A SUBSTITUIÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL PELOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E O PAPEL DO ADVOGADO NESSA MUDANÇA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10969064


Larine Laisner Fregonezi1


RESUMO: O presente artigo busca vislumbrar os métodos alternativos de solução de conflitos como uma forma de “substituição” do processo judicial. É notório que o Judiciário encontra dificuldades em atender a todas as demandas que lhe são apresentadas e, ainda, tem como principais características a morosidade e a inefetividade das decisões. Deste modo, busca-se demonstrar que por meio de métodos autocompositivos é possível encontrar uma solução para a lide, levando em conta que quando as partes participam ativamente da decisão existe uma maior chance de cumprimento voluntário, bem como de não ser necessário utilizar-se do poder de coação do Judiciário para efetivar o direito a ser tutelado. Neste sentido, verifica-se a necessidade de substituir também a cultura da judicialização pela cultura da pacificação, tornando-a um propósito aos jurisdicionados, de modo a influenciar também o comportamento do advogado sobre como poderá auxiliar em dada mudança, incentivando a composição, seja ela judicial ou extrajudicial, como um meio eficiente de solução das lides, criando um novo nicho de trabalho.

Palavras-chave: Métodos alternativos de solução de conflito, Papel do Advogado, Processos judiciais.

INTRODUÇÃO

No âmbito do Direito Processual Civil encontram-se inúmeras novidades, principalmente aquelas apresentadas pelo Código de Processo Civil de 2015. Por essa razão, deve-se dedicar tempo e estudos para verificar como se dará o impacto das mudanças e qual será o papel dos aplicadores do Direito nesse novo panorama.

A sociedade brasileira apresenta uma mudança na sua postura jurisdicional, uma vez que a necessidade dos cidadãos é de que o seu problema seja solucionado e não meramente participar de um litígio. Além disso, a morosidade e a dificuldade de evolução nos processos em trâmite no Poder Judiciário são notórias. De tal sorte, necessário se faz considerar métodos alternativos de solução de conflito.

De tal forma, abre-se espaço para a implementação de resoluções que se deem de maneira amigável, fazendo com que o processo se torne rápido e eficaz, sem abrir mão das garantias constitucionais e tutelando os direitos subjetivos. Sendo assim, apresenta-se o problema de pesquisa a ser superado, no sentido de que o advogado seja capaz de não só auxiliar os seus clientes nas demandas judiciais, mas prever e verificar que é possível, em determinados casos, a solução com base em conversas coletivas, demonstrando todas as vantagens bem como as desvantagens que podem ser encontradas no Judiciário.

Por dada razão, os profissionais na advocacia devem atentar-se principalmente para qual será a solução mais adequada ao conflito apresentado, de modo a oferecer a quem o procura efetivamente todas as possibilidades, constituindo um nicho de trabalho ainda pouco explorado na atualidade, o qual possui enorme chance de diminuir o número de processos, desafogando o Judiciário e, ainda, garantindo maior qualidade nas decisões obtidas.

O objetivo do presente artigo é demonstrar que o Direito pode ser alcançado não apenas por meio das decisões judiciais, mas também com a participação ativa das partes, de maneira a encontrar soluções para os conflitos por meio de acordos.

CONCEITUAÇÃO DOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Diante do contexto exposto, a autocomposição é representada pela conciliação e a mediação, relacionadas à construção de uma nova mentalidade coletiva designada por Kazuo Watanabe de “cultura da pacificação”2.

Humberto Dalla faz interessante reflexão sobre a matéria, verbis:

A sociedade deve se conscientizar de que o acesso ao Poder Judiciário deve ser uma espécie de cláusula de reserva, descabendo sua propagação generalizada, ao risco de se incrementar o ambiente de conflituosidade geral que se tornou característica de muitos países, principalmente da civil law, convertendo o direito de ação à um perigoso convite à litigância.

Esta tendência se torna mais grave na medida em que o Estado contemporâneo não está, ainda, preparado para identificar e enfrentar as causas do conflito, comprometendo-se a uma verdadeira pacificação.

Some-se a isto o fato de que nosso ordenamento jurídico não está apto a trabalhar com o conceito de conflitos insolúveis, ou seja, que jamais poderão ser resolvidos. Nestes, o máximo que se pode fazer é monitorar e empreender um trabalho de acompanhamento, com o objetivo de manter a disputa em níveis aceitáveis de convivência e civilidade.

Assim, a cultura de que qualquer interesse contrariado deve ser imediatamente submetido ao Judiciário deve ser urgentemente modificada, pois a ação é um direito do jurisdicionado e não um dever.

Ademais, o uso excessivo dos meios judiciais revela uma profunda imaturidade e incapacidade da sociedade em lidar com seus problemas3.

O autor coloca a necessidade de afastar a ideia de acesso do Poder Judiciário como um único fim para os conflitos inerentes à nossa sociedade. Destaca que deve-se atentar para que a conflituosidade não se torne um incentivo à litigância desenfreada, utilizando-o como uma cláusula de reserva, ou seja, naqueles conflitos em que não seja possível a pacificação. 

Tania Almeida e outras lecionam que a mediação deve incentivar o diálogo entre as partes, para que aprendam novamente a administrar a convivência humana, prevenindo e negociando os desacordos decorrentes das relações continuadas no tempo:

A mediação de conflitos integra o rol dos métodos consensuais de resolução de controvérsias e destaca-se de seus pares por agregar às suas tarefas o resgate da relação social entre os opositores e a manutenção do diálogo. Tais aspectos é que tornam a mediação um instrumento adequado de eleição para as desavenças que comprometem relações continuadas no tempo, como ocorre com as relações envolvendo Direito de família.

Aqueles que participam da mediação não apenas administram pacificamente sua contenda e se mantêm em diálogo na convivência por vir, como aprendem outra forma de negociar diferenças em desacordos vindouros. A mediação se apresenta como verdadeiro aprendizado para a vida e como medida de prevenção e pacificação de conflitos.

[…] A mediação considera a multifatorialidade dos conflitos e exige dos mediadores uma capacitação interdisciplinar que permita aos seus praticantes avaliar os distintos componentes da controvérsia, destacando para os mediandos o que parece prioritário e identificando a necessidade de consulta a técnicos especialistas para que a tomada de decisão seja qualificada pela informação.

[…] A mediação aparece então como um método não adversarial de resolução de conflitos através do qual se objetiva o resgate do diálogo e da relação social entre os envolvidos, bem como a realização de acordo que vise o benefício mútuo. A mediação se enriquece com aportes teóricos e técnicos de distintos saberes, sendo certo que o seu alcance interdisciplinar possibilita sua efetividade e o alcance social de seus resultados4.

Sobre o tema, Adolfo Braga Neto ponderou que:

[…] o paradigma trazido pela mediação traz em seu bojo alguns questionamentos sobre o acesso à justiça e não sobre a justiça ou o poder judiciário, como muitos inicialmente observam. Esse questionamento não é realizado com a pretensão de substituí-los ou contrapô-los, mas sim como uma possibilidade de oferecer um procedimento alternativo para que todos sem exceção possam usufruir da justiça mais rapidamente ou queiram ter seu acesso a ela facilitado, desde que possuam efetivo interesse por esta opção. A sociedade brasileira está acostumada e acomodada ao litígio e ao célebre pressuposto básico de que justiça só se alcança a partir de uma decisão proferida pelo juiz togado; decisão essa muitas vezes restrita à aplicação pura e simples de previsão legal, o que explica o vasto universo de normas no ordenamento jurídico nacional, que buscam pelo menos amenizar a ansiedade do cidadão brasileiro em ver aplicadas regras mínimas para regulação da sociedade5.

Por outro lado, parece oportuno recordar a advertência realizada por Cappelletti e Garth quanto à conciliação, pois, na síntese das conclusões do “Projeto de Florença”, os referidos pesquisadores consignaram que:

À medida que a conciliação cresceu em importância, os métodos e estilos de conciliação tornaram-se tema de estudos mais acurados. Já há indicadores acerca dos tipos de comportamento por parte dos conciliadores que se prestam melhor a obter a resolução efetiva dos conflitos. Aqui, novamente, precisamos ser cuidadosos. A conciliação é extremamente útil para muitos tipos de demandas e partes, especialmente quando consideramos a importância de restaurar relacionamentos prolongados, em vez de simplesmente julgar as partes vencedoras ou vencidas. Mas, embora a conciliação se destine, principalmente, a reduzir o congestionamento do judiciário, devemos certificar-nos de que os resultados representam verdadeiros êxitos, não apenas remédios para problemas do Judiciário, que poderiam ter outras soluções6.

Faz-se importante a cautela de capacitar os profissionais adequadamente, para que sejam capazes de tornar a conciliação útil para os integrantes do litígio, nos mais diversos tipos de demanda, restaurando o relacionamento das partes pelo simples fato de descaracterizar a adversariedade e não apenas como meio para retirar os processos do Poder Judiciário. Nesse sentido: “Já foi sugerido que a mediação ou outros mecanismos de interferência apaziguadora são os métodos mais apropriados para preservar relacionamentos”7.

A vida social encontra atos e fatos que fogem habitualmente da regulamentação proposta pelas instituições estatais formais ou dos modelos teóricos e abstratos, pois o ser humano, as pessoas jurídicas e as universalidades desenvolvem e participam no dia-a-dia de um conjunto de eventos independentes da manifestação do Estado, como se verifica em processos de negociação em sentido amplo.

É fácil notar que a sociedade utiliza meios, métodos e instrumentos diferentes e independentes da manifestação da função judiciária para a sua autorregulamentação, consecução de tarefas e obtenção de fins pretendidos. Este é o campo dos meios alternativos de solução de controvérsias (Mascs) ou Alternative Dispute Resolution (ADRs). Logo, “sendo necessária a pacificação dos interesses controversos, a tutela jurisdicional estatal é demasiadamente valorizada, a ponto de menosprezar o valor de outros meios de solução de conflito”8.

DA RESOLUÇÃO 125 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

A Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça é um dos grandes avanços para fortificar a utilização da conciliação e mediação com a instituição dos métodos alternativos de solução de conflitos no país.

Rememorando os ensinamentos de Kazuo Watanabe, ocorre a institucionalização da “cultura da sentença”, de modo que toda e qualquer situação deverá ser submetida a apreciação judicial, o que, conforme mencionado, deixa o Judiciário congestionado de demandas infinitas, cuja solução poderia ser obtida pelos métodos alternativos:

[…] cabe ao Judiciário não somente organizar os serviços que são prestados por meio de processos judiciais, como também aqueles que socorram os cidadãos de modo mais abrangente, de solução por vezes de simples problemas jurídicos, como a obtenção de documentos essenciais para o exercício da cidadania, e até mesmo de simples palavras de orientação jurídica. Mas é, certamente, na solução dos conflitos de interesses que reside a sua função primordial, e para desempenhá-la cabe-lhe organizar não apenas os serviços de solução dos conflitos pelos mecanismos alternativos à solução adjudicada por meio de sentença, em especial dos meios consensuais, isto é, da mediação e da conciliação9.

A criação da uma Resolução que tratasse de conciliação e mediação pelo Conselho Nacional de Justiça partiu da premissa que cabe ao Judiciário estabelecer uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses resolvidos no seu âmbito, sejam essas soluções obtidas por meios heterocompositivos ou por meios autocompositivos.

Tal orientação foi adotada de forma a organizar, em todo o território nacional, não somente os serviços prestados no curso da relação processual, como também aqueles que possam incentivar a atividade do Poder Judiciário na prevenção de demandas com as chamadas atividades pré-processuais de conciliação e mediação10.

Outrossim, pode-se concluir que o objetivo da Resolução 125 é assegurar que todos os órgãos do Judiciário Brasileiro promovam a conciliação e mediação como forma de garantir a desobstrução do Judiciário, instituindo uma “Política Judiciária Nacional de Tratamento adequado dos Conflitos de Interesses no âmbito do Judiciário”.

Francisco José Cahali11 explica que o próprio Estado oferece à sociedade ferramentas para o encerramento amistoso da controvérsia, com a implantação do Tribunal Multiportas, sistema pelo qual coloca-se à disposição dos jurisdicionados as soluções alternativas, buscando aquela que seria mais adequada, valorizando os mecanismos de pacificação, quais sejam: os meios consensuais e não mais restrita a oferta do processo clássico de decisão imposto pela sentença judicial.

Cada uma das opções oferecidas, como a conciliação, a mediação, ação judicial, representam uma porta a ser utilizada conforme a conveniência do interessado.

Segundo explica Cézar Peluso12, o programa de implementação de uma Política Nacional de Conciliação conta com dois objetivos básicos. O primeiro deles é afirmar entre os profissionais do Direito o entendimento de que, para os agentes sociais, é mais importante prevenir e chegar a uma solução rápida de conflitos do que ter que recorrer sempre ao Poder Judiciário cada vez mais sobrecarregado, perpetuando nele os reflexos das desavenças que tendem a se multiplicar, frustrando as expectativas legítimas dos jurisdicionados.

O segundo é que devem ser oferecidos instrumentos de apoio aos Tribunais para a instalação de núcleos de conciliação e mediação, que certamente terão forte impacto sobre a quantidade excessiva dos processos apresentados às cortes. Em outras palavras, é necessário difundir a cultura da conciliação e torná-la, como via alternativa aos jurisdicionados, um instrumento à disposição do Poder Judiciário na indelegável tarefa substantiva de pacificador social.

Apesar das críticas existentes contra a Resolução quanto à padronização de determinadas características de mediação e da dificuldade encontrada por alguns Tribunais quando da implementação dos Centros, observa-se que a mediação e a conciliação se encontram bem difundidas, sobretudo entre os advogados que desconheciam as vantagens desse tipo de procedimento, contribuindo, dessa forma, com o desenvolvimento da cultura de pacificação dos conflitos.

Portanto, ela representou um avanço para os métodos autocompositivos de solução de controvérsia pelo reconhecimento do próprio CNJ. Deste modo, quando da correta e efetiva implementação haverá a atualização do conceito do acesso à justiça, tornando-o não mero acesso aos órgãos judiciários, mas, sim, à ordem jurídica justa.

O advogado deverá conhecer todas as opções que poderão ser utilizadas por seu cliente e assessorá-lo, elegendo a porta mais adequada para cada situação, participando da escolha da instituição pública ou privada que prestará o serviço escolhido.

DA CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO

A conciliação e mediação são métodos autocompositivos de solução de conflitos nos quais as partes recebem auxílio externo para chegar a um consenso e compatibilizar suas diferentes posições, pois, do contrário, se não fosse esse auxílio, as partes seriam capazes de concordar entre si, dirimindo seus problemas de maneira tal que o conflito não existiria.

Realizando uma interpretação literal do art. 165 do Código de Processo Civil, § 2º, é possível enxergar a conciliação como o meio de solução consensual de conflitos, realizada pelo conciliador, nos casos em que não existe vínculo anterior com as partes em conflito, visando que essas sejam capazes de conciliar, vedado qualquer tipo de constrangimento ou intimidação.

Da mesma maneira, quanto à mediação é possível extrair um conceito legal da combinação do art. 165, caput, com o § 3º, considerando que a mediação é um meio de solução consensual de conflitos, assim como a conciliação, mas dessa vez realizado pelo mediador nos casos em que existir um vínculo anterior entre as partes, sendo o instrumento destinado a auxiliar os interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que as próprias partes possam, com o restabelecimento da comunicação, identificar por si mesmas as soluções que irão gerar benefícios mútuos. Assim, o conciliador pode sugerir soluções para o litígio, enquanto que o mediador apenas auxilia as partes a identificarem o objeto do conflito para que, por si próprias, sejam capazes de encontrar alternativas conforme bem coloca Humberto Dalla13.

Na definição do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, conciliação pode ser estabelecida como uma conversa ou negociação que conta com a participação de uma pessoa imparcial, responsável por favorecer o diálogo e, se necessário, apresentar ideias para solucionar o conflito. Já a mediação é intermediada por alguém imparcial, que favorece e organiza a comunicação entre os envolvidos no conflito. O mediador fica responsável por auxiliar os interessados na compreensão das questões e dos interesses em conflito, de modo que possam, por si próprios, mediante o restabelecimento da comunicação, identificar as possíveis soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Tais institutos podem existir tanto extraprocessual como endoprocessualmente, conforme Antônio Cintra, Cândido Dinamarco e Ada Grinover explanam:

A conciliação pode ser extraprocessual ou […] endoprocessual. Em ambos os casos, visa a induzir as próprias pessoas em conflito a ditar a solução para a sua pendência. O conciliador procura obter uma transação entre as partes (mútuas concessões), ou a submissão de um à pretensão do outro (no processo civil, reconhecimento do pedido: v. art. 269, inc. II), ou a desistência da pretensão (renúncia: CPC, art. 269, inc. V). Tratando-se de conciliação endoprocessual, pode-se chegar ainda à mera desistência da ação, ou seja, revogação da demanda inicial para que o processo se extinga sem que o conflito receba solução alguma (art. 267, inc. VIII)14.

A conciliação se presta a solucionar os diversos tipos de demandas, sejam judiciais ou extrajudiciais. No caso de haver uma demanda judicial, qualquer dos envolvidos poderá demonstrar a vontade de realizar a composição, podendo ser designada uma audiência para esse fim. Na conciliação pré processual as partes podem unir esforços para a realização do acordo, colocando como opção o acordo para finalizar o conflito.

A conciliação envolve uma participação mais ativa das partes, através do estímulo do conciliador, objetivando uma solução rápida para o problema. O conciliador tem função de intervir na solução do litígio, atuando para a solução, destacando os principais aspectos positivos e negativos da lide.

Ressalta-se que, além do objetivo principal, qual seja, o acordo, a conciliação estabelece também a busca para que a sociedade encontre a cultura em que os cidadãos são capazes de entender o diálogo entre os litigantes como a melhor opção para uma solução satisfatória para os envolvidos.

A mediação, por seu turno, pode ser conceituada conforme Ada Pellegrini Grinover estabelece:

[…] como método consensual de solução de conflitos, pelo qual um terceiro facilitador auxilia as partes em conflito no restabelecimento do diálogo, investigando seus reais interesses, através de técnicas próprias, e fazendo com que se criem opções, até a escolha da melhor, chegando as próprias partes à solução do conflito15.

A mediação se estabelece como um processo de cooperação entre as partes. Nela devem ser consideradas todas as questões inerentes ao conflito, sejam elas as emoções, as dificuldades de comunicação ou de restabelecimento do equilíbrio entre os conflitantes. Nesse processo de construção o mediador não pode, unilateralmente, obrigar que as partes cheguem a um consenso. O papel do mediador é de um conselheiro, imparcial, que auxilia na condução dos interessados na solução do conflito.

A mediação pode ser aplicada para questões que envolvam responsabilidade civil, direitos autorais, relação do consumidor, família, entre outros, com o objetivo de resgatar o sentimento existente entre as partes envolvidas. Essa também pode ser realizada judicial ou extrajudicialmente. Na primeira hipótese haverá um mediador indicado pelo tribunal, e, na segunda, as partes poderão buscar espontaneamente um mediador.

Cabe dizer que o art. 166 do Código de Processo Civil estabelece que a mediação e a conciliação deverão ser orientadas pelos seguintes princípios:

A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada16.

De tal sorte, há previsão expressa de tais institutos nos diplomas legais mencionados, razão pela qual demonstra-se a importância do seu conhecimento por parte dos operadores do direito.

ARBITRAGEM

Ainda que não seja o objeto em específico do presente trabalho, cabe mencionar o amplo campo da arbitragem, método heterocompositivo de solução de conflitos, muito utilizado para empresas e negócios de grande vulto econômico.

A heterocomposição ocorre quando as partes elegem um terceiro para julgar a lide, qual seja, o árbitro, que tem poderes de jurisdição sobre a questão apresentada, sendo uma definição consensual de utilização das partes. Por essa razão existem, nos contratos de obrigações, comumente o estabelecimento da cláusula arbitral, na qual constará a eleição das partes da arbitragem para a solução de eventuais conflitos decorrentes da relação contratual.

Atualmente a arbitragem está regulada pela Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 – a chamada Lei de Arbitragem. De acordo com o artigo 1º da Lei de Arbitragem, os litígios que poderão ser objetos da arbitragem são os relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Porém, “[…] basta que a pessoa tenha personalidade jurídica para que possa submeter à arbitragem”17.

Conforme o artigo 13, caput, da Lei de Arbitragem, poderá ser árbitro qualquer pessoa que seja capaz e que goze da confiança das partes. O artigo 18 da lei dispõe que o árbitro é tanto juiz de fato como de direito e prolata uma sentença que não está sujeita a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário. Essa sentença proferida pelo árbitro constitui um título executivo judicial.

São deveres do árbitro: imparcialidade, independência, competência, diligência, discrição (artigo 13, parágrafo 6º da Lei nº 9.307/1996) e, no exercício de suas funções ou em razão dela, são equiparados aos funcionários públicos (artigo 17 da Lei de Arbitragem) para os efeitos da legislação penal18.

As partes podem escolher qual regra será aplicada (norma de direito material). Podem convencionar que “[…] o julgamento se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio”19.

Ademais, a arbitragem não está sujeita aos rigores do Processo Civil e, ainda, o árbitro é capaz de ter contato diretamente com as partes, com mais tempo para solucionar as peculiaridades de cada caso.

De tal modo, destaca-se a tendência do mundo contemporâneo de transferir os conflitos para as soluções alternativas, retirando do Poder Judiciário a grande maioria dos casos, deixando essa instituição como uma reserva e incentivando a participação ativa dos envolvidos na solução de seus próprios problemas.

PRINCÍPIOS NO PROCESSO CIVIL

O Código de Processo Civil de 2015 dá importância à solução alternativa de conflitos através do artigo 3º, § 2 e 3, os quais estabelecem que sempre que possível a solução dos conflitos deverá ser consensual, e que os métodos como a conciliação, a mediação e outros deverão sempre ser estimulados por todos que compõem o curso do processo judicial, in verbis:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial20.

Tratando das diretrizes para aplicação dos métodos alternativos de solução de conflitos, cabe trazer inicialmente princípios que permeiam este âmbito jurídico, quais sejam: o conflito entre o acesso à justiça com a “inafastabilidade” do Poder Judiciário, a colaboração entre as partes, a autonomia da vontade e a boa-fé, no contexto da realização de acordos mesmo que fora da atividade de prestação jurisdicional – ou seja, extrajudiciais.

DO ACESSO À JUSTIÇA

No primeiro deles, o acesso à justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, prevê-se que todos devem ter o acesso à justiça com o fim de postular a tutela jurisdicional, tanto preventiva quanto reparatória, relativa a um direito. Nesse patamar, não se confunde tal previsão com o direito de petição, consagrado no artigo 5º, XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal:

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder21;

O princípio do acesso à justiça decorre da necessidade de dirigir-se ao juízo para pleitear a tutela jurisdicional, haja vista se tratar de direito pessoa que deve ter interesse processual e preencher as chamadas “condições da ação”.

Já no direito de petição não há necessidade de que o peticionário tenha sofrido a lesão do seu direito, visto que se caracteriza como direito de participação política, onde se tem o interesse geral no cumprimento da ordem pública.

Diante da preocupação com a efetividade da prestação jurisdicional é imperativo demonstrar o movimento liderado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, voltado a diagnosticar as causas da ineficiência da justiça. O trabalho conhecido como Projeto Florença identificou uma série de barreiras ao acesso à justiça.

O acesso à justiça encontra alguns empecilhos e, por essa razão, Cappelletti e Garth realizaram a pesquisa em meados dos anos 1970, analisando como o acesso à justiça se manifestava. Dessa análise tiraram as chamadas “três ondas”.

Na primeira onda verificou-se que a concentração estava em proporcionar o acesso à justiça àqueles considerados pobres. Esse sistema era efetivado por meio de atuação do sistema Judicare, bem como o auxílio de advogados remunerados pelos cofres públicos.

O sistema de Judicare é caracterizado por Mauro Cappelletti como:

Um sistema através do qual a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei. Os advogados particulares, então, são pagos pelo Estado. A finalidade do Judicare é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se pudessem pagar um advogado22.

O sistema de assistência judiciária, com advogados remunerados pelos cofres públicos, foi implantado em primeiro lugar nos Estados Unidos da América (Legal Services Corporation) e se caracteriza por prestar a assistência não só judiciária, mas também jurídica, prévia e informativa, aos pobres, realizando “grandes esforços no sentido de fazer as pessoas pobres conscientes de seus novos direitos e desejosas de utilizar advogados para obtê-los”23.

A segunda onda representava os interesses difusos, objetivando resolver as questões de interesses coletivos e grupais, forçando uma revolução no Processo Civil tradicional visto que a partir desse momento começam a surgir as sociedades de advogados do interesse público, assessoria pública e o advogado púbico, pagos pelo governo, visando a corrigir o desequilíbrio com advogados para tutela de direitos de consumidores, do meio ambiente, de idosos, entre outros.

Em um primeiro momento esse papel concentrou-se nas mãos do Ministério Público; todavia, essa solução não prosperou, pois, apesar de direitos aparentemente públicos, aqueles possuem grau de novidade, especialização e técnica que inviabiliza a prestação por esse órgão. Assim sendo, foram surgindo instituições, agências públicas especializadas, concomitantemente a alterações legislativas que passaram a ampliar a possibilidade de participação no polo ativo das ações para defesa de tais direitos.

Em dada toada tem-se a terceira onda, que ainda não se esgotou, na busca da superação do chamado “obstáculo processual”. Conforme já colocado, a solução processual por meio do processo ordinário contencioso, mesmo quando superadas as questões do patrocínio e da organização de interesses, demonstrava-se não ser a solução mais eficaz.

De tal sorte, começa-se a busca por novas alternativas de solução dos conflitos que não estão mais restritas ao ordenamento processual, de modo que essas alternativas já são aceitas como competentes para dar fim ou pelo menos diminuir a litigiosidade por meio de acordos decorrentes da mediação, conciliação, arbitragem, entre outros.

Cabe ressaltar, inclusive, que nos últimos tempos constatou-se um aumento significativo de causas relacionadas a conflitos pessoais. O judiciário vem se tornando um direito para o cidadão, o que acabava provocando uma avalanche de demandas. Ressalta-se que os cidadãos, de um modo geral, consideram que essa estrutura seria a única forma de solução para os seus litígios.

No Brasil, a Constituição Federal foi um instrumento legal de ampliação da cidadania e garantias do efetivo acesso à justiça, posto que tem previsão expressa de que o Estado prestará assistência jurídica integral gratuita àqueles que comprovem a insuficiência de recursos, bem como prevê no seu artigo 134 a criação da Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º LXXIV.

O Código Civil, instituído pela Lei nº 13.105/15, apresenta inúmeras possibilidades para incentivar a composição entre as partes mesmo no âmbito do processo judicial. A sociedade brasileira e o Judiciário caminham atualmente para os métodos consensuais de solução de conflito, por meio de ações colaborativas entre as partes, autor e réu.

DA COLABORAÇÃO ENTRE AS PARTES

De tal sorte, tem-se que se cria um dever de colaboração entre as partes. Em que pese a existência de distinção entre o juiz, como autoridade estatal detentora do poder jurisdicional e as partes como jurisdicionados sujeitos àquela autoridade, há de se observar os fundamentos constitucionais na atuação.

Todos os sujeitos do processo, autor, réu, juiz, servidores, devem observar o princípio da colaboração, o qual decorre da boa-fé, do contraditório e da razoabilidade inerente ao devido processo legal e está previsto no art. 6º do Código de Processo Civil conforme segue: “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”24. Contudo, ainda se verificam inúmeras críticas a essa comparação visto que implicaria em alguma maneira de ignorar a conflituosidade inerente à lide.

Entretanto, não há de se concordar com a crítica sobre a ideia de cooperação entre as partes, visto que esse princípio pressupõe o exercício do direito à tutela jurisdicional prestado de maneira a garantir o direito subjetivo almejado, mas busca inibir que seja mantida a demanda que contenha obrigação para a qual já foi encontrada o devedor e o credor, de modo que deve-se apenas garantir o seu cumprimento.

De tal princípio surgem os deveres de conduta para as partes e para o órgão jurisdicional. Fredie Didier destaca que o princípio da cooperação atua diretamente, imputando aos sujeitos do processo judicial os seus deveres. Coloca ainda que o princípio da cooperação torna devidos tais comportamentos necessários à obtenção de um processo leal e cooperativo25.

A doutrina estabelece alguns deveres decorrentes do princípio da cooperação, tais quais: dever de esclarecimento, dever de consulta, dever de prevenção ou proteção, dever de auxílio, dever de correção, de urbanidade, entre outros, de modo que se trata apenas de alguns exemplos. Nesse sentido, cabe mencionar que o processo seria o produto da atividade cooperativa triangular vez que envolve o juiz e as partes. Nessa concepção tem-se que o juiz estaria no centro da controvérsia, criando-se uma participação ativa das partes.

O processo moderno caminha para que o juiz se interesse pelo ativismo das partes na resolução das demandas. Assim sendo, importante rever a mentalidade com o intuito de tornar o processo menos individualista, de modo que o papel de cada um dos operadores do direito seja colaborar com boa-fé para a justiça, desfazendo a ideia de combate no âmbito judicial.

Em suma, os atos processuais deixaram de ser apenas uma parte do rito formal e se tornarão uma forma de fortalecimento da argumentação favorável à mencionada teoria da relação jurídica triangular do processo: juiz, autor e réu. Nelson Nery Junior coloca que na cooperação os deveres serão recíprocos e todos os agentes do processo são protagonistas de sua própria condução26.

O Código de Processo Civil de 2015, ao instituir o princípio da cooperação, determina que seja dever tanto das partes quanto de seus procuradores cuidarem para um bom movimento processual, tanto de forma positiva, de modo a auxiliar no entendimento das teses de fato e de direito, quanto de forma negativa, no sentido de não atrapalhar o regular seguimento do processo. 

Nesse ínterim, conclui-se que no que tange à aplicação de tal princípio aos métodos alternativos de solução de conflitos, presta-se a impedir a competitividade e adversariedade entre as partes, em busca de um diálogo construtivo, objetivando ganhos mútuos.

DA AUTONOMIA DA VONTADE

O princípio da autonomia da vontade entre as partes na negociação diz respeito ao livre exercício, por meio da combinação de suas vontades, de modo a serem capazes de estabelecer os seus interesses em acordo com a conveniência, desde que respeitando o ordenamento jurídico.

A resolução do CNJ também estabelece como regras que regem o procedimento da conciliação e mediação normas de conduta a serem observadas pelos conciliadores e mediadores para o bom desenvolvimento daquele, permitindo que haja o engajamento dos envolvidos com vistas à sua pacificação e ao comprometimento com eventual acordo obtido, dentre as quais está a autonomia da vontade. Deve-se respeitar os diferentes pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva, com liberdade para tomar as próprias decisões durante ou ao final do processo, e de interrompê-lo a qualquer momento. 

O artigo 190 do Código de Processo Civil já estabelece que, quando o processo versar sobre direitos que admitam a autocomposição, será lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais no decorrer do processo. Com isso, autoriza-se que as partes possam prever os ritos processuais, de modo a estabelecer algumas mudanças no procedimento, permitindo, desde já, que se estabeleça previamente algumas obrigações e faculdades processuais. Nasce aí, para os operadores do Direito, principalmente aos advogados, uma oportunidade de explorar os caminhos, norteando a instrumentalização processual ainda quando da fase contratual, desenhando contornos e prevendo em um contrato privado, por exemplo, os detalhes de um problema advindo daquela negociação privada.

Nesse sentido pode ser vislumbrada a área de atuação preventiva, na qual deve-se atuar considerando todas as variáveis, de modo a oferecer aquele que se socorre por seus serviços à solução jurídica adequada, acompanhada e considerando das inúmeras hipóteses de variações, inclusive aquelas que se afastam do Judiciário. De tal sorte, encontra-se nessas circunstâncias a tendência de facilitar os acordos mesmo quando o litígio começa a ser direcionado para o Judiciário. O Código de Processo Civil inova e vem pensando nessas possibilidades diante da situação insustentável que se coloca.

Portanto, têm as partes antes da lide e, inclusive após o ingresso em juízo, a possibilidade de conciliar. Nesse patamar cabe trazer a previsão do art. 319 do CPC, o qual destaca que deverá o autor indicar na petição inicial o seu interesse pela realização ou não da audiência de conciliação e mediação. “Art. 319. A petição inicial indicará: […] VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação”27.

De tal sorte, o mesmo diploma legal se preocupou em tratar, em um capítulo todo – qual seja, Capítulo V – a respeito da conciliação ou da mediação. Deste modo, ao receber a petição inicial, deve o juiz designar a audiência de conciliação ou mediação com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo o réu ter sido citado com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. Diante disso, tem o réu a possibilidade de se manifestar quanto ao desinteresse na sua primeira manifestação/contestação.

Porém, o que se busca incentivar desde referida previsão é que as demandas apenas sigam com o processo judicial quando não houver a possibilidade de acordo entre as partes. Assim sendo, é preciso que o advogado tenha pleno conhecimento desse interesse do legislador, a fim de que, primeiramente, essas audiências não se realizem em vão, e para que os conflitos possam ser efetivamente solucionados por meio de uma conversa positiva e construtiva.

A lei ainda estabelece, no artigo 334, § 9º, que as partes devem estar acompanhadas por seus advogados e defensores públicos. Diante disso, mais uma vez fica destacada a necessidade de que os advogados se inteirem do assunto processual, para no momento da conciliação ou da mediação serem capazes de instruir seus clientes da melhor maneira possível.

A relação do advogado e de seu cliente, consoante disposição do art. 10º do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Redação da Resolução 02/2015, deve ser baseada na confiança recíproca, in verbis:

Art. 10. As relações entre advogado e cliente baseiam-se na confiança recíproca. Sentindo o advogado que essa confiança lhe falta, é recomendável que externe ao cliente sua impressão e, não se dissipando as dúvidas existentes, promova, em seguida, o substabelecimento do mandato ou a ele renuncie28.

Tendo isso em mente, o detentor do conhecimento jurídico, ainda que por muitos anos levado a judicializar as questões que lhe fossem apresentadas, também deve passar a considerar os novos horizontes para auxiliar aqueles que lhes confiam os problemas. Nessas diretrizes cumpre destacar um programa criado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para as grandes empresas, as quais são detentoras de grande parte das ações em massa, tendo em vista que por serem em muitos momentos prestadores de serviços aos consumidores, buscando fomentar a utilização de métodos autocompositivos de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, entre as empresas e seus clientes ou usuários. Essa iniciativa busca incentivar a cultura da pacificação social principalmente no que se refere aos conflitos consumeristas, com o fim de evitar a excessiva judicialização.

A Portaria nº 9.447/2017, regulamentadora do programa mencionado, considera que há uma multiplicação acelerada de demandas judiciais em curso na Justiça e uma excessiva judicialização de conflitos na sociedade, inclusive no âmbito das relações de consumo.

Cabe dizer que o programa é de adesão voluntária, por meio de um Termo de Compromisso Público, o qual será firmado pela empresa com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo objetivo será de aumentar os acordos relacionados às matérias de competência da Justiça Estadual.   Nesse sentido, serão consideradas “Empresas Amigas da Justiça” aquelas que demonstrarem o comprometimento com políticas institucionais para melhora na comunicação com os respectivos clientes.

Com dada participação, as empresas ganham uma certificação a qual pode ser usada para sua promoção e, ainda, conseguiram diminuir o número de processos judiciais, na primeira oportunidade, privilegiando a celeridade na resolução do conflito.

Dentre as empresas participantes podem ser citadas empresas bancárias, como Itaú, Santander e Bradesco, seguradoras como a Mapfre e Brasilseg, a concessionária de energia, CPFL Energia, a Samsung, o site de compra e vendas Mercado Livre, entre tantas outras.

Destaca-se, portanto, mais uma tendência jurídica, qual seja: a de que as empresas multinacionais e de grande vulto econômico também buscam meios alternativos para a solução dos conflitos que lhes são apresentados diariamente.

DA BOA-FÉ

Na atuação jurisdicional, ou não, existem princípios que devem ser observados para garantir uma atuação justa e baseada na confiança entre as partes. Consoante o que ensina Miguel Reale, os princípios basilares do Código Civil são a sociabilidade, a eticidade e a operabilidade29.

A sociabilidade diz respeito ao rompimento do caráter individualista e egoístico do Código Civil de 1916, de modo que os institutos de direito privado devem ser analisados com uma concepção social, indeclinável e inafastável.

Quanto à eticidade, a ética e a boa-fé são colocadas em valorização. Essa última deixa o campo das ideias, da intenção, caracterizada pela boa fé subjetiva e passa a ingressar o campo da atuação e das práticas jurisdicionais pautadas na lealdade como prevê a boa fé objetiva.

A operabilidade vem com o objetivo de deixar um pouco de lado o rigor técnico, prezando pela simplicidade, interessando-se pela relevância prática, material e real. Por assim dizer, a codificação deixa cláusulas gerais que possibilitam ao aplicador do Direito o seu preenchimento.

Diante disso, interessa-nos tratar da boa fé como princípio importante do ordenamento jurídico para que se demonstre a necessidade da veracidade nas informações, do interesse no bem comum e também da honestidade e dever de probidade para com os litigantes. De tal sorte, importante distinguir as duas facetas do princípio: a boa fé subjetiva e a boa fé objetiva.

A primeira trata-se de um estado de consciência ou convencimento individual em conformidade com o direito aplicável. Diz-se subjetiva justamente por considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico, bem como sua íntima convicção e em contraposição à boa-fé esta a má fé, caracterizada com a intenção de lesar alguém.

Já a boa-fé objetiva pode ser colocada como uma espécie de modelo de conduta social, na qual deve-se adequar a conduta individual a um padrão ético, pautado na honestidade, lealdade, probidade, considerando os interesses como um membro do conjunto social juridicamente tutelado.

Mencionado princípio foi colocado expressamente na Lei nº 13.140/2015, qual seja, a Lei da Mediação, em seu artigo 2º, in verbis:

Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:

I – imparcialidade do mediador;

II – isonomia entre as partes;

III – oralidade;

IV – informalidade;

V – autonomia da vontade das partes;

VI – busca do consenso;

VII – confidencialidade;

VIII – boa-fé30.

A boa fé se coloca com grande relevância também no procedimento da mediação. É imprescindível que as partes conduzam todo o método de solução do conflito baseado nesse princípio, uma vez que se trata da vontade das partes em solucionar pacificamente a lide, pressupondo que não haja intenções ocultas em prejudicar a parte contrária.

Destaca-se também o propósito da isonomia entre as partes, a qual contribui para o desfecho harmônico. Deve ser oferecido tratamento proporcional para ambas, com a paridade armas, para que essas possuam os mesmos critérios de participação bem como as mesmas oportunidades.

Por assim ser, tem-se que o princípio da busca do consenso será alicerçado pela autonomia das partes, que escolherão a melhor forma de solucionar o conflito por meio da capacidade de conversas e negociações. 

CONCLUSÃO

O presente artigo visa a tratar da substituição do processo judicial pelos métodos alternativos de solução de conflito, vez que aquele não é suficientemente eficaz para solucionar todas as demandas existentes no Judiciário Brasileiro. Diante disso tem-se que o conflito é inerente às relações humanas e sempre esteve presente no contexto social. Deste modo, os cidadãos sempre tiveram que encontrar meios de solucionar suas lides.

Por muito tempo terceirizou-se a solução, considerando as tradições, os entendimentos tradicionais dos anciões passados de maneira cultural, e, posteriormente, a entrega das questões para um terceiro imparcial, qual seja, o juiz.

Entretanto, em razão da morosidade e excesso de processos existentes, tem-se um cenário de inefetividade das decisões uma vez que processos levam anos para serem decididos e, em muitos deles, necessita-se ainda de execução forçada para o seu cumprimento.

Faz-se necessário rever a postura e cultura judicial, que sempre pregaram a imprescindibilidade do Judiciário, de modo a considerar a cultura da pacificação, considerando que é possível que as pessoas sejam capazes de conversar a respeito de seu conflito e, nesse sentido, encontrem uma solução adequada e que considerará um meio-termo para ambas.

De tal sorte, os métodos alternativos de solução de conflito estão sendo muito utilizados na sociedade brasileira, instituídos principalmente pelo Código de Processo Civil de 2015, bem como as legislações específicas, razão pela qual se fez necessário rever o papel do advogado nesse contexto.

Tais métodos consideram a possibilidade de negociação do conflito a fim de encontrar uma solução. Ressalta-se que as decisões obtidas por meio desses métodos são dotadas de maior efetividade uma vez que possibilitam o cumprimento voluntário da obrigação acordada.

Considerando que os métodos alternativos são capazes de analisar a situação sobre um panorama geral, considerando e colocando em pauta as relações pré-existentes entre as partes, a origem da lide, os conflitos psicológicos e analisando especificamente as possibilidades de solução, há uma necessidade de se considerar previamente esses meios antes de socorrer-se do Poder Judiciário.

Por todo exposto, conclui-se que o papel do advogado na mudança cultural proposta é imprescindível, baseando-se na relação de confiança que estabelece com o cliente e para o qual tem como obrigação oferecer aquela solução que pode efetivamente, analisando o problema, propor uma solução elaborada, tal qual o Poder Judiciário, mas considerando as especificidades do caso e das demandas para que o problema não retorne ou perdure pelo tempo.


2WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 690.

3PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação e o Código de Processo Civil projetado. Revista de Processo, São Paulo, RT, v. 207, p. 213-238, mai. 2012.

4PAIVA, Fernanda; OBERG, Flavia Maria Rezende Nunes; ARAÚJO, Inês Guilhon de; PASSALACQUA, Maria Stela Palhares; ALMEIDA, Tania. Mediação e advocacia colaborativa no Direito de Família: uma perspectiva diversa. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, RT, v. 42, p. 315 e ss., jul. 2014.

5NETO, Adolfo Braga. In: SALES, Lília Maia de Morais (Coord.). Estudos sobre mediação e arbitragem: vários autores. Rio de Janeiro/São Paulo/Fortaleza: ABC, 2003.

6CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. e rev. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 86-87.

7SCRIPILLITI, Marcos Scarcela Portela. Aspectos relevantes da mediação. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, RT, v. 1, p. 72, jan. 2004.

8DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil.7. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2017.

9WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado dos Conflitosde Interesses. In: Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 04.

10BRASIL. Conselho Nacional de Justiça 2015. Guia de Conciliação e Mediação Judicial: orientação parainstalação de CEJUSC. Brasília/DF: Conselho Nacional de Justiça, 2015, p. 11.

11CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: Mediação: Conciliação: Tribunal Multiportas/7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 64.

12PELUSO, Cézar. Solução consensual de conflitos e o futuro da democracia. In: (Orgs). GROSMAN, Claudia Frankel, MANDELBAUM, Helena Gurfinkel. Mediação no judiciário: teoria na prática e prática na teoria. São Paulo. Primavera, 2011, p. 10-11.

13PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação e o Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, RT, v. 207, p. 213-238, mai. 2012.

14CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 34.

15GRINOVER, Ada Pellegrini. Os métodos consensuais de solução de conflitos de conflitos no Código de Processo Civil. Redação Jornal Estado de Direito, 04 nov. 2015. Disponível em: <http://estadodedireito.com.br/conflitosnonovo/>. Acesso em: 15 out. 2023.

16BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 15 out. 2023.

17SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de Arbitragem, Mediação e Conciliação.5. ed.  rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 23.

18Ibidem, p. 118-9.

19DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil.17. ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p.171.

20BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 16 mar. 2015, art. 3º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 out. 2023.

21BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 out. 2023.

22CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. e rev. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 35.

23Ibidem, p. 42.

24BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 16 mar. 2015, art. 6º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 out. 202023.

25DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, parte geral e processo de conhecimento I. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, v. I.

26NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. n. 24.3, p. 225.

27BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 16 mar. 2015, art. 319. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 out. 2023.

28BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Brasília, 4 jul. 1994, art. 10. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em: 15 out. 2023.

29REALE, Miguel. O projeto do Novo Código Civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 7-12.

30BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm>. Acesso em: 07 nov. 2019.


1Advogada, formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2019), pós graduada pela EBRADI em advocacia cível (2022), cursando pós graduação em mediação e conciliação pelo Centro de Mediadores (2023-atual), mestranda na Escola Paulista de Direito (2024-atual) entusiasta dos métodos alternativos de solução de conflitos. E-mail: larine.fregonezi@hotmail.com