A PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS BRASILEIROS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6627812


Autores:
Matheus Oliveira Roberto1
Rodrigo Zardini2


RESUMO

O artigo em estudo, objetiva apresentar as circunstancias sub-humanas encontradas hoje em presídios brasileiros, tal como demonstrar os benefícios e malefícios que a privatização de cárceres pode causar aos detentos. Para tanto, optou-se por um estudo de caráter comparativo e qualitativo bibliográfico. A realidade de muitos presídios no campo mundial, oportunizou a busca por soluções a respeito das superlotações nas celas prisionais, bem como, a observância de ambientes hostis e precários que muitas dessas celas se encontram, isso se deu devido a uma falha no sistema de administração governamental do país, que não está conseguindo desenvolver maneiras de a desestatização, e condições para reeducar os. Contudo modelos gestões internacionais observadas em outros países foram observadas e estudadas para que houvesse a possibilidade de implementação desses modelos no Brasil.

Palavras-chave: Presídios. Desestatização. Privatização. Superlotações.

ABSTRACT

The article under study aims to present the sub-human circumstances found today in Brazilian prisons, such as demonstrating the benefits and harm that the privatization of prisons can cause to inmates. Therefore, a comparative and qualitative bibliographic study was chosen. The reality of many prisons in the world field, provided the opportunity to search for solutions regarding overcrowding in prison cells, as well as the observance of hostile and precarious environments that many of these cells are in, this was due to a failure in the administration system government in the country, which is failing to develop ways privatization, and conditions to re-educate the. However, international management models observed in other countries were observed and studied so that there was the possibility of implementing these models in Brazil.

Keywords: Prisons. Denationalization. Privatization. Overcrowding.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo abordará no todo a privatização dos presídios no Brasil, em suma apresentar os pontos positivos e negativos que essa privatização poderá acarretar para o país.

No primeiro momento, o artigo explana sobre a precariedade das celas prisionais, tal como, os transtornos em relação a saúde dos presos advindo das más condições de suas celas.

Logo mais é apresentado na história como era os julgamentos dos infratores e as mudanças que a lei sofreu com o passar dos anos, e como esses indivíduos passaram a ser julgados de acordo com a atualidade.

No mais, relata-se sobre a privatização do sistema carcerário em outros países, bem como o surgimento desse acontecimento em alguns estados brasileiros. Contudo é valido ressaltar que de maneira positiva o estado poderá se beneficiar economicamente já que irá reduzir custos nas atividades materiais, como o oferecimento da alimentação, higiene e limpeza, dentre outros serviços que são indispensáveis em um presídio. Em contrapartida há uma observação a ser feita a respeito desse modelo de privatização internacional, no sentido de que, o modelo terceirizado poderia ruminar apenas o lucro que poderia ter com um prisioneiro, em de se preocupar com sua reabilitação para que o mesmo pudesse voltar para a sociedade como um cidadão de bem.

Logo mais, empresas terceiras não teriam poder algum sobre o fator jurisdicional, pois o estado a mando do Juiz e quem determina, a pena de um condenado, quando e como ocorrerá sua punição dentre outros, preservando a validação do poder maior a respeito da lei.

Ademais o objetivo desse estudo demanda a contextualização a respeito da privatização do sistema penitenciário brasileiro e no que rege seus fatores positivos e negativos.

2. DESENVOLVIMENTO

Desde as primícias da vida em sociedade percebe-se uma maneira primitiva de repreensão aqueles que violassem a paz da coexistência social, nesses casos de maneira arcaica a justiça era realizada baseando-se em vingança privada concernente a vítima ou a seus familiares. Com o passar dos anos atualmente no século XXI, as leis foram reformuladas baseando-se em um princípio mais humanizado. A CF/1988 criou a Lei nº 7.210/1984, que assegura que o encarcerado tem direito a sua integridade física é deverá ser submetido a tratamentos humanos de cunho moral e respeitoso.

A pena é um quociente instituído pelo governo no que concerne infração em respeito à lei penal, quando ocorre um episódio de cunho ilícito e culpável. Em relação a origem da pena, entende-se que sua aplicação em outros anos se caracterizava por sua violência e crueldade. Destarte apresenta Foucault:

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na Praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo ser puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas jogadas ao vento […]. (FOUCAULT, 2014, p. 9).

Nas eras passadas vivia-se acontecimentos históricos, nos quais a aplicação da pena era realizada de maneira muito mais severa a ser comparada com a forma que as penas são aplicadas nos dias atuais. Visto que eram determinadas de modo cruel no que diz respeito as partes físicas dos corpos dos presos.

Ressalta Mirabete (2001) “A pena é contundente categórica, decorre naturalmente do delito, uma compensação jurídica, já que ao mal do crime convém o mal da pena, daquilo que provém da igualdade e só esta traz justiça”.

Até chegar nas penas de lei que são conhecidas atualmente, um longo processo teve que ser percorrido no decurso da evolução da história ligado a história da sociedade. Em que revela que na era clássica, as pessoas comemoravam as punições de outras e a sociedade comportavam-se de maneira natural as violências físicas aos delatores culpados.

A Organização das Nações Unidas (ONU), a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Lei de Execução Penal estabelecem o que é expressamente previsto na Constituição Federal do Brasil, em seu capítulo referente aos Direitos e Garantias Fundamentas, que as autoridades devem assegurar ao preso o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX, CF).

Desta forma é reconhecido constitucionalmente que o preso não possui apenas deveres a serem cumpridos, mas também possui direitos a serem respeitados, cabendo ao Estado reconhece-los e ampará-los. Há uma relação jurídica entre o apenado e o Estado, sendo que este é responsável em garantir todos os direitos que não foram limitados pela sentença penal.

O artigo 3º da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) expressa que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”, da mesma forma que o artigo 10 prevê que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

Nesse sentido têm decidido os tribunais:

O Estado responde objetivamente pela omissão ao dever constitucional de assegurar ao preso o respeito à integridade física e moral (art. 5, inciso XLIX, CF), ainda que o falecimento do interno tenha se dado por agressão perpetrada por outro detento, uma vez que os agentes estatais deveriam tomar todas as medidas necessárias para proteger a pessoa posta sob a sua guarda, e que, em razão da segregação, não pode se defender (TJ-DF – APO:20140111864814, Relator: GISLENE PINHEIRO, Data de julgamento: 06/042016, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 13/04/2016).

Em virtude do dever do Estado de zelar pela integridade física dos presos, sua responsabilidade será objetiva pelos danos ocorridos a integridade física e moral dos presos (SILVEIRA, 2017).

Após a condenação, cabe ao Estado a função de ressocializar o condenado, conforme expressamente previsto na Lei de Execução Penal, a fim de que o indivíduo se recupere para que, após o cumprimento da pena, volte a viver junto à sociedade. Ocorre que o Brasil enfrenta diversas dificuldades para cumprir com esta incumbência, agravadas ainda mais pelo atraso nos julgamentos dos prisioneiros e a insegurança que permeia os presídios do país. Para alguns autores, Estado não cumpre com a finalidade de ressocializar o condenado através do cumprimento da pena (NOVO, 2018).

De acordo com os dados fornecidos pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), o número de pessoas privadas de liberdade no Brasil em junho de 2016 era de 726.712, sendo que o número de vagas correspondia a 368.049, restando um déficit de 358.663 vagas, cuja taxa de ocupação média em todo país é de 197,4% (INFOPEN, Junho/2016). No período de 1990 a 2014, o aumento da população prisional foi de 575%, conforme divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (2016, p. 11).

Esses dados refletem o principal problema no sistema carcerário brasileiro: a superlotação. Para o Ministério Público, o problema da superlotação é explicado pelo excessivo número de presos provisórios, cerca de 40% (quarenta por cento) do total de internos, enquanto a média mundial encontra-se por volta de 25% (vinte e cinco por cento) (Conselho Nacional do Ministério Público, 2016, p. 19).

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, quando citado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, as celas das penitenciárias são superlotadas em até 300% de sua capacidade máxima. São descritas como fétidas e úmidas, sendo que presos provisórios e devedores de alimentos, são colocados junto aos presos comuns. Há problemas ainda com presidiárias gestantes e mães, com suas crianças, dividem celas superlotadas e nestas condições com presas comuns. Além da deficiência da estrutura dos presídios, há ainda falha na assistência à saúde do preso e de suprimentos básicos de higiene pessoal e uniformes (Conselho Nacional e Justiça apud Conselho Nacional Do Ministério Público, 2016, p. 28).

A falha se estende no precário sistema de escolta e transporte de presos, com constante adiamento das audiências designadas pelos juízes criminais, bem como baixo número de agentes penitenciários, o que está em desconformidade com o preconizado pena ONU, que é de um funcionário para cada três presos, e do CNPCP, que é de um funcionário para cada cinco presos (Conselho Nacional e Justiça apud Conselho Nacional Do Ministério Público, 2016, p. 28).

Atualmente fala-se muito a respeito da privatização de todo o sistema carcerário brasileiro afim de trazer benefícios para a vida dos encarcerados enquanto os mesmos estão em reclusão.

A privatização do sistema prisional teve início no ano de 1999, com a instauração da Penitenciária de Guarapuava – PA, depois no estado do Ceará, no Cairi que fica no município de Juazeiro do Norte no ano de 2001.

Alguns países já possuem o gerenciamento privatizado em suas prisões como a França e os EUA, o que resultou em economia nos gastos carcerários, já que a verba do governo poderia aplicada em outros setores, motivando uma economia secundária para o país. No Brasil o gerenciamento do sistema carcerário baseado na XLVIII CF/1988 em seu art. 5º (CR/88), Afirma que o cumprimento de pena de cada indivíduo deverá ser cumprido em instalações destintas, sendo separados de acordo com o crime cometido, sua idade e sexo. Na Inglaterra no século XIX, a maneira como conduziam seu gerenciamento prisional era diferente, como relata o autor Cezar Roberto Bitencourt: A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. Outro aspecto importante é o fato de possibilitar ao recluso reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação. A meta do sistema tem dupla vertente: de um lado pretende constituir um estímulo à boa conduta e à adesão do recluso ao regime aplicado, e, de outro, pretende que este regime, em razão da boa disposição anímica do interno, consiga paulatinamente sua reforma moral e a preparação para a futura vida em sociedade. (BITENCOURT, 2017, p. 179).

O sistema progressivo, consente que a pena, do infrator seja reduzida, a depender de sua conduta e de seu trabalho na prisão, objetivando o incentivo de responsabilidade de cada infrator, tal ato tendo incisão no tempo de cumprimento de sua pena permite que a pena seja reduzida, dependendo do bom desempenho do preso no trabalho e de sua conduta carcerária. Assim de acordo com o “Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena”.

O objetivo é incentivar o senso de responsabilidade dos condenados, dependendo do próprio preso, o maior ou menor cumprimento de sua pena.

De tal forma, esse sistema implicava em trazer maneiras de adaptar o preso para conviver novamente em sociedade totalmente reabilitado, no intuito de leva-lo a viver de forma honesta e respeitosa.

Em meados do ano de 1834, o filosofo e jurista Jeremy Bentham, trouxe a ideia de privatizar o sistema carcerário brasileiro, no intuito de diminuir a intervenção do governo no âmbito político-econômico, afim de realizar uma desestatização trazendo melhorias ao sistema prisional, tanto nas atividades de reabilitação, quanto nas melhorias de estruturas do ambiente em que os presos permanecem. Todavia, também traria mais eficácia quanto a reabilitação dos encarcerados, procurando maneiras para que possam trabalhar enquanto estão em cárcere é assim podendo eles se sentir como pessoas úteis.

Em contrapartida a terceirização desse gerenciamento prisional possui uma questão negativa no que se refere como um poder particular extraindo um certo lucro a respeito do trabalho de um preso, o que seria ominoso, já que o intuito de terceirizar esse serviço seria trazer melhores condições em questões de saúde, educação é ressocialização.

O Estado sendo falho, surgiu a ideia de privatizar esses estabelecimentos. Preliminarmente é importante destacar de um conceito de privatização: “dá-se o nome de privatização à transferência de um serviço realizado pelo poder público para o poder privado e também à transferência de propriedade de bens de produção públicos para o agente econômico privado” (DERANI, 2002, p. 110).

Muitos presídios brasileiros, possuem problemas com suas superlotações: ambientes insalubres e pessoas que adquirem doenças pelas más condições que se encontram suas celas prisionais. Contudo, indivíduos doentes em meio a indivíduos sadios, bem como, aparições de insetos e ratos nesses lugares devido a suas más condições de habitação, assim observando-se diversos fatores que são prejudiciais à saúde humana.

Não obstante, Zanin faz uma afirmação sobre o sistema carcerário brasileiro:

A vida carcerária tem no seu cotidiano a destruição social do preso, num ambiente degenerativo, que estimula e reproduz ato de violência, sendo pedagógico não para a reeducação, mas para a constituição do comportamento violento. (ZANIN; OLIVEIRA, 2006, p. 3).

Nessa perspectiva, compreende que esses ambientes prisionais necessitam de uma administração adequada preocupada com a saúde e educação de seus detentos afim de obterem resultados quanto a sua ressocialização. Contudo, há uma preocupação quanto a terceirização desses serviços já que essas empresas terceirizadas podem priorizar o lucro ao invés da ressocialização, já que as mesmas ganham por cada preso, ou seja, pela quantidade de presos. Nessa concepção pode-se analisar a afirmação de Minhoto:

[…] a privatização vem sendo criticada basicamente por extrair lucros do sofrimento humano “trata-se de gente que fica rica na proporção do ‘quantum’ de pena que consegue infligir”. Defensores da privatização, como Peter Young, têm procurado minimizar esse tipo de crítica, comparando os empresários do setor aos donos de armazém, “que lucram com a fome humana” Os críticos contra-atacam: “uma analogia mais pertinente seria com os que lucram fazendo os outros passarem fome”. Enfim, a privatização também tem sido contestada por contradizer o “imperativo moral” da busca de soluções que tenham por fim minimizar o sofrimento físico na gestão das práticas punitivas. (MINHOTO, 2000, p. 90).

Na Constituição já possui a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como LEP (Lei de Execução Penal) que defende os encarcerados quanto a essas situações difíceis mencionadas anteriormente. A execução penal objetiva fixar as sentenças ou decisões criminais, oportunizando condições para a integração social do preso ou do condenado.

Para que seja possível verificar a viabilidade da parceria público-privada no sistema prisional brasileiro, é preciso analisar a legalidade desta proposta no ordenamento jurídico. Por outro lado, a Constituição Federal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal são omissos quanto ao encarceramento ser exclusivamente responsabilidade do poder público (SANTOS, 2017, p. 44).

As restrições pertinentes ao tema, conforme já apontadas neste trabalho, são em relação ao objeto das Parcerias Públicas-Privadas, elencada no art. 2º, §4º, inc. III da Lei 11.079/2004.

§ 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:
[…]
III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

A Lei de Execução Penal, nos artigos 73 e 74, não proíbe a privatização dos estabelecimentos prisionais:

Do Departamento Penitenciário Local:
Art. 73 – a legislação local poderá criar Departamento Penitenciário ou órgão similar, com as atribuições que estabelecer.
Art. 74 – o Departamento Penitenciário local, ou órgão similar, tem por finalidade supervisionar e coordena.

O artigo 24, inciso I, da Constituição Federal determina a competência à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre o direito penitenciário. A Lei Federal 11.079 de 30 de dezembro 2004, que regula as parcerias público-privadas, está em total consonância com o a Carta Magna.

A parceria público-privada administrativa é aquela em que o pagamento ao setor privado prestador do serviço vem unicamente dos cofres públicos, enquanto na modalidade de parceria público-privada patrocinada, uma parte do pagamento do setor privado é efetuado pelos cofres públicos, enquanto outra parte é efetuada pelos usuários, ou seja, os cidadãos que utilizarem os serviços. No caso dos presídios cuja administração seja realizada por pessoa jurídica de direito privado, deverá ser utilizada a parceria público privada na modalidade de concessão administrativa, pois haverá repasse financeiro do Estado, sem cobrança de tarifas aos usuários.

Conforme aponta Santos (2017, p. 46), “em um sistema prisional privado, a responsabilidade pela sentença penal continua sendo exclusiva do poder público, bem como o acompanhamento da execução penal”. Desta maneira, o Estado não estará se esquivando de seu dever de punir. Nesse diapasão, afirma D’Urso, citado por Ostermann:

Não se está transferindo a função jurisdicional do Estado para o empreendedor privado, que cuidará exclusivamente da função material da execução penal, vale dizer, o administrador particular será responsável pela comida, pela limpeza, pelas roupas, pela chamada hotelaria, enfim, por serviços que são indispensáveis num presídio. Já a função jurisdicional, indelegável, permanece nas mãos do Estado que, por meio de seu órgão-juiz, determinará quando o homem poderá ser preso, quanto tempo assim ficará, quando e como ocorrerá a punição e quando o homem poderá sair da cadeia, numa preservação do poder de império do Estado, que é o único legitimado para o uso da força, dentro da observância da lei. (D’URSO. 1999, p. 75, apud OSTERMANN, 2012, p. 12).

Assim, D’Urso (2012, p. 12) demonstra que a função jurisdicional estatal não é usurpada pela pessoa jurídica de direito privado, uma vez que quem estará aplicando o ius puniendi é o juiz, ao aplicar a sentença ao condenado. Ao empreendedor privado cabe a função de suprir as necessidades materiais do preso enquanto este cumpre pena.

Cumpre salientar que, no momento da formulação do contrato ou edital, a empresa terá as suas funções delimitadas, sendo que a direção do estabelecimento penitenciário continuará sendo função do Estado.

Portanto, resta demonstrado que a responsabilidade prisional pode ser delegada, assim, não há nenhum impedimento no ordenamento jurídico quanto à possibilidade de implementação de prisões privadas no Brasil.

No dia 28 de janeiro de 2013, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, foi inaugurado Complexo Penitenciário Público-Privado, o primeiro presídio construído em parceria público-privada entre o Estado e um consórcio de cinco empresas, construído na forma de concessão administrativa, por meio da Lei n°. 11.079/2004 (OLIVEIRA, apud SANTOS, 2017, p. 56).

No caso do Complexo Penitenciário Público-Privado, a penitenciária foi construída por um consórcio de cinco empresas – uma sociedade com propósito específico, na forma de sociedade anônima, com a exclusiva finalidade de explorar o objeto da concessão administrativa (OLIVEIRA, apud SANTOS, 2017, p. 56). Por se tratar de uma parceria público-privada, o consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), vencedor da licitação, teve de construir o presídio, realizar as instalações físicas dos ambientes e prover serviços com recursos próprios e financiados (OLIVEIRA, apud SANTOS, 2017, p. 56).

O valor estimado contrato de parceria público-privada é de R$ 2.111.476.080 (dois bilhões, cento e onze milhões e quatrocentos e setenta e seis mil, setecentos e oitenta reais), o qual estabelece 380 indicadores de desempenho definidos no contrato pelo governo mineiro, com prazo de 27 anos, válido até 2036, podendo ser prorrogado até 2044 (OLIVEIRA, apud SANTOS, 2017, p. 57).

A realidade do Complexo Penitenciário Público-Privado é extremamente diferente das demais penitenciárias do país. Nas celas ficam, no máximo, quatro detentos, e os dados mostram que, em quatro anos de funcionamento, apenas um preso conseguiu fugir do complexo. Os presos têm total acesso e incentivo aos estudos, trabalhos, cursos profissionalizantes, oficinas de arte e cinema. Uma pesquisa realizada no local apresenta os seguintes dados em relação a opinião dos presidiários:

Para os detentos que utilizam das oportunidades de trabalho e emprego oferecidas pela GPA, a opinião dos mesmos é de total acordo com o projeto. Eles ressaltam a qualidade da infraestrutura, tanto das celas quanto das áreas de atendimento e educação, e dos itens básicos de higiene fornecidos. Também elogiam a atuação dos monitores como menos hostis quando comparadas a dos agentes penitenciários de outras prisões, desenvolvendo um ambiente mais respeitoso e seguro. Os detentos e suas respectivas famílias enxergam a PPP como a melhor alternativa para o cumprimento da pena (CORREA; CORSI, 2014, p. 10).

De acordo com a revista do Senado “Em discussão”, o presídio:

Para administrar os 2.016 presos da penitenciária de Ribeirão das Neves, a GPA conta com uma equipe de 600 funcionários nas áreas de segurança interna e de assistência jurídica, educacional, de saúde, material, de trabalho, cultural e profissionalizante. Na área administrativa, todos os cargos de direção são duplicados, sendo ocupados por um funcionário da GPA e por um servidor público. Ao todo, 200 servidores trabalham em parceria com a concessionária (SENADO, 2016, p. 13).

No presídio de Ribeirão das Neves, o Estado despende cerca de R$ 3,5 mil por preso, entretanto, nas unidades prisionais públicas, o valor por preso fica em torno de R$ 1,3 mil e R$ 1,7 mil. É neste fator que recai a principal crítica deste sistema: a mercantilização do sistema penitenciário para garantir lucro às empresas (SENADO, 2016, p. 11).

Desse modo, é possível perceber que o Complexo Prisional Público-Privado localizado em Ribeirão das Neves, Minas Gerais, é a experiência concreta de que a parceria público-privada nos presídios brasileiros pode cumprir com a dupla finalidade da execução penal qual seja, dar sentido e efetivação do que foi decidido criminalmente além de dar ao apenado condições efetivas para que ele consiga aderir novamente ao seio social e assim não cair nas antigas malhas do crime (FIGUEIREDO NETO; MESQUISTA; TEIXEIRA; ROSA, 2009).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando as propostas de gerenciamento prisional de outros países, é a implementação desse sistema carcerário no Brasil, observou-se a eficácia no que resulta em ambientes mais estruturados, melhora nos cuidados com a alimentação, saúde é educação dos presos e até atividades como forma de trabalho, assim consumando a possibilidade de ressocialização de cada um e até oportunizando uma oportunidade de encontrar emprego fora da cadeia com as habilidades que aprenderam dentro dela. Outro fator importante a se mencionar que poderia melhorar com essa terceirização, seria o desenvolvimento da infraestrutura das celas, já que muitas delas se encontram superlotadas, acarretando em ambientes sujos e precários para o convívio dos presos. Isso acaba trazendo mais revolta aos encarcerados, e logo quando conseguem sua liberdade muitos voltam a praticar novos crimes, contra a sociedade com um sentimento de rebeldia, advindo dos tratamentos que tiveram na prisão, dentre outros fatores pertinentes.

Por outro lado, a privatização do sistema carcerário brasileiro também apresenta seus pontos negativos, no que rege aos serviços prestados, já que pode ocorrer das empresas terceirizadas que forem gerir esse sistema, poder trabalhar de maneira corrupta visando apenas o lucro que pudesse obter sobre o trabalho de cada preso, ao invés de presar por sua reabilitação para que o mesmo pudesse viver novamente em sociedade. Outro fator importante a se mencionar é que como a terceirização de outras empresas sob o sistema prisional brasileiro funciona: já que, as mesmas ganham um certo valor por cada condenado logo, observa-se mais um dos motivos os quais a terceirização não visa a ressocialização, e sim apenas o lucro é pode ser mais um fator de uma corrupção no Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro. Brasília: CNMP, 2016.

DERANI, Cristiane. Privatização e Serviços Públicos: As Ações do Estado na Produção Econômica. São Paulo: Max Limonad, 2002.

FIGUEIREDO NETO, Manoel Valente; MESQUITA, Yasnaya Polyanna Victor Oliveira de; TEIXEIRA, Renan Pinto; ROSA, Lúcia Cristina dos Santos. A ressocialização do preso na realidade brasileira: perspectivas para as políticas públicas. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 65, jun 2009.

MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de presídios e criminalidade. São Paulo: Max Limonad, 2000.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2001.

NOVO, Benigno Núnez. Sistema carcerário brasileiro: problemas e soluções. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/65792/sistema-carcerario-brasileiro-problemas-e-solucoes>.

OSTERMANN, Fábio Maia. A privatização de presídios como alternativa ao caos prisional. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

SANTOS. Wilquer Coelho. Parceria Público-Privada no Sistema Penitenciário Brasileiro. Monografia (Graduação em Direito), Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Brasília, 2017.

SENADO.!. Primeiro complexo penitenciário no modelo. Revista Em Discussão! n. 36, 2016. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/privatizacao-de-presidios/privatizacao-de-presidios/primeiro-complexo-penitenciario-no-modelo>.

SILVEIRA, Gloria Luiza Machado. Responsabilidade civil do Estado atinente aos presos. Conteúdo Jurídico, Brasilia, 01 mar. 2017. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.588585&seo=1>.

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ZANIN, Joslene Eidam; OLIVEIRA, Rita de Cassia da Silva. Penitenciarias privatizadas: educação e ressocialização, 2006.


1Discente do curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba (UNICERRADO).
2Mestre em Ciências Contábeis pela FUCAPE Business School. Especialista em Direito das Relações Sociais e Direito Empresarial. Docente do curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba (UNICERRADO).