A MEMÓRIA COMO FONTE DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DE ESTUDO DO CURSO NORMAL DO PATRONATO SOUSA CARVALHO EM IPU-CEARÁ (1951- 1985)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11186840


Francisca Verônica Pontes Vasconcelos1,
Profª. Dr. Antonio de Pádua Carvalho Lopes²


INTRODUÇÃO

O presente texto busca refletir a memória como fonte de pesquisa, destacando sua contribuição para o estudo de instituições escolares e história da educação. Esta reflexão é parte de uma pesquisa de mestrado, que tem como objeto de estudo a formação de professoras primárias no Curso Normal do Patronato Sousa Carvalho em Ipu-Ceará no período de 1951 a 1985. 

A memória do passado da cidade de Ipu se materializa nos seus casarões, prédios públicos e instituições educacionais, sendo o Patronato Sousa Carvalho parte desta memória. A escolha por historiar o Patronato Sousa Carvalho se deu por ser a primeira escola fundada e mantida pela Igreja Católica de Ipu, sendo uma instituição educacional de grande relevância para a população local, mantendo uma forte relação entre fé e educação. 

Dessa forma, as memórias existentes e os elementos que constituem a história dessa instituição e das mulheres por ela formadas, serão analisadas a partir Le Goff (1994), Halbwachs (1990), Ecléa Bosi (1994) e Delgado (2009). 

OBJETIVOS

Analisar a memória individual e coletiva produzida a partir da análise de fotografias e das narrativas de vida, das ex-normalistas do Curso Normal do Patronato Sousa Carvalho. A partir disso, dispor dessas informações como fonte de pesquisa para tecer a história da instituição e história da educação ipuense.

METODOLOGIA

O percurso metodológico da pesquisa adentra à análise dos elementos fornecidos pela coleta de dados em fotografias e depoimentos dos atores sociais ligados diretamente à instituição estudada. Através do estudo da memória coletiva, tendo o sociólogo francês Maurice Halbwachs como base de estudos, analisamos a memória produzida pelas estudantes como um produto social com características inerentes as suas relações com os fatos, tempo e espaços escolares, sendo compartilhadas e assimiladas coletivamente, estando neste contexto, as memórias individuais conectadas a sociedade.

Em virtude de tratar-se de uma pesquisa de cunho histórico com abordagem qualitativa, opta-se pela pesquisa documental e da história oral por considerar que as fontes históricas, são responsáveis por dar o suporte necessário à compreensão do tema pesquisado e das suas categorias de análise, onde a investigação tem nas fontes produzidas pelos atores sociais ligados diretamente à instituição um campo de pesquisa para o desvelamento do passado. 

As fotografias são consideradas fontes de registro das memórias das exalunas da escola que se somam as suas impressões e emoções, na busca construção de uma memória coletiva e de uma identidade institucional. Durante a realização da pesquisa foram coletadas 50 fotografias de momentos distintos vividos pelas alunas no período entre 1951 e 1985, deste total apenas 20 foram analisadas no corpo do texto. As fotografias selecionadas, além de serem evidências da cultura escolar implementada na instituição, também ajudaram a reavivar as memórias dos entrevistados.  

 Para a coleta de informações orais, segue-se a seguinte distribuição: 

Quadro 1. Colaboradores participantes por período

ColaboradoresQuantidadeDécada de 50Década de 60Década de 70Década de 80
Ex-alunas (normalistas)102323
Total de Participantes10    
Fonte: Quadro de autoria do autor.

Sendo assim, aos nos debruçarmos sobre os estudos da história educacional do povo ipuense e principalmente das Instituições Escolares, iremos contribuir para uma reconstrução do passado através dos interesses do presente. Nesta perspectiva, a lembrança trabalhada dos atores sociais da escola será pensada como “uma reconstrução do passado com a ajuda de dados tomados de empréstimo ao presente e preparados por outras reconstruções feitas em épocas anteriores” (HALBWACHS, 1990, p.48).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com as mudanças trazidas pela da Nova História nos últimos anos, teve-se um aumento crescente pelo uso de novas abordagens na pesquisa em educação. O conceito de fonte foi redefinido a partir do pensamento contemporâneo e das novas representações do passado. A história oral permitiu que através das narrativas déssemos voz aqueles que outrora foram silenciados pela história, trazendo à tona novos métodos que permitem o resgate das experiências vividas, fazendo com que a memória resgatada através dos depoimentos passasse a ser uma fonte confiável na pesquisa científica.

O passado espelhado no presente reproduz, através de narrativas, a dinâmica da vida pessoal em conexões com os processos coletivos. A reconstituição dessa dinâmica pelo processo de recordação, que inclui ênfases, lapsos, esquecimentos, omissões, contribui para a reconstituição do que passou segundo o olhar de cada depoente. (DELGADO, 2017, p.16)

A história oral surgiu assim, como uma forma de resgatar um pouco do que foi vivido pelas alunas normalistas, transformando seus depoimentos em documentos capazes de desmistificar ideias pré-estabelecidas pelo pesquisador. Somadas as fotografias disponibilizadas pelos próprios entrevistados, construiu-se um conhecimento a respeito dos costumes, valores e práticas desenvolvidas pelo Patronato Sousa Carvalho. 

Diante da necessidade de se entender a educação formal e informal das jovens moças ipuenses, em meados das décadas de 50 a 80, o resgate da memória das estudantes através da coleta de depoimentos e análise das fotografias da época pesquisada, apareceram como um elemento norteador para se extrair detalhes da cultura escolar da instituição, relacionando-a a sociedade ipuense. Como nos diz Ecléa Bosi (1994, p.55 ) “o processo de desvendar a memória nos remete a compreender que lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado”. 

Dessa forma, considerando que a força da memória é sempre reforçada pela manutenção da identidade de um grupo, Halbwachs (2006) nos diz que a memória é resultado de um processo coletivo, no qual o indivíduo que pertence a um grupo compartilha experiências vividas por ele ou não, no sentido de reconstituir os fragmentos do passado. Na visão do autor, 

Nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. ‘E porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem. (HALBWACHS, 1990, p.16) 

O que podemos observar e relacionar a partir da análise das fotografias é que no processo de registro da história das ex-alunas da instituição, as memórias individuais contistuem a identidade de grupo e institucional. 

A partir do esforço empreendido nesse estudo, ampliamos nossas discussões sobre as múltiplas fontes de pesquisa, tendo como objeto de análise as memórias produzidas em registros fotográficos pela escola Patronato Sousa Carvalho, relacionando Historia Oral e cultura material escolar. Com isso, nossa intenção por ora apresentada, é contribuir para o entendimento de que a pesquisa em história da educação se fortalece ao passo que diversifica suas fontes de análise e seu percurso metodológico, levando a novas possibilidades de abordagem investigativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As memórias do Patronato Sousa Carvalho, registrada através das fotografias associada aos relatos orais, enriquecem a pesquisa, por revelar informações que complementam o aporte documental coletado, contribuindo para compreensão de parte do contexto histórico e social do qual a escola fazia parte. 

Este estudo nos trouxe, aspectos de análise da Memória como “fonte histórica”, contribuindo na pesquisa em educação para uma compreensão da cultura escolar através dos sentidos e valores dados as ações humanas no espaço e no tempo que corroboram para a dinâmica de funcionamento de uma instituição educacional, colaborando assim para o levantamento de reflexões no campo da História da Educação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de velhos, 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1994

CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean (org.). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos. Trad. Ana Cristina Arantes Nasser. 

DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História Oral: Memória, tempo, identidades. Autentica, 2017. 

HALBSWACHS, Maurice. Mémoire Collective. Paris: PUF, 1950 (Memórias Coletivas. São Paulo: Centauro, 2006) 

MAGALHÃES, Justino Pereira de. Tecendo nexos: história das instituições educativas. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2004. 

MELLO, Maria Valdemira Coelho. Ipu em Três Épocas. Fortaleza: Popular Editora,1985.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. Unicamp, 1994. 

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. [trad. Angela M. S. Corrêa].- 2ªed. 6ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2019. ________. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Trad. Denise Bottmann, Paz e Terra, 2021.


1Graduada em História e mentranda em educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Piauí.

²Graduado em Licenciatura Plena Em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí (1990), graduação em Bachalerado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (1989), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (1996) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2001). Atualmente é professor associado da Universidade Federal do Piauí.