A RESPONSABILIDADE CIVIL NA UTILIZAÇÃO DOS CONTRATOS INTELIGENTES (SMART CONTRACTS) REGISTRADOS EM BLOCKCHAIN.

CIVIL LIABILITY IN BRAZIL REGARDING THE USE OF SMART CONTRACTS REGISTERED ON BLOCKCHAIN

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8157549


Vinícius Elias Brunoni.


RESUMO

A crescente presença de mecanismos autônomos na vida das pessoas é evidenciada pelo uso de contratos inteligentes (smart contracts), que agilizam processos mecânicos, poupando os indivíduos de esforços repetitivos e pouco produtivos. As empresas estão desenvolvendo plataformas que automatizam hábitos rotineiros e, com o auxílio da inteligência artificial, os softwares aprendem os procedimentos necessários. Isso resulta na geração de códigos capazes de executar automaticamente transações, negócios e operações. No entanto, essas novas ferramentas podem criar situações em que o direito não possui soluções adequadas previamente estabelecidas. Para entender as implicações dessas inovações, é crucial analisar o papel desempenhado por cada agente envolvido na cadeia de formulação, criação e utilização dos códigos que serão gerenciados e empregados pelas máquinas. Além disso, é fundamental compreender o papel do Estado na regulamentação dessas novas relações e na prevenção de litígios. Portanto, este trabalho busca explorar as possíveis lacunas legais e éticas que surgem com o avanço dessas tecnologias, visando fornecer insights e diretrizes para governos, legisladores e organizações na formulação de políticas e regulamentações que promovam a segurança, a justiça e a eficiência na era da automação.

Palavras-Chave: contratos inteligentes, smart contracts, responsabilidade civil, blockchain.

ABSTRACT

The growing presence of autonomous mechanisms in people’s lives is evidenced by the use of smart contracts, which streamline mechanical processes, saving individuals from repetitive and unproductive efforts. Companies are developing platforms that automate routine habits, and with the assistance of artificial intelligence, software learns the necessary procedures. This results in the generation of codes capable of automatically executing transactions, businesses, and operations. However, these new tools can create situations where the law does not have previously established adequate solutions. To understand the implications of these innovations, it is crucial to analyze the role played by each agent involved in the chain of formulation, creation, and utilization of the codes that will be managed and employed by machines. Additionally, it is essential to comprehend the role of the state in regulating these new relationships and preventing disputes. Therefore, this work seeks to explore the potential legal and ethical gaps that arise with the advancement of these technologies, aiming to provide insights and guidelines for governments, legislators, and organizations in formulating policies and regulations that promote safety, justice, and efficiency in the era of automation.

Keywords: smart contracts, liability, blockchain.                                             

1. INTRODUÇÃO.

À medida que os processos autônomos avançaram e as redes se tornaram mais difundidas, surgiram novas ferramentas capazes de aprimorar as relações humanas que já estavam estabelecidas há muito tempo. Essas ferramentas inovadoras disponibilizam novos serviços que complementam os mecanismos de interação econômica e social, ampliando as possibilidades e melhorando a forma como as pessoas se relacionam. 

Nesse sentido, é uma demanda constante das empresas um gerenciamento mais eficiente e de uma forma mais célere para ter competitividade de mercado. As informações ali geradas devem ser rapidamente utilizadas para propiciar tomadas de decisões rápidas.

A captação crescente de informações, tanto estruturais quanto não estruturadas, impulsiona o surgimento do chamado Big Data, um vasto emaranhado de dados que não podem ser processados de maneira tradicional. Isso possibilita o cruzamento de informações que têm um impacto significativo nas relações sociais. Essas transformações inevitavelmente demandam a intervenção estatal para proteger os direitos fundamentais e regulamentar as relações jurídicas.

Diante desse cenário, não é surpresa que a confiança nos documentos esteja passando por uma mudança significativa. Com a crescente digitalização do direito, uma das principais transformações é a presença cada vez mais frequente de ferramentas como o armazenamento de documentos, a certificação e as assinaturas digitais na vida das pessoas. Essas tecnologias estão se tornando elementos essenciais para garantir a autenticidade, a integridade e a segurança dos documentos em um ambiente digital em constante evolução.

No que se refere ao armazenamento, a tecnologia blockchain tem propiciado a revolução de diversos setores como mercado financeiro, aplicativos, e setores notariais e registrais. Possibilita-se a descentralização de informações em diversas máquinas, não mais dependendo de um servidor central para ser acessada. Com esse mecanismo e com a criptografia disruptiva, é possível a criação de sistemas de uma maneira extremamente segura e eficaz. 

Para que seja viável a troca de informações nesse ambiente digital, a codificação fez surgir os contratos inteligentes (smart contracts), que nada mais são do que contratos gerados por codificações onde é possível a execução de forma automática. Com a sua utilização é possível uma maior segurança entre as partes, garantindo qualidade de vida do ser humano, assim como é da essência dos contratos tradicionais.

Dessa forma, essas ferramentas estão disponíveis por meio de plataformas inovadoras que empregam codificações automatizadas para facilitar operações eletrônicas. Essas plataformas se adaptam de maneira dinâmica à medida que os usuários interagem com os produtos disponibilizados, sendo capazes de aprender os padrões de comportamento humano e gerar respostas automáticas personalizadas para cada interação realizada. Essa abordagem baseada na automação e no aprendizado contínuo possibilita uma experiência mais eficiente e personalizada, otimizando o uso das ferramentas e aprimorando a interação entre as pessoas e os sistemas tecnológicos.

No entanto, essa automação acaba transformando, de forma “colateral”, as negociações. Apesar dos avanços tecnológicos significativos, essas codificações não são perfeitas a ponto de evitar todos os tipos de falhas, tanto provenientes de sua própria criação (como erros de código) quanto do uso por parte dos usuários (como inserção de dados incorretos). Nesse sentido, dado que as máquinas são capazes de executar atividades independentemente da intervenção humana, é essencial realizar estudos para compreender como atribuir responsabilidade aos agentes envolvidos.

A análise da responsabilidade é crucial para lidar com os possíveis problemas decorrentes dessas falhas e garantir a justiça e a equidade nas transações automatizadas. É necessário estabelecer mecanismos que definam claramente as responsabilidades dos agentes, incluindo os desenvolvedores das codificações, os usuários e as próprias plataformas. Além disso, é importante considerar o papel do Estado na definição de regulamentações adequadas para proteger os direitos dos indivíduos e evitar abusos ou situações de injustiça.

2. UTILIZAÇÃO DOS CONTRATOS INTELIGENTES.

Existem uma ampla gama de setores que podem se beneficiar do uso de contratos inteligentes. O campo mais impactado certamente é o mercado financeiro, com o advento das criptomoedas como Bitcoin, Ethereum, Dogecoin, Cardamo, dentre uma infinidade de muitas outras. Esses criptoativos podem ser criados a partir de codificações complexas e garantem a segurança dos usuários por meio da plataforma blockchain.

A automação industrial é um mecanismo poderoso que tem a capacidade de adaptar-se e solucionar uma variedade de problemas nos setores produtivos. Quanto mais uma fábrica ou uma empresa consegue automatizar processos repetitivos e mecânicos, mais energia humana se tem à disposição para tarefas mais complexas e um melhor gerenciamento dos processos. Nesse sentido, a Pfizer e IBM food trust vêm utilizando essas inovações no ramo farmacêutico e alimentício, visando a obtenção de dados transparentes na gestão de cadeia de suprimentos (RIBEIRO, L.; MENDIZABAL, 2019, p.13).

No setor de serviços, as seguradoras vêm utilizando cada vez mais essas tecnologias, visto que armazenam um grande volume de informações em seus registros. Para uma utilização de maneira mais eficaz, os contratos inteligentes podem aprimorar o cruzamento de dados, e com isso gerar análises de risco muito mais precisas. Isso gera um impacto e um benefício econômico muito grande em larga escala, já que se tem um controle dos elementos ali armazenados. 

Outra aplicação importante é quanto ao gerenciamento de identidade e autenticação de assinaturas. Muitas startups vêm investindo em sistemas de identidades virtuais, baseadas em criptogramas propostos com a finalidade de proteger a privacidade das partes envolvidas (RIBEIRO, MENDIZABAL, 2019, p.16). Isso permite a confecção de negócios de maneira remota com mais segurança e de maneira mais célere.

No que diz respeito ao setor público, um dos princípios da administração pública é a publicidade dos atos administrativos. Para garantir esse princípio é necessário assegurar a transparência dos registros e transações. Os gastos do governo poderiam ser mais transparentes se registrados com contratos inteligentes, o que facilitaria o gerenciamento de recursos e um maior controle da sociedade.  Garante-se assim processos armazenados de forma persistente, o que facilita auditorias e regulações. Dentre os países que já adotaram medidas nesse sentido são: Estônia, Singapura, China, Emirados Árabes (Dubai), Japão e Canadá (RIBEIRO, MENDIZABAL, 2019, p.17).

Também, os dados públicos são comumente alvo de fraudes em documentos sensíveis como CPF, carteira de habilitação e registro de propriedade ou posse de terras. O envio ou a troca destas informações de forma manual agrava o risco de ataque de hackers e cibercriminosos. O armazenamento em servidores centralizados também pode tornar esses dados vulneráveis a vazamentos como vemos muitas vezes. Problema que pode ser resolvido com a criptografia descentralizada, já que a codificação simultânea gerada em diversas máquinas dificulta o acesso a usuários não autorizados.

Por fim, o processo eleitoral também pode sofrer modificações com a utilização de smart contracts e blockchain em uma perspectiva ampla. Tanto no que se refere aos dados dos eleitores para uma melhor organização do pleito, quanto para a própria coleta de votos. Obviamente que para uma eleição nacional haveriam muitos obstáculos para se utilizar tal sistema. No entanto, nada impede a sua utilização em âmbito privado como para a eleição de um dirigente ou administrador de uma empresa, ou para eleger o representante de uma associação ou confederação por exemplo.

3. DIREITO DIGITAL

No atual cenário de evolução tecnológica, a ciência da computação exerce cada vez mais influência sobre o direito. A chamada “sociedade da informação”, é a sociedade inserida em um processo de mudança constante, fruto de avanços da ciência e da tecnologia (COUTINHO, 2011, p. 6). Neste contexto, o renomado autor Manuel Castells destaca as principais características desta nova sociedade, que também pode ser definida como sociedade pós-industrial (COUTINHO apud.CASTELLS, 2011, p.7):

Capacidade de penetração dos efeitos das novas tecnologias: Refere-se ao poder de influência que os meios tecnológicos exercem na vida social, econômica e política da sociedade;
(…)
Lógica de redes: É uma característica predominante deste novo modelo de sociedade, que facilita a interação entre as pessoas, podendo ser implementada em todos os tipos de processos e organizações, graças às recentes tecnologias da informação;
(…)
Convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente Integrado: O contínuo processo de convergência entre os diferentes campos tecnológicos resulta da sua lógica comum de produção da informação, onde todos os utilizadores podem contribuir, exercendo um papel ativo na produção deste conhecimento.

Esse sistema que propicia uma busca incessante pela inovação, impõe uma cautela especial por parte do Estado, que deve estar atento às mudanças capazes de gerar um impacto significativo nas relações negociais. Isso se traduz em novas regulações que devem acompanhar as novas decorrências e implicações dessa nova era digital. 

Remete-se a expressão cunhada por diversos autores, da chamada Lex Informatica, que se define como um conjunto de regras e de costumes de âmbito internacional criadas no âmbito da Rede Mundial de Computadores e, geralmente, aplicadas nesta seara[1]. Para tanto, se faz necessário uma análise constante que vise o mapeamento de quem detém o poder da arquitetura digital (ou seja, quem domina o sistema), para que se possa elaborar políticas públicas capazes de assegurar operações integras.

Ferramentas como a inteligência artificial e o uso algoritmos têm sido cada vez mais frequentemente utilizado na tomada de decisões em operações privadas (DOMINGOS, 2015, p.1): 

(…) algoritmos classificatórios definem a oferta de cartões de crédito, o valor de seguros de saúde e os escolhidos para vagas de emprego; sistemas de recomendação sugerem amigos nas redes sociais, o que comprar e que rota escolher; algoritmos de data mining prometem descobrir padrões relevantes para o comércio, e até mesmo para questões associadas à saúde física e mental, provedores on-line se utilizam de algoritmos para decidir que informação permanece e o que será banido de suas plataformas.

No ambiente do ciberespaço há pouca transparência dos operadores, o que permite um maior controle social e político por parte de grandes corporações. A atual complexidade dessas relações acaba por implicar o questionamento de agentes estatais e não-estatais que acabam por contestar o monopólio do Estado frente a criação e aplicação do direito, transferindo a responsabilidade para o setor privado, contemplando a denominada “autorregulação” (FORNASIER , 2021, p.311).

Em um ambiente globalizado e altamente digitalizado essa dinâmica é impulsionada por planos próprios de regulação, favorecido por plataformas transnacionais, em que quem detém as regras do jogo passa a ser aquele que tem o domínio da codificação (FORNASIER , 2021, p.311). Possibilitando o surgimento de um império digital em que as relações jurídicas tradicionais podem não ser reconhecidas, e o emprego da lei pode se tornar inexequível.

Como resultado, surgem novos tipos de operações decorrentes da crescente complexidade da sociedade, que vão além das regulações estatais tradicionais, envolvendo uma multiplicidade de normas, sendo que a aplicação das regulamentações nacionais pode ser afastada. Nesse contexto, a busca pela responsabilização e proteção de direitos fundamentais, como privacidade, honra e patrimônio, pode ser adiada ou dificultada nesse ambiente paralelo.

4. RESPONSABILIDADE TRANSNACIONAL.

O Parlamento Europeu aprovou uma resolução, em fevereiro de 2017, que propunha à Comissão um conjunto de disposições de direito civil sobre robótica. De acordo com a resolução, a Diretiva 85/374/CEE não seria aplicada aos danos provocados por sistemas de inteligência artificial dotados de autoaprendizagem. Recomenda-se, que independente da solução jurídica aplicada à responsabilidade civil dos danos causados por agente autônomos, em caso de danos não patrimoniais o futuro documento não poderia limitar o tipo do dano, nem a indenizar a formas de compensação da parte lesada (CAMPOS, 2021, p.733).

Destaca-se ainda, que quanto maior fosse a capacidade de aprendizagem e autonomia do mecanismo de inteligência artificial e quanto mais longo fosse o seu processo de aprendizagem, maior seria a responsabilidade de quem o ensinou ou treinou, isto é, maior seria a responsabilidade do consumidor (CAMPOS, 2021, p.734). Essa aplicação poderia gerar uma completa reformulação do direito do consumidor, já que poderia afastar a responsabilidade do fabricante em relação aos produtos colocados à disposição dotados de capacidade de autoaprendizagem.

Ainda, pode-se dizer que o desenvolvimento de plataformas tecnológicas na maioria dos casos não é pensado para utilização apenas em âmbito local, mas sim para que seja o maior possível o número de usuários de um ou vários países. O que acaba por dificultar ainda mais a compreensão do que cada agente inserido no processo de criação e utilização dos contratos inteligentes é ou não responsável, já que a pluralidade de normas referentes ao direito tecnológico pode dar concepções distintas.

Normas como a do parlamento europeu implicam em uma mudança na categorização de responsabilidade de processos autônomos de forma transnacional, gerando assim reflexos em sistemas nacionais diversos (CAMPOS, 2021, p.734). Ocorre que muitos países não têm agilidade legislativa suficiente para regulamentar esta e outras novas implicações em que a tecnologia vem modificando a forma como o direito deve ser aplicado.

5. RESPONSABILIDADE CIVIL EM OPERAÇÕES AUTÔNOMAS.

Quando se fala na utilização prática dos contratos inteligentes uma das primeiras questões que se coloca é quanto às implicações e desafios da sua inserção nas relações humanas. Apesar do alto grau de segurança na inserção de dados em blockchain (tecnologia utilizada para armazenar os dados), não se pode dizer que não existem riscos na utilização desta via contratual.

Na grande maioria dos casos a própria engenharia de software pode ocasionar a má formação dos códigos e não ser capaz de executar a operação pretendida, ou até mesmo gerar uma resposta diversa. Contudo, ações humanas também podem gerar algum erro que pode tornar defeituoso o algoritmo e não se alcançar o resultado pretendido.

Nesse ambiente, o grande problema gira em torno do agente sobre a qual incidirá a responsabilidade quando ocorrer um dano gerado em decorrência de uma interação sem a participação direta de um indivíduo. Nesse sentido, afirma Silva (2019, p.5):

Tais riscos tendem a decorrer, em sua maioria, da própria engenharia do programa, além da possibilidade, como se verá, de alguns riscos decorrerem da ação humana, ou mesmo da interação entre softwares. A grande problemática gira em torno da pessoa sobre a qual recairá a responsabilidade quando s e estiver diante um dano gerado em decorrência de uma interação sem a participação direta de pessoas. Insta salientar, desde logo, que não se tem notícia da formulação de uma resposta definitiva para essa questão.

Apesar da possibilidade de a execução do contrato poder ocorrer de forma automática, tal operação dependerá da atuação e formulação de um operador. Só é possível o desenvolvimento de um contrato inteligente com a criação de um código fonte que dá as instruções necessárias para que o software seja capaz de utilizar os dados preenchidos e gerar uma resposta para a execução dessas informações.

Todo esse processo de concepção contratual automatizada está sujeito a erros. Além das falhas diretas do próprio software, pode-se citar inúmeras outras causas que podem gerar imperfeições como bugs, ou a captação de informações equivocadas advindas de outras plataformas (SILVA, 2019, p.5).

No que se refere à inserção incorreta de dados tanto oriundos da atividade humana, quanto da coleta automática do próprio sistema, é possível que ocorram situações em que essas ações seriam suficientes para acionar a execução irregular. Um conjunto de operações incorretas pode modificar a malha de dados distribuídos e assim ocasionar uma reação em cadeia, e mesmo que corrigido posteriormente se tornará irreversível, gerando grandes prejuízos e danos patrimoniais. Aqui vemos um exemplo prático de um problema na execução de um contrato autônomo (SILVA, 2019, p.6): 

De modo a melhor visualizar essa captação de informações pela blockchain e o próprio funcionamento de uma contratação inteligente, pense-se na seguinte hipótese: a Indústria A faz um acordo com produtor B, em tais termos que, sempre que o preço da saca de soja for menor que X, haverá compra automática de 100 sacas. Registram-se essas informações sob o formato de um código computacional na blockchain, a qual estará vinculada ao oráculo centralizado cuja fonte é um determinado site de cotação de commodities agrícolas, atualizado diariamente com os preços de diversos produtos deste ramo. Bastará a divulgação de uma informação falsa, pouco importando a intencionalidade de tal conduta, para que a execução automatizada do contrato gere resultados jamais vislumbrados pelas partes.

O que mais chama a atenção nos danos que podem ser gerados por essas operações autônomas é que podem ocorrer sem a existência de culpa de qualquer das partes, ou até mesmo sem conduta humana alguma. Por esse motivo é necessário se repensar a responsabilidade civil nos contratos inteligentes previamente a sua utilização em larga escala, já que estamos diante de implicações jurídicas nunca antes pensadas.

No mesmo sentido, o direito do consumidor também pode sofrer um grande impacto com a implementação dessas novas funcionalidades, já que cada vez mais inserido em âmbito virtual. Sem uma regulação adequada, é possível que falhas oriundas da má-formação de operações digitais geram danos aos consumidores, mas que pela incompreensão do que essas operações de fato representam, pode-se gerar um afastamento da incidência das normas, atrelando-se à culpa exclusiva do usuário.

6. CONCLUSÃO.

Podemos afirmar que os smart contracts não perdem sua essência contratual, mesmo diante de todas as inovações tecnológicas que têm impactado a forma tradicional dos negócios jurídicos. Essas e outras inovações podem despertar entusiasmo em muitos profissionais do direito, ao mesmo tempo em que podem gerar apreensão em outros.

Por esse motivo, não faz sentido não sujeitar tais ferramentas às regras gerais de direito privado. O que parece a melhor solução seria ponderar os princípios e normas do direito contratual, com estudos e a nova realidade oriunda da utilização de novas tecnologias. Para isso, é necessário que o universo jurídico, incluindo aqui profissionais do ramo, pesquisadores, e o próprio Estado, estejam atentos às implicações e os resultados que vão surgindo ao longo do tempo.

Sabe-se que a evolução e desenvolvimento das relações humanas é constante. Portanto, a mutação da forma negocial tende a acompanhar o limite tecnológico de acordo com as suas necessidades e ambições. Mas isso não pode corresponder a um retrocesso no que se refere às garantias e direitos fundamentais que foram alcançados ao longo de muitos anos.

Por parte do Estado cabe um olhar ainda mais atento tanto para o setor privado como para as suas próprias instituições, devendo acompanhar a transformação da sociedade e do mundo globalizado, com o objetivo de evitar que o seu funcionamento se torne obsoleto e de aplicações arcaicas. Afasta-se com isso as possibilidades de uma auto regulação feita por aqueles que detém o poder tecnológico, tendo assim um papel mais ativo, presente e atual na vida das pessoas.

Nesse sentido, é dever institucional do legislativo a elaboração de leis que regulamentem a aplicação de novas ferramentas com a finalidade de prevenir lacunas e a falta de previsão legal. Também cabe ao poder judiciário a compreensão das modificações jurídicas decorrentes do avanço tecnológico, devendo suas decisões serem elaboradas com base na contemporaneidade e no atual estágio em que a sociedade se encontra. 

Garante-se com isso o desenvolvimento humano, capaz de assegurar que o direito não fique estagnado frente às modificações desta nova era. Tampouco espera-se que ocorra uma ruptura entre os campos da ciência, tecnologia e inovação com o princípio da segurança jurídica e da preservação de direitos, já que o bem-estar social deve ser uma finalidade a ser seguida por todos os ramos.

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