REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10012127
Ataíde Dias Barcelos
Thainara Nunes Dias de Oliveira
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo a discussão a respeito da efetividade das normas que tratam do direito à moradia no Brasil, focando nos moradores de rua, fazendo considerações entre o texto das normas e a necessidade de cumprimento dessas. A partir de uma análise detalhada dos princípios fundamentais do texto constitucional e do princípio da dignidade da pessoa humana se fixará os principais problemas que tolhem o mínimo existencial dos moradores de rua, e impedem a efetivação das diretrizes constitucionais. Por conseguinte, a pesquisa realizada utilizou-se do método de raciocínio dedutivo, saindo das premissas gerais constitucionais, como os princípios gerais e os direitos e garantias fundamentais, a fim de se chegar às premissas específicas relacionadas à (in)efetividade no cumprimento do texto constitucional à luz da situação dos moradores de rua, recorrendo à pesquisa bibliográfica para fundamentar o presente trabalho. Sendo assim, tratou-se de esclarecer as principais controvérsias constitucionais, a abordagem de políticas públicas ligadas aos desamparados em situação de rua, o início da propriedade de terras no Brasil e da função social da mesma, buscando defender a desapropriação, como assistência social, quando essa função da terra não estiver sendo respeitada, para atingir o bem-estar social da família.
Palavras-chave: Direitos e garantias fundamentais. Bem-estar social. Desapropriação. Direito a moradia. Moradores de rua.
INTRODUÇÃO
No atual momento em que vivemos, 31 anos de Estado Democrático de Direito que é “um modelo de organização política na qual se deve levar em conta a liberdade, a igualdade, o pluralismo político e a justiça social” (ARAUJO 1997. p 42), se faz necessário analisar alguns artigos da Constituição Federal de 1988 que buscam alcançar essa justiça social, que dá direito ao acesso a moradia no Brasil, principalmente aos moradores de rua.
Veremos que existem leis suficientes para suprir a necessidade dos desabrigados no país. Contudo, será feito uma análise da efetividade de algumas dessas normas, tentando entender o porquê da dificuldade de cumprimento, o que deveria ser feito e até mesmo como poderia ser feito. Para fácil entendimento o texto foi escrito destacando os artigos da CF/88, que buscam o auxílio e a proteção dos direitos dos desabrigados, de forma sequenciada. Para tanto, foi feito pesquisas em diversos artigos relacionados ao tema, sites e livros de autores conhecidos na área de Direito, sobretudo no âmbito do Direito Constitucional, tudo com o propósito de enriquecer o texto e analisar se a Constituição vigente é capaz de garantir esses direitos de forma eficaz.
1. ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Alguns artigos da Constituição Federal brasileira aparentam que exista uma vontade dos nossos governantes em transformar o Brasil em um país mais justo, através da diminuição das disparidades sociais, esses artigos serão destacados no decorrer desse texto.
De acordo com o IJF (Instituto Justiça Fiscal), cinco bilionários brasileiros concentram mesma riqueza que a metade mais pobre no país. Sendo assim, fica visível a diferença de um Brasil legal para um Brasil real (Lassalle 1933), onde a riqueza e a pobreza se distanciam por um grande precipício. Para LASSALLE (1933), a Constituição de um país somente pode ser considerada legítima se de fato representar o efetivo poder social, ou seja, se refletir as forças sociais que constituem o poder.
Visto isso, se faz necessário analisar de forma crítica alguns artigos da Constituição Federal de 1988. Dentre esses, o Parágrafo Único do Artigo 1º da CF/88 diz: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (CF/88). Em desfavor ao artigo, Brasil legal, o que podemos observar, Brasil real, é o poder, “emanado” do povo convertendo-se em favor desses governantes (representantes legais do povo) e exercido em prol de seus interesses particulares. Isso também foi percebido por LASSALLE, onde ele diz que:
Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder, a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social. (LASSALLE 1933, p.40).
Poderíamos, então, dizer que o problema da falta de eficácia, na Constituição brasileira, seria por pura negligência dos administradores para com a sociedade ou, então, por esses fazerem parte de outra classe social especifica desconhece a realidade enfrentada pela maioria da população?
É de conhecimento de todos que, no Brasil, as leis são produzidas pelo legislativo, isso está claro e bem descrito no livro Direito, Poder e Opressão:
“quem legisla é o grupo social que detém o poder, e, ainda, esse legislador, pertencente ao aparelho do Estado e oriundo dos grupos mais fortes, por isso mesmo, empalmaram o Estado, nunca legislará contra a sua ideologia que será, por extensão, a ideologia do próprio Estado. Nenhum Legislador é suicida” (AGUIAR 1980).
Por mais que tenhamos aprendido muito com o livro “O Príncipe” de Maquiavel, ainda hoje, passamos por situações como as descritas nesse. Dentre as passagens dessa obra magnífica temos a marcante frase: “Tão simples são os homens e de tal forma cedem às necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar” (MAQUIAVEL 2004, p.104). Lamentavelmente, esse tipo de situação pode estar longe de acabar, já que o homem é, conforme Aristóteles, “um animal político” (RAMOS 2014). De certo modo, os grandes “jogadores” da política usam da inocência das pessoas para enganá-las e atingir os seus objetivos de poder e “não há poder que não seja político, porque não há ser humano que não seja político” (AQUIAR 1980, p.59) Assim sendo, em harmonia com Maquiavel, é preciso dar poder ao homem para descobrir quem ele realmente é, o que nos remete, também, a frase do famoso filósofo suíço do século XVIII, Jean Jacques Rousseau, “Para conhecer os homens é preciso vê-los atuar”.
É importante lembrar que um dos fundamentos da Magna Carta no seu Artigo 1º, inciso III, é a dignidade da pessoa humana (CF/88). No entanto, se existe respeito aos Fundamentos, que é a base e os princípios da constituição, onde podemos encaixar os moradores de rua nesse contexto, pois, conforme o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2015 o Brasil tinha mais de 101 mil moradores de rua, ou seja, onde está “A dignidade da pessoa humana” quando se trata dessa minoria?
Não só o Art. 1º, mas também o Art. 3º, Inciso III – “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (finalidades a serem alcançadas): erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (CF/88) – aparentam ser mais bonitos na teoria do que na pratica quando se tratam dos direitos as minorias.
As normas citadas no parágrafo anterior, podem ser classificadas de acordo com os termos de José Afonso da Silva (1982) pois as mesmas possuem aplicação mediata ou indireta, ou seja, mediante auxilio, o que significa que não estão prontas para gerarem os seus efeitos na forma como foi apresentada pela Constituição, precisando, assim, de uma regulamentação infraconstitucional o que, de fato, caracteriza a sua eficácia como Limitada de Princípio Programático que, a saber, são normas nas quais o constituinte não regulou diretamente as matérias nelas traçadas, limitando-se a estabelecer diretrizes (programas) a serem implementados pelos poderes instituídos, visando à realização dos fins do Estado (DA SILVA 1982).
Lembrando, ainda, que a União poderá intervir nos Estados e no Distrito Federal para assegurar a observância dos princípios constitucionais “direitos da pessoa humana” (Artigo 34°, VII, b).
Paulo Nader, ao se tratar do Positivismo Jurídico diz que: “Sua atenção se converge apenas para o ser do Direito, para a lei, independentemente de seu conteúdo” (Nader 2003, p. 377). Infelizmente, por isso, não é encontrado na Constituição o que será feito para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e, também, em quanto tempo isso será feito. Com isso, observamos a não existência, por parte do Governo, de pressa para atingir esses objetivos, enquanto isso uma minoria, como os moradores de rua, por exemplo, aguarda o cumprimento desses princípios que garantam direitos, tais como, o de moradia e o de alimentação.
Vejamos abaixo o comentário do Ministro Celso de Mello sobre esses artigos citados (o art. 1º, III, e art. 3º, III da CF88).
(…) A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). [ARE 639.337 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 23‑8‑2011, 2ª T, DJE de 15‑9‑2011.] (FEDERAL 2012).
De certa forma “qualquer pessoa necessitada que não tenha condições de, por si só ou com o auxílio de sua família prover o seu sustento, tem direito ao auxílio por parte do Estado e da sociedade” (SARLET 2007), isso pode ser feita de várias formas como descreve em seu Artigo na Revista de Direito Administrativo, o professor Ricardo Lobo Torres:
A proteção positiva do mínimo existencial se realiza de diversas formas. Primeiramente pela entrega de prestações de serviço público específico e divisível, que serão gratuitas pela atuação do mecanismo constitucional da imunidade das taxas e dos tributos contraprestacionais, como vimos a proposito da prestação jurisdicional, da educação primária, da saúde pública etc. O status positivus libertatis pode ser garantido também pelas subvenções e auxílios financeiros a entidades filantrópicas e educacionais, públicas ou privadas, que, como dissemos, muitas vezes se compensam com as imunidades. A entrega de bens públicos (roupas, remédios, alimentos etc.), especialmente em casos de calamidade pública ou dentro de programas de assistência à população carente (merenda escolar, leite etc.), independentemente de qualquer pagamento, é outra modalidade de tutela do mínimo existencial. (de RL Torres – 1989, p.40).
Além dos princípios fundamentais da Constituição, ou seja, do Artigo 1º ao 4º, podemos citar também alguns incisos do Artigo 5º, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que reforcem os direitos que nos são garantidos nessa Carta Magna, dentre eles o de moradia, é, também, assegurado por essa, a possibilidade de desapropriação de uma propriedade particular, caso essa não exerça a sua função social.
1.1. Do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Compulsando ao período pós II Guerra Mundial, tem-se primariamente a consagração de uma nova forma de Estado, intitulado de Estado Democrático de Direito, ou até mesmo Estado do Bem-estar Social.
Seguindo nesta mesma linha, surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que logo em seu preâmbulo pondera que o “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
Mais à frente, o supracitado diploma legal em seu Artigo 1 assevera que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Nesta esteira, denota-se cristalinamente que a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 traz o prelúdio daquilo que se tornaria o princípio norteador do direito ocidental.
Destarte, o legislador constitucional atento às diretrizes tragas à baila na DUDH de 1948, traçou na Carta Magna de 1988 o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio norteador de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Ora, A Constituição de 1988, logo em seu artigo 1º estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, o que por si só, já demonstra que referido princípio é balizador de toda a legislação constitucional e infraconstitucional.
Pois bem, fixadas tais premissas, incontroverso que a Magna Carta considera a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado, garantida à toda população brasileira, sem qualquer tipo de distinção.
Destarte, é plausível destacar que não há um conceito totalmente definido do que seja a dignidade da pessoa humana, todavia, há parâmetros a serem observados, e sendo assim, Ingo Wolfgang Sarlet conceitua a dignidade da pessoa humana sob a ótica jurídica:
“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (SARLET, 2007, p.62)
Seguindo no raciocínio de que dignidade seja a garantia de condições existenciais mínimas, mister se faz a relação entre esse mínimo existencial e as condições de vida dos desabrigados no território brasileiro.
Segundo aponta o estudo “Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil”, a população em situação de rua cresceu 140% a partir de 2012, chegando a quase 222 mil brasileiros em Março de 2020.
Ora, por simples dedução lógica é possível observar a inefetividade nas diretrizes constitucionais, sobretudo na sistemática do princípio da dignidade da pessoa humana.
Se o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, e se referido princípio significa garantia ao mínimo existencial, qual a justificativa para os desamparados em situação de rua viverem sem a garantia de direitos primordiais segundo a redação da Lei Maior, como saúde, moradia, segurança e outros?
Desta feita, imprescindível asseverar que os caminhos foram muito bem traçados pelo legislador constitucional, e o princípio da dignidade da pessoa humana é o norte para que se garanta a efetividade das normas constitucionais relacionadas aos moradores de rua, conquanto, os meios para execução do texto constitucional e do princípio balizador do ordenamento jurídico não se mostram efetivos nesse caso.
2. DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
2.1. Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
“Direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos, “humanos”, reconhecidos e positivados na esfera do Direito Constitucional” (SARLET 2006, p. 35), o Artigo 5° da Constituição Federal de 1988 trata desses direitos, o caput desse artigo diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…” (CF/88).
Para AGUIAR, “os direitos humanos não são estáticos, não são outorgados, não são favores, são frutos que se sedimentam nas contradições das sociedades, são conquistas dos sem direitos” (AQUIAR 1980, p. 156).
Com isso surge a pergunta, onde estão os direitos humanos dos moradores de rua, quem luta por esses?
De acordo com a Constituição Federal, a propriedade atenderá a sua função social (artigo 5º, XXIII), entende-se, com isso, que a lei é favorável para que se consiga terra aos moradores de rua (sem teto), com a comprovação de que essas propriedades não exerçam a sua função social, ou conforme os procedimentos descritos na lei e essas terras poderão ser adquiridas como assim como diz o artigo 5º, XXIV: “A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição” (artigo 5º, XXIV).
O imóvel (propriedade rural) considerado improdutivo pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) é aquele que, embora seja agricultável, se encontra total ou parcialmente inexplorado pelo seu ocupante ou proprietário. Nesta condição, torna-se passível de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, onde podem ser incluídos os moradores de rua, por ser considerado um interesse coletivo.
O princípio da função social da propriedade impõe que, para o reconhecimento e proteção constitucional do direito do proprietário, sejam observados os interesses da coletividade e a proteção do meio ambiente, não sendo possível que a propriedade privada, sob o argumento de possuir a dupla natureza de direito fundamental e de elemento da ordem econômica, prepondere, de forma prejudicial, sob os interesses socioambientais (MACHADO 2008).
Há, também, especificado no texto abaixo uma diferença da função social da terra urbana e da terra rural (produtiva).
A ‘função social da propriedade’ – inscrita na Constituição brasileira de 1988 e posteriormente consolidada no Estatuto da Cidade de 2002 – é uma construção ideológica sugerindo (a intenção de) equidade e justiça no acesso à terra nas aglomerações urbanas onde vive hoje (2004) mais de 80% da população.
É, no entanto, um pseudo-conceito.
Por um lado, a ‘função social’ da terra ‘em geral’ – terra produtiva – é justamente de prevenir o acesso do trabalhador a ela, e é por isso que a propriedade constitui a base sacrossanta, por ser indispensável, do capitalismo e da sociedade burguesa.
Já o caso da terra urbana é diferente. Na aglomeração urbana (na ‘cidade’) a terra não permite produção para subsistência e assim, estritamente falando, a terra urbana não tem função social.
Em verdade, a terra urbana não é mais que suporte de uma localização, a saber, no espaço urbano, sendo que a forma de pagamento por ela: preço para adquirir a localização (em regime de propriedade) ou aluguel (a famigerada “renda”) para usufruir dela por determinado período – é secundária. (DEÁK, Csaba 1985).
Diante do supracitado, é totalmente plausível a adoção de medidas governamentais a fim de garantir a propriedade aos desamparados em situação de rua, como por exemplo, a desapropriação, como assistência social, quando essa função da terra não estiver sendo respeitada.
2.2. Dos Direitos Sociais
O direito à moradia é além de tudo um direito social, como descreve o Artigo 6º da Constituição Federal de 1988. “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (CF/88). Portanto fazem parte do Capítulo II dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Ainda, em se tratando dos direitos fundamentais podemos dizer que os “direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado” (DO TRABALHO 2005) e, então:
Por essa razão, os direitos humanos não são categorias prévias à ação política ou às práticas econômicas. A luta pela dignidade humana é a razão e a consequência da luta pela democracia e pela justiça. Não estamos diante de privilégios, meras declarações de boas intenções ou postulados metafísicos que exponham uma definição da natureza humana isolada das situações vitais. Pelo contrário, os direitos humanos constituem a afirmação da luta do ser humano para ver cumpridos seus desejos e necessidades nos contextos vitais em que está situado (FLORES 2009, p.19).
2.3. Da Assistência Social
A CF/88 também assegura o direito à assistência social a todos os necessitados. “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social” (artigo 203º). “A assistência a comunidades carentes tem se tornado algo complexo e desafiador principalmente para os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento” (MANAS 2012. p 15). Assim, medidas devem ser tomadas para não chegarmos ao estágio destacado por YAZBEK (2018):
É necessário destacar que, numa perspectiva socialista, a assistência é associada com avanço de civilização na medida em que garante os mínimos sociais e a atenção estatal em situações de fragilidade que qualquer um pode enfrentar. A pauta dos mínimos a serem garantidos a todos e das fragilidades a atender dependerá da própria luta e da demanda da sociedade sobre o que considera e requisita como garantia da dignidade de cada um e do conjunto dos cidadãos, garantias cuja falta configuraria ato ilícito passível até de sanção penal (YAZBEK 2018. p12).
Para se entender a complexidade da situação dos moradores de rua no Brasil é preciso compreender que basicamente toda essa estrutura perpassa pela desigualdade social existente no país.
Nesse diapasão, imprescindível destacar a perfeita elucidação realizada pelo cientista político Dalmo de Abreu Dallari (2011, p. 107):
… Não basta assegurar a todos a igualdade jurídica, no sentido da igualdade perante a lei, ou do gozo idêntico dos direitos civis e políticos, bem como da igualdade de participação nos ônus públicos. É indispensável, além disso tudo, garantir a igualdade de todos os indivíduos nas condições iniciais de vida social.
Destarte, dúvidas não pairam que a desigualdade social existente no Brasil impede que os moradores de rua tenham acesso a direitos básicos garantidos constitucionalmente. Segundo dados do IPEA e MDS, 67% dos moradores de rua são negros, a maioria recebendo entre R$20,00 (vinte reais) e R$80,00 (oitenta reais) semanais, sendo que os principais motivos para estarem na rua são alcoolismo, drogas, desemprego e desavenças com a família.
Neste ponto é que teoricamente deveria entrar o papel da assistência, todavia, conforme relatado durante todo o corpo deste trabalho, as políticas públicas de assistência social mostram-se inefetivas, ou quando possuem o mínimo de efetividade não são capazes de atingirem o ápice do problema: a desigualdade social existente no Brasil.
O art. 6º da Constituição Federal de 1988 fez menção expressa à “assistência aos desamparados”, por conseguinte, atentando-se para o texto constitucional foram criadas políticas públicas com o intuito de garantir assistência aos desamparados em situação de rua.
O principal expoente público nesse sentido é o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), previsto e regulamentado na Lei Federal nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS).
A nível municipal, podemos citar a criação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), além das políticas adotadas internamente por cada município de acordo com sua realidade.
Além disso, em 2009 o governo federal editou o Decreto 7.053 pelo qual instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento.
Em que pese haver inúmeras disposições legais visando a assistência social dos moradores de rua, e ainda diversas políticas públicas para tal, a realidade é totalmente antagônica, onde referidas políticas não se mostram efetivas.
Assim, importante destacar a conclusão de Bruno Wanderley Junior e Carla Ribeiro Volpini Silva em relação à assistência social promovida pelo governo:
À primeira vista, o Estado é indubitavelmente atuante e efetivo no enfrentamento dessa situação, em todos os âmbitos. Contudo, há um gigantesco abismo entre as ideias e os projetos do Estado de um lado, e a realidade dos moradores de rua de outro. O que se vê é o aumento do problema e o agravamento da situação dos moradores de rua, principalmente no que tange à violência. E não apenas a violência que enfrentam das constantes brigas entre eles próprios, ou dos ataques de pessoas preconceituosas e desumanas que, volta e meia, agridem os moradores de rua, mas a violência que sofrem do próprio Estado. (WANDERLEY JR.; SILVA, 2014, p. 69).
Ante o exposto, não restam dúvidas de que os projetos, planos e políticas públicas do Poder Público não têm efeitos práticos, permanecendo puramente no campo teórico.
3. DA POLÍTICA URBANA, AGRÍCOLA, FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA
3.1. Da União
A desapropriação também está assegurada pela Constituição Federal de 1988, como descrito no Artigo 22º inciso II: Compete privativamente à União legislar sobre a desapropriação (artigo 22º, II) e ainda, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (artigo 23º, IX); combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (artigo 23º, X). Como se pode notar, mais um parágrafo que deixa claro que existem normas que garantem auxílios sociais, aos necessitados, dentre eles moradias. Mas, como dito por DE OLIVEIRA (2017):
(..) É impossível travar as lutas sem reconhecer que as demandas de tantos outros agentes políticos são convergentes. Dessa forma a unificação do Movimento dos Trabalhadores sem Terra, dos Trabalhadores sem Teto, dos Catadores de Material Reciclado e da População em Situação de Rua em torno de uma pauta comum (reforma agrária, direito a cidade e a moradia) é urgente (DE OLIVEIRA 2017. p 196).
3.2. Da Política Urbana
Está expressamente escrito no caput do Artigo 182 da CF/88 que:
A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (artigo 182º).
Como bem-estar podemos colocar em destaque a moradia que pois “O direito a moradia integra o direito à subsistência, que é expressão mínima do direito a vida” (CUNHA, 1955), “O incentivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantindo-lhes o lugar para morar” (DE FARIAS 2010). “O direito a moradia derivado do direito a um nível adequado configura a sua indivisibilidade e interdependência e inter-relacionamento como direito humano” (JUNIOR 1999. p 67).
A partir daí se faz importante entender com AGUIAR (1980), em seu livro “Poder, Direito e Opressão” o surgimento dessas propriedades privadas no país.
Para entendimento dessas normas, tomemos como exemplo um lote de terreno qualquer, de propriedade de um cidadão A. Se perguntarmos a ele como adquiriu aquela propriedade, ele, provavelmente, nos dirá que comprou, recebeu como doação ou como herança de um outro cidadão B. Se formos verificar como B a adquiriu, constataremos que este também a recebeu, por uma das maneiras acima citadas, de um cidadão C e assim, retroativamente, iríamos percorrer os diversos proprietários até a aquisição originária. Pelo direito brasileiro, este proprietário original adquiriu o status real de titular de domínio daquele lote na medida em que obteve uma escritura que ligava aquele lote a seu patrimônio.
Assim, por via de palavras, a terra de ninguém passou a ser propriedade de alguém. (DE AQUIAR 1980, p.21).
3.3. Da Política Agrícola e Fundiária e Da Reforma Agrária
A outra hipótese de desapropriação extraordinária, quando a propriedade não esteja cumprindo a sua função social, é prevista nos arts. 184 a 186 da CF, denominada pela doutrina de desapropriação rural. Tem o objetivo de permitir a perda da propriedade de imóveis rurais para fins de reforma agrária. A indenização será paga em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, sendo que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. Possui disciplina na Lei 8.629/1993, e ainda na Lei Complementar 76/1993. (SOUZA, F. R. S. D. 2011).
Importante ainda destacar o § 2º desse mesmo artigo que diz: “O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação” (artigo 184º, § 2º).
Diferentemente de países que já realizaram mudanças no regime de posse e uso da terra e de outros que não mais inscrevem esse processo na sua pauta de prioridades, o Brasil apresenta hoje uma situação paradoxal: o tema continua presente no debate nacional, mas, talvez, devido ao fato de tanto discuti-lo, poucos ainda pensam em realizá-lo (SILVA 1971. p 197).
“Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º. As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º. O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
(…)”. (G.n)
Nesse sentido, o Governo deve obter essas terras e construir condomínios comunitários, por meio de projetos sociais que tenham por finalidade oferecer educação, lazer, moradia e dignidade para que essas pessoas possam, com o tempo, ficarem aptas a entrar no mercado de trabalho tão competitivo como esse do mundo capitalista no qual vivemos.
Podemos ver que existem diversas maneiras e terras que no momento não cumprem com a função social, disponíveis. Precisamos, ainda, que haja mais cobranças por parte da população para com os seus representantes em busca de que essas leis necessárias sejam elaboradas e essas minorias possam alcançar a tão sonhada Justiça social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o Poder Público tenha editado normas e criado políticas públicas que visem tutelar e efetivar os direitos fundamentais e princípios constitucionais aos desamparados em situação de rua, não houve sucesso, uma vez que segundo os dados estatístico utilizados no presente artigo, a população em situação de rua tem aumentado nos últimos anos.
Não obstante a inefetividade das políticas públicas, há outro obstáculo enraizado na realidade socioeconômica brasileira, a desigualdade social, que também se mostra como objeção à garantia do mínimo existencial aos moradores de rua no país.
Além disso, necessário frisar a inércia governamental quanto à adoção de políticas urbanas e agrárias que visem albergar os moradores de rua, haja vista a grande quantidade de propriedades urbanas e rurais que não satisfazem sua função social, e continuam totalmente improdutivas, mesmo havendo grande parcela da população que sequer possui acesso ao direito à moradia.
Sendo assim, podemos observar a falta de eficácia na elaboração de leis que possam alcançar essa minoria de pouco mais de 200 (duzentos) mil brasileiros. Infelizmente, talvez pela quantidade, que não é suficiente para eleger governantes, ou simplesmente por não chamar a atenção da grande mídia e não incomodar tanto.
No entanto, temos uma população numerosa e sem voz, que precisa, urgentemente, do apoio do governo e da população para poderem sair dessa agressiva situação de desamparo social.
REFERÊNCIAS
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