A INTERVENÇÃO FISIOTERAPEUTICA COMO ESTRATÉGIA PARA A MELHORA DA QUALIDADE DE VIDA DE QUEIMADOS GRAVES: UM RELATO DE CASO

Luana Baron, Mirian Fernanda Missiura e Vera Lígia Bento Galli
Luana Baron e Mirian Fernanda Missiura acadêmicas do curso de Fisioterapia da Universidade do Vale do Itajaí.
Vera Lígia Bento Galli, Fisioterapeuta, profª do estágio supervisionado em Fisioterapia da Universidade do Vale do Itajaí.
Email: luana_baron@hotmail.com, milamissiura@hotmail.com, vgalli@univali.br
Endereço para contato: Avenida Almirante Fonseca Neves, n°600, Perequê, Porto Belo- SC CEP: 88210-000
Introdução
A pele é um órgão protetor e impermeável à água, que isola os componentes internos dos componentes do meio externo, uma barreira natural do organismo. Quando esta barreira se encontra destruída total ou parcialmente em decorrência de traumas como as queimaduras, ocorre uma alteração da homeostase humana (CARLUCCI; et al, 2007).
Um trauma térmico, independentemente de sua extensão, é uma agressão que pode causar danos físicos e psicológicos ao paciente. Os pacientes queimados se vêem imprensados pela exigência da beleza física, o que os torna, na maioria das vezes, inconformados com as cicatrizes em sua pele. Tal fato expressa-se na personalidade dos indivíduos, promovendo dificuldades crescentes para o retorno às atividades habituais (SOUZA; MENDES; SILVA, 1994).
Pode-se considerar que ao sofrer uma queimadura, o paciente passará por três fases distintas. A primeira fase, chamada de estado crítico, corresponde as primeiras 72 horas após a ocorrência do acidente e se caracteriza pela instabilidade do paciente. Após a estabilização, o paciente passará por uma fase aguda de reabilitação que envolve a realização de procedimentos bastante dolorosos. E a terceira fase, chamada de reabilitação de longa duração, inicia-se quando o paciente tem alta hospitalar (SMELTZER; BARE, 1998).
Nos últimos anos, o conhecimento médico e as técnicas cirúrgicas para tratamento de queimados evoluíram muito. O efeito imediato destes avanços foi o reconhecimento da necessidade de abordagens da queimadura sob um olhar multidisciplinar. Assim, integrando prevenção primaria, tratamento da fase aguda, cuidados para evitar seqüelas funcionais e estéticas e suporte psicológico (RODRIGUES, 1988).
No Brasil, os dados estatísticos sobre as lesões por queimaduras são escassos. Contudo, estes dados são importantes para que se possa compreender a magnitude do problema e para que se possa identificar as populações mais atingidas e as circunstâncias nas quais as queimaduras ocorrem, de forma que seja possível implementar programas de prevenção. O levantamento de dados epidemiológicos também é importante para a organização de unidades especializadas no tratamento de pacientes portadores de queimaduras; existem, no Brasil, poucos centros especializados no atendimento de queimados, de forma que muitas das vítimas de queimaduras são internadas em hospitais que não estão equipados para atendê-las (ROSSI; et al, 1998).
Dentro deste projeto de prevenção e cura do queimado encontra-se a fisioterapia, que aliada ao tratamento clínico e cirúrgico tem como objetivo básico garantir o melhor restabelecimento funcional e estético possível do indivíduo. Quando há intervenção fisioterápica precoce e contínua ao longo do processo cicatricial, seqüelas funcionais podem ser evitadas, abrangendo o tratamento dos problemas já existentes e a prevenção das seqüelas previstas para o futuro (RODRIGUES, 1988).
A fisioterapia é fundamental durante todo o tratamento, pois ela restabelece a condição débil encontrada na fase inicial, minimiza a formação de cicatrizes hipertróficas e retrações, a fim de proporcionar uma funcionalidade precoce, garantindo uma melhor qualidade de vida e reduzindo a possibilidade de cirurgias corretivas tardias (MELLO; JAYME, 2007).
O conhecimento dos problemas fisiopatológicos das queimaduras, juntamente com o conhecimento dos problemas psicossociais que os pacientes queimados enfrentam é essencial para a melhoria da qualidade da assistência prestada. Na medida em que a capacidade de preservar a vida tem melhorado, torna-se muito importante o desafio de ajudar o paciente e família a adaptarem-se ao estresse psicológico do trauma inesperado e ao novo estilo e qualidade de vida (RODRIGUES, 1988).
O compromisso de melhorar a qualidade de vida do paciente queimado é uma tarefa árdua, cujos atributos fundamentais são a dedicação e a perseverança na assistência a ele prestada. Para tal, é preciso entendê-lo enquanto pessoa, com cuidados muito especiais conseqüentes à situação traumática vivenciada (Wolfe, 1996; Tredget e cols, 1992).
Relato de Caso:
A paciente A.A.L, 17 anos chegou ao serviço de fisioterapia para avaliação e tratamento, constrangida e insegura. Relatava sentir muita dor à palpação na cicatriz de antebraço, apresentando limitação de amplitude de movimento das articulações escapulo- torácica, gleno-umeral, cotovelo e punho, retrações musculares de grande dorsal, bíceps braquial, flexores dos dedos, alteração de consciência corporal em hemicorpo direito e dificuldade para realização das atividades cotidianas.
As alterações tornavam-se ainda mais evidentes com a redução da auto-estima facilmente verificada em seus relatos: “Sinto dificuldade para fazer algumas coisas e sinto principalmente vergonha”. Não fazia uso de blusas com decotes e mantinha sempre o cabelo solto na frente do rosto. Também mencionava: “Não sinto prazer em me arrumar, e por isso quase não saio de casa.”
O tratamento fisioterapêutico teve duração de 4 meses, com 2 sessões de 40 minutos por semana, sendo realizado na Clínica Escola de Fisioterapia da UNIVALI, sob orientação dos supervisores de estágio.
As condutas fisioterapêuticas utilizadas foram: termoterapia (turbilhão), exercícios de alongamento, mobilização articular e manobras de liberação cicatricial, exercícios ativos de treino de AVD’s, progredindo para hidroterapia. Cabe ressaltar que além das condutas referidas enfatizou-se durante o tratamento o aspecto emocional da paciente, que com a evolução do quadro tornou-se co-responsável pela melhora, passando a confiar no serviço, e adequando os ganhos da fisioterapia às suas atividades de vida cotidianas.
Com o decorrer das sessões e da evolução do quadro, observou-se uma mudança comportamental na paciente, como a alteração no seu estilo de vestimenta, nas suas atitudes, nos seus relatos. Acima de qualquer melhora de amplitude de movimento, comprimento muscular ou adequação das suas atividades cotidianas, o mais importante foi a expressiva melhora na qualidade de vida percebida nas palavras da paciente:“ A fisioterapia me deu auto estima, o que eu nunca imaginei que ia ter, agora tenho vontade de sair, de me arrumar, conseguir um namorado…. Meus amigos me perguntam se eu fiz alguma cirurgia que meu cotovelo está esticado, e eu digo que não.. que isso é Fisioterapia!”
Branden, 1995 afirma que a auto-estima reflete o julgamento implícito da nossa capacidade de lidar com os desafios da vida, sentindo confiantemente a expandir a nossa capacidade de ser feliz, pois quanto maior ela for, maior serão as possibilidades de manter relações saudáveis, em vez de destrutivas.
Por isso, antes de pensar em qualquer atendimento a um paciente queimado, devemos ter em mente o contexto psicossocial no qual ele está inserido para que possamos elaborar um tratamento adequado, com maiores chances de sucesso.
É muito importante o conhecimento da fisiopatologia, das condutas e das injúrias causadas pela queimadura, porém se o Fisioterapeuta não tiver o compromisso de melhorar a qualidade de vida desse paciente, por mais que seja uma tarefa árdua, que exige dedicação e perseverança, jamais conseguirá um bom resultado com o tratamento, pois não conseguirá “empoderar” esse indivíduo, e dessa forma haverá menos chance de adesão à reabilitação, contribuindo sobremaneira, para a perpetuação das seqüelas da queimadura e reduzida qualidade de vida.
A partir de reflexões sobre a condição de estar queimado, entendemos como necessário se faz que as pessoas que lidam com o paciente partam do pressuposto de que as queimaduras graves ocorrem em segundos, mas podem deixar seqüelas para a vida toda, incapacitando o indivíduo ou desfigurando-o irreversivelmente, explicando-se dessa maneira os problemas psicossociais que este enfrenta durante toda a sua vida.
Referências Bibliográficas:
1. BRANDEN N. Auto-estima: como aprender a gostar de si mesmo. 18° ed. São Paulo: Saraiva: 1995.
2. CARLUCCI, Viviane Dias da Silva et al . A experiência da queimadura na perspectiva do paciente. Rev. esc. enferm. USP , São Paulo, v. 41, n. 1, 2007 . Disponível em: . Acesso em: 11 Jan 2008. doi: 10.1590/S0080-62342007000100003
3. HASTORF, A. H., SCHNEIDER, D. J., POLEFKA, J. Percepção de pessoa. São Paulo:
4. Edgard Blücher, 1973. 113 p.
5. MELO, Isabella Perillo; JAYME, Heliane da Cunha. Queimadura em crianças: a necessidade de prevenção, 03 de abril de 2007 Disponível em: www.wgate.com.br/conteudo/medicinaesaude/fisioterapia/variedades/queimaduras_isabella.htm. Acessado em: 12/04/2008.
6. RODRIGUES, A. Psicologia social. 12. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1988. 485 p.
7. ROSSI, Lídia Aparecida et al . Queimaduras: características dos casos tratados em um hospital escola em Ribeirão Preto (SP), Brasil. Rev Panam Salud Publica , Washington, v. 4, n. 6, 1998 . Disponível em: . Acesso em: 15 Apr 2008. doi: 10.1590/S1020-49891998001200007
8. Smetzer SC, Bare BG. Cuidados aos pacientes com queimaduras. In: Tratado de enfermagem médico-cirurgica. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998:1813-55.
9. SOUZA, Fatima Aparecida Emm Faleiros; MENDES, Isabel Amélia Costa; SILVA, José Aparecido da. Atitudes de profissionais de enfermagem em relação ao paciente queimado: elaboração e teste de fidedignidade de um instrumento. Rev. Latino-Am. Enfermagem , Ribeirão Preto, v. 2, n. 1, 1994 . Disponível em: . Acesso em: 23 Jan 2008. doi: 10.1590/S0104-11691994000100007
10. Tredget, E. E. & Ming Yu, Y. (1992) The metabolics effects of thermal injury. World J. Surg. 16: 68-79.
11. Wolfe, R. R. (1996) Relation of metabolic studies to clinical nutrition – the example of burn injury. Am. J. Clin. Nutr. 64: 800-808.