cerca de metade dos alimentos no mundo, correspondendo a 43% da mão de obra agrícola. Entretanto, apesar de sua participação significativa, a identidade e o trabalho exercido por elas ainda não são totalmente reconhecidos pela sociedade. 

No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, o número de mulheres dirigindo propriedades rurais no Brasil também cresceu. Dos 5,7 milhões de estabelecimentos agropecuários no Brasil, quase um milhão conta com mulheres rurais à frente, o que representa 19% do total, superando os 13% levantados no Censo Agropecuário de 2006 (Governo do Brasil, 2021). Juntas, elas administram cerca de 30 milhões de hectares, o que corresponde a 8,5% da área total ocupada pelos estabelecimentos rurais do país.

No entanto, se os números confirmam forte representação feminina no campo, o fato é que essas mulheres brasileiras ainda são invisibilizadas, mesmo sendo os alicerces, como mão de obra e no apoio para as famílias. Logo, compreender as representações e os significados que o Instagram revela sobre as Agro Ligadas, contribui para entendermos como novas iniciativas podem ajudar a fortalecer laços e promover melhor a visibilidade da mulher agro na sociedade e desmistificar a presença hegemônica masculina.

1.1 Agro Ligadas

O movimento Agro Ligadas surgiu em 2019, depois da inquietude de Geni Calini, fisioterapeuta, casada com um produtor rural no Mato Grosso do Sul. Quando a família dela se mudou para Cuiabá (MT), ela teve mais contato com instituições ligadas ao agronegócio, inclusive a que o marido passou a presidir: a Associação dos Produtores de Algodão (Ampa). Ao acompanhá-lo em vários congressos e eventos, Geni se sentiu incomodada com a forma como as pessoas que não são do meio agrícola enxergavam o setor. 

A conexão com as outras mulheres que compartilhavam a mesma inquietação de Geni foi o “pontapé” para a formação do grupo e o primeiro encontro, em 2018, na época com 50 pessoas. Pouco depois da primeira reunião, nasceu o Agro Ligadas, uma organização formada por mulheres profissionais do Agronegócio, com o propósito de “conectar o campo e a cidade com verdade, ética, coragem, compromisso e amor, a partir de ações educativas e de comunicação”, tal como afirmam em suas redes. 

O movimento conta com mais de 750 mulheres, presentes em mais de 100 cidades, distribuídas em núcleos administrativos de 17 estados espalhados por todo o Brasil. Por meio de uma consultoria que consolidou a estrutura do movimento, o Agro Ligadas começou a ganhar força e automaticamente as integrantes iam sendo chamadas para mais participações em eventos e entrevistas. 

2 Metodologia e análise

O movimento Agro Ligadas se apresenta com o objetivo de desconstruir inverdades a respeito do agronegócio, por meio da educação e da comunicação. A fim de compreender um pouco mais sobre o movimento, nosso ponto de partida metodológico foi realizar uma entrevista semiestruturada em profundidade com a presidenta, Geni Calini. Essa etapa foi importante para conhecermos melhor o contexto e informações além do Instagram. Este método dialoga com reflexões de Michael Foucault (1966), quando nos sugere olhar para fora do texto e enfrentar a “massa de traços” verbais e extraverbais. Desta forma, nota-se em um discurso, elementos que apontam para fora dele, incluindo-o social e historicamente com relações do sujeito com a vida e linguagem.

A entrevista com a presidenta Geni Calini foi realizada de maneira virtual, por meio da plataforma Google meet, e a conversa durou pouco mais de uma hora. Esta etapa da pesquisa foi importante para compreendermos detalhes da formação do movimento, como elas definiram os pilares de atuação (educação e comunicação), como escolheram a principal rede social e a importância da comunicação para o Agro Ligadas fortalecer o discurso das mulheres agro. 

Calini explicou que o pilar da comunicação é um dos principais dentro do movimento e destacou ser preciso desmistificar muitas informações “distorcidas” sobre o agro. Portanto, desde a fundação, o Agro Ligadas percebeu a necessidade de comunicarem-se comunicar com os interlocutores de uma maneira direta. A primeira rede social criada foi o Instagram, posteriormente o Facebook e o YouTube.  O movimento também conta com um programa semanal na rádio Metrópole FM (105,9) de Cuiabá. O mesmo conteúdo é reproduzido no Spotify. A apresentação é feita de maneira voluntária pelos integrantes do movimento que têm habilidades em comunicação. Durante o programa, elas entrevistam convidados que discutem temas técnicos ou repercutem assuntos da atualidade ligados ao campo. 

 Ter uma rede social atualizada e com conteúdo significativo funciona como uma forma de apresentar o Agro Ligadas de maneira organizada, a fim de transmitir autoridade, atrair respeito e investimento financeiro para as ações do grupo. Atualmente, elas contam com uma empresa que administra o Instagram. Mensalmente, é realizada uma reunião entre a diretoria e a equipe para que possam planejar os conteúdos que serão postados ao longo do mês, a fim de divulgar os propósitos e ações do grupo e consequentemente angariar recursos.

Após a entrevista, nosso passo seguinte foi analisar como a comunicação do Agro Ligadas acontece nas redes sociais para fortalecer os objetivos do movimento. Em dados, de acordo com registro no dia 21/4/22, o Agro Ligadas tem 18,2 mil seguidores no Instagram e segue com 3.759 perfis. Na plataforma, são utilizados recursos como publicações de stories, lives e posts no feed, este totalizando até o dia 21/4/22, 841 publicações (Figura 1) com temas diversos, como informações técnicas sobre a produção de alimentos, serviços, eventos e palestras de capacitação, como também biografias de mulheres representativas do agro. 

Figura 1. Agro ligadas. Postagens do perfil do Instagram.
Fonte: @agroligadas. (nd). https://www.instagram.com/agroligadas/.. 2

Como o material é extenso, para entendermos com mais clareza o sentido dos discursos produzidos pelo movimento na rede social Instagram, fizemos o seguinte recorte: analisamos 16 posts no Instagram Agro Ligadas, entre 10 de outubro e 9 de novembro de 2021, período em que o movimento apresentou a pesquisa denominada “Elas fazendo história”, realizada em parceria com a multinacional Cortava, Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e banco Sicredi. O estudo versa sobre a participação feminina no agronegócio brasileiro, como as mulheres percebem os avanços em torno do tema e os desafios ainda presentes.

A data escolhida para divulgar os dados foi em comemoração ao Dia Internacional da Mulher Rural. De acordo com a pesquisa, foram ouvidas 408 mulheres em todas as regiões do país que atuam em diferentes frentes do agronegócio: pecuaristas e agricultoras, prestadoras de serviço, empregadas, diretoras, administradoras de fazendas e estagiárias. Por meio de uma metodologia híbrida (convite via link, telefonemas e pesquisa face a face), o movimento Agro Ligadas e os parceiros chegaram a dados sobre a participação das mulheres no agronegócio em 2021 e compararam com uma pesquisa anterior, feita pela Corte. 

Dito o contexto, o passo seguinte deste artigo foi compreender como o movimento divulgou os dados no Instagram. Para isso, utilizamos como metodologia a Análise do Discurso de linha francesa, conforme orienta Mikhail Bakhtin. Para o autor, a Análise do discurso consiste em analisar a estrutura de um texto, desde o seu ponto de vista semiótico, como também o contexto, a fim de compreender as construções ideológicas presentes. 

Para Bakhtin (2009), nos comunicamos, falamos e escrevemos por meio de gêneros do discurso, sendo assim, a língua não reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto (Bakhtin, 2009).  Em outras palavras, a língua permanecerá idêntica, o que vai mudar é o contexto e por isso ganhará nova significação. Hall (2003) acrescenta que para o pesquisador, a linguagem e o comportamento são os meios pelos quais se dá o registro material da ideologia. Ou seja, quando se analisa estes elementos é possível aproximar-se dos padrões de pensamentos intrínsecos ali. O pesquisador destaca ainda, por meio de Bakhtin, que o significado das coisas é determinado pela cultura, sendo o signo vivo e móvel (2003, p.33). 

Logo, qual sentido emana nos discursos produzidos pelas Agro Ligadas na divulgação da pesquisa? Como elas utilizaram os dados do estudo “Elas fazendo história” para destacar a representação da mulher agro e a desconstrução do mito do homem como agente hegemônico do discurso rural? De que maneira essa comunicação em rede fortalece a visibilidade dessas mulheres? 

Às 16 publicações tiveram os seguintes formatos: dois vídeos (um deles foi feito a partir de um áudio do programa de rádio); 11 posts estáticos; 1 post carrossel; 1 live; e 1 reels.  Os textos, em geral, são curtos, normalmente com até três parágrafos, escritos com uma linguagem simples e direta, características do aplicativo. Observa-se a presença de poucos emojis, outra marca dos discursos no Instagram. Os posts contaram ainda com marcações dos parceiros que contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa. Para apresentar os dados, foram utilizadas diversas vezes imagens de quatro mulheres jovens (com diferentes perfis, três brancas e uma negra), fotos editadas de culturas no campo e números que aparecem em destaque. As hashtags mais utilizadas são: #mulheresnoagro, #agronegocio, #pesquisaagroligadas, #pesquisamulheresnoagro, #sicredi, #corteva e #abag. Entre elas, uma das que chama atenção é #mulheresdoagronegocio, pois revela como elas se posicionam e se conectam com mais mulheres deste setor.  Na sequência apresentamos a análise e discussão dos sete materiais que tiveram maior engajamento.

Figura 2. Agro ligadas. “Pesquisa feminina no setor do agronegócio [Foto]”3.

Fonte: @agroligadas. 

A publicação com maior engajamento, durante o recorte da pesquisa, é um vídeo no formato reels, com 101 curtidas e 22 comentários (Figura 2). Nele, a presidenta do movimento, Geni Calini, destaca, em tópicos, como a força feminina do agro vai além do campo, mas também no: escritório, pesquisa, tecnologia, política e influenciadoras. Assim, ela reforça os espaços de ocupação das mulheres agro, inclusive, projetando um crescimento do movimento com a seguinte frase: “onde houver espaço, nós estaremos”.  O texto sugere que o “espaço” que elas ocupam, é onde há, onde é projetado, dado, não conquistado, alcançado e ainda reivindicado.  A música que acompanha o vídeo é Move Your Feet, com o trecho “Don’t stop (don’t stop) don’t stop the beat/ Can’t stop (can’t stop) can’t stop the beat/ Won’t stop (won’t stop) won’t stop the beat, go”. A melodia é envolvente, animada e a tradução no imperativo evoca “não parar, não parar de dançar e seguir”, esta é uma das mensagens do post. Continuar seguindo, ocupando novos e velhos espaços. A publicação funciona como um teaser dos dados da pesquisa que seriam apresentados na série em comemoração do Dia Internacional da Mulher Rural. 

Figura 3. Agro ligadas. “Como parte das celebrações.”4

Fonte: @agroligadas [Foto]. Instagram: https://www.instagram.com/agroligadas/

Na sequência, o segundo post com maior engajamento, 100 curtidas e 7 comentários, é um carrossel composto por seis imagens (Figura 3). A primeira é uma capa e traz o nome do estudo “Elas fazendo história: pesquisa sobre a participação feminina no agronegócio brasileiro”. Abaixo, “perfil das profissionais do agro entrevistadas em 2021”. Nota-se que o termo “profissionais do agro” está em negrito, reforçando a qualificação dessas mulheres. A imagem, nitidamente editada com recursos de programas de ilustração, representa a união de várias culturas do campo ao trazer a laranja, o milho, o algodão e a soja, como as principais commodities exportadas pelo Brasil. A foto tem um céu limpo e ainda conta com um pequeno trator, simbolizando a mecanização do campo, e uma árvore, sugerindo a preservação e a sustentabilidade. A segunda imagem da publicação traz uma jovem negra com o penteado black power, com roupas e adereços que remetem a uma pesquisadora. O semblante é de felicidade e o texto da foto corrobora com a imagem ao revelar que 41% das mulheres pesquisadas têm curso de pós-graduação na área. Na sequência, as imagens seguem apresentando dados que chamam atenção: “72% dessas mulheres se sentem ouvidas, 68% se sentem livres para tomarem decisões na produção e todas são apaixonadas pelo agronegócio”. Os textos sugerem que mais mulheres se sentem ouvidas, possuem voz e isso as tornam mais livres para tomarem decisões técnicas assertivas e, por conseguinte, serem apaixonadas pelo agro. A palavra paixão é costumeiramente empregada ao se referir a sentimentos femininos, já aos homens, imputam-lhes a objetividade e robustez. Na legenda, o movimento destaca o orgulho de pertencer ao agro, reforçando o dado da pesquisa no qual afirma que 93% das trabalhadoras da área rural disseram ter orgulho em atuar no campo e, para 79% das entrevistadas, a situação das mulheres no agro é melhor do que há dez anos. Como possível forma de atrair a audiência dos parceiros, a publicação traz marcações dos patrocinadores do estudo.

Figura 4. Agro ligadas. “No programa Agro Ligadas de ontem”5

Fonte: @agroligadas. Instagram: https://www.instagram.com/p/CVQ9YTUNpPB/

Outro post analisado traz a foto de duas mulheres e a frase em destaque: “Para trabalhar no agro precisa ser uma mulher forte, porque o desafio é grande”, dita por Gislaine Balbinot, Gerente de Comunicação da ABAG; e Adélia Franceschini, professora no Curso de Pós-Graduação de Pesquisa na FESP e proprietária da Fran6. A frase reforça o texto da legenda: “embora as mulheres do agro enfrentam grandes desafios, o trabalho no agronegócio é motivo de muito orgulho e paixão para as mulheres da nossa pesquisa”, ou seja, mais uma vez, as palavras desafios, trabalho, orgulho e paixão são usadas para representar os sentimentos dessas mulheres. O termo “desafio” aparece duas vezes no texto do post e outras nos comentários. Em um deles, uma seguidora diz: “Opaaaaaaa! Se é! Mas a gente divide o desafio! Às vezes, a gente chora! Aí nos deparamos com uma amiga que nos acalma, fortalece e põe a gente pra cima novamente! 😍 ne migas!?”. Já em outro: “Os desafios são diários… muitos homens e até mulheres tentam nos desmotivar, mas se tornam combustível para continuarmos na batalha”. A palavra desafio tem um forte simbolismo para o grupo. De acordo com a pesquisa Elas fazendo história, 56% das mulheres entrevistadas acreditam ganhar menos do que os homens e outras 64% percebem a desigualdade de gênero ainda muito presente no setor. Em tempos de pandemia e instabilidade econômica, se manter firme e atuante no mercado tornou-se um dos maiores desafios para as entrevistadas, seguido por estabilidade financeira (93%); realização profissional (92%); e o futuro dos filhos (83%).

Figura 5. Agro ligadas. “Resultado destaque da nossa pesquisa.”6

Fonte: @agroligadas. Instagram: https://www.instagram.com/p/CVLID_-l8bS/

O post acima (Figura 5) foi publicado em 18 de outubro de 2021, (99 curtidas, nove comentários). A palavra orgulho expressa o sentido de pertencimento e se refere a grupos que encontraram propósito no que fazem, se sentem peça importante do coletivo e, por isso, tem a admiração de saber que o seu trabalho, somado ao da equipe, faz a diferença. Pouco se vê pessoas com orgulho de pertencer a uma comunidade, a uma cidade, a um grupo de amigos, a uma família. Logo, a expressão “orgulho de ser mulher do agro”, destacada na arte do post, sugere o fortalecimento de uma representatividade e convida outras pessoas a participarem do movimento. 

O texto segue reforçando os patrocinadores e com um convite para interação com o público a partir da frase: “Vocês também se encaixam nesse perfil?”. As seguidoras dão os parabéns pela pesquisa e confirmam o sentimento de orgulho com emojis de “palminhas” e corações. Exemplo de um laço de interesse e afinidade, reforçado nas redes sociais. Em outras postagens os textos seguem fazendo convites para Call to Action (CTA), em geral estimulando as seguidoras a acompanharem outros detalhes da pesquisa acessando o link na bio do Instagram. Esse formato é inerente a rede social e, em geral, costuma trazer engajamento. 

No dia 25 de outubro de 2021, outro post com a palavra orgulho, mas agora com o dado da pesquisa em destaque, reforçando ainda mais este sentimento e laço (Figura 6).

Figura 6. Agro ligadas. “Um dos pontos mais inspiradores.”7
Fonte: @agroligadas. Instagram: https://www.instagram.com/p/CVLID_-l8bS/

O próximo post analisado traz a imagem das mulheres que ilustram a série de publicações (Figura 7). São quatro mulheres jovens, os mesmos elementos da ILPF e ainda com produtos: algodão, laranja e milho. O texto principal faz um convite para que as mulheres conheçam os avanços das atuações delas, mas também destaca que há desafios. 

Figura 7. Agro ligadas. “Comemoramos o Dia Internacional da Mulher Rural.”8

Fonte: @agroligadas. Instagram:https://www.instagram.com/p/CVDaMK1FB0w/

 “O agro tem a voz delas. Tem o protagonismo feminino!” é outro post que reforça a atual autonomia feminina no setor agrário (Figura 8). 

Figura 8. Agro ligadas. “Seguimos divulgando ao longo deste mês.”9

Fonte: @agroligadas. Instagram: https://www.instagram.com/p/CVDaMK1FB0w/

Por meio das análises compreendemos que as postagens feitas pelo Instagram do Agro Ligadas tiverem a intenção de mostrar principalmente as conquistas das mulheres agro nos últimos anos, e que possuem um caráter mais positivo. A mensagem em segundo plano está nos desafios que ainda precisam acontecer. 

Outro ponto a ser destacado, é que no Brasil, um dos primeiros modelos de informação agrícola consistia na disseminação de informações pelos meios de comunicação a fim de informar e orientar o agricultor. Esta forma vigorou até o final da década de 1960 quando o Ministério da Agricultura, através do Sistema de Informação Agrícola (SIA), estabelecia pequenas bases nos estados para transmitir informações com o apoio dos meios de comunicação de massa. Nestes processos a questão de gênero foi posta em segundo plano, o protagonismo e reconhecimento delas como agentes de transformação foi dificultado (Silva, 2017).  Ao longo dos anos esse modelo deslocou-se e o próprio agricultor começou a buscar outras fontes. 

Portanto, as redes digitais, hoje em dia, fazem expandir esta perspectiva de produção e recepção da informação e principalmente do papel de protagonista, como vimos na pesquisa apresentada pelo Agro Ligadas.  As análises do nosso recorte nos revelaram que elas estão produzindo para elas e para os outros, rompendo com a unilateralidade dos processos e ampliando os espaços de inclusão de novos atores e agentes no agronegócio. 

Apesar de não podermos menosprezar a falta de conectividade nos lugares mais remotos do Brasil, ainda mais no meio rural, a visibilidade dos dados da pesquisa esteve além do Agro Ligadas. Os números foram apresentados em diversos veículos (sites institucionais, blogs e grande mídia). Canais como Globo Rural10, Exame11 e o site Justiça de Saia12 também reverberar os dados. 

Apesar do sentimento de orgulho e pertencimento, é importante dizer que quase todas as imagens que foram usadas para divulgar a pesquisa no Instagram do Agro Ligadas são de banco de imagens. Já o reels feito pela presidenta do movimento Geni Caline, em apenas uma publicação em carrossel há uma foto de uma mulher agricultora, seguida por outros posts do mesmo padrão com banco de imagens. A identidade visual das publicações é basicamente a mesma usada no arquivo da pesquisa divulgada pela Abag, como cores e fotos. Entendemos a escolha do mesmo padrão, porém, o engajamento e o reconhecimento poderiam ter sido maiores com o uso de imagens de mulheres que estão ali, no dia a dia no agronegócio.

Conclusão

Se anos atrás muitas mulheres do setor agrário eram colocadas em segundo plano quando o tema era gestão dos negócios, representações de movimentos como o do Agro Ligadas mostram que isso já tem mudado. Nesse novo cenário de evolução tecnológica e com a ascensão de um novo modelo de negócio agrícola, o setor chama cada vez mais a atenção das novas gerações de mulheres que atuam na área, buscam e conseguem protagonismo. Esse espaço, entretanto, não foi concedido, e sim construído. Ao usar as redes sociais para apresentar detalhes e as convicções das mulheres agro, o Agro Ligadas não só rompe, como também cria novos espaços de inclusão no meio rural. 

No recorte deste estudo, observamos que as publicações do movimento Agro Ligadas reforçam a importância das mulheres do campo e o quanto elas desempenham papéis essenciais em todo o sistema agroalimentar. Ao lançar luz ao protagonismo feminino do setor e promover um sentido de pertencimento, o grupo contribui para desmistificar que os homens são os únicos líderes neste segmento e mostra por meio de imagens e textos, a importância da participação das mulheres neste cenário. 

É claro, ainda há um longo caminho a percorrer para que as mulheres no campo conquistem a igualdade. A visibilidade desse protagonismo não abarca todas as mulheres rurais, apenas uma parcela delas, em geral as que possuem capital econômico e social. No entanto, os dados apresentados nesse artigo sugerem que essa é uma realidade cada vez mais próxima e iniciativas que incentivam a participação das mulheres no campo, como o Agro Ligadas, são importantes para que a representatividade feminina no agronegócio se fortalece a cada dia, trazendo benefícios em todas as etapas do ciclo produtivo e social.

Referências bibliográficas

Agro Ligadas, [@agroligadas] (15 de outubro de 2021). Comemoramos o Dia Internacional da Mulher Rural. [Foto]  Instagram:https://www.instagram.com/p/CVDaMK1FB0w/

Agro Ligadas, [@agroligadas] (16 de outubro de 2021). Como parte das celebrações. [Foto] Instagram: https://www.instagram.com/agroligadas/

Agro Ligadas, [@agroligadas] (18 de outubro de 2021). Resultado destaque da nossa pesquisa. [Foto] Instagram: https://www.instagram.com/p/CVLID_-l8bS/

Agro Ligadas, [@agroligadas] (20 de outubro de 2021). No programa Agroligadas de ontem. [Foto] Instagram: https://www.instagram.com/p/CVQ9YTUNpPB/

Agro Ligadas, [@agroligadas] (25 de outubro de 2021). Um dos pontos mais inspiradores da nova pesquisa.  https://www.instagram.com/p/CVdy7gslOP0/

Agro Ligadas, [@agroligadas] (25 de outubro de 2021). Um dos pontos mais inspiradores da nova pesquisa. [Foto]   https://www.instagram.com/p/CVdy7gslOP0/

Agro Ligadas, [@agroligadas] (5 de novembro de 2021). Seguimos divulgando ao longo deste mês. [Foto] Instagram: https://www.instagram.com/p/CVDaMK1FB0w/

Agro Ligadas, [@agroligadas]. (nd). Postagens [Perfil do Instagram]. (22 de abril, de 2021). https://www.instagram.com/agroligadas/

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1Commodities são produtos de origem agropecuária ou de extração mineral, em estado bruto ou pequeno grau de industrialização, produzidos em larga escala e destinados ao comércio externo. Seus preços são determinados pela oferta e procura internacional da mercadoria.
2Data da publicação: 22 de abril de 2022.
3Data da publicação: 14 de outubro de 2021.
4Data da publicação: 16 de outubro de 2021.
5Data da publicação: 20 de outubro de 2021.
6Data da publicação: 18 de outubro de 2021.
7Data da publicação: 25 de outubro de 2021
8Data da publicação: 15 de outubro de 2021.
9Data da publicação: 5 de novembro de 2021.
10Acesso em 22 de abril de 2022. Disponível em: https://exame.com/agro/56-das-mulheres-do-agro-ganham-menos-que-os-homens-diz-pesquisa/
11Acesso em 22 de abril de 2022. Disponível em: https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agro-E-Delas/noticia/2021/10/mulheres-do-agro-dizem-se-orgulhar-o-que-fazem-mas-querem-igualdade-e-mais-visibilidade-diz-pesquisa.html
12Acesso em 22 de abril de 2022. Disponível em: https://www.justicadesaia.com.br/mulheres-nas-finacas-participacao-das-mulheres-no-agronegocio-e-motivo-de-orgulho-mas-ainda-ha-desafios-mostra-pesquisa/


1Universidade de Brasília, (UNB), doutoranda, Brasil, wenyaalecrim31@gmail.com

2Doutor em Comunicação pela Universidade de Brasília, pauloalmmeida@gmail.com