A NECESSIDADE DO COMBATE LEGISLATIVO À TAXATIVIDADE DO ROL DE TRATAMENTOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE FRENTE AO PODER NORMATIVO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7087086


Autor:
Marcelo Scarin Jantorno,
advogado trabalhista inscrito na OAB/SP n.º. 316.240 com ampla experiência na área, tendo atuado em escritórios de renome na capital do Estado de São Paulo, atualmente com banca própria.
Pós graduado em direitos humanos e direito tributário.


Resumo:
O presente artigo busca ressaltar, baseado em aspectos jurídicos, a necessária intervenção pela via legislativa como reação à taxatividade do rol de tratamentos obrigatórios da ANS pelos planos de saúde.

Abstract:
This article seeks to highlight, based on legal aspects, the necessary intervention through legislation as a reaction to the exhaustive list of mandatory treatments of the ANS by health plans

Keywords: taxatividade – “chenery” – poder normativo – agência reguladora – Agência Nacional de Saúde – PL 2.033/2022.

A NECESSIDADE DO COMBATE LEGISLATIVO À TAXATIVIDADE DO ROL DE TRATAMENTOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE FRENTE AO PODER NORMATIVO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

1 – Introdução

A expressão “rol taxativo” advém de interpretação da pelo SuperiorTribunal de Justiça à legislação que regulamenta os planos de saúde, qual seja, a Lei 9.656/1998. Este posicionamento jurisprudencial dispõe que a cobertura dos planos deve ser estabelecida pela própria Agência Nacional de Saúde, que elabora e mantém o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.

No mês de junho deste ano, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que os planos só estariam obrigados a financiar tratamentos listados naquele Rol, não podendo as decisões judiciais abarcar outros procedimentos que não expressamente previstos. É verdade que a decisão previa exceções, porem, estas submetiam o paciente a uma séria de longas tentativas anteriores, demandando tempo e dispêndio que o usuário deste tipo de serviço, por natureza, não detém.

A decisão desencadeou uma série de críticas e movimentos de instituições e diversos agentes sociais na defesa de pacientes usuários de planos de saúde que teriam sérios tratamentos subitamente interrompidos.Essa reação provocou o poder legislativo, que elaborou o projeto de lei específico para tratar do tema.

2Da necessária reação pela via político-legislativa

Este projeto (PL 2.033/2022), aprovado no Senado Federal, determina que o Rol da ANS será apenas um parâmetro, uma referência, para a cobertura dos planos de saúde. Procedimentos médicos não previstos na lista deverão ser aceitos desde que cumpram qualquer das seguintes condições: tenha eficácia comprovada cientificamente; seja recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou seja recomendado por pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional. [1]

Em que pese a decisão do Superior Tribunal de Justiça tenha efeitos práticos nefastos, de fato a teoria e os posicionamentos adotados anteriormente já alarmavam essa conclusão.

A Agência Nacional de Saúde é uma agência reguladora e, portanto, possui natureza de autarquia especial. O poder normativo dessas pessoas jurídicas de direito público são mais robustos que o mero poder regulamentar, podendo editar verdadeiras normas a respeito do seu âmbito técnico de atuação. Isso porque essa competência deriva da sua própria lei de criação, por autorização da própria Constituição Federal. Trata-se do fenômeno denominado “delegificação”.

O Doutrinador Eduardo García de Enterría conceitua a delegificação ou deslegalização como “a operação efetuada por uma lei que, sem entrar na regulação material do tema, até então regulado por uma lei anterior, abre tal tema à disponibilidade do poder regulamentar da Administração. Mediante o princípio do contrarius actus, quando uma matéria está regulada por determinada lei se produz o que chamamos de ‘congelamento do grau hierárquico’ normativo que regula a matéria, de modo que apenas por outra lei contrária poderá ser inovada dita regulação. Uma lei de deslegalização opera como contrarius actus da anterior lei de regulação material, porém, não para inovar diretamente esta regulação, mas para degradar formalmente o grau hierárquico da mesma de modo que, a partir de então, possa vir a ser regulada por simples regulamentos. Deste modo, simples regulamentos poderão inovar e, portanto, revogar leis formais anteriores, operação que, obviamente, não seria possível se não existisse previamente a lei degradadora” [2]

E essa possibilidade decorre do texto da nossa própria Constituição, como se vê por exemplo quando trata de entidades desportivas (art. 217, I), dos órgãos reguladores da prestação dos serviços de telecomunicações (art. 21, XI), da exploração do petróleo (art. 177, § 2º, III), dentre outras situações. [3]

Aliado a isso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça por vezes já aplicou a chamada doutrina “chenery”, exportada do direito americano. Este posicionamento já foi adotado, por exemplo, em sede de julgamento pela Corte Especial no AgInt no AgInt na SLS 2240SP, de Relatoria da Ministra Laurita Vaz, julgado em 7/6/2017. [4]

A denominada “the doctrine chenery”, ou doutrina chenery, surgira nos Estados Unidos no caso Sec. v. Chenery Corp., 318 v.s. 80, de 1943. Trata do caráter técnico-científico que a Administração Pública detém no na mitigação de alguns direitos por meio de políticas públicas. Segundo a “doutrina Chenery”, o Poder Judiciário não pode anular um ato político adotado pela Administração Pública sob o argumento de que ele não se valeu de metodologia técnica. Isso porque, em temas envolvendo questões técnicas e complexas, os Tribunais não gozam de expertise para concluir se os critérios adotados pela Administração são corretos ou não. [5]

Assim, as escolhas dos órgãos governamentais baseadas em critérios técnicos e científicos, desde que não sejam revestidas de reconhecida ilegalidade ou inconstitucionalidade, não podem ser invalidadas pelo Poder Judiciário.

De tudo isso nota-se a importância de uma lei quer preveja e regule expressamente as situações que permitam o acolhimento de procedimentos e situações não previstas taxativamente no rol da ANS, combatendo-se a problemática pela via da política normativa, conferindo maior segurança jurídica ao tema.

Referência Bibliográfica

[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/08/29/senado-aprova-obrigatoriedade-decobertura-de-tratamentos-fora-do-rol-da-ans;

[2] disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/646/r14819.pdf?sequence=4&isAllowed=y – ARAGÃO, Alexandre Santos de, O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado democrático de Direito, Revista Informação Legislativa, Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000, página 289;

[3] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm,

[4] Disponível em https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/informjurisdata/issue/view/604; [5] [1]

[5] Disponível em https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/informjurisdata/issue/view/604.