REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6614781
Autores:
Eduarda Costa Silva
Mariana Borges Watanabe
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo geral expor os argumentos sociais e jurídicos da discussão sobre o conflito aparente de normas envolvendo o direito à vida e o direito à liberdade de expressão à luz especificamente dos casos da religião denominada Testemunha de Jeová, que não permite transfusão de sangue por conceitos doutrinários, em frente ao direito à vida e dever do médico de salvar vidas.
Palavras-chave: Direito à vida; Liberdade de expressão; Liberdade de crença; Direitos fundamentais; Direito médico.
ABSTRACT
This article has the general objective of exposing the social and legal arguments of the discussion on the apparent conflict of norms involving the right to life and the right to freedom of expression in the light specifically of the cases of the religion called Jehovah’s Witness, which does not allow transfusion of blood for doctrinal concepts, in front of the right to life and the physician’s duty to save lives.
Keywords: Right to life; Freedom of expression; Freedom of belief; Fundamental rights; Medical law.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição da República brasileira surgiu em um momento onde se tinha a necessidade de resguardar e realizar direitos individuais bem como os coletivos. Em seu Artigo 5º é previsto que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” e em seu inciso VI do mesmo Artigo é positivado que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”
Observando as vivencias sociais é nítido a variedade de costumes e culturas religiosas, cada uma com características diferentes umas das outras. Tendo em vista esse aspecto, a religião exerce uma considerável influência na vida dos indivíduos, uma vez que impõe regras e doutrinas que exercem uma pressão psicossocial manipulando e de certa forma restringindo sua liberdade que é um direito natural.
O presente trabalho tem o objetivo de investigar a influência exercida pelas denominações religiosas nos direitos individuais das pessoas, sobre tudo o direito à vida. Considerando a vasta quantidade de organizações religiosas, o enfoque desse estudo é na comunidade de Testemunhas de Jeová, cuja doutrina não permite que os fiéis façam certos procedimentos médicos independentemente das circunstâncias.
De acordo com a situação exposta acima, em casos onde a vida está em risco o que deve ser feito se as regras religiosas de determinada pessoa não permitir certos procedimentos médicos? Qual o embasamento jurídico ou doutrinário que defenda a posição do médico ao realizar operações sem o consentimento do paciente ou da família? o direito de liberdade de crença deve se sobrepor ao Direito a vida em casos onde ambos entram em conflito? Como solucionar esse conflito? Qual direito mais relevante?
O Código de Ética Médica traz em seu ordenamento que ao médico é devida a obrigação de lançar mão de todos os recursos disponíveis para salvar vidas. Enfatiza ainda, no caso de que trataremos que o balizador para a transfusão de sangue, sem consentimento do paciente, deva ser o perigo iminente, ou não, de morte do sujeito.
2. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À VIDA X LIBERDADE RELIGIOSA
2.1 Direito à vida
A vida é um direito fundamental inviolável consagrado na Carta Magna, sendo o direito mais básico dentre os existentes por ser requisito fundamental para que haja os demais direitos. Além da proteção nacional, o direito à vida é considerado internacionalmente como o mais “sagrado”, e é protegido por pactos de direitos humanos, não podendo as constituições disporem de forma oposta, ou interpretar juridicamente de forma oposta por ser o direito mais protegido.
Doutrinariamente há esse entendimento de que o direito à vida assume uma posição mais à frente dos outros direitos fundamentais, assim, SILVA (2008, p.177), “a vida humana, que é objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, integra- se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais)”.
Neste sentido, ao falar do direito à vida, há nítida ligação com direito de existir, direito de integridade física e moral, e demais direitos conexos ao ato do verbo viver.
O direito à vida, de acordo com Alexandre de Moraes (2005), trata-se do “direito de continuar vivo e de se ter vida digna”. Para a Constituição da república a vida é o direito mais fundamental de todos, visto que para exercer demais direitos é necessário que o tenha antes. A Carta Magna, em seu Artigo 5º enfatiza a igualdade perante a lei garantindo a todos a inviolabilidade do direito à vida. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida […]”. Dessa forma, podemos falar que o direito à vida é condição para a proteção e para o exercício de todos os outros direitos.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, em seu art. 6º, III, dispõe que “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei e ninguém poderá ser, arbitrariamente, privado de sua vida”.
Paulo Gonet Branco afirma que:
“proclamar o direito à vida responde a uma exigência que é prévia ao ordenamento jurídico, inspirando-o e justificando-o. Trata-se de um valor supremo na ordem constitucional, que orienta, informa e dá sentido último a todos os demais direitos fundamentais”.
Conforme doutrinadores, o direito à vida trata-se de um direito natural uma vez que é anterior e superior ao Direito Positivo e, em caso de conflito, é ele que deve prevalecer.
Como a vida é considerada um direito fundamental tão importante, deveria implicar num direito também à existir de forma digna, não apenas à subsistir. Dessa forma, cabe desempenhar a função de ser um direito garantidor de outros direitos, e não um direito opressor.
Observa-se que o direito em questão ganhou enfoque midiático com o tempo em razão de se tornar cada vez mais nítida a grandiosidade do Estado Soberano e em contrapartida, o quão pequeno é o cidadão.
Friza-se que embora seja poderoso, o Estado não pode dispor de maneira livre do que dispõe os direitos fundamentais, de forma a dever buscar métodos para que estes sejam efetivados.
Neste sentir, o princípio da dignidade humana vem com o intuito de efetivar estes direitos, principalmente no tocante ao direito à prestação material.
Ocorre que deve ser observado que não há direito absoluto (inclusive, nem o próprio direito à vida). Dessa forma, a dignidade da pessoa humana vem com um valor absoluto no Estado Democrático de Direito para sanar qualquer imisção que possa ocorrer.
A vida é um Direito Fundamental que está consagrado na Constituição Federal de 1988. A Carta Maior proclama no seu art. 5º, caput, expressamente, “a inviolabilidade do direito à vida”, assim sendo, a vida pode ser considerada o mais básico de todos os direitos, já que é um pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente. Nos dizeres de alguns constitucionalistas, a vida é o direito humano mais sagrado.
O direito à vida é protegido no âmbito internacional, não podendo as constituições disporem diferentemente dele, nem os tribunais lhes dar interpretação restritiva, pois o Direito Internacional assegura uma proteção especial, assim, todos os direitos que gozam desta natureza necessitam de uma proteção ainda maior, uma vez que são supervalorizados pela comunidade internacional no seu conjunto, que é seriamente afetada em caso de violação. Na verdade, há o reconhecimento da vida como um princípio que possui uma densidade normativa maior que outros princípios.
2.2 Liberdade de crença
Para DINIZ (2009, p. 261):
A religião organiza as relações postuladas pela situação de dependência do homem das realidades sobrenaturais. A adesão do ser humano a uma religião revela não uma preferência pessoal e subjetiva, mas a crença numa realidade transcendente e superior a todas as outras. Tal adesão acarreta um conjunto de comportamentos rituais que estabelecem liames entre o homem e Deus e a obediência a normas cujas origens e sanções estão além de qualquer poder humano, modelando, por essa razão, o seu pensamento e a sua ação.
A liberdade religiosa, conforme explica Alexandre Moraes, é uma grande conquista que reflete a maturidade da sociedade, visto que a religião é uma das principais formas de liberdade de pensamento e manifestação.
Apesar da laicidade do Estado, conforme visto anteriormente, a Constituição Brasileira de 1988 garante a inviolabilidade da liberdade de crença positivada em seu Artigo 5º, inciso VI onde “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
No Brasil, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.
Pontes de Miranda (apud SILVA, 2013, p. 114) leciona que “o descrente também tem liberdade de consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito”. Dessa forma, a liberdade de crença suscita que o indivíduo tem o direito de ter a sua crença e também o direito de não ter crença nenhuma, mas não compreende a liberdade de perturbar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença.
O indivíduo exercendo a sua liberdade de pensamento, é livre para manifestar sua vontade em relação à sua fé escolhendo acreditar ou não em um Deus, conforme descrito a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos:
“Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 18]. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar a religião, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
Neste raciocínio, Maria Lúcia Karam leciona que:
“[…] livre, o indivíduo, naturalmente, deve poder pensar e acreditar naquilo que quiser. É esse o campo da liberdade de pensamento, de consciência e de crença. É um campo que diz respeito somente ao indivíduo, não podendo sofrer qualquer interferência do Estado. É um campo essencialmente ligado à própria ideia existente de democracia, pois sem um pensamento livre não existe a possibilidade de escolha que está na base dessa ideia”.
A exteriorização da liberdade de crença não é absoluta, uma vez que as práticas litúrgicas não podem afrontar valores e regras impostas pela sociedade, devendo evitar conflitos ou confrontos com demais direitos fundamentais, já que não é permitido que a liberdade religiosa se sobreponha a valores Constitucionais como por exemplo, o direito à vida e à dignidade da pessoa humana.
Para que haja liberdade religiosa precisa haver respeito às diferenças de cada um, pois sem a liberdade individual, não há no que se falar em liberdade de crença. Dessa forma, MIRANDA (1996, p. 359) dispõe:
A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinada crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorram (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis. E consiste por outro lado (e sem que haja qualquer contradição), em o Estado não impor ou não garantir com as leis o cumprimento desses deveres.
As crenças religiosas são direitos humanos básicos reconhecidos constitucionalmente em que as pessoas buscam os fundamentos espirituais e morais que dão sentido à vida na religião e aderem às crenças pessoais que afetam o estilo de vida do crente. O ser humano tem o direito de escolher livremente sua religião, oferecendo seu culto o deusas pois a escolha das normas e valores que norteiam a vida dos indivíduos é baseada na liberdade e vontade individual de cada um.
A Constituição Federal consagra a liberdade de crença religiosa para todo cidadão. A liberdade de religião nada mais é do que um ramo da liberdade de pensamento e expressão. Essa liberdade inclui crença, moralidade religiosa, crenças, rituais religiosos e adoração.
A melhor doutrina afirma que o direito à liberdade de crença religiosa deve ser entendido como a escolha de ter ou não uma religião, em um ambiente íntimo. A liberdade de consciência é íntima, mas em matéria que não implica ordem religiosa. A liberdade de ritos, por outro lado, caracteriza-se pela prática de cultos, com suas manifestações, reuniãos ou cerimônias.
A Constituição brasileira de 1824 promoveu que a religião oficial do país fosse o católico Apostólica Romana, porém, tal posição não foi formalizada pelas seguintes Cartas Magnas de 1891 e 1988. A liberdade religiosa de crença e culto, ainda hoje, não é tolerada. em muitos países. países do Oriente Médio, seja por motivos sociais, educacionais ou religiosos. Normalmente, essa liberdade é consagrada em nações civilizadas como o Brasil e os Estados Unidos.
3. DO CONFLITO DE DIREITOS: DIREITO À VIDA X DIREITO À LIBERDADE DE CRENÇA
Com enfoque na comunidade cristã Testemunhas de Jeová, cuja doutrina não permite que seus fiéis se submetam à transfusão de sangue, independentemente das circunstâncias. Mas já existem teóricos que defendem que o direito à liberdade religiosa deve ser respeitado, pois é uma escolha do paciente que tem suas crenças e suas convicções.
Deve o direito de liberdade de crença prevalecer sobre o à vida? A liberdade de escolha do sujeito? recusar ou não a transfusão de sangue? ainda que haja perigo de cessação de sua vida, deve prevalecer? O médico deve agir conforme seu Código de Ética, prevalecendo assim o ordenamento de que ele não pode deixar de usar todos os meios possíveis para preservação da vida? Em caso de recusa do paciente, pode o médico agir contrariamente? Em que casos ele poderia contrariar a liberdade de escolha do paciente? Como solucionar esse conflito? Qual seria o direito mais relevante?
Os direitos fundamentais tem grande importância por serem direitos indisponíveis, devendo ser salvaguardados mesmo contra a vontade de seu próprio possuidor.
Em se tratando de colisão de direitos fundamentais, a doutrina majoritária entende que nenhum direito fundamental é absoluto, portanto, havendo conflito entre dois direitos fundamentais opostos que podem ser aplicados no mesmo caso, não há uma regra ou lei específica que possa solucionar o conflito, apenas a interpretação hermenêutica dos juristas.
No tocante à religião “Testemunha de Jeová”, existe preceito doutrinário embasado nos dizerem bíblicos que vedam a utilização de hemoterapia tendo em vista que pelo sangue na referida religião ser sagrado, seria um desrespeito ao divino.
Neste caso em tela, há a nítida colisão entre o direito à vida, e o direito à dignidade humana, ambos amparados pela Constituição Federal de 1988.
Sob outra ótica, seria razoável permitir que o Estado viole uma liberdade de crença em nome da vida? Na aplicação do direito neste caso concreto há o que se chama de colisão de direitos, que é quando dois direitos diferentes podem ter aplicação na mesma situação, e este conflito deve ser resolvido através da hermenênutica.
O Código Penal brasileiro traz em seu rol da Parte Especial, Título I – Dos crimes contra a pessoa – as penalidades contra os que atentam contra esses direitos individuais. Já o Código de Ética Médica traz em seu ordenamento que ao médico é devida a obrigação usar de todos os recursos disponíveis para salvar vidas. Correntes teóricas defendem também que a medicina tem evoluído e já oferece outras técnicas de tratamento, aceitas, inclusive, pela comunidade cristã.
Muitos juristas enfatizam que, a partir do momento em que são definidos, pode haver a colisão entre direitos fundamentais casos em que há incompatibilidade de exercício de dois ou mais direitos pois o exercício de um, necessariamente, excluirá a possibilidade de exercício de outro. É a essa importante conclusão que chega SEQUEIRA (2004, p. 10):
“Isso significa que, desde Thibaut, a doutrina, praticamente em uníssono, tem considerado a colisão de direitos como um limite ao exercício de direitos, o qual se verifica sempre que o exercício de um direito impossibilita no todo ou em parte, o exercício de outro”.
Não se trata de estabelecimento dos limites entre um e outro direito e, sim, da admissão, em determinado caso concreto, de que um direito deve prevalecer sobre outro, numa situação de sobreposição.
De um modo geral, um aparente conflito de mandamentos básicos, como o caso das Testemunhas de Jeová que recusam transfusões de sangue, decorre do fato de haver dois mandamentos conflitantes, o direito à vida, por um lado, e a liberdade de religião e crença, por outro , nesse caso, deve-se observar que nenhum direito fundamental é absoluto, pois esses direitos podem ser relativizados em determinadas circunstâncias.
Apesar do status constitucional dos direitos fundamentais, em alguns casos esses mesmos direitos podem ser restringidos ou mesmo restringidos sob a alegação de que tal restrição ajudaria a proteger ou preservar outro valor constitucional. Para justificar restrições aos direitos fundamentais, utiliza-se o princípio da proporcionalidade.
É importante notar que a proporcionalidade é uma ferramenta necessária para avaliar a legitimidade de ações legais e normativas que limitam direitos fundamentais, e é necessária para legitimar as próprias decisões jurisprudenciais.
A proporcionalidade nada mais é do que a utilização do meio mais adequado e menos oneroso para tentar resolver um conflito, utilizando o mais estrito sentido de suficiência, necessidade e proporcionalidade, ou seja, não se admite excesso nas decisões judiciais, é necessário que o intérprete seja proporcional , as medidas tomadas são apenas estritamente necessárias.
A proporcionalidade está relacionada com a ideia de sobre-selo e sub-selo, pois os Estados devem atuar de forma efetiva para prover jurisdição e proteger direitos fundamentais.
Portanto, ao avaliar a necessidade de cirurgia que requer hemotransfusão, o médico precisa saber se o tratamento escolhido é suficiente para curar o paciente (adequação) e se o método utilizado (transfusão de sangue) é mais eficaz na prevenção do óbito.
Uma vez descoberto um tratamento adequado, o médico analisará as medidas corretas para alcançar o resultado desejado. O uso de hemoterapia e a escolha de medicamentos não devem ser excessivos, pois o paciente pode sofrer desnecessariamente, porém, devem ser utilizadas as medidas corretas, nem mais nem menos do que o necessário (adequado).
Além disso, o médico procurará o tratamento que seja menos oneroso para o paciente dentre todos os tratamentos adequados, como a terapia de reposição, caso não haja mais de um, ele optará pelo procedimento por meio de transfusão sanguínea. Os profissionais de saúde consideram os efeitos colaterais e se as consequências de uma ação médica superam o resultado final da cura da doença ou da prevenção da morte do paciente.
Muitas vezes, o tratamento pode até ser suficiente para salvar a vida do paciente e é necessário, mas pode causar danos irreversíveis, equivalentes aos danos colaterais causados pela doença. Aqui, então, o excesso de peso deve ser feito para decidir se é melhor continuar o tratamento doloroso ou suportar uma doença menos grave, deixando o paciente sob o risco de sua escolha pessoal.
4. PONDERAÇÃO À LUZ DO CASO CONCRETO
O Direito Constitucional surge quando é preciso encontrar a solução para casos de tensão entre direitos e bens juridicamente protegidos. Isso conduz a uma hierarquia, à atribuição de peso ou valor maior de um em relação a outros. É uma solução justa de conflitos entre direitos e princípios. Segundo CANOTILHO (1992, p. 1241), é método conhecido pela ciência jurídica.
Para ALEXY (2001, p. 295) fica determinado o critério de ponderação: pela ponderação, há interesses resguardados por princípios colidentes. Esse critério busca avaliar qual dos interesses, “abstratamente do mesmo nível”, possui “maior peso diante das circunstâncias do caso concreto”. Quando há dois princípios equivalentes abstratamente, prevalecerá, no caso concreto, o que tiver maior peso diante das circunstâncias.
O uso da técnica da concordância prática que estabelece que os conflitos entre direitos fundamentais devam ser resolvidos à luz do caso concreto. Somente diante dele será possível uma solução justa. Não deve haver um sacrifício de direito, mas sim sua concordância.
Na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de paz é que para crianças e adolescentes que necessitam de procedimentos de transfusão de sangue, mesmo que seus familiares sejam adeptos da religião “Testemunha de Jeová”, tais transfusões de sangue não podem ser evitadas porque países especiais de acordo com a Lei da Criança condições de proteção à criança e ao adolescente sob os princípios holísticos de proteção consagrados na Lei da Criança e do Adolescente.
A doutrina brasileira e as ideias dominantes nos tribunais são respaldadas por uma legislação que protege crianças e adolescentes nas eventuais situações que possam enfrentar. Portanto, o poder familiar não é absoluto, e os pais não podem impedir procedimentos que possam garantir a vida de um menor, ou mesmo dispor da vida de um filho, pois tal privilégio, ou seja, a vida, não é apenas o interesse central do família. , mas para a sociedade como um todo.
Os tribunais brasileiros têm se posicionado de forma diferente porque não há consenso sobre as questões debatidas. Mesmo assim, diante de familiares que professam a religião das Testemunhas de Jeová se recusando a consentir com o uso de procedimentos de hemotransfusão, resta uma decisão isolada sobre o dever dos médicos de auxiliar tais pacientes em sua conduta profissional. Nesse sentido, há algum registro significativo de ações de indenização?
Os médicos que utilizarem técnicas que envolvam hemoterapia contra a vontade do paciente ou de seus responsáveis serão punidos com danos civis, pois tal conduta caracteriza-se pelo estrito cumprimento das obrigações legais do médico.
Na esfera criminal, no tocante ao posicionamento de pacientes em pauta dos procedimentos abordando, um jurista do Tribunal de Justiça de São Paulo opinou:
A vida humana é um bem primordial e indisponível, que interessa não apenas ao indivíduo, mas a toda a sociedade, sendo que a lei vigente exerce opção axiológica pela vida e pela saúde, não admitindo, data vênia, interpretações que venham a ferir tal dispositivo fundamental em respeito a primazia da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico nacional, assim, uma vez comprovado o efetivo e real perigo para a vida do paciente, não cometeria delito algum o médico que, mesmo contrariando a vontade expressa dos familiares do paciente, ministre a transfusão sanguínea para salvar a vida do próximo.
Neste sentir, Sérgio Gischkow na 595000373.6:
Não cabe ao Judiciário, autorizar ou ordenar tratamento médico-cirúrgicos ou hospitalares, exceto em casos excepcionalíssimos e salvo quando envolver interesse de menores. Todavia, se iminente o perigo de vida, é direito e dever do médico empregar todos os meios necessários e úteis para salvar aquela vida, empregando, desta forma, todos os tratamentos, inclusive cirúrgicos se necessário, para salvar a vida do paciente, mesmo contra a vontade dos seus familiares, ainda que por convicções ou motivos religiosos, pois a vida não pode ser vista ou avaliada como um objeto, sendo a mesma um dos bens jurídicos mais importantes da existência humana, haja vista não existir sociedade sem a preservação da vida humana.
No que diz respeito à jurisprudência internacional, os tribunais norte-americanos têm entendido que, em razão da proibição do tratamento hemoterápico, a vontade do paciente deve ser respeitada independentemente dos riscos de sua escolha individual. Seguir a posição de que qualquer paciente adulto competente tem o direito de recusar qualquer procedimento, independentemente da gravidade de sua condição médica.
Nos Estados Unidos da América, o paciente declara concordar com a teoria da prática da intervenção médica, porém, se o paciente for menor ou incapaz, o pai ou responsável acaba por se recusar a autorizar o tratamento hemoterápico, levando à imediata prestação de serviços por autoridade judiciária competente.
De fato, abrir mão de direitos fundamentais em nome de eventos políticos, religiosos, culturais cria um paradigma negativo na luta pelo reconhecimento de um Estado democrático e de direito, e mesmo assim podemos abrir caminho para a relativização. constitucionalmente privilegiados, devem ser protegidos pelo Estado. Nesse sentido, a vida é um bem supremo, um bem maior, o mais fundamental de todos os direitos. Porque é um pré-requisito para a existência e exercício de todos os outros direitos.
Portanto, diante da incompatibilidade entre essas garantias básicas, os tribunais brasileiros têm priorizado o direito à vida sobre a liberdade religiosa, pois em caso de morte iminente, o médico é legalmente obrigado a transfundir o paciente, caso não seja possível dispensar tratamento este elemento.
A primazia essencial da hermenêutica constitucional é que o intérprete deve sempre se esforçar para que os direitos fundamentais atinjam sua finalidade, a plena realização dos benefícios individuais por meio da materialização de tais direitos.
Defendendo todos os direitos fundamentais, no entanto, essa realização é impossível, pois as normas jurídicas são naturalmente impossíveis, se forem encontradas em determinadas circunstâncias, dessa forma, procura-se preservar ao menos o cerne desses direitos fundamentais, garantindo a integridade desses direitos.
A preservação da natureza e a concessão do privilégio constitucional em face dos valores protegidos, aspecto positivo da atuação judicial.
No conflito de direitos fundamentais, a hierarquia desses valores constitucionais sempre se romperá, pois a incompatibilidade dos direitos no conflito levará inevitavelmente ao domínio de um direito em detrimento do outro.
O que ocorre é que muitas vezes o conteúdo de um direito fundamental não pode ser preservado em confronto com outro do mesmo direito fundamental, atingindo assim o corpo normativo desse direito, mesmo que seja um direito parcial, pois afeta a produção de um direito fundamental. mais harmonioso. explicar outros interesses legítimos.
É nesse sentido que a hermenêutica constitucional atua para preservar ou pelo menos minimizar as violações dos direitos fundamentais, pois as tentativas de maximizar sua eficácia limitando ao mínimo outros valores constitucionais podem entrar em conflito.
Entre esses princípios básicos para que não haja fratura ou ruptura em seus elementos centrais. Nesse sentido, o papel do juiz é justamente tentar resolver aparentes conflitos de princípios por meio da integração harmoniosa de valores conflitantes.
Nesse sentido, trata-se da recusa de transfusões de sangue por adeptos da religião “Testemunhas de Jeová”, que não recebem outro tratamento que não seja sem sangue por motivos religiosos. No sentido grave e iminente da vida de um menor, a família do paciente não pode impedir a transfusão de sangue, pois do ponto de vista físico, a vida vale mais que a religião nessa situação, principalmente quando se trata de crianças ou adolescentes.
Além disso, usando o protocolo real, é possível, sim, ter um valor coordenado ou ponderado. No caso específico, não se pretende violar as crenças religiosas de nenhum indivíduo, portanto, as transfusões de sangue não devem ser aplicadas se houver uma alternativa eficaz à terapia que envolva a hemoterapia. A liberdade de crença religiosa exige uma análise verdadeira da situação do paciente, pois o objetivo é não desrespeitar as crenças religiosas do indivíduo.
No entanto, se o paciente está gravemente doente, com risco de vida, não há tratamento alternativo, e a transfusão de sangue é o único meio adequado para salvar a vida do paciente, a transfusão de sangue deve ser realizada com respeito ao direito à vida. e dignidade humana.
5. CONCLUSÃO
O que deve prevalecer: o direito à vida ou à liberdade de crença?
De acordo com os entendimentos doutrinários, citados acima, que o médico deve respeitar tal liberdade, intervindo apenas quando houver perigo à vida, usando de todos os meios possíveis para preservação desta, pois o valor “vida” é anterior ao da liberdade. A religião, seja qual for, não pode pretender que o médico ignore as regras fundamentais de sua profissão colaborando então com a sua omissão para a vida de seu paciente.
Após todo o estudo realizado, desde a legislação constitucional, infraconstitucional e ética até o posicionamento jurisprudencial, nos casos em que o paciente, ou seu representante legal, recusar a transfusão de sangue por convicções religiosas, conclui-se que em caso de iminente risco de morte o profissional médico pode contrariar a vontade do paciente ou de seu representante legal, prevalecendo assim a vida. A vida é o bem mais precioso, que se sobrepõe a todos. Nesse sentido, o princípio do primado direito à vida, assegura que a vida tem prioridade sobre qualquer coisa, prevalecendo assim, sobre todos os outros princípios ou normas do ordenamento jurídico.
Ressalta a importância das perspectivas principiológicas na aplicação do direito e das garantias constitucionais é de grande valia, pois podem ser percebidas extensões dos princípios que se aplicam a cada caso, ampliando ou limitando a interpretação jurídica para atingir os valores fundamentais da sociedade da época.
Originalmente, dizia-se que o aparente conflito de mandamentos básicos, como a recusa de transfusões de sangue pelas Testemunhas de Jeová, se devia à existência de dois mandamentos conflitantes, o direito à vida, por um lado, e a liberdade religiosa de crer, por outro. outro. Diante disso, observando que nenhum direito fundamental é absoluto, é certo que esses direitos são relativizados em determinadas circunstâncias.
De acordo com a interpretação da hermenêutica constitucional, as normas constitucionais não entram em conflito porque, em cada caso, a jurisprudência utiliza critérios que orientam a prática de julgamentos ponderados.
Os indivíduos devem buscar a realização da vida, não denegrir os direitos constitucionais mais importantes do atual ordenamento jurídico com base em violações religiosas ou culturais. Nestes termos, o indivíduo deve respeitar a sua própria vida e a dos outros antes de qualquer outro privilégio, inviolável, irrevogável e inutilizável. O poder público tem a responsabilidade de preservar e proteger a vida humana.
Diante da análise específica de cada caso, deve-se buscar equilibrar esses direitos, aplicando-se os princípios constitucionais inerentes a cada um desses privilégios, mas quando houver perigo real à vida e houver tratamento alternativo disponível, tal tratamento deve ser buscado. Somente em situações de risco de vida, quando não há possibilidade de tratamento alternativo, deve-se optar pelo direito à vida, transfusão de sangue, ou mesmo contra os interesses do paciente.
A manifestação da vontade do paciente quando há possibilidade de tratamento alternativo, tão eficaz quanto a transfusão de sangue, é perfeitamente aceitável e deve ser respeitada devido à liberdade de crença religiosa, considerando o que se deseja preservar além da proteção da vida, Sim, as liberdades e crenças de todos também são protegidas, mas não há conflito de direitos ou violação da consciência pessoal.
Respeitar as liberdades individuais e coletivas torna-se muito difícil em uma sociedade “multicultural”. Portanto, diante de evidentes conflitos de direitos, por meio dos princípios da Constituição e da efetivação dos direitos e garantias básicos previstos na Constituição, a atuação do poder judiciário é a forma mais adequada para solucionar ou pelo menos reduzir os conflitos sociais existentes.
Portanto, sendo o Brasil um Estado laico, fundado em um Estado Democrático de Direito e protetor dos interesses individuais e coletivos, convém proteger a liberdade de consciência e de crença religiosa, sem violar garantias constitucionais explícitas, como os direitos. O direito à vida é consubstanciado no primado da dignidade humana.
Portanto, o direito à vida, como bem inviolável e intransponível, tem valor superior aos demais direitos. Assim, ao ponderar criteriosamente os bens jurídicos protegidos em conflito, os juízes terão a oportunidade de utilizar o princípio da proporcionalidade para fazer uma escolha justa.
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