A TERCEIRIZAÇÃO E SEUS IMPACTOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

OUTSOURCING AND ITS IMPACTS ON WORK RELATIONS

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11417750


Débora Luíza da Costa Bonfim1


RESUMO:  A terceirização é uma prática de gestão e organização do trabalho que preza pelo atendimento da demanda e maior flexibilidade das condições das atividades, pautadas pelo cenário capitalista contemporâneo, envolvida pela lógica financeira e suas políticas neoliberais. Todavia, no Direito do trabalho, a flexibilização da forma de trabalho não é bem vista, pois dispõe de novas condições para adequação dos avanços do mercado, que resultam em normas gerais inferiores às aceitáveis para que os trabalhadores tenham dignidade. O estudo tem como objetivo contextualizar os impactos nas relações de trabalho provenientes da reforma trabalhista trazida pela Lei nº 13.467 do ano de 2017. O presente trabalho foi realizado com base em uma pesquisa bibliográfica, realizada por meio dos dados disponíveis Scientific Electronic Library Online (SCIELO); Google Acadêmico, Sites sobre conteúdo jurídico e sites de órgãos governamentais. Os critérios de escolha dos artigos foram preferencialmente nos últimos cinco anos (2019-2024). Os artigos apontaram que a Lei n°13.429, de 31 de março de 2017 trouxe alterações consideradas como um retrocesso social, pois ferem os princípios constitucionais, a valorização do trabalho, bem como a justiça social e a dignidade da pessoa humana. Sendo assim, não respeitou o princípio da vedação do retrocesso, referente aos direitos fundamentais adquiridos pelas lutas ligadas ao direito do trabalhador. Conclui-se que tal alteração serviu para reduzir os direitos adquiridos ao longo de anos.

Palavras-chave: terceirização; relações de trabalho; responsabilidade subsidiária.

ABSTRACT: Outsourcing is a work management and organization practice that values meeting demand and greater flexibility in the conditions of activities, guided by the contemporary capitalist scenario, involved by financial logic and its neoliberal policies. However, in labor law, the flexibilization of the form of work is not well regarded, as it provides new conditions for adapting market advances, which result in general standards that are lower than those acceptable for workers to have dignity. The study aims to contextualize the impacts on labor relations resulting from the labor reform brought by Law No. 13,467 of 2017. The present work was carried out based on a bibliographical research, carried out using available data Scientific Electronic Library Online (SCIELO); Google Scholar, Websites about legal content and websites of government agencies. The criteria for choosing articles were preferably in the last five years (2019-2024). The articles pointed out that Law No. 13,429, of March 31, 2017, brought changes considered a social setback, as they violate constitutional principles, the appreciation of work, as well as social justice and the dignity of the human person. Therefore, it did not respect the principle of prohibiting regression, referring to the fundamental rights acquired through struggles linked to worker rights. It is concluded that this change served to reduce the rights acquired over Years.

Keywords: outsourcing; work relationships; subsidiary liability.

1. INTRODUÇÃO

 A terceirização teve início após a Segunda Guerra Mundial, momento em que os países envolvidos no confronto tiveram que mudar toda sua estrutura social, política e econômica. Deste modo, muitas empresas da Europa e Estados Unidos surgiram na retomada do desenvolvimento e o mercado econômico voltou a se reerguer desenfreadamente. Instante em que as empresas começaram a buscar a terceirização como uma forma de otimização se seus serviços onde as estas começaram a contratação de serviços por meio de empresas intermediárias.

A flexibilização das condições de trabalho tem raízes no declínio do modelo taylorista/fordista, enquanto um buscava otimizar a produtividade do e a produção em massa, vindo posteriormente a surgir o modelo toyotista que presa pelo atendimento de demanda e eliminação de estoques.

A terceirização é tema polêmico que têm gerado intensos debates e análises sobre seus efeitos na vida dos trabalhadores nas empresas e na sociedade. A flexibilização do trabalho se refere a contratação de serviços por meio de empresa contratante a outra contratada, criando uma relação trilateral saindo do foco da relação bilateral entre empregado e empregador. Isso contribuiu para a precarização nas condições do trabalhador, insegurança jurídica, aumento da carga de trabalho e impactos negativos nos direitos dos trabalhadores. Diante do exposto, a pergunta norteadora aponta: quais os impactos nas relações de trabalho com a adoção da terceirização? 

As hipóteses da pesquisa consistem em: a terceirização é considerada um retrocesso das relações de trabalho no Direito brasileiro; e a reforma tributária contribuiu para redução dos direitos dos trabalhadores.

O estudo se justifica pelas consequências diretas que a nova lei trouxe aos trabalhadores, pois além da precarização, enfraqueceu a classe trabalhadora. É importante destacar que a precarização dos serviços não é culpa dos colaboradores, mas do sistema implementado. Os trabalhadores contratados para a terceirização sofrem com a precarização dada pelo fundamento da terceirização, que busca efetivamente os lucros e redução de custos, resultando em uma subtração dos direitos sociais dos colaboradores (Allan; Martins, 2019).

O estudo tem como objetivo contextualizar os impactos nas relações de trabalho provenientes da reforma trabalhista trazida pela Lei nº 13.467 do ano de 2017. Como objetivos específicos, a pesquisa visa apresentar o surgimento da terceirização, os impactos trazidos pela lei nº 13.467 para os trabalhadores e para os empregadores.

O presente trabalho foi realizado com base em uma pesquisa bibliográfica, do tipo descritiva, com abordagem qualitativa, através de livros, artigos científicos e legislações. A pesquisa descritiva tem como objetivo proporcionar um aprimoramento de ideias e escolher as que mais se encaixam no estudo (GIL, 2008). A busca teórica foi realizada por meio dos dados disponíveis Scientific Electronic Library Online (SCIELO); Google Acadêmico, Sites de conteúdo jurídico e sites de órgãos governamentais. Os critérios de escolha de artigo foram preferencialmente nos últimos cinco anos (2019-2024), sendo que tiveram algumas literaturas mais antigas, como legislações e obras de autores renomados do Direito. A pesquisa foi dividida em três capítulos, incluindo a Introdução, Desenvolvimento e a Conclusão. No desenvolvimento a abordagem do estudo está relacionada aos temas do direito do trabalho, fenômeno da terceirização, a vedação ao retrocesso, o impacto nas relações de emprego e as responsabilidades das empresas prestadoras ou contratantes.

2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

 O Direito do Trabalho tem atuação na relação jurídica entre trabalhadores e empregadores, direcionado pela Constituição Federal de 1988 e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a fim garantir a relação lícita e harmoniosa entre as partes. A sociedade sobrevive pelo fruto do seu trabalho e é a partir disso que se desenvolve novas formas e estilos de vida. Desse modo, os direitos foram instaurados no século VXIII, iniciado pelo direito social, instaurado na época da revolução industrial pelos conflitos de classes. Posteriormente, em 1943 foi aprovada a CLT, compilando as leis já existentes e regulamentando as relações de trabalho (Medeiros, 2023).  

 Os Direitos do Trabalhistas estabelecem normas que regem a relação empregatícia baseada em princípios como: o princípio protecionista; o princípio da irrenunciabilidade de direitos; o princípio da primazia da realidade; o princípio da vedação da alteração prejudicial; o princípio da eficácia horizontal e imediata dos direitos fundamentais; o princípio da intangibilidade salarial; e o princípio da não violação a projeto de vida (Freitas, 2021).

 O primeiro princípio, o protecionista, consta da Súmula 288 do TST, que estabelece os proventos da aposentadoria, instituída, regulamentada e paga diretamente pelo empregador, regida pelas normas na data da admissão do empregado, constado no art. 468 da CLT (Brasil, 1943). O princípio da irrenunciabilidade dos direitos, também atua na proteção do empregado, pois é a parte mais vulnerável da relação empregatícia. Desse modo, as cláusulas de um contrato que prevê a isenção do pagamento do 13° salário, férias e recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço estariam eivados de nulidade, mesmo que o empregado seja tratado como hipersuficiente. Em relação ao princípio da relação do emprego, consiste no direcionamento das normas para empregar ao contrato individual de emprego a maior duração possível, visto que o salário tem caráter alimentar que é fruto do emprego, portanto a CLT tem o propósito de proteger essa situação (Freitas, 2021).

O princípio da primazia da realidade tem o objetivo de conceder o tratamento igualitário, ou seja, reduzir as desigualdades sociais e econômicas entre o empregador e o empregado. Assim, a liberdade do contrato com pessoas de poder, com capacidade econômica desigual, muitas vezes conduz a diferentes maneiras de exploração (Freitas, 2021). No princípio da vedação da alteração prejudicial, só é lícito a alteração das condições do contrato em caso de consentimento mútuo, desde que não resulte prejuízos ao empregado, sob pena de decretar a nulidade da cláusula que fere a garantia do trabalhador, disposto no art. 468, da CLT (Brasil, 1943). 

No princípio da eficácia horizontal imediata dos direitos fundamentais, não é admitido que o empregador não respeite a dignidade do empregado, como pessoa humana, tanto no aspecto físico, como no mental, ou seja, a empresa não pode considerar o empregado como algo descartável. O princípio da intangibilidade salarial defende que o valor recebido do empregado tem caráter alimentar, dessa forma, o ordenamento jurídico proíbe o chamo truck system, que consiste no empregador fornecer os bens de primeira necessidade sem efetuar o pagamento em pecúnia, que resulta em uma situação de dependência, conforme no art. 462, §2°, da CLT (Brasil, 1943). Por fim, o princípio da não violação do projeto de vida, que consiste, entre suas funções, em regular a vida em sociedade, pois esta não para de se transformar (Freitas, 2021). 

O direito do trabalho tem passado por inúmeras mudanças nas últimas décadas como, o surgimento do teletrabalho, o contrato de trabalho intermitente, o empregado hipersuficiente, incluindo as formas de terceirização e entre outros, conforme o art.444, da CLT e a Lei 13.467 de 2017, conhecida como a “reforma trabalhista”.

3 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DO TRABALHO E DA TERCEIRIZAÇÃO

 As formas de trabalho surgiram desde os primórdios das civilizações, em que os seres humanos atribuíam inúmeras tarefas em prol da sua sobrevivência. As primeiras manifestações do trabalho humano apontaram a necessidade de esforço nas tarefas em que eram submetidos. Com o passar dos anos, a troca ou o escambo começaram a ganhar complexidade, até a conversão do valor em moeda de troca, visto que as trocas alcançaram além da sua utilidade, atribuindo um valor correspondente para justificar a força tarefa (Morais, 2021).

Em decorrência da evolução do trabalho humano surgiu o Direito do Trabalho, que consiste na correção das distorções econômicas e sociais, regulando as relações de poder criadas pela dinâmica da sociedade civil, presentes nas instituições e nas empresas (Morais, 2021).

 O Estado Democrático de Direito instaurado pela CF/88 possibilitou a ascensão dos princípios e garantias constitucionais, elevando a importância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que preconiza a existência de uma ordem econômica desenvolvida na valorização do trabalho humano, incluindo a sua plenitude e a existência digna (Borges; Soares; Rodrigues, 2020). 

Quanto a proteção do trabalhador, este está consolidado no plano internacional, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), instituído no pós guerra. O organismo tem a finalidade de fomentar a Justiça Social e os direitos humanos laborais. Posteriormente, foram surgindo as leis de proteção do trabalho, com edições imperativas, envolvendo inúmeras matérias das relações de emprego, como hora de trabalho, duração, dispensa, segurança, medicina do trabalho e entre outros (Torres et al. 2020). 

 A modalidade terceirizada consiste no profissional contratado por uma companhia de terceirização por regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalhador) para a prestação dos serviços em uma outra companhia, denominada de empresa prestadora. Ou seja, os empregados são contratados pela contratante e são destinados a trabalharem em outra organização, possuindo todos os direitos garantidos pela CLT. A empresa que realizou o registro da carteira ficará responsável pelo pagamento do salário e demais atribuições, a de terceirização. A regra inclui para os demais pagamentos de encargos e obrigações (Lima; Machado, Pires, 2024).   A flexibilização do trabalho é alvo de discussões nas últimas décadas, mesmo com sua vigência expressa na CF/88, existem algumas ressalvas quanto à flexibilização no Direito do Trabalho. O ordenamento Jurídico Brasileiro é marcado pela natureza protecionista dos trabalhadores desde a instauração, observada pela presença da intervenção estatal por muitos anos, o que mostra a real necessidade do Estado em regular as duas vias das relações trabalhistas. Desse modo, o Estado é visto como um ponto de equilíbrio entre o empregado e o empregador, visando as proteções do trabalho de maneira justa e a garantia do mínimo de dignidade dos trabalhadores, pois é a classe menos favorecida da relação (Morais, 2021).

No Direito do trabalho, a flexibilização da forma de trabalho não é bem vista, pois dispõe de novas condições para adequação dos avanços do mercado. Tais condições estão relacionadas às normas gerais inferiores às aceitáveis para que os trabalhadores tenham dignidade. Outro ponto importante, é que o Estado atribui limites mínimos e máximos à negociação fazendo com que a parte menos favorecida renuncie seus direitos e aceite as condições de trabalho que antes não se colocaria. Isso faz com que o trabalhador se submeta a flexibilização ou não consiga nenhuma oportunidade de emprego (Morais, 2021).

Nesse sentido, é fundamental que os profissionais do Direito do Trabalho sejam capazes de compreender as diferentes vertentes e suas implicações práticas, a fim de estabelecer estratégias jurídicas efetivas para a defesa dos direitos dos trabalhadores. 

4 O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO

As metodologias de organização do trabalho e suas transformações foram identificadas em um contexto histórico pela crescente flexibilização de direitos e precarização da mão de obra, formadas por estratégias para manter a hegemonia do capital sobre o trabalho, adotadas pelo sistema econômico. Nesse sentido, a terceirização foi criada como resposta à crise do modelo fordista e uma das principais ferramentas da lógica neoliberal aplicada ao mundo do trabalho (Almeida, 2019).

O modelo de produção fordista consiste basicamente na organização dos trabalhadores, em que as funções se repetem constantemente para a fabricação de produtos padronizados em massa, mantendo grandes estoques. Posteriormente, o modelo de produção evoluiu, pois os consumidores passaram a ser mais exigentes, requisitando uma produção de qualidade, rápida e específica aos seus próprios gostos, alterando a metodologia das empresas numa forma mais maleável e flexível comparado ao antigo modelo de produção, a fim de atender a demanda atual (Araújo, 2021).

Desse modo, a terceirização foi instaurada pelos países desenvolvidos, principalmente na Europa Central, por volta dos anos 1960 e 1970, como alternativa contra a crise de acumulação do capital, após o grande crescimento econômico do pós-guerra. Sendo assim, surgiram novos modelos de produção diversos do século XIX, o aparecimento de novos modelos de empresas em unidades enxutas, descentralizadas e automáticas, com elevados níveis de produtividade e eficácia de produção (Araújo, 2021). 

Nesse diapasão, a terceirização é determinada como uma prática de gestão e organização do trabalho, utilizada no modelo Toyotismo. Consiste na produção industrial pela adoção do sistema just-in-time, que preza pelo atendimento da demanda, autonomizando esse sistema no campo do processo de trabalho. Com a modalidade da terceirização é possível alcançar maior flexibilidade no cenário capitalista contemporâneo, envolvido pela lógica financeira e suas políticas neoliberais (Druck, 2021).

Destaca-se que as empresas visam a garantia de altos lucros, demandado de seus trabalhadores a maximização do tempo e alta produtividade, além da redução dos custos do trabalho e a rotatividade nas formas ocupacionais. Desse modo, o trabalho terceirizado parte do princípio de ser uma estratégia que controla, disciplina, facilita as condições para maior exploração, reduz riscos e custos, reduz a remuneração do trabalho, intensifica a jornada de trabalho e diminui os direitos e benefícios conquistados pelos trabalhadores (Druck, 2021).

Muitas vezes, essa modalidade é manifestada como uma exploração do serviço e divisão da classe operária através da interposição de terceiros, que oculta as relações de emprego assalariado, como formas contratuais atípicas de trabalho. Com isso, resulta na erosão do paradigma de proteção social, da relação de trabalho assalariado, imposto pela regulamentação pública criada no pós-guerra perante as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Druck, 2021).

O processo da terceirização cresceu da maneira tradicional pela contratação de empresas prestadoras de serviços, além da ampliação de atividades em outras categorias, como cooperativas, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público e ONGs (Druck, 2021).

Em 1974, foi aprovada a Lei n°6.019, que estabelece o contrato de trabalho temporário terceirizado, resultando numa quebra de paradigma em relação ao modelo tradicional de contratação bilateral. A lei dispõe sobre a modalidade de contratação trilateral, que consiste em uma empresa contratante, uma empresa de trabalho temporário e o trabalhador. Portanto, o contrato de trabalho tem característica temporária e possui uma previsão legal das possibilidades para que seja utilizado, são elas: “atender as necessidades transitórias de substituição do pessoal regular e permanente ou em caso de acréscimo extraordinário de serviços” (Dutra; Prates, 2021, p.132).

No ano de 1986, houve outro acontecimento importante na regulamentação do trabalho terceirizado pela aprovação da Súmula n°256 do Tribunal Superior do Trabalho, que passou a defender as regulamentações que tinham como previsão “a possibilidade de terceirização em todas as atividades executadas pelas concessionárias de serviços públicos e pelas empresas de telecomunicações” (Dutra; Prates, 2021, p.138).

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, no tema 725, decidiu o seguinte:

É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante (VERAS, 2023, p.01).

Veras (2023) aponta que os colaboradores terceirizados possuem os mesmos direitos atribuídos a um trabalhador regido pela CLT, como, por exemplo, o gozo de férias, 13° e FGT. Tais obrigações são de responsabilidade da empresa terceirizada.  Desse modo, o direito do trabalho reconhecido no art. 6° da CF/88, como um direito fundamental social, é concretizado à dignidade humana e aos direitos irrenunciáveis, que devem ser respeitados nos pilares da democracia e dos direitos fundamentais (Torres et al. 2020).

5 VEDAÇÃO AO RETROCESSO EM DIREITOS TRABALHISTAS

 A reforma trabalhista trazida pela Lei nº 13.467 do ano de 2017 alterou diversos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A implementação da lei modificou as condições de trabalho, com a promessa de garantir os benefícios aos trabalhadores, como a criação de novos empregos e novas condições de trabalho, o que trouxe, na verdade, maior rotatividade da mão de obra e maiores ganhos para os empresários. Portanto, a reforma trabalhista conferiu prejuízos incontestáveis às classes trabalhadoras, tornou incompatível com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, com a CF/88 e com os tratados internacionais estabelecidos no país (Borges; Soares; Rodrigues, 2020).  

 O tema alterou os dispositivos da Lei n° 6.019, de 03 de janeiro de 1974, dispondo sobre o trabalho temporário das organizações e atribuindo direitos aos envolvidos no contrato. Assim, as consequências da terceirização impactaram as empresas e o trabalhador terceirizado, como o aumento das contratações, redução das taxas de desemprego e demais prerrogativas na regência das normas previstas na CLT (Lima; Machado; Pires, 2024). 

 A Constituição Federal de 1988 trouxe a consolidação da democracia, da justiça social e da dignidade da pessoa humana, associado ao direito de personalidade, firmado em sua comunidade, a fim de garantir a si e à sua família uma existência digna (Borges; Soares; Rodrigues, 2020). Nesse sentido, a reforma trabalhista foi considerada com um retrocesso civilizatório. Entre seus principais problemas, destaca-se a “criação” de uma presunção de igualdade entre os empresários e os colaboradores, possibilitando a realização de acordos individuais contra o princípio da proteção e a prevalência da Lei e Normas Coletivas prejudicando o trabalhador (Gomes, 2018).

 Desse modo, as alterações presentes na reforma trabalhista e as demais legislações influenciaram nos direitos dos trabalhadores, não sendo compatíveis com os direitos constitucionais, principalmente na relação da vedação ao retrocesso. O princípio da vedação ao retrocesso está ligado diretamente aos Direitos e Garantias Fundamentais do indivíduo, sendo assim, não poderiam ter seu conteúdo esvaziado pelo constituinte, e menos ainda pelo legislador infraconstitucional. Além disso, os Direitos e Garantias Fundamentais são considerados cláusulas pétreas na CF/88 (Borges; Soares; Rodrigues, 2020).

 Assim, o não retrocesso defende a obrigação de não agravar, mas sim de melhorar as condições normativas fáticas. Isso não significa o impedimento de qualquer reajuste ou restrições legislativas, bastando atentar aos princípios da “proporcionalidade, razoabilidade, preservação do núcleo essencial, a confiança e a segurança jurídica, ou seja, um rigoroso controle constitucional” (Torres et al. 2020, p.125).

 Dessa maneira, uma vez acolhido o direito, não cabe ser reduzido ou exaurido, o denominado effet cliquet, instituído pela doutrina francesa. Isso significa que nem a lei poderá retroagir e nem o poder de reforma, pois a Constituição ampara os direitos sociais já reconhecidos. Portanto, cabe as leis futuras atribuir aos trabalhadores novos benefícios relativos às condições de trabalho (Torres et al. 2020).  

6 ALTERAÇÕES NA LEI DE TERCEIRIZAÇÃO

 O Projeto de Lei n. 4.302/1998 foi alterado em março de 2017, transformando na Lei n. 13.429, efetivando a instituição da terceirização e ampliando os direitos. O intuito da mudança seria a permissão da contratação do serviço pela terceirização para atividades fins da pessoa jurídica, que anteriormente era vetado conforme a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (Silva, 2023). 

 Conforme a Lei n°13.429, de 31 de março de 2017 que estabelece sobre as relações de trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros e a Lei n° 13.467, de 13 de julho de 2017 que dispõe sobre a prestação do trabalho intermediado nas atividades fins de todas as organizações evidenciam que ao afastar o colaborador terceirizado do aproveitamento da mão de obra, a regulamentação priva o trabalhador de valores fundamentais ao desenvolvimento humano em âmbito profissional.  A mudança mais significativa na legislação foi a inclusão do art 4°, em que consiste a não existência de vínculo empregatício entre os trabalhadores ou sócios da empresa prestadora do serviço terceirizado com a empresa contratante. Todavia, a liberação definitiva veio com a instauração da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, alterando novamente o artigo quarto, da Lei nº 6.019, possibilitando a prestação dos serviços pela transferência da contratante na execução das atividades, principalmente na atividade principal.

 Em suma, o que antes só era permitido na contratação de trabalhadores para atividades temporárias (Lei nº 6.019/1974), como serviços de vigilância (Lei nº 7.102/1983), conservação, limpeza e serviços relacionados a atividades-meio do tomador, passou a ser irrestrita no ordenamento jurídico após a vigência das leis nº 13.429/2017 e nº 13.467/2017 (Martino; Bertolin, 2022). 

 Isso mostra que a promessa política da aprovação da reforma trabalhista não alcançou os resultados previstos. A falta das garantias trabalhistas robustas pode causar aos trabalhadores uma posição de vulnerabilidade, com poucas alternativas para lidar com as eventualidades, como, por exemplo, demissões circunstanciais ou mudanças das condições de emprego (Michelin et al. 2024).

7 IMPACTOS NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

                       De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), no dossiê “Terceirização” da Sondagem Especial (SondEsp) cerca de 63% das empresas brasileiras utilizam serviços provenientes da terceirização. Entre essas empresas, 84% pretendem manter ou aumentar a utilização do serviço para os anos subsequentes. Ademais, 53% das empresas apontam que sem os serviços terceirizados estariam economicamente prejudicadas. A pesquisa apontou que o principal motivo da terceirização é a diminuição dos custos, ou seja, 88,9% dessas empresas alegaram que o motivo não é proveniente da otimização do processo produtivo, e sim da diminuição dos seus custos (Martino; Bertolin. 2022).

 Todavia, a redução das despesas tem influência direta sobre o valor percebido pelos colaboradores terceirizados. De acordo com a pesquisa feita pela Central Única dos trabalhadores (CUT), com base na Relação Anual das Informações Sociais (RAIS), apontou que a remuneração da classe trabalhadora foi 34,7% menor quando comparado ao subsídio recebido pelos colaboradores contratados (Martino; Bertolin. 2022).

 O Governo Federal esclareceu que o projeto de lei trabalhista tinha como principal objetivo equilibrar as contas públicas e a geração de novos empregos por conta da flexibilização e a criação das novas alternativas de emprego. Desse modo, houve parcialmente um avanço da modernização da regulamentação trabalhista, visto que passou a reconhecer as modalidades de trabalho que anteriormente não eram adequadamente regulamentadas (Fachini, 2022). Desse modo, a Lei 13.467/17 possibilitou além das novas alternativas de trabalho, como promoveu: 

•       O estreitamento da relação entre empregador e empregado;

•       A desburocratização de alguns procedimentos trabalhistas;

•       Mais flexibilidade em relação a alguns direitos antes existentes, como a dos intervalos Inter jornada, banco de horas e férias do empregado (FACHINI, 2022, p.01).

Além disso, a flexibilização trouxe alguns impactos negativos em sua materialidade como: 

•       Redução do poder de mediação e negociação dos sindicatos, substituído pela negociação direta entre empregador e empregado – onde este último seria a parte mais vulnerável;

•       Aumento do trabalho informal e das condições menos estáveis de trabalho, com modelos como o contrato de trabalho intermitente;

•       Retirada de direitos antes garantidos, como o direito ao pagamento de horas in itinere, ao pagamento de horas-extra (em detrimento do banco de horas), entre outros (FACHINI, 2022, p.01).

Conforme mencionado, a reforma trabalhista trouxe impactos para o direito coletivo de trabalho, bem como na amplitude da força sindical como um todo. O sindicalismo é uma das principais formas de representação dos trabalhadores, com o objetivo de lutar por melhores condições e garantir direitos básicos (Fachini, 2022).  

Além disso, têm um papel importante na garantia dos direitos trabalhistas, pois, além de representar os trabalhadores, também atuam na fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas. Eles podem, por exemplo, denunciar irregularidades e abusos cometidos pelos empregadores, bem como negociar acordos coletivos que beneficiem os trabalhadores (Delgado, 2019).

A legislação trabalhista no Brasil tem sido objeto de críticas e discussões há muitos anos. Uma das principais delas trata da rigidez da legislação, que, muitas vezes, impede a adaptação às mudanças do mercado e dificulta a criação de novos postos de trabalho. Outra crítica é a complexidade da legislação, que, em determinadas situações, dificulta a compreensão dos direitos e deveres dos trabalhadores e empregadores.

Maurício Godinho Delgado (2019) destaca a necessidade de atualização da legislação trabalhista no Brasil, especialmente em relação à sua adequação aos novos modelos de trabalho. Somado a isto, a reforma trabalhista, lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, tem sido objeto de críticas por parte de diversos setores, que alegam que as mudanças promovidas enfraqueceram a proteção dos trabalhadores e precarizaram as relações de trabalho. 

Outra crítica frequente é a falta de efetividade da legislação trabalhista, que comumente não é cumprida pelas empresas, seja por desconhecimento, seja por descaso. Isso acaba gerando um ambiente de precarização e desproteção dos trabalhadores, especialmente aqueles que possuem menor poder de negociação (Delgado, 2019). Ao verificar as condições do trabalhador, percebe-se que não são as mais adequadas (Nery, 2020).

8 RESPONSABILIDADES DAS EMPRESAS PRESTADORA OU CONTRATANTE

No processo da terceirização, o empregador precisa garantir um conjunto de deveres e obrigações. A responsabilidade da empresa é dividida em duas esferas, como a trabalhista e a de diretrizes, as quais abrangem áreas distintas. Quanto aos critérios “trabalhistas” a companhia contratante é responsável por garantir aos terceirizados condições laborais satisfatórias, bem como assegurar que os direitos contratuais sejam respeitados. Portanto, o cumprimento das normas versa sobre:

•       Jornada de trabalho definida em lei;

•       Pagamento de salário respeitando o piso da categoria;

•       Direitos trabalhistas (férias remuneradas, 13º salário, entre outros);

•       Condições de trabalho seguras e saudáveis;

•       Direitos fundamentais (liberdade sindical, proibição do trabalho infantil, entre outros) (LUGARINHO, 2023, p.01).

A responsabilidade tem caráter subsidiário ou solidário, que varia de acordo com as circunstâncias do contrato. Em relação a segunda espera, como as “diretrizes”, envolve a ampliação dos padrões, assegurando que os terceirizados estejam em conformidade com as legislações, como: “estar em dia com questões ambientais, sociais e de governança (ESG); garantir a aderência à lei geral de proteção de dados (LGPD); ter um canal de denúncias eficaz” (Lugarinho, 2023, p.01)

 Ademais, um único colaborador, mesmo que contratado por uma única empresa, pode se submeter a duas ou mais empresas, quando se trata da cobrança dos seus direitos. Nesse sentido, já se encontrava expresso na CLT, conforme o segundo parágrafo do art. 2°:  

Art. 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego (BRASIL, 1943, p.01). 

  O artigo 264 do Código Civil, estabelecido pela Lei Federal 10.406/2002, dispõe sobre a responsabilidade solidária: “há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda” (Brasil, 2002, p.01). Mesmo com a responsabilidade prevista em lei, as empresas envolvidas no contrato de trabalho podem ser avaliadas na esfera trabalhista, tornando-as responsáveis pelas pendências para com o colaborador.

 É importante ressaltar que a responsabilidade solidária não possui o benefício de ordem expresso no art. 124 do CTN, sendo assim, a eventual dívida é de responsabilidade de todas as companhias envolvidas. Ademais, não é necessária a cobrança prévia de somente uma companhia e posteriormente acionada as demais.

Já em relação à responsabilidade subsidiária, existe uma empresa responsável principal pelo pagamento das dívidas, e em caso de descumprimento, a responsabilidade passa a ser cobrada pelas demais. Nesse caso, identifica-se certa hierarquia ou escala de responsabilidade da principal e das outras seguintes (Delboni, 2020).

 Sendo assim, a responsabilidade solidária difere da responsabilidade subsidiária, pois a primeira é prevista em lei ou contrato, já a segunda ocorre quando o devedor principal não arca com suas dívidas, sendo necessário chamar as outras empresas envolvidas para sanar as pendências ocorridas. Muitas vezes tais empresas não pertencem a um mesmo grupo econômico, mas que de alguma forma foram beneficiadas pelas atividades produtivas do colaborador (Delboni, 2020).

9 CONCLUSÃO

 De acordo com a presente revisão, a Lei n°13.429, de 31 de março de 2017 trouxe alterações consideradas como um retrocesso social, pois ferem os princípios constitucionais, a valorização do trabalho, bem como a justiça social e a dignidade da pessoa humana.

 A terceirização veio com a falácia sobre benefícios ao trabalhador, como aumento dos postos de trabalho, o que traria maiores vantagens para o mesmo. Todavia, tal modalidade beneficia somente a contratante, pois transfere riscos ao trabalhador, em desacordo com a CLT. Sendo assim, não respeitou o princípio da vedação do retrocesso, referente aos direitos fundamentais adquiridos pelas lutas ligadas ao direito do trabalhador.

 Nesse sentido, a reforma é considerada uma política pública que alcança grande parte da população, principalmente para aqueles que precisam de emprego e vendem a força de trabalho para sua sobrevivência. Todavia, tal alteração serviu para reduzir os direitos adquiridos ao longo de anos. Os direitos flexíveis já existiam para circunstâncias extremas, e que foram abolidos com a nova reforma.

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1 Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho. E-mail: deborabonfim75@gmail.com. Artigo científico apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de graduação em Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho. 2024.Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino, Advogado e Professor Universitário.