A LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA À LUZ DA (IN) SINCERIDADE DOS  AGENTES POLÍTICOS

THE SYMBOLIC LEGISLATION UNDER THE (IN) SINCERITY OF POLITICAL AGENTS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10056477


Thaís de Souza Lima Oliveira1


Resumo: Embora o fenômeno da legislação simbólica seja corrente no Brasil, uma vez que há  textos sem qualquer significado jurídico-prescritivo, poucos são os estudos relacionados ao  tema, mormente levando em conta a (in) sinceridade dos agentes políticos. O presente  trabalho, a partir de Marcelo Neves e de Jürgen Habermas, busca estudar a relação entre  legislação simbólica e a (in) sinceridade dos agentes. Assim, num primeiro momento,  preocupa-se com a fixação do conceito de legislação simbólica. No segundo, em diferenciar o  agir comunicativo e o agir instrumental em Jürgen Habermas, para, ao final, relacionar o  conceito de legislação simbólica com o de agir estratégico. 

Palavras-chave: Legislação simbólica. Sinceridade. Agir estratégico. 

Abstract: Although the phenomenon of symbolic legislation is current in Brazil, since there  are texts with no legal-prescriptive meaning, there are very few studies related to the subject,  mostly considering the (in) sincerity of political agents. This paper, from Marcelo Neves and  Jürgen Habermas, seeks to study the relation between symbolic legislation and the (in)  sincerity of political agents. Therefore, at first, concerns the fixation of the concept of  symbolic legislation, and secondly discern between communicative action and instrumental  action in Jürgen Habermas, in order to, ultimately, relate the concept of symbolic legislation  with the strategic action. 

Key-words: Symbolic legislation. Sincerity. Strategic action.

1. INTRODUÇÃO 

É deveras comum, na sociedade brasileira, a edição de textos legais que se prestam  primariamente a atender finalidades políticas e que, assim, relegam a um segundo plano a  função normativo-jurídica. São as chamadas legislações simbólicas. O conteúdo normativo,  nesses casos, não corresponde às finalidades pretendidas com a edição do texto. Por existir um descompasso entre conteúdo normativo e a vontade do legislador em editar o texto legal,  as legislações simbólicas trazem à lume a discussão acerca da sinceridade dos agentes. 

O pretende trabalho, nesse paradigma, busca analisar a relação existente entre uma legislação simbólica e a sinceridade dos agentes, partindo-se, para tanto, dos ensinamentos de  Marcelo Neves sobre legislação simbólica e do conceito de sinceridade em Jürgen Habermas. 

2. DESENVOLVIMENTO 

Simbólico, símbolo e simbolismo são expressões ambíguas e vagas. Umberto Eco,  contando a história do dicionário filosófico de Lalande, afirma que este, depois de muito  pesquisar sobre o termo obtendo a ajuda de inúmeros peritos no assunto, concluiu que  “símbolos são muitas coisas e nenhuma. Em síntese, não se sabe o que é” (ECO, 1991). Para  não incorrer nesse vazio significativo ou, ainda, nas falácias da ambigüidade de que trata Copi(1981), a palavra “simbólico” é utilizada no contexto da expressão “legislação simbólica”  para indicar o predomínio da função político-valorativa sobre a função jurídico-instrumental,  o que significa que o texto legal produzido na atividade legiferante pertence à realidade  normativo-jurídica, mas se presta primariamente à finalidade política. Noutros termos, o  objetivo da legislação simbólica inicialmente não é regular condutas humanas ou assegurar  expectativas, antes atender a um verdadeiro jogo político. 

Para facilitar a identificação de um texto legal como simbólico, Marcelo Neves,  adotando a classificação proposta pelo alemão Harold Kindermann (2007, p.31), afirma que  uma legislação simbólica pode ter três objetivos: a) confirmar valores sociais; b) adiar a  solução de conflitos sociais através de conflitos dilatórios; c) demonstrar a capacidade de ação  do Estado.  

O primeiro objetivo da legislação simbólica destina-se à confirmação dos valores de  um grupo em detrimento de outro. A produção do texto passa antes a ser vista como umaforma de reconhecimento da predominância de determinados valores, uma verdadeira vitória  legislativa, relegando-se ao segundo plano a eficácia normativa da lei. 

O segundo objetivo é dilatar compromissos. Conflitos entre grupos políticos são  falsamente solucionados através de ato legislativo aprovado consensualmente pelas partes, o  qual, porém, é impossível de ser concretizado naquela realidade jurídica. A transferência da  solução do conflito para um futuro indeterminado é o escopo do diploma normativo, como sói  acontecer em tratados de proteção ambiental. Marcelo Neves (2007. P.41), citando as  investigações de Aubert, afirma que a lei norueguesa sobre empregados domésticos de 1948  serviu como fórmula de compromisso dilatório, pois, implementada supostamente para  melhorar as condições de trabalho dos empregados, a lei continha cláusulas que discretamente  impediam a sanção dos empregadores nas hipóteses de violação, as quais atuavam, assim,  como mecanismo para garantir a ineficácia da lei. 

O terceiro e último objetivo da legislação simbólica é fortalecer a confiança dos  cidadãos no governo. É a chamada legislação-álibi, expressão máxima da legislação  simbólica. Sob a pressão do público, o legislador, muitas vezes, elabora diplomas normativos  para atender às expectativas dos cidadãos ou para dar uma solução imediata ante uma  insatisfação popular com determinados acontecimentos sem que com isso haja o mínimo de  condições de efetivação das respectivas normas. O Estado, assim, descarrega-se da pressão  política e firma-se como sensível às exigências e expectativas dos cidadãos (NEVES, 2007,  p.39). Trata-se de uma forma de manipulação que imuniza o sistema político contra  alternativas.  

A legislação simbólica, à medida que envolve elemento psíquico (divisão tricotômica  de Harold Kindermann), pode ser relacionada com o conceito de sinceridade dentro do agir  instrumental da Teoria Comunicacional de Jürgen Habermas.  

Para Habermas, no agir estratégico as ações são orientadas para a consecução de  determinados fins, para o sucesso. Nessa busca pelo êxito diante do adversário, as pretensões  de verdade e de veracidade levantadas do ato de fala ficam então suspensas. Os agentes não  expõem claramente seus objetivos; os ouvintes tiram suas conclusões a partir do que o falante  dá a entender indiretamente.2 Nesse contexto, as intenções dos agentes políticos são  “ilocucionalmente insinceras” (NEVES, 2007, p.119). 

Na medida em que os atores estão exclusivamente orientador para o sucesso, isto é, para as consequências do seu agir, eles tentam alcançar os objetivos de sua ação  influindo externamente, por meio de armas ou bens, ameaças ou seduções, sobre a definição da situação ou sobre as decisões ou motivos de seus adversários. A coordenação das ações são sujeitos que se relacionam dessa maneira, isto é estrategicamente, depende da maneira como se entrosam os cálculos de ganho egocêntrico. O grau de cooperação e estabilidade resulta então das faixas de interesses dos participantes. (HABERMAS, 1989, p.164-165) 

Diversamente, no agir comunicativo os agentes coordenam seus planos mediante o  entendimento mútuo linguístico (NEVES, 2007, p.118). Os planos de ação são harmonizados  internamente e as metas somente são perseguidas sob a condição de um acordo existente, “sob  as quais Alter pode anexar suas ações às do Ego” (HABERMAS, 1989, p. 165-165). No modelo do agir comunicativo os agentes, assim, pressupõem a sinceridade dos participantes,  que renunciam qualquer intenção enganadora. 

[No agir comunicativo os agentes] só podem coordenar seus planos de maneira de um aceite a seriedade das intenções ou das solicitações do outro (como também a verdade das opiniões aí implicadas). Estão em jogo duas pretensões de validade: a sinceridade do projeto ou da decisão e a verdade da opinião expressa. (HABERMAS, 2004, p. 118-119) 

A legislação simbólica, conforme a teoria da ação comunicativa de Habermas, importa  em um agir estratégico, na medida em que a atividade legiferante não tem correspondência  com as intenções dos agentes políticos. Sob uma roupagem normativo-jurídica, textos são produzidos ao serviço do meio sistêmico do poder. O sentido manifesto da atividade  legiferante e o da linguagem legal (normativo-jurídico) encobrem o seu sentido oculto  (político-ideológico) (NEVES, 2007, p.119). 

O discurso dos agentes políticos, na legislação simbólica, é ilocucionalmente  insincero; não se visa à regulação de condutas e a asseguração de expectativas humanas,  presta-se, primariamente, para a confirmação de valores sociais, como fórmula de  compromisso dilatório ou como meio para reforçar a figura estatal como digna de confiança e  preocupada com os anseios sociais. Não se trata, nos ensinamentos de Marcelo Neves (2007,  p.119), de um “agir abertamente estratégico”, mas de um “agir ocultamente estratégico”, eis  que o público é iludido e mesmo manipulado inconscientemente. 

3. CONCLUSÃO 

Com base no referencial teórico foram fixados os conceitos de legislação simbólica e  de sinceridade. A legislação simbólica foi conotada como a hipertrofia da função política valorativa em detrimento da função normativo-jurídica. A sinceridade, por sua vez, foi trazida  dentro dos conceitos de agir comunicativo e agir instrumental, consistindo na ausência de  intenção enganadora dos agentes políticos. No modelo do agir comunicativo, os agentes voltados ao mútuo entendimento, agem sinceramente. No modelo do agir instrumental, ao  revés, os agentes, com vista no sucesso, utilizam-se de armas ou bens, ameaças ou seduções,  incluindo-se o engodo.  

Traçados os conceitos, sustentou-se que a legislação simbólica implica num agir  estratégico por não expressar os reais interesses dos agentes políticos, eis que seu desiderato  não é regular condutas ou assegurar expectativas, mas sim confirmar valores sociais e/ou adiar a solução de conflitos sociais através de conflitos dilatórios e/ou demonstrar a  capacidade de ação do Estado, 

No contexto da legislação simbólica, as ações de Alter somente conectam-se às de Ego  mediante manipulações. Nos dizeres de Habermas, “o grau de cooperação e estabilidade  resulta então, de faixas de interesses dos participantes.” (HABERMAS, 1989, p.165) 


2“Também as pretensões de verdade e veracidade levantadas com atos de fala não-reguladores já não almejam  diretamente a motivação racional do ouvinte, mas pretendem que o destinatário tire suas conclusões a partir do  que o falante lhe dá a entender diretamente”. (HABERMAS, Jurgen. Verdade e justificação: ensaios  filosóficos. Trad. Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004, 124 p.).

4. REFERÊNCIAS 

COPI, Irving Marmer. Introdução à lógica. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1981. 

ECO, Umberto. Semiótica e Filosofia da Linguagem. Trad. Milton Mariarosaria Fabris e  José Luis Fiorin. São Paulo: Ática, 1991. 

HABERMAS, Jurgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo  Brasileiro, 1989. 

______.Verdade e justificação: ensaios filosóficos. Trad. Milton Camargo Mota. São Paulo:  Loyola, 2004. 

KLUG, Ulrich. Lógica jurídica. Bogotá: Temis, 1990. 

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.


1Mestre em Direito Processual Civil pelo Programa Stricto Sensu de Pós-Graduação da Universidade Federal do  Espírito Santo. Endereço eletrônico: thais.sloliveira@gmail.com.