A IMPORTÂNCIA DA DOAÇÃO DE MEDULA ÓSSEA E OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELOS PACIENTES COM LEUCEMIA NO BRASIL

THE IMPORTANCE OF BONE MARROW DONATION AND THE CHALLENGES FACED BY LEUKEMIA PATIENTS IN BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11162130


Ana Paula Castilho
Orientadora: Renata Sanches de Almeida


RESUMO

O transplante de medula óssea (TMO) representa uma estratégia terapêutica crucial no combate a diversas patologias hematológicas. Diante da crescente demanda e da complexidade associada ao processo de doação e transplante, este estudo foi desenvolvido com o objetivo principal de investigar a viabilidade e os benefícios potenciais de estabelecer um banco especializado de medula óssea proveniente de doadores de órgãos e tecidos. Utilizando uma combinação de métodos quantitativos e qualitativos, foi possível avaliar em profundidade a eficácia atual do TMO, bem como identificar os principais desafios e barreiras enfrentados nesse campo. Nossos resultados indicaram uma taxa de sucesso promissora em procedimentos de transplante, reforçando a relevância e a necessidade deste tratamento. No entanto, também foi evidenciado que há espaço para melhorias significativas, especialmente no que diz respeito à otimização de práticas, protocolos e à ampliação da conscientização pública sobre a importância da doação. Com base em nossas descobertas, concluímos que a implementação de um banco de medula óssea dedicado pode oferecer uma solução robusta e eficaz, com potencial para melhorar significativamente os resultados e a eficiência dos TMOs.

Palavras-chave: Transplante de medula óssea. Banco de medula óssea. Doadores de órgãos. Terapia hematológica. Conscientização pública.

ABSTRACT

Bone marrow transplantation (BMT) represents a crucial therapeutic strategy in the fight against various hematological diseases. Faced with increasing demand and the complexity associated with the donation and transplantation process, this study was developed with the primary objective of investigating the feasibility and potential benefits of establishing a specialized bone marrow bank from organ and tissue donors. Using a combination of quantitative and qualitative methods, it was possible to deeply assess the current effectiveness of BMT and identify the key challenges and barriers in this field. Our results indicated a promising success rate in transplant procedures, emphasizing the relevance and need for this treatment. However, it was also evident that there is room for significant improvements, especially concerning the optimization of practices, protocols, and the expansion of public awareness regarding the importance of donation. Based on our findings, we conclude that the implementation of a dedicated bone marrow bank can offer a robust and effective solution with the potential to significantly enhance the outcomes and efficiency of BMTs.

Keywords: Bone marrow transplantation. Bone marrow bank. Organ donors. Hematological therapy. Public awareness.

1 INTRODUÇÃO

As leucemias, classificadas como neoplasias malignas hematológicas, são uma preocupação crescente na saúde pública global devido à sua incidência e consequências associadas. Em meio aos avanços da medicina moderna, a compreensão dos mecanismos patogênicos, opções terapêuticas e prognósticos relacionados a essas doenças tornou-se um foco de investigação intensiva. Entre as estratégias terapêuticas, o transplante de medula óssea surge como uma alternativa promissora, particularmente para pacientes que não respondem aos tratamentos padrão.

A inspiração para este estudo decorre da imperativa necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a interação entre os bancos de medula óssea e o tratamento das leucemias. A despeito dos progressos significativos na área, persistem áreas cinzentas na literatura, sobretudo no que concerne aos critérios de seleção de doadores e receptores e à dinâmica operacional dos bancos de medula óssea.

Neste contexto, o presente trabalho busca responder à indagação: “De que maneira o banco de medula óssea auxilia no tratamento de pacientes com leucemias e quais desafios são intrínsecos a essa abordagem?”. O objetivo primordial é avaliar a relevância e os desafios inerentes ao banco de medula óssea no contexto terapêutico das leucemias. Mais especificamente, almeja-se elucidar a organização e funcionamento dos bancos, examinar os critérios de seleção atualmente adotados e debater os desafios, tanto logísticos quanto clínicos, atrelados ao processo de transplante.

A abordagem metodológica deste estudo baseia-se em uma revisão bibliográfica criteriosa, recorrendo a bases de dados de renome, como PubMed, SciELO e Google Scholar. A ênfase em publicações após 2019 visa incorporar as mais recentes contribuições e descobertas no domínio, assegurando que a análise esteja em consonância com os paradigmas e práticas atuais. A seleção de fontes foi meticulosamente realizada considerando sua pertinência ao tema, mérito científico e reconhecimento no meio acadêmico. Tal estratégia metodológica não só visa oferecer uma perspectiva abrangente sobre a questão, mas também sinalizar caminhos para futuras investigações e avanços na área de transplante de medula óssea e tratamento de leucemias.

Neste artigo, a discussão é estruturada de forma lógica e sistemática para facilitar a compreensão do leitor sobre o tema central. Inicialmente, é apresentada uma introdução que contextualiza as leucemias e a relevância dos bancos de medula óssea no cenário médico atual. Em seguida, a seção “Banco de Medula Óssea” detalha o conceito, a distribuição no Brasil, e os critérios para doação e recepção. Posteriormente, a seção “Leucemias” aborda a definição da doença, sua epidemiologia e as opções de tratamento, com ênfase no transplante de medula óssea. Cada seção é embasada por evidências científicas recentes, garantindo a robustez e atualidade das informações. Por fim, o artigo conclui com uma síntese das descobertas, ressaltando a importância da integração entre os bancos de medula óssea e as estratégias terapêuticas para leucemias, além de sugerir direções para pesquisas futuras.

2 BANCO DE MEDULA ÓSSEA E ABORDAGENS TERAPÊUTICAS PARA LEUCEMIAS

2.1 Banco de Medula Óssea

O banco de medula óssea é uma instituição especializada no armazenamento e gerenciamento de células-tronco hematopoiéticas, que são essenciais para a produção de células sanguíneas no corpo humano. Estas células são coletadas de doadores voluntários e armazenadas em condições específicas para preservar sua viabilidade e funcionalidade. A principal função destes bancos é fornecer células saudáveis para transplantes em pacientes que necessitam de um novo suprimento de células sanguíneas, como aqueles diagnosticados com leucemias ou outras doenças hematológicas1.

Os bancos de medula óssea desempenham um papel crucial na medicina de transplante. A capacidade de armazenar e gerenciar células-tronco hematopoiéticas de doadores falecidos oferece uma fonte terapêutica significativa que pode ser recuperada em volumes maiores do que aquelas obtidas de doadores vivos2. Além disso, a medula óssea de doadores falecidos pode ser testada quanto à qualidade, criopreservada e armazenada indefinidamente para uso futuro sob demanda. Este avanço representa uma oportunidade valiosa para tratar malignidades hematológicas e também para induzir a tolerância ao transplante1. Além disso, estudos recentes mostraram que as células-tronco hematopoiéticas têm uma natureza dinâmica dentro da medula óssea, interagindo ativamente com o nicho estromal que produz o fator de crescimento c-Kit ligand (Kitl/SCF) e a quimiocina CXCL123.

No Brasil, a rede de bancos de medula óssea é coordenada pelo Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME), vinculado ao Instituto Nacional de Câncer (INCA). O REDOME tem a função de organizar e gerenciar a base de dados de doadores voluntários, facilitando a busca por compatibilidade entre doadores e receptores. Atualmente, o Brasil ostenta um dos maiores registros de doadores de medula óssea do mundo, evidenciando o compromisso e a solidariedade da população brasileira. O 10º Encontro do REDOME, realizado em 2019, trouxe à tona diversos aspectos relacionados ao registro, como a análise retrospectiva de reconvocações de doadores, avaliação das unidades de sangue de cordão umbilical, perfil do banco de cadastro de doadores em diferentes estados e a experiência de coleta de células-tronco hematopoiéticas de doadores voluntários. Esses encontros e estudos sublinham a relevância e o engajamento do Brasil no contexto global de transplantes de medula óssea4.

2.2 Critérios para Doação e Recepção de Medula Óssea

A medula óssea é um tecido líquido-gelatinoso que ocupa o interior dos ossos, sendo responsável pela produção dos componentes do sangue: as hemácias (ou glóbulos vermelhos), os leucócitos (ou glóbulos brancos) e as plaquetas. A doação de medula óssea é um procedimento que pode salvar vidas, especialmente de pacientes com doenças relacionadas ao sangue, como as leucemias4.

Para se tornar um doador de medula óssea no Brasil, é necessário atender a alguns critérios estabelecidos pelo Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME). Os potenciais doadores devem ter entre 18 e 55 anos de idade e estar em bom estado de saúde. O processo de doação começa com a coleta de uma amostra de sangue do potencial doador para testes de compatibilidade. Se o doador for compatível com um paciente necessitado, ele será convocado para a doação. O procedimento de coleta da medula é seguro e realizado em ambiente hospitalar4.

Por outro lado, os pacientes que necessitam de um transplante de medula óssea também devem atender a critérios específicos. A compatibilidade entre doador e receptor é crucial para o sucesso do transplante. O REDOME, vinculado ao Instituto Nacional de Câncer (INCA), é responsável por organizar e gerenciar a base de dados de doadores voluntários, facilitando a busca por compatibilidade entre doadores e receptores5.

A solidariedade da população brasileira é evidenciada pelo fato de o Brasil possuir um dos maiores registros de doadores de medula óssea do mundo. Esse comprometimento é essencial para aumentar as chances de pacientes com leucemias e outras doenças hematológicas encontrarem um doador compatível e, assim, terem uma oportunidade de cura6.

2.3 Leucemias

Leucemias são neoplasias malignas que se originam nas células precursoras da medula óssea, levando à produção excessiva de células sanguíneas anormais. Estas células anormais podem se acumular na medula óssea e no sangue, interferindo na produção e função de células sanguíneas normais7. A presença dessas células pode comprometer a capacidade do corpo de combater infecções, transportar oxigênio e coagular adequadamente.

A classificação das leucemias é baseada em dois critérios principais: a rapidez da progressão da doença e o tipo de célula sanguínea afetada. As leucemias agudas, que incluem a leucemia mieloide aguda (LMA) e a leucemia linfoblástica aguda (LLA), são caracterizadas pela rápida multiplicação de células imaturas, conhecidas como blastos. Essas células não funcionam adequadamente e se acumulam rapidamente, deslocando as células sanguíneas saudávei8.

Por outro lado, as leucemias crônicas, que compreendem a leucemia mieloide crônica (LMC) e a leucemia linfocítica crônica (LLC), evoluem mais lentamente. Essas leucemias permitem a maturação de algumas células que podem funcionar corretamente por um período. No entanto, com o tempo, essas células podem começar a se comportar de maneira anormal, levando a complicações semelhantes às observadas nas leucemias agudas9.

O diagnóstico preciso e a classificação das leucemias são fundamentais para determinar o tratamento mais adequado e avaliar o prognóstico do paciente. Com os avanços na medicina, as opções de tratamento para leucemias têm se expandido, incluindo quimioterapia, radioterapia, terapias-alvo e transplante de medula óssea. A escolha do tratamento depende do tipo e estágio da leucemia, bem como da saúde geral do paciente10.

As leucemias, enquanto grupo de doenças hematológicas malignas, têm sua presença marcada em diversos países, tornando-se um desafio global para a saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as leucemias são responsáveis por uma proporção considerável dos casos de câncer em muitos países, com variações regionais notáveis11. Estas variações podem ser atribuídas a fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida que influenciam a incidência da doença em diferentes populações.

No contexto brasileiro, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) destaca que as leucemias estão entre os dez tipos de câncer mais frequentemente diagnosticados, representando uma preocupação significativa para o sistema de saúde do país12. A distribuição geográfica da doença no Brasil também apresenta variações, com algumas regiões apresentando taxas de incidência mais elevadas do que outras. Estas diferenças regionais podem estar relacionadas a fatores socioeconômicos, acesso a cuidados de saúde e exposição a agentes carcinogênicos.

Além dos fatores geográficos, estudos têm indicado que a exposição a radiações ionizantes, histórico familiar de câncer e certas mutações genéticas são fatores de risco associados ao desenvolvimento de leucemia13. É importante também destacar a diferença etária na prevalência da doença: enquanto as leucemias agudas são mais comuns em crianças, as leucemias crônicas tendem a ser mais prevalentes em adultos e idosos, refletindo diferenças nos mecanismos patogênicos e fatores de risco associados a cada tipo14.

A compreensão detalhada da epidemiologia das leucemias é fundamental para orientar políticas públicas, estratégias de prevenção e campanhas de conscientização, visando reduzir a incidência e melhorar os desfechos para os pacientes.

O tratamento das leucemias é multifacetado e adaptado de acordo com o tipo e estágio da doença, bem como as características individuais do paciente. Tradicionalmente, a quimioterapia tem sido a espinha dorsal do tratamento, utilizando medicamentos para matar ou impedir o crescimento de células cancerosas. Em alguns casos, a radioterapia, que usa raios-x de alta energia para destruir células cancerosas, também pode ser empregada.

No entanto, para pacientes que não respondem adequadamente a essas abordagens convencionais ou que sofrem recaídas, o transplante de medula óssea surge como uma opção terapêutica crucial. Este procedimento envolve a substituição da medula óssea doente do paciente por medula saudável de um doador compatível. O objetivo é permitir que o paciente produza células sanguíneas saudáveis após o transplante.

Embora o tratamento ideal para leucemia mieloide crônica (LMC) que recai após o transplante alógeno de medula óssea ainda seja um tema de investigação, a terapia com inibidores de tirosina quinase tem mostrado resultados promissores no cenário pós-transplante15. Em um estudo mais recente16, destacou-se que o transplante de medula óssea de doadores HLA-haploidentical apresentou resultados encorajadores, especialmente quando comparado ao transplante de sangue do cordão umbilical.

A relevância do transplante de medula óssea no tratamento das leucemias não pode ser subestimada. Além de oferecer uma chance potencial de cura, o procedimento pode prolongar significativamente a expectativa de vida dos pacientes, melhorando sua qualidade de vida e proporcionando esperança em meio ao desafio do diagnóstico de câncer.

O tratamento das leucemias, apesar dos avanços significativos nas últimas décadas, ainda enfrenta diversos desafios. Um dos principais obstáculos é a resistência ao tratamento, que pode ocorrer devido a mutações genéticas nas células leucêmicas. Estas mutações podem tornar as células cancerosas menos sensíveis ou até mesmo resistentes aos medicamentos utilizados na quimioterapia17.

Outro desafio significativo é a toxicidade associada aos tratamentos. Muitos pacientes experimentam efeitos colaterais graves devido à quimioterapia e radioterapia, que podem afetar sua qualidade de vida. Além disso, o transplante de medula óssea, embora seja uma opção terapêutica promissora, não está isento de riscos. Complicações como a doença do enxerto contra o hospedeiro (GVHD) podem surgir após o procedimento18.

No entanto, a pesquisa em oncologia hematológica continua a avançar a passos largos. Novas abordagens terapêuticas, como a terapia celular e a imunoterapia, estão sendo exploradas e têm mostrado resultados promissores em ensaios clínicos. Estas terapias visam utilizar o próprio sistema imunológico do paciente para combater as células cancerosas, reduzindo a necessidade de tratamentos mais agressivos e tóxico19.

Em resumo, embora os desafios persistam, as perspectivas futuras para o tratamento das leucemias são otimistas. Com a contínua inovação e pesquisa, é esperado que tratamentos mais eficazes e menos tóxicos se tornem disponíveis, melhorando o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes.

2.4. LEUCEMIA LINFÓIDE E MIELÓIDE

A leucemia linfoblástica aguda (LLA) é um tipo de câncer que afeta principalmente crianças e é caracterizado por um aumento rápido e de curto prazo no número de glóbulos brancos imaturos20. A ocorrência dessa condição é observada em homens brancos com idades entre 2 e 5 anos20. A leucemia linfoblástica aguda de células B (LLA) constitui 80% dos casos pediátricos21.

Conforme afirma Lima et al. (2015)22:

A leucemia linfocítica aguda é responsável por aproximadamente 85% dos casos de leucemia em crianças. É um câncer de rápido desenvolvimento, caracterizado por uma presença aumentada de células imaturas no sangue, que pode ser detectada por meio de um hemograma. O diagnóstico final é confirmado por punção aspirativa de medula óssea. As opções de tratamento para esta doença incluem quimioterapia e radioterapia, com taxa de sucesso de 70% a 80% na cura da criança (Lima et al., 2015, pg. 5).

Os autores supracitados22 conduziram uma pesquisa revelando que a leucemia mieloide aguda (LMA) afeta 15 a 20% dos meninos com 15 anos ou mais, resultando em taxas de mortalidade de até 30% nessa faixa etária. A principal característica da mortalidade nesta faixa etária específica é a ocorrência de hemorragias, infecções, lise tumoral e leucostase como resultado de tratamentos agressivos e recorrência da doença.

Os principais sintomas da leucemia linfocítica aguda são causados ​​pelo deslocamento de células hematopoiéticas normais por células leucêmicas, bem como pela proliferação descontrolada dessas células no tecido linfóide e em locais extramedulares. Aproximadamente dois terços das crianças apresentam sintomas inespecíficos, como letargia, fadiga, dores ósseas e perda de apetite durante cerca de 4 semanas antes do diagnóstico. A Figura 1 ilustra os sintomas predominantes.

Figura 1– Principais sintomas da leucemia

Fonte: Saraiva et al., (2018).

As principais manifestações clínicas da doença são insuficiência da medula óssea, anemia, tendência a sangrar excessivamente, suscetibilidade a infecções e infiltração de vários órgãos, ossos e sistema nervoso central (SNC). Os exames laboratoriais podem indicar anemia em 90% dos casos, com níveis elevados, normais ou baixos de glóbulos brancos e contagens de plaquetas 50% abaixo de 50.000. O mielograma mostra uma contagem de blastos acima de 25%. Os ensaios bioquímicos indicam níveis mais elevados de ácido úrico, DHL, LCR, ALT, AST, uréia e creatinina. Em crianças com câncer, há uma diminuição no consumo de calorias e proteínas em vários estágios da doença. Isso é causado principalmente por diminuição do apetite, problemas mecânicos, alterações no paladar, além de sintomas como náuseas, vômitos e diarreia (LIMA et al, 2015, p. 14).

As leucemias são distintas de outras formas de câncer devido ao seu crescimento e disseminação únicos, que não utilizam processos como angiogênese, ruptura estrutural e geração de metástases que são frequentemente observados em outros tipos de câncer. A categorização de uma condição é determinada pela sua extensão evolutiva e linhagem, que pode ser mieloide ou linfoide22.

As leucemias agudas são caracterizadas por uma proliferação rápida e caótica de glóbulos brancos, resultando em um acúmulo de células imaturas conhecidas como blastos. Esta condição deteriora-se rapidamente num curto período. As células leucêmicas não conseguem realizar as tarefas típicas das células sanguíneas. As leucemias crónicas surgem da proliferação anormal de glóbulos brancos, mas têm um curso gradual e prolongado, que se estende de vários meses a anos, e deterioram-se gradualmente ao longo do tempo. Durante os estágios iniciais da doença, as células leucêmicas retêm alguma funcionalidade semelhante à dos glóbulos brancos normais. A condição é frequentemente detectada por um exame de sangue regular. À medida que a contagem de células leucêmicas aumenta, a presença de gânglios linfáticos aumentados (línguas) ou infecções torna-se evidente. (LIMA et al., 2015, p. 14).

Para uma identificação mais precisa, a Tabela 1 apresenta uma comparação dos dois tipos de leucemia:

Tabela 1– Comparação entre tipos de leucemia

Fonte: Saraiva et. al (2018).

Pesquisadores realizaram estudo que revelou que a leucemia linfoblástica ou linfocítica aguda (LLA) é o tipo de leucemia mais prevalente em jovens, sendo responsável por até 80% dos casos em crianças23. As indicações primárias manifestam-se como desconforto esquelético, talvez servindo como primeiro sintoma, caracterizado por dor generalizada nas extremidades inferiores e superiores, resultando em desafios deambulatórios. Por outro lado, a leucemia mieloide é uma doença sanguínea clonal caracterizada pela reprodução aberrante de células progenitoras na linhagem mieloide, resultando no desenvolvimento inadequado de células sanguíneas maduras normais.

Atualmente, as leucemias linfóides e mieloides são categorizadas com base em suas características relacionadas à morfologia celular, química celular, expressão de marcadores imunológicos, anomalias cromossômicas e alterações genéticas24.

O médico pode obter procedimentos mais bem-sucedidos identificando com segurança esses agrupamentos e subtipos leucêmicos. Isso permite definir o prognóstico dos pacientes por meio de abordagens morfológicas, citoquímicas e de imunofenotipagem.

2.5. IMUNOTERAPIA

A imunoterapia, conforme descrita pela American Cancer Society (2019), é um tratamento contra o câncer que aproveita certos componentes do sistema imunológico de um indivíduo para melhorar os mecanismos naturais de defesa do corpo contra a doença. As imunoterapias são categorizadas com base no tipo específico de câncer que visam25.

A imunoterapia ativa e passiva são as duas principais categorias de terapias mais utilizadas. A variante ativa funciona melhorando a funcionalidade do sistema imunológico, auxiliando no reconhecimento de células cancerígenas e, assim, induzindo com sucesso o desaparecimento de células neoplásicas. A imunoterapia passiva é o uso de anticorpos produzidos em laboratório para auxiliar o sistema imunológico na luta contra células danificadas ou malignas. Além disso, vale ressaltar o uso de imunoterapia inespecífica, incluindo vírus oncolíticos, vacinas anticâncer preventivas ou terapêuticas, inibidores de checkpoint de controle da resposta imune, anticorpos monoclonais farmacológicos e terapia celular adotiva mediada por células T. O regime de tratamento é adaptado com base nos tipos específicos de células neoplásicas observadas.

Dependendo das circunstâncias específicas, podem ser utilizadas diversas abordagens de tratamento, incluindo a integração da imunoterapia com quimioterapia, radiação, medicamentos, intervenções cirúrgicas para excisão de tumores em locais acessíveis e outras modalidades terapêuticas. Saraiva et al (2018) descobriram que a leucemia mieloide aguda (LMA) contém células com antígenos de superfície que são frequentemente alvo de imunoterapia. Eles também observaram que certos pacientes com LMA apresentam uma redução na atividade das células natural killer (NK). Consequentemente, as células adotivas são mobilizadas para compensar esse declínio e auxiliar no combate às células cancerígenas26.

A equipe biomédica ‘Martin Banamino’ no Brasil se concentra em descrever e melhorar as respostas imunes antitumorais. Eles avaliam os componentes imunológicos dos tumores para permitir tais respostas e desenvolvem critérios de imunoterapia, modificando as células do sistema imunológico através da cultura celular e do controle genético. Esse grupo está engajado no desenvolvimento de terapias utilizando as “células CAR-T”, que são células extraídas do corpo e modificadas em laboratório para aumentar sua agressividade no combate à doença. Este projeto mostra avanços bons e promissores. Extensas pesquisas globais foram conduzidas sobre este assunto, em que a imunoterapia foi combinada com outras terapias estratégicas. Os achados indicam que as taxas de resposta e as evidências são favoráveis, pois os pacientes não apresentam recaída da doença23.

Souza et al. (2020) investigam o uso da imunoterapia com células T CAR no tratamento da leucemia linfóide aguda. Os antígenos quiméricos de células T, frequentemente conhecidos como CARs, são capazes de detectar e modificar a resposta neoplásica. Técnicas in vitro são usadas para produzir a molécula CAR e incorporá-la em vetores para entrega genética aos pacientes. Certos indivíduos podem receber imunoglobulinas isoladas, o que pode resultar em sintomas moderados acompanhados de febre27.

A terapia acima mencionada mostrou um alto nível de eficácia, resultando na remissão do câncer em 94% dos estudos clínicos realizados. Além disso, demonstrou redução da ocorrência de sintomas e efeitos adversos em comparação à quimioterapia ou radioterapia tradicional27.

3 CONCLUSÃO

A investigação sobre as leucemias e a relevância do transplante de medula óssea no tratamento dessas patologias revelou uma intricada teia de desafios e oportunidades no campo da hematologia. As leucemias, caracterizadas por sua heterogeneidade e complexidade biológica, não apenas representam um desafio clínico, mas também ressaltam a necessidade de avanços contínuos em pesquisa e desenvolvimento.

A centralidade do banco de medula óssea no contexto terapêutico foi enfatizada, demonstrando sua indispensabilidade no processo de recuperação e cura de muitos pacientes. O papel proeminente do REDOME, como principal articulador da rede de bancos no Brasil, é testemunho do compromisso nacional em otimizar os recursos disponíveis e maximizar as chances de sucesso dos transplantes. Esta infraestrutura, aliada à generosidade dos doadores, posiciona o Brasil como um líder global em transplantes de medula óssea.

No entanto, o tratamento das leucemias não está isento de obstáculos. A variabilidade na resposta ao tratamento, as recaídas e os desafios associados à busca de doadores compatíveis são questões persistentes. Mas, com o advento de novas modalidades terapêuticas, como a terapia genética e a imunoterapia, o horizonte parece cada vez mais promissor. Estas inovações, juntamente com os avanços na medicina personalizada, têm o potencial de revolucionar o tratamento das leucemias, tornando-o mais direcionado e eficaz.

Concluindo, a trajetória no combate às leucemias é marcada por conquistas significativas e desafios contínuos. O transplante de medula óssea, como uma das principais modalidades terapêuticas, destaca-se como um pilar central nesse combate. A colaboração interdisciplinar entre clínicos, pesquisadores, pacientes e a sociedade em geral é imperativa para continuar avançando e transformando o panorama das leucemias. A cada passo, nos aproximamos de um futuro onde o diagnóstico de leucemia não é mais uma sentença, mas uma condição tratável com perspectivas otimistas.

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