A TEORIA DA IMPREVISÃO EM FACE DO PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11222561


Kemilly Carvalho Marques Feijó;
Orientador titulação: Prof. Msc. João Paulo Bezerra de Freitas.


RESUMO

Ao se tratar de contratos empresariais, uma das mais importantes espécies de negócio jurídico, busca-se sempre a obrigatoriedade do acordado entre as partes contratantes, o que caracteriza um dos princípios mais conhecidos no mundo jurídico, o princípio da força obrigatória dos contratos, ou pacta sunt servanda. Entretanto, em virtude de fato superveniente à formação do contrato, que, possuindo caráter extraordinário e imprevisível venha tornar excessivamente oneroso o cumprimento para a parte é necessário haver certa ponderação. Em decorrência desse fato novo que muda a realidade fática do contrato, deve-se sempre incorrer em uma análise dogmática do caso concreto visando a utilização de legislações e princípios norteadores constitucionais e empresariais, a fim de que haja o real cumprimento do contrato empresarial, e por fim, haja o exaurimento do que fora pactuado. Desse modo, quando as partes integrantes dos contratos empresariais, diante de um cenário com fatos novos imprevisíveis e extraordinários, não conseguem entrar em acordo de como o contrato poderá continuar tendo em vista a impossibilidade ou a onerosidade excessiva para uma das partes, a teoria da imprevisão busca trazer uma solução por meio de revisão contratual através do poder judiciário.

Palavras-chave: Contratos; Princípio da Força Obrigatória dos Contratos; Teoria da Imprevisão.

ABSTRACT

When it comes to business contracts, one of the most important types of legal business, we always look for the binding nature of what is agreed between the contracting parties, which characterizes one of the best known principles in the legal world, the principle of the binding force of contracts, or pacta sunt servanda. However, due to a fact that occurs after the contract has been formed, which, being of an extraordinary and unforeseeable nature, makes it excessively onerous for the party to comply, a certain amount of consideration is required. As a result of this new fact that changes the factual reality of the contract, a dogmatic analysis of the specific case must always be carried out with a view to using legislation and guiding constitutional and business principles, so that there is real compliance with the business contract, and finally, there is the exhaustion of what was agreed. Thus, when the parties to business contracts, faced with a scenario of unpredictable and extraordinary new facts, are unable to agree on how the contract can continue in view of the impossibility or excessive onerousness for one of the parties, the theory of unforeseeability seeks to provide a solution by means of contractual revision through the judiciary.

Keywords: Contracts; Principle of Compulsory Force of Contracts; Theory of Imprediction.

INTRODUÇÃO

Os contratos são um dos principais institutos jurídicos quando se fala sobre obrigações, sendo uma espécie de negócio jurídico na qual duas ou mais partes com interesses concomitantes, a partir da elaboração de um contrato, chegam às cláusulas que dispõem da melhor forma possível sobre uma solução viável para ambos.

O contrato, regido pelo princípio da conservação do negócio jurídico, ou da força obrigatória, seguindo o entendimento do que o que foi acordado pelas partes deve necessariamente ser cumprido em sua integralidade independentemente de resultados lesivos para as partes já não pode ser visto dessa forma, indo contra o entendimento da teoria da imprevisão.

É imprescindível o estudo da ponderação entre o dever de renegociar e o princípio da força obrigatória dos contratos, por ser pauta diária em negociações e revisões contratuais, visando sempre a utilização de princípios norteadores do Direito Empresarial e Civil, entretanto com algumas relativizações a fim de que haja o real cumprimento do contrato empresarial sem extrema onerosidade a uma ou ambas as partes presentes no negócio jurídico, principalmente em casos de ocorrência de fatos novos que modificam a realidade fática para que haja o exaurimento do contrato.

De igual forma, mostra sua relevância acadêmica ao trazer a interdisciplinaridade entre o Direito Civil, Direito Empresarial e Direito Constitucional, por ser um tema abrangente e que necessita de um olhar jurídico dogmático e principiológico do direito para a exposição dos deveres, direitos e seus desdobramentos, por muitas vezes não tão abordado como deveria em âmbito acadêmico.

Demonstra sua relevância ainda, ao ser um assunto de suma importância no âmbito jurídico, visto que será abordado os temas relacionados a contratos cíveis e empresariais, trazendo seus conceitos, princípios e utilização, assim como uma análise crítica sobre os institutos principiológicos que regem os contratos empresariais com o intuito de abordar a relativização no que concerne à jurisprudência atual.

O objetivo geral deste trabalho deste trabalho foi a análise do instituto jurídico da renegociação contratual utilizando a teoria da imprevisão e a relativização do princípio da conservação do negócio jurídico para que haja maior e mais ampla obtenção do cumprimento dos contratos empresariais, sem que haja onerosidade excessiva para as partes no contrato em decorrência de novos fatos.

Os objetivos específicos foram: análise do conceito, princípios e diferenças dos contratos cíveis e empresariais; análise aprofundada do instituto jurídico da conservação do negócio jurídico por intermédio do princípio da força obrigatória dos contratos e sua ponderação em razão da renegociação contratual empresarial; e averiguar os possíveis desdobramentos da teoria da imprevisão nos contratos empresariais.

Na referida pesquisa utilizou-se a metodologia dedutiva, qualitativa, analítica e revisão bibliográfica.

Assim, este estudo foi estruturado conforme descrito abaixo, fazendo parte dele também a introdução e a conclusão. No Capítulo 1, discorre-se de forma ampla sobre contratos cíveis e empresariais, abordando conceitos, semelhanças e diferenças; o Capítulo 2 aborda sobre o princípio da conservação do negócio jurídico e da força obrigatória dos contratos; o Capítulo 3 alude a teoria da imprevisão nos contratos empresariais e o Capítulo 4 demonstra como a jurisprudência entende a revisão contratual em contratos empresariais em face da aplicação da teoria da imprevisão.

1. CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS

“Os contratos empresariais não devem ser vistos apenas como simples trocas, mas como relações complexas que envolvem expectativas e colaborações contínuas.”
– Ian Macneil

O contrato, de modo geral, é a mais comum e importante fonte de obrigação, visto que a partir de um interesse em comum entre duas partes pactuantes há o começo de um negócio jurídico. Entretanto, apesar de ser algo que ocorre há milhares de anos, não se sabe especificamente quando ocorreu a origem do surgimento dos contratos (Destro, 2011).

Na época do Estado Liberal, pós Revolução Francesa, em relação aos contratos, o mais importante era que fosse assegurado às partes contratantes a manifestação de suas vontades, possuindo grande peso o princípio da liberdade contratual que impossibilitava qualquer intervenção do poder público nas relações contratuais (Nóbrega, 2013).

Conforme alude Borges (2008), o contrato era considerado como intangível, visto que após pactuado entre as partes, poderia ser alterado apenas através de um novo acordo, não poderia, por exemplo, mudança unilateral do contrato, mesmo que fosse por via judiciária, somente em casos excepcionais, como caso fortuito ou força maior poderia haver a possibilidade de alteração.

Essa visão contratual tinha como escopo os pressupostos da igualdade formal, na qual as partes eram vistas como iguais, não havendo, nesse caso, um dos lados como mais vulnerável, e, ainda, a liberdade de contratar, em que, quando a parte escolhia com quem faria o acordo, estaria fazendo de sua livre vontade, tornando-se intangível o contrato por estar presente esses requisitos (Borges, 2008).

No contexto histórico, o papel do Estado era apenas de tornar efetivo o cumprimento do contrato, já que o contrato era visto como justo por ser um acordo entre duas partes iguais e livres, não havia motivo para a atuação estatal. Esse posicionamento muito se deu para que houvesse o fortalecimento dos direitos civis e de liberdade do Estado Liberal, que se sobrepunha ao Estado Absolutista, o qual era invasivo e ofensor de direitos individuais (Borges, 2008).

Entretanto, conforme aponta Nóbrega (2013), com o surgimento do Estado Social, o poder público deixa de ser apenas mero espectador e passa a

intervir no âmbito contratual. Com a visão de que os homens não são iguais, de modo que deveriam buscar a igualdade material e não apenas a formal, o Estado passa a agir de forma mais ativa em casos de desequilíbrio contratual.

Com o surgimento do Código Civil de 2002, há maior uso desses conceitos, trazendo ainda consigo princípios constitucionais como dignidade da pessoa humana e a função social do contrato, que ainda conforme alude Nóbrega (2013):

“A função social dos contratos visa a proteger a dignidade da vida humana, a erradicação da pobreza, a eliminação das desigualdades sociais, valores de um Estado Democrático de Direito. Modernamente, portanto, é aceitável armar que a concepção social do contrato é um dos pilares da teoria contratual.”

Dessa forma, conforme aponta Borges (2008), é possível ver nitidamente a mudança do conceito de contrato, antes como “acordo de vontade de interesses opostos”, passa a ser “contrato como vínculo de cooperação”. Esse conceito exige principalmente o instituto da boa-fé e da função social do contrato, salvaguardado pela Carta Magna brasileira.

Os contratos, tanto civis quanto empresariais, possuem um papel fundamental no tocante às relações jurídicas entre as partes, sendo caracterizados como instrumentos jurídicos que dispõem as vontades das partes, estipulando direitos e obrigações recíprocas, de forma a deixar as partes cientes de tudo que será desempenhado ao longo da vigência do acordo.

Apesar de possuírem o amparo principiológico e legislativo muito similares, cada área de atuação, nesse caso civil e empresarial, possui suas especificidades e características singulares, trazendo diferenças entre eles, o qual é o objeto deste capítulo, abordar as características distintas dos dois tipos contratuais e busca destacar as principais particularidades.

1.1. CONTRATOS CIVIS 

O conceito de contrato não foi definido pelo Código Civil de 2002, de forma que os doutrinadores o buscam incansavelmente. De modo que, conforme aponta Flávio Tartuce (2024), o conceito de contrato é muito antigo, sendo aprimorado desde os primórdios da humanidade, quando as pessoas passaram a viver conjuntamente e em sociedade. 

Entretanto, Maria Helena Diniz (2022), traz um conceito de contrato como sendo “o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”.

De acordo com Gagliano e Pamplona (2024), ratificando o entendimento supra, não tem como se falar sobre contratos se não houver manifestação de vontade, pois é a partir da vontade das partes que se pode haver a concretização do negócio jurídico, e em sua falta, não haveria contrato. Sendo caracterizado como um instrumento de realização, já que, olhando pela ótica civil-constitucional, o negócio jurídico traz a conciliação de interesses.

Ainda, segundo Flávio Tartuce (2024), os elementos que constituem o contrato como negócio jurídico por excelência são: objeto ou conteúdo lícito, não se contrapondo com as normas jurídicas, a boa-fé, a função social e econômica e os bons costumes.

Muitos são os princípios que regem o direito contratual, podendo citar, conforme entendimento de Maria Helena Diniz (2022), a autonomia da vontade, a obrigatoriedade da convenção, a relatividade dos efeitos do negócio jurídico contratual e a boa-fé objetiva, sendo todos os princípios amparados pela dignidade da pessoa humana.

Quando se fala sobre autonomia de vontade, funda-se na liberdade que as partes possuem no momento de firmar o contrato e do que disciplinarão nele. É fundado na liberdade contratual, que diz respeito tanto ao conteúdo, quanto à vontade de celebrar ou não o acordo e a opção de escolher o outro contratante (Diniz, 2022).

Como aponta Maria Helena Diniz (2022), é notório que a autonomia da vontade está subordinada ao interesse coletivo, sendo limitada pela supremacia da ordem pública, como bem preceitua o art. 421 do Código Civil, ao dizer que “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.

Esse entendimento está ligado à liberdade contratual que diz respeito ao conteúdo do negócio jurídico, trazendo limitação no que diz respeito na liberdade que o indivíduo possui de dispor sobre o que irá estar descrito nas cláusulas sobre os direitos e obrigações resultantes do contrato, com limitações nas normas públicas e nos princípios sociais (Tartuce, 2024).

Ainda no entendimento de Flávio Tartuce (2024), o termo ‘autonomia da vontade” está ultrapassado, visto que a autonomia não seria propriamente e unicamente da vontade, mas sim da pessoa humana, uma vez que:

“Não há dúvida de que a vontade perdeu a importância que exercia no passado para a formação dos contratos. Outros critérios entram em cena para a concretização prática do instituto, como a boa-fé e a função social e econômica dos negócios jurídicos em geral”.

Ao se falar do princípio da obrigatoriedade da convenção ou princípio da força obrigatória do contrato, sendo ainda conhecido como pacta sunt servanda, defende-se que o contrato estipulado pelas partes contratantes com o exercício da autonomia privada possui força de lei, fazendo com que as partes cumpram por completo o que foi acordado (Tartuce, 2024).

Desse modo, esse princípio seria uma clara restrição da liberdade dos indivíduos que firmaram o contrato, visto que quando da formação do contrato, feito de forma consensual e dotada de autonomia privada, as partes são obrigadas à sua completude (Tartuce, 2024).

No entendimento de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2024), tal princípio alude o que deve ser emanado de um contrato, que seria a força cogente do mesmo, haja vista que de nada valeria a formação do mesmo se este não possui força obrigatória e vinculante para as partes, seria apenas “mero protocolo de intenções, sem validade jurídica”.

Apesar de seu caráter cogente, as doutrinas e a jurisprudência entendem que não se poderia atribuir a este princípio um caráter absoluto, o que será discutido com mais afinco posteriormente, assim como o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato. 

Ao se falar em contratos, é necessário abordar sobre o princípio da boa-fé contratual, em decorrência de sua relação intrínseca com a temática. Esse princípio foi expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro no Código Civil de 2002.

De acordo com Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2024), a boa-fé é “uma diretriz principiológica de fundo ético e espectro eficacial jurídico”, sendo advinda de um âmbito moral, mas que, pela importância e singularidade, adentrou no mundo jurídico de forma obrigatória nos mais diversos campos do direito, sendo essencial no que diz respeito à pactuação dos contratos. Nas palavras de Maria Helena Diniz (2022), a boa-fé:

“boa-fé objetiva, intimamente ligado não só à interpretação do contrato, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade (integridade de caráter), denodo e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não traindo a confiança depositada, procurando cooperar, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas etc.” (grifo nosso).

A boa-fé objetiva é preceito de ordem pública e está implícita em qualquer negócio jurídico, não sendo obrigatória sua previsão nas cláusulas contratuais, já que ela está diretamente relacionada com os deveres intrínsecos das partes. 

Outros deveres anexos que podem ser citados de acordo com o posicionamento de Flávio Tartuce (2024) são dever de cuidado em relação à outra parte negocial, dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio, dever de cooperação, dever de agir com honestidade e dever de agir conforme a razoabilidade e boa razão etc.

Por último, há o princípio da função social dos contratos, sendo considerado princípio de ordem pública, na qual o contrato deve ser pautado e interpretado em conformidade com o contexto social em que está incluso (Tartuce, 2024).

Nesse contexto, a função social do contrato busca a sua interpretação deforma a não vincular as partes somente aquilo que foi assinado por eles, como seria o pacta sunt servanda, mas traz para a realidade social que o permeia. Nessa feita, há a relativização da força obrigatória do contrato e traz, ainda, a intervenção do Estado para que possa intervir nos casos em que haja, por exemplo, excessos por uma das partes contratantes em detrimento de algo que seria impossível de realizar ou arcar para a outra (Tartuce, 2024).

Destarte, a função social do contrato, além de trazer a intervenção no negócio jurídico e a relativização da obrigação estipulada, busca muito mais do que a segurança jurídica, visando atender amplamente e de forma concreta e tangível os interesses da pessoa humana (Tartuce, 2024).

1.2. CONTRATOS EMPRESARIAIS

Ao se referir aos contratos empresariais é notório que estes desempenham papel fundamental e de suma importância, posto que, segundo Paula Forgioni (2016), são o instrumento jurídico utilizado para a realização de transações comerciais e o desenvolvimento das mais diversas atividades econômicas.

Conforme aponta Pablo Stolze (2023), os contratos empresariais são acordos de vontades entre empresas ou empresários que buscam a realização de atividades no âmbito empresarial. O contrato empresarial, de modo geral, se difere do contrato civil, no tocante ao próprio exercício da atividade empresarial, que envolve aspectos específicos do mundo dos negócios, como, por exemplo, a busca pelo lucro.

Além de que, apesar de possuírem princípios e normas concomitantes, também possuem legislações e princípios próprios ao que diz respeito à área comercial. 

Não há dúvidas de que os contratos empresariais precisam ser tratados de modo diverso dos contratos civis, visto que diferente de outras áreas contratuais como a civil e a trabalhista, nos empresariais há simetria entre as partes, não havendo, via de regra, uma parte considerada hipossuficiente na relação, sendo consideradas paritárias.

Quanto à formação dos contratos empresariais, segundo Maria Helena Diniz (2022), segue os mesmos princípios gerais do contrato civil anteriormente vistos, como a autonomia da vontade, a boa-fé objetiva, função social do contrato, força obrigatória do contrato e relatividade dos efeitos do negócio jurídico contratual, porém possui alguns aspectos próprios e suas diferenças intrínsecas à própria natureza contratual.

Do mesmo modo que a autonomia da vontade para os contratos civis, ao se tratar dos contratos empresariais, as partes são amparadas por esse princípio visto que podem estabelecer as cláusulas livremente de acordo com os seus interesses comerciais.

Vale ressalvar que não se trata de um direito absoluto para as partes, já que deve estar em conformidade tanto com as normais legais vigentes quanto com os princípios que norteiam o direito empresarial.

É necessário a ressalva das limitações desse princípio pelo que alude Paula Forgioni (2016), ao dizer que não existiria o mercado sem que haja direito, nesse caso, seria em relação às regras que trazem uma sanção em decorrência dos atos das partes, sendo que, quando a empresa atua no mercado, se sujeita a elas. 

Ao passar para o princípio da boa-fé objetiva quanto aos contratos empresariais, segundo Forgioni (2016) “a boa-fé significa adotar o comportamento jurídico e normalmente esperado dos ‘comerciantes cordatos’, dos agentes econômicos ativos e probos em determinado mercado, sempre de acordo com o direito”.

Desse modo, ao se tratar de boa-fé objetiva, temos que seria o comportamento esperado das partes no negócio jurídico contratual de agir de forma íntegra e em conformidade com os princípios e normas que regem os contratos empresariais, trazendo inclusive maior confiança e efetividade no decorrer da realização do contrato. 

Na mesma esteira, a função social do contrato empresarial, conforme Forgioni (2016), não deve buscar apenas os interesses das partes contratantes, mas também a promover o desenvolvimento econômico e social, fazendo necessário que seja analisado de forma ampla o impacto das relações contratuais em âmbito empresarial e na sociedade.

Outrossim, as relações empresariais não estão limitadas apenas a, por exemplo, duas empresas contratantes, mas também engloba nessa relação jurídica e comercial os clientes, fornecedores, transportadoras e obreiros, o que traz maior relevância ao se pensar em função social dos contratos empresariais.

No que se refere aos princípios da força obrigatória dos serão tratados com maior afinco no decorrer do próximo capítulo.

2. PRINCÍPIO FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS (PACTA SUNT SERVANDA)

“O contrato é lei entre as partes. Não pode ser dissolvido senão por mútuo consentimento ou por causas legais.” 
– Clóvis Beviláqua

Um princípio de suma importância nos contratos, principalmente ao se tratar de sua origem histórica, é o da força obrigatória dos contratos, também conhecido como pacta sunt servanda (acordos devem ser cumpridos). 

Esse princípio clássico do direito contratual, teve grande importância a partir do início do século XVIII até o final do século XIX, momento esse marcado pelo liberalismo contratual (Queiroz e Torres, 2021).

Como bem dispõe Gagliano e Filho (2024), “o contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades”

No entendimento supra, esse princípio é um desdobramento do princípio da autonomia da vontade, ou autonomia privada, já que se pressupõe que se o contrato foi celebrado de forma válida e por livre vontade das partes, esse negócio jurídico se torna lei entre elas, conforme art. 389 do CC (Monteiro, 2020).

Ainda, Miranda (2021), afirma que “no momento em que os empresários optam por firmar um contrato – nos termos por eles pactuados – eles criam também uma obrigatoriedade de cumprimento do mesmo aos contraentes.”, de modo a gerar segurança jurídica.

Nesse mesmo sentido, Barreto (2018) apreende sobre a faculdade de as partes quanto a formação de negócios jurídicos, resultante da liberdade contratual, que para o entendimento empresarial é visto como “mecanismo de livre vontade, e não como um fenômeno econômico e social”.

Para o referido princípio, o mais importante é a garantia da segurança jurídica de modo a não enfraquecer as relações comerciais. Nessa perspectiva, a busca pela segurança jurídica não se diz respeito apenas ao cumprimento do contrato, mas sim que ele seja cumprido nos termos que foram estabelecidos inicialmente pelas partes, não sendo permitido que haja a alteração unilateral dos termo pré-pactuados (Monteiro, 2020).

Conforme bem aponta Gomes (2009), a partir do momento que o contrato é celebrado, sendo observado os pressupostos e requisitos necessários para que o negócio jurídico seja considerado válido, as partes devem executar as suas obrigações recíprocas como se as cláusulas contratuais fossem preceitos legais imperativos. 

Quando as partes definem de forma válida o conteúdo de seu acordo, firmando suas cláusulas com os direitos e obrigações de cada um, independentemente de circunstâncias alheias que venham a afetá-las de forma direta ou indireta, estas devem cumprir o acordo. 

Na mesma esteira, Forgioni (2016) demonstra que “a força obrigatória dos contratos viabiliza a existência do mercado, coibindo o oportunismo indesejável das empresas”, não permitindo que a parte que inicialmente via o negócio com vantajoso e com o passar o tempo deixe de lhe trazer interesses, essa simplesmente busque meios de se livrar do acordo firmado.

No entendimento de Gomes (2009), esse princípio demonstra que o contrato seria intangível, o que acarretaria na irretratabilidade do acordo de vontades firmado, não sendo possível que haja a revogação por uma das partes ou que ocorra alteração de cláusulas contratuais, que somente poderia acontecer caso ocorresse novo concurso de vontades.

É o que preleciona Forgioni (2016) ao dizer que “o princípio do pacta sunt servanda mostra-se necessário ao giro mercantil na medida em que freia p natural oportunismo dos agentes econômicos”. Esse princípio inicialmente tinha como pressuposto a não intervenção judicial, pois de acordo com Gomes (2009):

As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das partes. Se ocorrem motivos que justificam a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação do seu conteúdo. Dada ao princípio da força obrigatória dos contratos, essa inteligência larga não se apresenta como corolário exclusivo da regra moral de que todo homem deve honrar a palavra empenhada. Justifica-se, ademais, como decorrência do próprio princípio da autonomia da vontade, uma vez que a possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato atingiria o poder de obrigar-se, ferindo a liberdade de contratar.

A necessidade lógica de preservar de estranhas interferências a esfera da autonomia privada conduziu necessariamente ao robustecimento do princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos. No contexto normal desse princípio, não seria possível admitir que a superveniência de acontecimentos determinantes da ruptura do equilíbrio das prestações pudesse autorizar a intervenção do Estado, pelo órgão da sua magistratura, para restaurá-lo ou liberar a parte sacrificada. Cada qual que suporte os prejuízos provenientes do contrato. Se aceitou condições contratuais extremamente desvantajosas, a presunção de que foram estipuladas livremente impede se socorra da autoridade judicial para obter a suavização, ou a libertação. Pacta sunt servanda. Ao Direito é indiferente a situação a que fique reduzido para cumprir a palavra dada.” (grifo nosso)

Entretanto, no entendimento de Monteiro (2020), com a constante modificação da sociedade nos últimos anos, esse princípio precisa ser mitigado para que haja equilíbrio contratual que não acontecia. É o que dispõe a teoria moderna contratual que percebe que no contexto atual não se pode mais falar em obrigatoriedade dos contratos de forma absoluta.

Ao passo de que pode haver a intervenção estatal nos contratos e essa intervenção vem pré e pós celebração, visto que as leis de ordem pública buscam intervir anterior à celebração do contrato trazendo requisitos de validade do negócio jurídico e após seria judicialmente, podendo realizar modificações, revisão contratual e até mesmo sua resolução (Monteiro, 2020).

Vale ressaltar que o princípio da força obrigatória dos contratos aplicado no âmbito empresarial já pressupõe o risco inerente à própria atividade empresarial, visto que o empresário sabe sobre a fundação de seus negócios e investimentos (Negrão, 2024).

Desse modo, as partes celebrantes de contratos empresariais que incorram em risco de investimento e do risco inerente à própria atividade que desempenha, devem possuir conhecimento geral da repercussão que o negócio jurídico pode gerar, tendo em vista que não podem ir à juízo para pleitear perdas e danos em decorrência dos riscos que as mesmas sabiam que incorriam (Negrão, 2024).

Destarte, trazendo esse princípio para o contexto atual, está superado o entendimento de que as partes precisam cumprir o contrato que firmaram independentemente da onerosidade que venha a recair sobre elas, tendo em vista que atualmente busca-se averiguar se ambas as partes da relação estão em uma situação contratual benéfica, não sendo razoável que apenas uma das partes fique prejudicada por um fato posterior a formação do contrato que seja imprevisível e extraordinário (Calcina, 2020). Conforme Aguiar Júnior (2003):

“o princípio da conservação dos contratos, ante a nova realidade legal, deve ser interpretado no sentido da sua manutenção e continuidade de execução, observadas as regras da equidade, do equilíbrio contratual, da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Falar-se em pacta sunt servanda, com a conformação e o perfil que lhe foram dados pelo liberalismo dos séculos XVIII e XIX, é, no mínimo, desconhecer tudo o que ocorreu no mundo, do ponto de vista social, político, econômico e jurídico nos últimos duzentos anos.” (apud Monteiro, 2020)

Entretanto, vale ressaltar que esse entendimento se dá em relação a possibilidade de ocorrência de fato futuro e imprevisível durante a execução do negócio jurídico, pois apesar de ser relativizado, ainda é um princípio de extrema importância para a segurança jurídica dos contratos.

Nesta senda, esse princípio clássico, em busca da isonomia das partes, pode ser relativizado de forma excepcional e limitada, desde que incorra em requisitos específicos que serão tratados no próximo capítulo.

3. TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS E O INSTITUTO JURÍDICO DA RENEGOCIAÇÃO CONTRATUAL

“O contrato é visto não apenas como um simples acordo entre duas partes, mas como um mecanismo fundamental para a alocação eficiente de recursos e a gestão de riscos.”
– Guido Calabresi

Ao se falar em contratos empresariais e na sua fundamentação jurídica, não se pode deixar de falar sobre a real necessidade da aplicação dos princípios que o regem, sendo da própria essência do negócio jurídico o acordo de vontade das partes, que leva ao entendimento de que se foi acordado pelas partes, deve ser cumprido em sua integralidade, o que ratifica o entendimento do princípio da força obrigatória dos contratos ou pacta sunt servanda.

De acordo com Calcina (2020), apesar da grande relevância que é a efetivação do que foi pactuado, no decorrer do contrato pode acontecer diversos fatos e eventos imprevisíveis que tragam a impossibilidade parcial ou total de executar o contrato, trazendo muitas vezes prejuízo e onerosidade excessiva.

 Conforme aponta Calcina (2020):

“Contudo, leva-se em consideração que além de se destinar a expressar a vontade dos sujeitos, os contratos também buscam garantir a segurança jurídica e o equilíbrio social, evitando casos de prejuízos em razão de fundamentos sociais e econômicos que provoquem desigualdade nas relações pretendidas e estabelecidas entre as partes.” (grifo nosso)

Desta feita, surge a teoria da imprevisão, diretamente interligada à onerosidade excessiva, que é uma exceção à regra do princípio da obrigatoriedade dos contratos, justamente por visar que haja a possibilidade de ocorrer alterações contratuais nas obrigações que já foram estabelecidas previamente pelas partes (Calcina, 2020).

Desse modo, ao ensejar que as partes podem se valer da renegociação contratual, temos um novo momento do direito, no qual, diferentemente do que ocorreu na época do Estado Liberal pós Revolução Francesa, marcado por uma teoria contratual rígida que impossibilitava qualquer tipo de alteração, tendo em vista que os contratos eram vistos como lei entre as partes, há a possibilidade de revisão contratual e da relativização em decorrência da onerosidade excessiva.

3.1. Cláusula rebus sic stantibus  

A cláusula rebus sic stantibus (“estando assim as coisas”) é aquela implícita nos contratos de execução futura e, conforme Queiroz e Torres (2021), subentende-se que “as partes estão obrigadas ao cumprimento do contrato desde que as circunstâncias ambientes, como sociais, econômicas e jurídicas, presentes no momento de sua celebração permaneçam inalteradas no momento de sua execução”.

Nessa feita, em decorrência desta cláusula, o princípio da força obrigatória dos contratos fica condicionado à manutenção dos aspectos relevantes ao ser celebrado o contrato empresarial, como, por exemplo, questões socioeconômicas do país.

Desse modo, apesar de sua suma importância no mundo contratual, em meados do século XVIII até o fim do século XIX, período este marcado pelo liberalismo contratual e pelo pacta sunt servanda, pautado pelos interesses da burguesia, o rebus sic stantibus não tinha muito espaço na execução dos contratos, vindo a entrar em desuso (Gibra, 2020).

Ao passar dos anos, com a evolução referente à autonomia contratual, contrariando a lógica liberal, foi sendo percebida a relevância de haver de maneira concreta o equilíbrio na execução dos contratos, passando a ser entendido que existem outros interesses jurídicos que são socialmente protegidos (Queiroz e Torres, 2021).

Com isso, houve uma busca pela maior intervenção do Estado para que pudesse conter e reduzir as desigualdades e preservar os mais vulneráveis nas relações privadas, sendo motivada pela grande evolução da própria sociedade. Desse modo, o Estado passou a controlar essas relações jurídicas quando envolvia um lado hipossuficiente, ultrapassando o entendimento de algo privado, sem interferência de partes externas àquelas que celebraram o negócio jurídico, para um fenômeno social (Queiroz e Torres, 2021).

Ainda, ao se tratar de conceito histórico, como preleciona Queiroz e Torres (2021):

“Esse olhar privilegiado sobre os reflexos dos fenômenos sociais nos contratos contribuiu para que, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e seus drásticos efeitos nas relações contratuais, a cláusula rebus sic stantibus retomasse sua importância, de tal modo que dela se originaram todas as teorias modernas que buscam estudar a relevância das circunstâncias supervenientes na obrigatoriedade do cumprimento do contrato.” (grifo nosso)

Resta claro que após momento de grande depressão econômica e de tantas mudanças nas circunstâncias que ensejaram a celebração dos contratos à época, não havia mais como pautar as relações contratuais conforme a letra seca da lei, tendo em vista que dessa forma não poderiam atender aos interesses e traria grande impacto entre as partes contratantes (Gibran, 2021).

Apesar dessa premissa, conforme o entendimento de Gibran (2021), temos que:

“[…] tratando-se de contratos empresariais, para não correr o risco de uma atuação estatal que signifique enfraquecimento da força dos contratos e assim gere insegurança jurídica com consequências já explanadas anteriormente, a atuação deve ser pautada em cautelas. Além de ser aplicável apenas para contratos com obrigações diferidas no tempo e diante a superveniência de fato extraordinário e imprevisível, também há de se verificar uma evidente alteração nas condições fáticas do momento da execução que, em oposição ao momento da celebração, esta não existia, bem como se verificar uma alteração no equilíbrio contratual que signifique um enriquecimento sem causa da parte credora e uma prestação exagerada do devedor, salvo, nesta última hipótese, se o risco que causou este desequilíbrio for inerente ao negócio jurídico objeto do contrato.” (grifo nosso)

Além disso, a aplicação da cláusula rebus sic stantibus também deve ser vista e aplicada em consonância com o princípio da função social do contrato, que não envolve apenas os interesses das partes contratantes, mas também da sociedade, já que o cumprimento dos contratos empresariais se comunica com o desenvolvimento econômico e social, gerando impactos para a sociedade como um todo (Gibran, 2021).

Em razão da importância social que possui essa cláusula nos dias atuais, é notório que quando as partes recorrem ao Poder Judiciário em busca de pôr termo à contradição que possuem, estes recebem, conforme aponta Gibran (2021), “resposta satisfatória ao fim social de proteção contratual, pois em máxima análise o ‘bem’ protegido não é o objeto do contrato no caso concreto, mas sim o próprio contrato”.

Vale ressaltar que ao se valer desta cláusula, não há no que se falar em defender o pagador inadimplente, visto que é necessário que o fato superveniente que faz ser possível a sua utilização não seja por motivo de culpa de uma das partes, também não deve ocorrer mora antes de tal fato. Desse modo, no entendimento de Gibra (2020), “mesmo que uma situação pandêmica macule o adimplemento contratual de uma das partes, esta não estará livre de sua obrigação se já estava em mora no momento da ocorrência do fato”.

O Código Civil de 1916 não trazia em seu escopo a cláusula rebus sic stantibus, por se tratar de um código com características eminentemente liberais, somente sendo prevista em algumas legislações após 1930, momento histórico marcado por uma grande crise econômica (Queiroz e Torres, 2021).

No entanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, que traz em seu texto como fundamento da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88), houve uma transformação brusca no direito civil, que tinha como principais características a concepção individualista e a patrimonialista e privilegiava a autonomia privada, passando a “determinar o predomínio das situações jurídicas existenciais sobre as patrimoniais, funcionalizando os institutos clássicos às premissas estabelecidas na Constituição” (Queiroz e Torres, 2021). Os autores também entendem que:

“Influenciado pela Carta Maior, o Código Civil de 2002 foi marcado pelas diretrizes da eticidade, operabilidade e da sociabilidade e trouxe consigo princípios como o da boa-fé objetiva (art. 422, CC), função social do contrato (art. 421, CC) e, finalmente, a proteção ao equilíbrio econômico-financeiro, mitigando-se a força obrigatória dos contratos e indo além da concepção meramente formal e estrutural da vida negocial para que se pudesse tutelar questões sociais relevantes”

No Brasil, a possibilidade de ocorrer a revisão contratual em decorrência de mudanças no contexto externo ao contrato é chamado de teoria da imprevisão, trazendo o requisito maior a imprevisibilidade de fato que seja superveniente e que, em decorrência dele, haja o desequilíbrio no contrato, causando onerosidade excessiva para uma ou ambas as partes de cumprir o acordo (Queiroz e Torres, 2021).

3.2. Onerosidade Excessiva

A onerosidade excessiva ou onerosidade excessiva superveniente, conhecida internacionalmente como hardship, visa dar a possibilidade para as partes contratantes de revisão no contrato quando ocorrem circunstâncias extraordinárias e imprevisíveis que tenham ligação tão direta com o pacto formado que seu cumprimento tornaria excessivamente oneroso, trazendo um desequilíbrio no acordo firmado pelas partes (Queiroz e Torres, 2021).

Esse instituto já é salvaguardado pelo Código Civil de 2002 entre os artigos 478 a 480, que tomou como pressuposto o Código Civil Italiano de 1942, e colocou em seu texto essa teoria abordando a ideia de “resolução contratual por impossibilidade superveniente da obrigação em razão de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, dando enfoque à essa dificuldade de cumprimento da prestação” (Queiroz e Torres, 2021).

Entretanto, vale ressaltar que ao se tratar desse instituto jurídico, o CC não é o único respaldo jurídico, já que os contratos mercantis de certa forma se fundem ao Código de Defesa do Consumidor da mesma forma que o Código Civil, tendo ainda outras legislações importantes, sendo elas: Lei nº 11.101/2005 (LFRE), Lei nº 8.884/94 (Defesa da Concorrência), Lei no 6.404/1976 (Lei das SA) e outras, tendo em vista que essa espécie de contrato não encontra respaldo jurídico apenas em uma legislação (Barreto, 2018).

É possível o entendimento de que a onerosidade excessiva está diretamente ligada à aplicação da teoria da imprevisão, conforme entendimento de Queiroz e Torres (2021):

A Teoria da Imprevisão foi incluída no Código Civil de 2002 em diferentes dispositivos, esparsos ao longo do código, e em especial por meio do instituto da onerosidade excessiva, previsto nos artigos 478, 479 e 480, que embora possua aspectos semelhantes à Teoria da Imprevisão, não corresponde exatamente a esta, por dar enfoque à onerosidade que recai sobre a prestação de um dos contratantes e não na imprevisibilidade, ainda que a tenha como um de seus requisitos, resultando na chamada Teoria da Onerosidade Excessiva”. (grifo nosso)

Vale ressaltar que não se trata de impossibilidade, mas sim de extrema dificuldade no real cumprimento do acordo entre as partes, conforme preleciona Gomes (2009) ao falar que “não se pode dizer que é voluntária a inexecução por motivo de excessiva onerosidade. Mas, precisamente porque não há impossibilidade, a resolução se realiza por motivo diverso”.

Segundo Negrão (2024), no contexto dos contratos empresariais tal entendimento se torna plenamente coerente, tendo em vista que a própria atividade econômica empresarial pressupõe riscos, como por exemplo em questões de investimentos, que apesar de o empresário não ter como saber com precisão se aquele investimento resultará em lucros para sua empresa, ele possui o discernimento do risco que corre em não receber o resultado ora pretendido.

Dessa forma, resta claro que há o pressuposto de que os empresários conhecem as perdas que podem ser geradas em decorrência de seus atos, entretanto esse instituto se vale aos contratos empresariais justamente para os casos em que ocorrem fatos que de fato são imprevisíveis e extraordinários (Negrão 2024).

Para a utilização do referido instituto, é necessário cumprir os requisitos

que constam no art. 4781 do CC. O primeiro deles é o contrato possuir execução continuada ou diferida, seguido pela onerosidade excessiva para uma das partes e extrema vantagem para a outra. 

Outrossim, esses requisitos devem ser cumpridos em virtude de fato que seja imprevisível, de modo que no momento da celebração do contrato as partes não possam prever essa alteração, trazendo assim, a possibilidade de o devedor pedir a resolução do contrato.

Apesar do texto que consta no CC dispor precisamente sobre que a prestação para uma das partes se tornar excessivamente onerosa e trazer grande vantagem para a outra, o que causaria o enriquecimento sem causa da parte que está recebendo uma certa vantagem.

Porém, na realidade fática, muita das vezes ocorre apenas um grande prejuízo para uma das partes ou até mesmo para ambas, não gerando, a partir disso, uma grande vantagem para outra pessoa. Por esse motivo, a doutrina contemporânea entende que a alteração ou resolução contratual, judicial ou não, não está vinculada apenas nesse requisito específico de extrema vantagem, tendo em vista que o extremo prejuízo já configura o desequilíbrio naquele contrato (Queiroz e Torres, 2021).

Ainda no entendimento supra, esse viés busca não apenas o reequilíbrio contratual para os contratos empresariais, mas também que não haja o enriquecimento sem e, principalmente, que não cause violação ao princípio da função social do contrato que é de suma importância por ser responsável por zelar pelos aspectos sociais e econômicos não apenas das partes que envolvem esse contrato, mas também da sociedade de forma geral que é impactada de forma direta pelos desdobramentos que os contratos empresariais geram no mundo.

Vale ressaltar ainda que, segundo Gomes (2009), deve ocorrer de forma conjunta a extraordinariedade e a imprevisibilidade, não sendo suficiente apenas que seja extraordinário pois ensejaria a previsão, o que não permitiria a resolução. De igual modo, não é possível que seja apenas imprevisível, visto que se for normal, não teria grande relevância que as partes não o tenham previsto. Ainda no entendimento do renomado doutrinador Gomes (2009):

“Importante notar que fatos genericamente previsíveis podem ser imprevisíveis, quando tomados em sua especificidade e concretude. Em outras palavras, fatos genericamente previsíveis (como guerras ou mesmo a inflação) podem provocar efeitos concretos imprevisíveis. É o que basta para preencher o requisito da imprevisibilidade, como afirma o enunciado no 175, aprovado na IlI Jornada de Direito Civil: “A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz. ” Verificados, portanto, os quatro requisitos exigidos pela lei (presença de um contrato de execução diferida, continuada ou periódica; excessiva onerosidade da prestação de uma parte; extrema vantagem da outra parte; e acontecimentos supervenientes extraordinários e imprevisíveis), pode o devedor demandar a resolução do contrato. O credor, a seu turno, tem a faculdade de realizar oferta de modificação equitativa do acordo, evitando a resolução. Haverá, nesse caso, revisão ou reajuste do contrato.” (grifo nosso)

Salienta-se ainda o posicionamento já consagrado no enunciado n° 176

da III Jornada de Direito Civil ao dizer que “em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual”. 

Nesse contexto, há uma ponderação entre alguns princípios que trazem respaldo no mundo comercial, fazendo com que, para que não haja a resolução do contrato, as partes prefiram a sua revisão e não a resolução, em decorrência não apenas do princípio da conservação do negócio jurídico, mas também da autonomia da vontade, da função social do contrato e da boa-fé objetiva.

A doutrina traz ainda mais requisitos para a aplicação da onerosidade excessiva no caso concreto, sendo a ausência de culpa e a ausência de mora. O primeiro, versa sobre a impossibilidade do devedor se valer do instituto em caso de sua própria culpa, de forma que tudo que o responsável pela obrigação, com culpa, causar, deverá arcar com seus desdobramentos (Queiroz e Torres, 2021).

Já na ausência de mora, tem-se que o obrigado somente pode se valer das benesses do instituto se este não tiver em mora quanto ao cumprimento das cláusulas que não estão sendo afetadas pelo fato não previsto, já que aquelas que são atingidas podem não recair sobre ele quando estiver comprovadamente certo que a onerosidade excessiva antecede a mora e foi em decorrência dela (Queiroz e Torres, 2021).

Entende-se, portanto, que esse instituto usa algum fato, temporário ou permanente, que torne o cumprimento da obrigação extremamente oneroso e superveniente à celebração do negócio jurídico, possuindo uma das partes grande vantagem em relação a outra parte, ensejando assim, não somente a resolução como consta na letra da lei, mas também a oportunidade de as partes poderem rediscutir pontos ou todo o contrato, e em casos mais extremos, até mesmo a rescisão total do negócio.

Nesta senda, como já retratado, o evento deve ser extraordinário e imprevisível, visto que se o próprio contratante der causa, por exemplo em caso de negligência, para que de forma proposital venha se tornar insustentável a prestação, o contrato não teria como ter seu termo por essa razão. “O acontecimento, por sua vez, deve ser anormal. Há, ainda, de ser imprevisível o acontecimento. Tão importante é esse requisito que a solução do problema é encontrada na teoria da imprevisão” (Gomes, 2009).

3.3. Teoria da Imprevisão  

A teoria da imprevisão contratual e a onerosidade excessiva, por serem instrumentos com grandes similaridades e usados de forma complementares, ambos são usados em uníssono para que haja a regularização no tocante a revisão dos contratos no direito privado, incluindo os contratos empresariais, objeto do presente estudo (Miranda, 2021).

Grandes doutrinadores brasileiros como Tartuce e Maria Helena Diniz, possuem o entendimento que o CC adotou a teoria da imprevisão. Entretanto, conforme bem levantado por Miranda (2021) “a Teoria da Imprevisão muitas vezes assume o papel de gênero, enquanto a da Onerosidade Excessiva atua como fundamento, princípio norteador daquela”, isso ocorre, pois, os institutos coexistem no direito civil brasileiro e se correlacionam, juntamente com a cláusula rebus sic stantibus.

A referida teoria surge como exceção ao princípio da obrigatoriedade dos contratos, possibilitando eventual alteração contratual nas obrigações a priori estabelecidas pelas partes.

Apesar da extrema importância do princípio da força obrigatória dos contratos, o qual visa garantir a segurança jurídica dos pactos, esse não pode ser utilizado com demasia de rigidez, tendo em vista a incompatibilidade de tal forma com a dialeticidade que devem ser conduzidos os casos concretos, tendo como referência principalmente os contratos que irão se perdurar no tempo (Miranda, 2021).

Vale ressaltar que, ao se tratar de contratos empresariais, que são caracterizados pela paridade entre as partes contratantes, é necessário encontrar a linha tênue que divide a intangibilidade dos contratos e as revisões desenfreadas de suas cláusulas (Miranda, 2021). Outrossim, não significa que a o ordenamento jurídico brasileiro despreza o pacta sunt servanda, visto que o mesmo é fundamental quando se fala em contratos, sendo a teoria da imprevisão uma exceção e não a regra

Essa teoria possui amparo jurídico e legal na legislação brasileira, entretanto tal teoria não surgiu apenas com o advento do Código Civil, mas é tratada desde o Direito Romano, e voltou a ser colocada em discussão após a Primeira Guerra Mundial, que trouxe grande desequilíbrio social, jurídico e econômico em âmbito mundial em diversos aspectos, incluindo nesse rol os contratos empresariais (Miranda, 2021).

Nesse cenário histórico, a economia global passou por uma grande instabilidade, ocasionando impactos nos contratos de longo prazo, que vinham sofrendo interferências políticas e econômicas. Em decorrência disso, os negócios jurídicos de caráter rígido e formalístico já não faziam mais sentido no contexto em que estavam inseridos, em decorrência do desenvolvimento nas relações sociais (Calcina, 2020). Aponta também que:

“[…] a teoria da imprevisão se desenvolveu na França com a finalidade de se adequar aos preceitos jurídicos que eram contrários à onerosidade excessiva e visavam atenuar o desequilíbrio econômico e social. Com a necessidade de adequação econômica, procurou-se alargar a esfera da responsabilidade civil, tendo a jurisprudência que acolher as exigências doutrinárias e a interpretação abrangente do artigo 1.384 do Código Francês de 1804” (grifo nosso).

É notório que a teoria da imprevisão surgiu há muito tempo atrás, tendo em vista os fatores que necessitavam de adequação em contexto caótico do mundo pós-guerra e com enormes abalos econômicos. 

Durante e após a Primeira Guerra Mundial, a Europa estava vivendo um cenário de grande instabilidade e em decorrência disso a cláusula rebus sic stantibus, que já foi objeto de estudo, passa a ser reutilizada. No contexto histórico, a França que se fundava nos ideais de liberdade e igualdade da Revolução Francesa, que garantia a autonomia da vontade nos contratos era ilimitada e possuía grande relevância, entendeu que o regime contratual que estavam adotando não era mais eficiente para regular as relações obrigacionais (Miranda, 2021).

Desse modo, em decorrência de tanta insegurança e volatilidade socioeconômica e jurídica, além das mais diversas situações imprevisíveis e extraordinárias que estava acontecendo, o parlamento Francês, tendo como diretriz a busca da solução desses problemas, criou a Lei de Faillot em 1918, que cria a revisão contratual no direito moderno.

No Brasil, essa teoria foi adotada nos anos 30 pelo Ministro Nelson Hungria, quando passou a ser também utilizada pelo judiciário, mesmo sem haver previsão legal no Código Civil de 1916 (Calcina, 2020).

O Código Civil de 1916, possuía como norte a antiga teoria dos contratos, que tinha caráter extremamente individualista. Com a criação do CDC, que tinha sua fundamentação nos princípios norteadores da constituição, passou a disciplinar a revisão de contratos. 

Todavia, principalmente pela ausência de legislação que regulasse as revisões contratuais, esta não era aplicada no direito civil, ocorrendo apenas em decisões esporádicas. Mas ao passo da necessidade de revisar contratos de maior duração e a teoria adotada pelo CDC não se adequava especificamente às relações paritárias, típicas das empresariais, o CC de 2002 surge abrangendo e adotando as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva (Miranda, 2021).

Para alguns doutrinadores, a teoria da imprevisão pode ser expressa inicialmente na cláusula “rebus sic stantibus”, tendo como premissa que nos contratos comutativos, de execução diferida e de trato sucessivo, existe uma cláusula implícita ao negócio jurídico que afirma a obrigação para resolução do contrato está diretamente ligada com a inalterabilidade da situação de fato (Calcina, 2020).

Nesse mesmo entendimento, Queiroz e Torres (2021) afirmam que:

“Deve-se perceber que a cláusula rebus sic stantibus tem por escopo reconhecer que em todo contrato de médio ou longo prazo haverá sempre uma cláusula implícita prevendo que o contrato não permanece em vigor se as coisas não permanecerem como eram no momento da sua celebração. Já a Teoria da Imprevisão, entendida como o substrato teórico que permite a rediscussão de disposições contratuais, permite a revisão da avença em razão da ocorrência de acontecimentos imprevisíveis pelas partes e que a elas não se podem imputar.” (grifo nosso)

Desse modo, não haveria como falar em teoria da imprevisão nos contratos empresariais sem falar da cláusula rebus sic stantibus, visto que pressupõem-se que o contrato empresarial deverá ser seguido em sua íntegra, desde que as circunstâncias ambientes que estavam presentes quando da celebração do contrato permaneçam as mesmas, porém, se houver fato posterior que o modifique, a teoria da imprevisão pode ser aplicada a fim de que haja a renegociação contratual ou até mesmo o termo do contrato em situações que assim o exijam.

Temos ainda que a teoria da imprevisão nos contratos empresariais vem de encontro ao princípio da força obrigatória dos contratos, visto que, conforme Ramos (2017):

“[…] o princípio da força obrigatória também é excepcionado pela aplicação da chamada teoria da imprevisão, representada pela cláusula rebus sic stantibus, segundo a qual os direitos e deveres assumidos em determinado contrato podem ser revisados se houver uma alteração significativa e imprevisível nas condições econômicas que originaram a constituição do vínculo contratual.” (grifo nosso)

Nesse contexto, temos que as partes, ao firmar um contrato empresarial, colocaram nas cláusulas suas vontades considerando determinados cenários, como econômico e social, entretanto não exime a possibilidade de que possam ocorrer situações supervenientes que possam trazer onerosidade excessiva para uma ou ambas as partes, de forma que não há como ocorrer a completude do que foi acordado (Calcina, 2020).

Do mesmo modo, ao se tratar sobre princípios dos contratos empresariais, não se pode deixar de citar o da boa-fé objetiva, que demonstra sua eficácia e reitera a importância da aludida teoria ao buscar a eficácia dos contratos mesmo com fatos supervenientes que mudam drasticamente toda a base negocial.

Como citado anteriormente, a possibilidade da aplicação da teoria da imprevisão está amparada no CC em seu artigo 478, entretanto somente com a promulgação da Lei de Liberdade Econômica que houve uma previsão tratando diretamente sobre os contratos empresariais, a qual incluiu o artigo 421-A no referido diploma legal, in verbis:

“Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”  

Com a mudança legislativa, segundo Miranda (2021) os contratos civis e empresariais passam a possuir paridade, e a possibilidade de revisão contratual, agora expressa no inciso III, desde que seja aplicada de forma excepcional e de forma coerente e respeitando o princípio da força obrigatória dos contratos que continua sendo a regra e deve prevalecer nos casos gerais.

Vale ressaltar que o art. 478 do CC, prevê que o fato superveniente que enseja a onerosidade excessiva precisa ser extraordinário e imprevisível, sendo necessários ambos para a aplicação da teoria. Sendo os fatos extraordinários, aqueles em que a conduta dos contratantes não estão ligadas ao fato em si, já os imprevisíveis são aqueles inesperados e que não se podem prever quando da formação do contrato (Miranda, 2021).

Ao se entender que os contratos empresariais são passíveis de alteração por intermédio da revisão contratual resultante de fatos imprevisíveis e extraordinários, aqueles que as partes contratantes jamais poderiam prever ou imaginar no momento em que, ao exercerem sua autonomia da vontade juntamente com a boa-fé objetiva, estabeleceram as cláusulas contratuais, trazendo à baila o artigo 3932 do CC, que exime o devedor das responsabilidades que decorrem de caso fortuito ou força maior (Miranda, 2021).

Desse modo, é nítida a percepção de que a regra no ordenamento jurídico brasileiro é a prioridade na continuidade dos contratos, que é resguardado pelo princípio da força obrigatória dos contratos. Entretanto, com o princípio da autonomia da vontade, ou autonomia privada, as questões de revisão e resolução dos contratos empresariais passam a ser possíveis, pelo entendimento que a partir desse princípio as partes podem modificar cláusulas contratuais se assim quiserem (Monteiro, 2020).

Essa modificação feita pelas partes do negócio jurídico passa a ser tratada como um problema quando as partes, diante de fatos imprevisíveis e extraordinários que modificam de forma direta os contratos, não conseguem chegar a um acordo de vontade que volte a ser benéfico para ambos os lados (Monteiro, 2020).

Diante dessa situação, faz-se necessário o uso da teoria da imprevisão juntamente com a intervenção judicial, que de modo cauteloso busca por fim na situação conflitante, trazendo a solução do conflito, respeitando os princípios basilares constitucionais, cíveis e empresariais (Monteiro, 2020).

4. TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS EM FACE DA TEORIA DA IMPREVISÃO

Como já retratado anteriormente, a possibilidade de interrupção de um contrato no Brasil se deu apenas em 1930, quando o Juiz Nelson Hungria reconheceu tal possibilidade tendo em visto um fato superveniente à formação do negócio jurídico.

Conforme expõe Calcina (2020), o Supremo Tribunal Federal, por intermédio do Relator Ministro Costa Manso, em 1938, houve a consolidação de que a cláusula rebus sic stantibus não contrariava as normas brasileiras e deveria ser utilizada no âmbito contratual.

Desse modo, com o entendimento já consolidado até mesmo na Corte Suprema do país e, ainda, com respaldo legal no CC, não há grandes divergências no que concerne ao critérios que devem ser utilizados para que haja a aplicação da teoria da imprevisão nos casos concretos.

Conforme aponta Borges (2008), a revisão por intermédio da onerosidade excessiva pode ser ensejada em relação a qualquer espécie de contrato, consumerista ou formalmente paritário, que é o caso dos empresariais, por uma questão de justiça contratual. Entretanto, mesmo que o art. 478 do CC exija requisitos específicos para a utilização desse instituto jurídico, a jurisprudência tem visto de forma diferente, entendendo que “basta a onerosidade excessiva para a correção contratual, tendo em vista a principiologia axiológica do Código Civil de 2002, assim como da Constituição Federal de 1988”.

Ao se valer dos contratos empresariais, é sabido que por se tratarem de partes paritárias e que correm riscos inerentes as suas atividades comerciais, a jurisprudência brasileira é clara quanto algumas causas que não justificariam a aplicação da teoria da imprevisão, que segundo Calcina (2020) são: condições climáticas, risco inerente à atividade desenvolvida e cenário da economia nacional.

Esse entendimento pode ser analisado na jurisprudência, que versa sobre a teoria da imprevisão ser aplicada apenas quando for demonstrada a ocorrência de fatos novos, após a formação do contrato, e que esse fato seja evento imprevisível e extraordinário, de modo que recaia onerosidade excessiva sobre uma das partes, não estando inserido nesse contexto as intempéries climáticas.3

Nesse julgado houve a incidência das Súmulas n. 7, 83 e 283 do STJ, tendo em vista que a aplicação da teoria da imprevisão no caso concreto ensejaria reexame de fatos e provas, o que é expressamente vedado.

Quanto ao requisito do cenário da economia nacional, o Tribunal de Justiça de São Paulo/SP, entende que a parte, ao firmar um contrato empresarial deve ter pleno conhecimento sobre o cenário econômico do país. Nesse caso concreto, a parte recorrente já havia firmado inúmeros termos aditivos ao contrato inicial após os momentos da crise financeira, subentendendo-se que, mesmo em face das mudanças na economia nacional, gostaria de continuar com o contrato vigente.4

No tocante à onerosidade pelo risco inerente à atividade, O Supremo Tribunal de Justiça entende no sentido de que “as variações do mercado de exportação e a desvalorização da moeda nacional são riscos inerentes ao próprio negócio”. Desse modo, a teoria da imprevisão não pode ser aplicada nesses casos tendo em vista que a oscilação, desvalorização e a valorização são riscos que os empresários correm desde a formação do contrato, não sendo possível alegar perdas e danos posteriores por tal razão.5

Vale ressaltar que o empresário incorre no risco inerente à própria atividade comercial que exerce, devendo antes mesmo da celebração do contrato ter ciência da atual situação econômica nacional e internacional que interfiram diretamente na atividade que exerce. 

Essas duas causas de inaplicabilidade da teoria da imprevisão estão diretamente ligadas, pois tanto o risco da atividade comercial quanto as possíveis mudanças que possam vir a ocorrer no cenário econômico do país precisam ser levadas em consideração e analisadas de forma prévia para que não haja prejuízo para as partes do negócio jurídico.

Salienta-se que esse risco está implícito no princípio da força obrigatória dos contratos, justamente por se pressupor o risco, impossibilitando as partes de requerer em juízo a revisão contratual ou ainda pleitear perdas e danos em decorrência desse risco que as mesmas já sabiam que incorriam.

Apesar disso, conforme preleciona Calcina (2020), por intermédio de um julgado que o Magistrado precisou analisar de forma isolada as condições econômicas da parte, visto que a continuidade da prestação do contrato causava onerosidade excessiva para uma das partes e não preservava o mínimo existencial, direito fundamental previsto na Carta Magna brasileira, in verbis:

“CONTRATOS BANCÁRIOS. Ação de revisão contratual. Sentença de procedência. Irresignação da parte ré. Descabimento. Revisão contratual. Viabilidade. Inexistência de violação ao princípio do ‘pacta sunt servanda’. Parcelas para pagamento de empréstimo que consomem mais de 30% dos rendimentos líquidos da parte autora. Com vistas a garantir o mínimo existencial do devedor, o limite em exame deve englobar tanto os empréstimos consignados, quanto as demais operações de mútuo cujo pagamento se dá através de débito em conta. Inteligência da Lei Federal no 8.112/90, da Lei Federal no 10.820/03 e da Instrução Normativa do INSS/PRES n. 28/08. Precedentes. Limitação mantida em 35%, nos termos da sentença, tendo em vista a ausência de recurso da parte autora. Honorários advocatícios majorados para 15% do valor atualizado da causa. Incidência da norma prevista no artigo 85, §11, do CPC. Recurso não provido.”6 

Na realidade fática da aplicação da teoria da imprevisão, um grande exemplo que ocorreu nos últimos anos, foi a pandemia decorrente da Covid-19, quando em decorrência de uma fato extraordinário e completamente imprevisível houve grande impacto em todos os aspectos mundiais, tanto econômicos, sociais e jurídicos, trazendo em muitos contratos impossibilidade de cumprimento por parte das empresas.

Existem muitos exemplos na jurisprudência brasileira sobre a revisão contratual e até mesmo redução nas penalidades pela necessidade de rescisão dos contratos em decorrência da pandemia mundial, de forma é vista como evento imprevisível e extraordinário e que a afeta diretamente o equilíbrio contratual de modo a não mais ocorrer a paridade entre as partes empresárias do contrato.

Um exemplo recorrente foi em relação a contratos de locação de equipamentos, tendo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios o entendimento que na própria legislação brasileira há a possibilidade de renegociação, revisão ou resolução contratual em decorrência de eventos imprevisíveis e extraordinários, motivada por caso fortuito ou força maior, de modo que “o juiz deve reduzir equitativamente a penalidade contratual se a obrigação principal do contrato tiver sido cumprida em parte ou for manifestadamente excessiva, para não haver distorções e injustiças”.7

Ainda no entendimento supra, outra causa com muita incidência em tempos de pandemia foi o contrato de aluguel, em que o locatário pedia redução do valor do contrato, visto que foi firmado anteriormente ao quadro pandêmico, que fez com muitas empresas fechassem as portas por ordens Estaduais e Municipais. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, entende que incide na teoria da imprevisão “ante a verificação de desproporcionalidade entre o que foi ajustado durante a celebração do instrumento e o valor da prestação na ocasião da execução contratual.8

Desse modo, o Tribunal entendeu que com a pandemia e o desequilíbrio econômico nos contratos de locação que haviam sido firmados antes da pandemia foi necessário que os prejuízos ocasionados fossem rateados entre as partes para que pudesse haver novamente o equilíbrio contratual ponto crucial quando se trata de contratos empresariais.

Nesse mesmo sentido de contratos de locação, temos os shoppings centers que precisaram ficar fechados para tentar minimizar a contaminação pelo vírus, e quanto a possibilidade de revisão ou rescisão dos contratos firmados entre o shopping center e o lojista, o TJDFT entende que ambas as partes passaram por dificuldades, por um lado os comerciantes e por outro o shopping, de forma a ser aplicados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de forma que o ajuste contratual deveria ser “ganha-ganha, perde-perde”, para que não viesse a contrariar aos princípios da boa-fé objetiva e da necessidade de redistribuição dos riscos da atividade produtiva. 9

Esse entendimento jurisprudencial é de suma importância para que sejam resguardados princípios essenciais inerente aos contratos empresariais, como o princípio da boa-fé objetiva, da função do contrato e, ainda, da real necessidade de redistribuição dos riscos da atividade produtiva.

Nesta feita, os contratos que cumpriam os critérios necessários para a aplicação da teoria de imprevisão e foram em busca de soluções através do judiciário, encontraram a tendência majoritária de revisão contratual do que havia sido preestabelecido pelas partes inicialmente, para que fosse possível que houvesse o equilíbrio da relação jurídica (Calcina, 2020).

Entretanto, não somente no cenário pandêmico essa teoria é utilizada, tendo como escopo sempre a busca no reequilíbrio das relações contratuais, que no caso dos contratos empresariais as partes são paritárias, e jurídicas, em decorrência de onerosidade excessiva e fato imprevisível, que são analisadas conforme o caso concreto para que haja a efetivação dos contratos, buscando sempre que os princípios que regem os contratos empresariais possam ser aplicadas em sua máxima, em especial o princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

CONCLUSÃO

Os contratos, no contexto geral, são uma das mais importantes espécies de negócio jurídico no âmbito jurídico, visto a sua característica de regular as vontades das partes para o cumprimento de determinado objetivo em comum que as contratantes possuem.

 Nos contratos empresariais, que se inserem diretamente em contexto econômico, diferentemente de outras espécies contratuais, tem-se a paridade das partes, na qual ambas são vistas de maneira igualitária, não havendo nesse tipo de relação um lado mais frágil ou hipossuficiente. 

Ao adentrar nesse contexto, temos os princípios que regem os contratos empresarias, na qual vale ressaltar o princípio da força obrigatória dos contratos, que visa o efetivo cumprimento dos contratos. Nesse sentido, subentende-se que se as partes, dotadas pela autonomia da vontade, firmaram um acordo entre elas, esse acordo se torna lei entre elas.

Entretanto, com o decorrer dos anos e a mudança no modelo contratual, deixando de lado o liberalismo contratual e trazendo para a realidade fática e analisando os casos concretos, resta claro que esse princípio deixou de ser visto como absoluto, sendo possível que haja a sua relativização mediante algumas situações.

Surge assim, a teoria da imprevisão, que pressupõe que as condições inicialmente existentes quando da formação do contrato não são mais iguais em razão de acontecimentos que não poderiam ser previstos no decorrer da sua execução.

Essa teoria traz a possibilidade de que em decorrência de fatos supervenientes à formação do contrato e que sejam imprevisíveis e extraordinários, as partes podem se valer da revisão contratual de forma judicial, em busca de alterações que acarretem na efetivação do cumprimento dos contratos empresariais.

 Destarte, é necessário que o contrato esteja amparado nos requisitos que a legislação que o rege dispõe, como ser um contrato comutativo, de execução diferida, de trato sucessivo e que por fato extraordinário e imprevisível venha causa onerosidade excessiva para uma das partes.

Como visto, a doutrina vem reconhecendo a possibilidade de aplicação dessa teoria mesmo quando a onerosidade excessiva não recai de forma a privilegiar apenas uma parte e causar muitos danos à outra, mas sim de que a essa teoria deve ser utilizada também com a finalidade de buscar o reequilíbrio contratual, em especial se tratando de contratos empresariais, que possuem as partes como partes paritárias na relação, o equilíbrio entre elas é de suma importância.

Desse modo, o presente estudo demonstra sua relevância pois busca na doutrina, jurisprudência e legislações o uso da teoria da imprevisão de forma a demonstrar que os contratos não precisam se tornar tão onerosos para seu cumprimento ao ponto que as partes se tornem inadimplentes ou que não possam de forma alguma exaurir a obrigação. Com efeito, tem por objetivo expor que as partes podem se valer da renegociação e revisão contratual, tendo como finalidade a efetivação do que foi acordado entre elas.

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